A adolescência é um período da vida no qual o indivíduo passa por diversas mudanças, incluindo maturação física e cerebral, experiência de novas situações, novos relacionamentos com pares, pais, professores e mudanças no ambiente social (Casey, Jones, & Hare, 2008; Coutinho, Santos, Folmer, & Puntel, 2013). Para a Organização Mundial da Saúde (OMS) o período da adolescência é dos 10 aos 19 anos (Eisenstein, 2005) se caracteriza por um processo orgânico no qual o desenvolvimento cognitivo se dá de forma mais acelerada e a personalidade se estrutura (Schoen-Ferreira, Aznar-Farias, & Silvares, 2010).
No período da adolescência também é possível observar aumento de comportamentos de risco (Coutinho et al., 2013; Eaton et al., 2006), dentre esses o uso de substâncias (Alves, 2005; Baus, Kupek, & Pires, 2002) e sexo desprotegido (Benincasa, Rezende, & Coniaric, 2008) são os mais comuns. Quando observados os comportamentos de uso e abuso de substância nessa fase, percebe-se que muitos adolescentes experimentam ou consumem álcool frequen-temente (Pechansky, Szobot, & Scivoletto, 2004; Willhelm et al., 2015).
Estudos mostraram que esse consumo inicia muito precocemente, pré-adolescentes com cerca de dez anos de idade já experimentaram bebidas alcoólicas (De Almeida et al., 2014; Willhelm et al., 2015) e grande parte dos adolescentes com cerca de 15 anos já fizeram uso dessa droga lícita, porém, proibida e nociva para a faixa etária (Anjos, Santos, & Almeida, 2012; Willhelm et al., 2015). Outros estudos também mostraram que o uso de drogas ilícitas por adolescentes começa cada vez mais cedo, aumentando também os riscos de abuso e dependência de substâncias (Anjos et al., 2012; Galduróz, Noto, Nappo, & Carlini, 2004).
A adolescência é caracterizada por uma presença maior de comportamentos impulsivos e de menor capacidade de controle inibitório, se comparado a maioridade, o que aumenta as chances de ocorrerem comportamentos de risco (Alves, 2005; Coutinho et al., 2013). A impulsividade é caracterizada por padrões cognitivos e de comportamento e pode ser dividida em três subtipos: motora, que está relacionada a um déficit na inibição de resposta; atencional que se refere à dificuldade de resistir a estímulos tentadores; e não planejamento, que se refere à incapacidade de planejar em longo prazo, priorizando um ganho imediato (Malloy-Diniz et al., 2010).
Por sua vez, o controle inibitório se caracteriza pela habilidade superior de flexibilizar e adaptar um comportamento, quando o indivíduo se depara com alguma interferência (Yücel et al., 2012). Esse controle é um componente essencial na regulação do comportamento e envolve recursos mais maduros, de adiar gratificações e inibir comportamentos mais impulsivos (Yücel et al., 2012). Na adolescência, o controle inibitório de comportamentos pode estar mais empobrecido, decorrente das mudanças na estruturação cerebral, pois a região pré-frontal do córtex é a última a se maturar e é responsável pela inibição (Casey & Jones, 2010; Casey et al., 2008). Com o controle inibitório ainda não totalmente desenvolvido, há chance da ocorrência de comportamentos impulsivos que possam colocar jovens em risco (Steinberg, 2008; Van Duijvenvoorde, Peters, Braams, & Crone, 2016), como o abuso de substâncias, um fenômeno que merece atenção nesta fase.
Um estudo realizado em Lages (SC) com adolescentes de 8° e 9° ano concluiu que a percepção que os adolescentes têm do consumo de álcool, muitas vezes, não acompanha a hierarquia de prejuízos considerados graves, visto que eles tendem a experimentar mesmo sabendo que é proibido e que pode gerar consequências desagradáveis (Lorencet & Sommer, 2015). Além disso, os motivos para esse consumo são variados, envolvendo questões como curiosidade com relação aos efeitos das substâncias, como sensações de relaxamento ou excitação decorrente do consumo, diminuição da ansiedade em situações interpessoais, pressão social para se demonstrar pertencimento ao grupo, tentar amenizar o sentimento de solidão, problemas pessoais e sociais, estratégia de coping ineficazes para enfrentamento do estresse, entre outros (Paswan, Gai, & Jeon, 2015; Trigo, Silva, Fraga, & Ramos, 2015).
Observa-se também uma atitude paradoxal da sociedade quanto ao consumo precoce de álcool, que condena o uso de álcool por crianças e adolescentes, mas é permissiva e estimula o consumo por meio da publicidade (Pechansky et al., 2004). Isso também pode ser observado em um estudo realizado em Goiás que constatou que os adolescentes estão diariamente expostos às drogas, seja na família ou na sociedade em que vivem, gerando vulnerabilidade para o consumo ou experimentação (Faria Filho, Queiros, Medeiros, Rosso, & Souza, 2015).
Estudos que discutiram que adolescentes apresentavam comportamentos mais impulsivos (De Almeida et al., 2014) e com menor controle inibitório (Schulz et al., 2005; Yücel et al., 2012) já são conhecidos na literatura. Bem como, já é esclarecido que nessa fase da vida, os brasileiros iniciam a experimentação e consumo de álcool (De Almeida et al., 2014; Pechansky et al., 2004; Willhelm et al., 2015). Então, observa-se a importância de realizar um estudo que possa fornecer uma visão integradora da impulsividade, controle inibitório e uso de álcool na adolescência. Bem como, é necessário um entendimento dos comportamentos de controle de impulsos, quando comparados adolescentes que já consumiram álcool com os que ainda não fizeram esse uso, para avaliar se o consumo dessa substância lícita pode estar relacionado com tais questões.
Desta forma, o objetivo desse estudo foi verificar se os adolescentes que experimentaram álcool possuíam menor controle inibitório e maior impulsividade que adolescentes que nunca beberam. A hipótese desse estudo é que haveria diferença estatisticamente significativa entre os grupos que já realizaram consumo de álcool e os que nunca utilizaram nos resultados das tarefas de controle inibitório e impulsividade, sendo que participantes que já experimentaram essa substância apresentariam menor controle inibitório e maior impulsividade. Além disso, também objetivou-se verificar se existe a influência da percepção que os adolescentes têm sobre o consumo excessivo de álcool dos pais sobre o próprio uso, ou seja, se aqueles adolescentes que já experimentaram álcool acreditavam que algum familiar bebia em excesso. A hipótese desse objetivo é que os adolescentes que consideravam que seus pais bebiam em excesso, também consumiam bebidas alcóolicas, já que tinham esse modelo em casa.
Método
Esta pesquisa se caracterizou por ser um estudo quantitativo transversal o qual avaliou adolescentes de escolas públicas e privadas da cidade de Porto Alegre. O estudo respeitou as normas estabelecidas para a realização de pesquisas com seres humanos pelo Conselho Federal de Psicologia - Resolução n°. 010/12 e pelo Conselho Regional de Saúde (2012) - Resolução n°. 466/2012 tendo sido submetida e aprovada pelo Comitê de Ética da UFRGS. A amostra do estudo foi selecionada por conveniência, sendo composta por alunos de seis escolas de Porto Alegre, sendo quatro públicas e duas particulares, 122 adolescentes entre os 13 e 16 anos, de ambos os sexos fizeram parte deste estudo. A escolha das escolas também foi por conveniência. Foi feito o contato com a direção das escolas, no qual foram explicados os objetivos do estudo e feito o convite para participarem do mesmo.
Todos os alunos destas escolas que estavam dentro da faixa etária estudada foram convidados para participar da coleta de dados a partir de uma apresentação da mesma e de seus objetivos em sala de aula pela equipe de pesquisa. Os interessados levaram o Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE) para casa para que pudessem coletar a assinatura e autorização dos responsáveis e assim que o termo retornou à escola assinado, os alunos foram chamados para a avaliação.
As avaliações foram feitas de forma individual, pela equipe de pesquisa deste estudo, que consistia de uma psicóloga e por alunos de graduação em psicologia. A equipe foi previamente treinada na administração dos instrumentos e em como lidar com entrevistas com adolescentes. A coleta de dados ocorreu no turno inverso ao que os alunos estudavam, em uma sala silenciosa e bem iluminada cedida pela escola. A avaliação durou cerca de 60 minutos, numa única sessão.
Foram considerados critérios de inclusão estar na faixa etária pesquisada e estar devidamente matriculado na escola. Os critérios de exclusão do estudo foram pontuar "limítrofe" ou "anormal", no Questionário de Capacidades e Dificuldades, o qual rastreia problemas relacionados à saúde mental infanto-juvenil (Goodman, 1997); prejuízos cognitivos, motores, visuais, auditivos e/ou de linguagem que impediram a aplicação dos instrumentos de pesquisa; QI classificado como "extremamente baixo" (<70), avaliado pela Escala de Inteligência Wechsler Abreviada, versão reduzida (Trentini, Yates, & Heck, in press); e não ser alfabetizado.
Instrumentos
Barratt Impulsiveness Scale (BIS) - A BIS é o instrumento mais utilizado para medir impulsividade desde sua primeira versão em 1959 (Stanford et al., 2009). Contém 30 questões, sendo as opções de resposta (1) nunca/raramente; (2) às vezes; (3) freqüentemente; (4) quase sempre/sempre. A pontuação variava de 30 a 120 e não há um ponto de corte. Três fatores de impulsividade são avaliados: motor, não-planejamento e desatenção. A impulsividade motora descreve a tendência a agir no "calor do momento" e a consistência no estilo de vida. O não-planejamento refere-se à falta de planejamento de longo prazo, e a impulsividade de atenção descreve a intrusão de pensamentos automáticos e dificuldade em ter foco em uma tarefa. A versão utilizada nesse estudo foi a de Diemen, Szobot, Kessler, & Pechansky (2007), para contemplar as faixas etárias da adolescência. A escala foi validada para adolescentes do sexo masculino e tem coeficiente de correlação de 0,90 com consistência interna de 0,62 para os 30 itens, mais detalhes da adaptação podem ser observados no artigo original (Diemen et al., 2007). Como ainda não há validação desse questionário para adolescentes do sexo feminino, optou-se por utilizar a versão validada para ambos os sexos, como já realizado em outros estudos (De Almeida et al., 2014).
Go/NoGo Task (elaborada com base no estudo de Eigs-ti et al., 2006). A tarefa Go/NoGo foi usada neste estudo para avaliar o controle inibitório através da quantidade de erros cometidos pelos participantes. Esta demanda alto nível de funções cognitivas: tomada de decisão, seleção de resposta, inibição de resposta e foco de atenção. Existem várias versões normatizadas e comercializadas, como, por exemplo, a versão de Eigsti et al. (2006). Como não foi possível ter acesso a versão original da tarefa, optou-se por elaborar uma tarefa nos mesmos moldes do artigo que se utilizou como base (Eigsti et al., 2006), então, não foram feitas adaptações do instrumento, esse foi construído e utilizado de forma fidedigna ao original. A tarefa é realizada por computador, na qual os participantes sentam aproximadamente a 60 centímetros de distância da tela, com o seu centro na altura dos olhos. Os estímulos são apresentados por 500 milissegundos e um intervalo com a tela em branco foi apresentado por 1000 milissegundos. O estímulo go surge 75% das ocasiões, onde o sujeito deve apertar a tecla "espaço". Portanto, quando um estímulo no-go surge, o sujeito não deve pressionar nenhum botão. O teste consistiu em 384 ensaios (estímulos) e foi divido em duas partes iguais de 192 estímulos cada parte. Esta versão foi adaptada para abranger jovens adolescentes, o estímulo alvo foi a imagem de um queijo e o estímulo não-alvo foi a imagem de um gato, mantendo fidedignidade da versão de Eigsti et al (2006). O participante era instruído a pressionar a tecla "espaço" toda vez que visse a imagem de um queijo, mas não pressionar nada quando visse a de um gato. Foram medidos dois tipos de erros: omissão, quando o participante não pressionava no estímulo alvo e comissão, quando o participante pressiona o botão no estímulo não-alvo. Esses dois tipos de erros são cometidos, quando o controle inibitório não é ativado. As figuras eram de 2,7 cm de altura e largura, feitas com base em estudo (Hämmerer, Li, Müller, & Lindenberger, 2010) que usou mesmo tamanho de imagem e que serviu como embasamento para a tarefa descrita no estudo de Eigsti et al. (2006). Foi realizado um estudo piloto para verificar a sensibilidade dessa versão nesse estudo. Os resultados do estudo piloto, realizado com 16 adolescentes mostrou uma tendência importante (p < 0,08) para a comparação entre idades e sexos, por isso, optou-se por utilizar a tarefa na pesquisa.
Five Digit Test (Sedó, 2004). Este instrumento avalia a velocidade de processamento, capacidade de dirigir e mudar o controle atencional, controle de inibir os impulsos, capacidade de flexibilizar o pensamento e permitir a exploração do efeito Stroop em indivíduos que não leem ou até mesmo que falem outro idioma. Foi usada neste estudo para avaliar o controle inibitório através de duas medidas: flexibilidade, que avalia a capacidade do indivíduo de se adaptar rapidamente se concentrar em uma nova regra fornecida; e inibição, que avalia se o participante consegue inibir rapidamente um comportamento automático. O teste é dividido em quatro partes sucessivas: (a) decodificar, (b) descrever, (c) inibir e (d) deslocar. Cada parte envolve a produção de quatro listas verbais idênticas, usando atividades de ler, descrever, escolher e alternar. Todas as partes do teste têm uma sessão de treinamento contendo dez itens. Após as instruções, o participante tem quatro tentativas de responder corretamente os itens (Sedó, 2004). No estudo espanhol, o teste apresentou resultados satisfatórios (>70) de confiabilidade e validade. Este instrumento, atualmente, está sendo adaptado para a população brasileira com resultados preliminares já publicados (Paula et al., 2013; Paula, Querino, Oliveira, Sedó, & Malloy-Diniz, 2015).
Questionário sobre o uso de droga (Carlini-Cotrim, Carlini, Silva-Filho, & Barbosa, 1987). Este questionário contempla perguntas de múltipla escolha a respeito do início e hábito do uso de álcool e drogas, questões como a frequência do uso, a idade de início, a droga ou bebida alcóolica de preferência, se algum familiar consume frequentemente álcool ou drogas, entre outras, assim como também contém breve questionário socioeconômico. O questionário é uma adaptação do instrumento proposto pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e desenvolvido pela Research and Reporting Project on the Epidemiology of Drug Dependence (Smart et al., 1980). A adaptação brasileira foi feita por Carlini-Cotrim et al. (1987) e também é utilizada nos levantamentos nacionais sobre o uso de álcool e drogas realizados pelo Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas, como o levantamento realizado por Carlini, Galduróz, Noto e Nappo (2002).
Análise de Dados
O programa utilizado para a análise de dados foi SPSS 18.0® (Statistical Package for Social Science 18.0). Os participantes foram divididos em dois grupos a partir do seu uso prévio de álcool: adolescentes que já haviam feito uso em alguma vez na vida e os que nunca haviam feito. Foram realizadas análises descritivas dos dados para levantar médias, desvios padrão, os locais de uso dos adolescentes que já haviam utilizado álcool, bem como se estes consideravam que algum familiar fazia uso abusivo da substância. Para comparar os grupos com e sem histórico de uso de álcool, foram realizados testes t de Student para comparar os escores nas variáveis: controle inibitório e impulsividade. O grau de significância adotado foi de 0,05.
Resultados
A amostra do estudo foi composta por 122 jovens entre os 13 e 16 anos, com média de idade de 14,84 anos (DP = 0,99), sendo predominantemente feminina (n = 77, 63,1%). Em relação ao tipo de escola, 72,1% (n = 88) da amostra estudava em escola pública. Estes dados podem ser observados na Tabela 1. Os resultados das análises dos questionários demonstraram que 77,87% dos adolescentes já haviam feito uso de álcool pelo menos uma vez. Ao comparar os grupos com uso de álcool (CUA, n = 95) e o grupo sem uso (SUA, n = 27), houve diferença estatisticamente significativa nas variáveis de impulsividade em todas as subescalas da BIS, demonstrando relação entre o consumo de álcool e impulsividade, ou seja, adolescentes que já consumiram álcool apresentaram maiores escores de impulsividade. Não houve diferença estatisticamente significativa nas demais variáveis como pode ser observado na Tabela 2.
Variáveis | Média Grupos (DP) | T | P | Cohen's d | |||
---|---|---|---|---|---|---|---|
CUA (n=95) | SUA (n=27) | ||||||
Go/NoGo erros comi tot | 14,58 (10.01) | 16,85 (10,25) | 1,035 | ,303 | 0,224 | ||
Go/NoGo erros omi tot | 29,35 (20,73) | 23,51 (17,84) | -1,329 | ,186 | 0,302 | ||
Go/NoGo erros tot | 43,87 (24,00) | 40,37 (23,69) | -,671 | ,503 | 0,209 | ||
BIS total | 68,77 (10,02) | 61,67 (9,11) | --3,318 | ,001* | 0,741 | ||
BIS atenção | 20,82 (3.63) | 18,96 (2,90) | -2,447 | ,016* | 0,722 | ||
BIS motor | 22,41 (3,65) | 19,67 (4,97) | -3,161 | ,002* | 0,628 | ||
BIS planej | 25,82 (4,66) | 23,41 (4,43) | -2,398 | ,018* | 0,530 | ||
FDT inibição | 21,66 (9,33) | 21,48 (7,41) | -,091 | ,928 | 0,021 | ||
FDT flexibilidade | 30,67 (15,89) | 29,22 (8,28) | -,455 | ,650 | 0,114 |
Abreviações. CUA = Com uso de álcool; SUA = sem uso de álcool; Go/NoGo erros comi tot = Total de erros de comissão na Go/NoGo; Go/ NoGo erros omi tot = Total de erros de omissão na Go/NoGo; Go/NoGo erros tot = Total de erros na Go/NoGo; BIS total = Pontuação total na Barratt; BIS atenção = Subescala de atenção da Barratt; BIS motor = Subescala motora da BIS; BIS planej = Subescala de não-planejamento da Barratt; FDT inibição = inibição medido pelo Five Digits Test; FDT flexibilidade = flexibilidade medido pelo Five Digits Test. Notas. * = p < 0,05.
Ao analisar apenas os adolescentes que já utilizaram álcool, 40,42% (n = 38) do grupo que considerou que algum familiar bebia em excesso. Além disso, ao analisar o local onde estes adolescentes utilizaram álcool pela primeira vez, um percentual de 32,6% havia consumido dentro de sua própria casa, os demais locais podem ser observados na Tabela 3. Já entre os adolescentes que nunca utilizaram álcool, apenas 14,8% (n = 4) acreditavam que algum familiar bebia em excesso.
Também foi questionado aos adolescentes com quem eles costumavam beber com mais frequência. Os resultados demonstraram que os amigos eram as pessoas com quem bebiam com maior frequência (n = 55; 57,9%; Tabela 3).
Discussão
Os comportamentos de risco podem estar presentes na fase da adolescência, estando relacionados com o uso e abuso de substância, dentre outros comportamentos como sexo desprotegido e atividades que rompem ou burlam leis (Casey & Jones, 2010; Coutinho et al., 2013; Gullo & Dawe, 2008). Além disso, de acordo com a literatura, a presença de comportamentos impulsivos pode ocasionar a experimentação de álcool e drogas (Casey & Jones, 2010; Casey et al., 2008; Spear, 2013). Nos resultados desse estudo, foram observados maiores escores de impulsividade nos adolescentes que já haviam utilizado álcool. Os dados demonstraram ter uma associação entre impulsividade e experimentação do uso de álcool entre os adolescentes.
Estudos relataram que o controle inibitório de adolescentes pode ser prejudicado com o consumo excessivo de bebidas alcóolicas em curto espaço de tempo (Czapla et al., 2015; López-Caneda, Rodríguez-Holguín, Corral, Doallo, & Cadaveira, 2014). Apesar disso, nos dados deste estudo não foram observadas diferenças estatisticamente significativas entre o consumo de álcool e o controle inibitório em nenhuma das duas tarefas que avaliaram esse constructo (Go/No-Go e Five Digits Test). Esses resultados podem indicar que o controle inibitório, neste estudo, não foi uma habilidade determinante para o primeiro uso de álcool. No entanto, apresentar maiores níveis de impulsividade pode ser fator importante para o início do consumo, visto que os dados demonstraram haver essa associação.
A literatura aponta que o controle inibitório possui relação com o consumo de álcool em adolescentes. Um estudo longitudinal com uma amostra de 387 adolescentes observou que o controle inibitório baixo pode ser preditor do uso de álcool (Meisel, Colder, & Hawk, 2015). No entanto, esse foi válido apenas para alto consumo de bebidas alcóolicas e não para consumo baixo (Meisel et al., 2015). Outro estudo observou deficiências específicas de resposta de inibição apenas no grupo de adolescentes que bebiam muito num curto espaço de tempo (binge drinking), enquanto na análise da resposta de inibição dos grupos que consumiam pouco álcool, não foram detectados déficits (Czapla et al., 2015). Estes resultados concordam com a ausência de diferenças do controle inibitório entres os dois grupos desta pesquisa (que já experimentaram álcool e os que não experimentaram).
Também deve ser ressaltado que no Brasil, não são realizadas campanhas de conscientização a respeito dos possíveis danos que o consumo de álcool pode causar de forma contínua. Pelo contrário, existe uma imagem do álcool como uma substância "recreativa" aceita, no qual, seu uso é estimulado pela mídia e pela sociedade (Pechansky et al., 2004). A convivência diária dos adolescentes com drogas no próprio bairro, família e nas ruas pode resultar em vulnerabilidade para o consumo e naturalizar o abuso (Son & Choi, 2010), evidenciado pelo fácil acesso e pelo incentivo ao uso precoce (Malta et al., 2014).
Os dados relativos aos resultados das comparações entre grupos nas medidas de controle inibitório (não houve diferenças estatisticamente significativas entre os dois grupos avaliados) podem ser explicados pelas questões culturais, envolvendo o uso desta substância. Os prejuízos do consumo de álcool são menosprezados pela cultura (Oliveira, Romera, & Marcellino, 2011; Pinsky & El Jundi, 2008) e o controle inibitório tem como premissa interromper ou alterar um comportamento que se julgue inadequado. Como culturalmente beber álcool pode não ser considerado danoso, porque, muitas vezes, as peças publicitárias destacam somente a parte "benéfica" do ato de ingerir bebidas (Oliveira et al., 2011), não há a necessidade de supressão deste comportamento, ainda mais, quando existem modelos familiares que também fazem uso destas substâncias, como no caso dos resultados deste estudo. O que se sugere, é que talvez a falta de controle inibitório não seja uma variável determinante para a experimentação de álcool nos adolescentes, visto que, o consumo de álcool é estimulado sem restrição de idade, como pode ser observado nos resultados encontrados na revisão bibliográfica de Pinsky e El Jundi (2008). Os comportamentos de impulsividade dos adolescentes podem resultar na experimentação do álcool antes da idade legalmente permitida (De Almeida et al., 2014). Por isso, a habilidade de controle de inibição de impulsos pode ser um fator de proteção e ser "ativada", quando se têm claros os riscos e prejuízos do uso do álcool. No momento em que esses adolescentes não consideram o consumo de álcool como danoso, não há a necessidade de um controle desses comportamentos de risco.
Também é importante enfatizar que o uso ou não de uma substância não é simplesmente definido pela presença ou não de impulsividade ou controle inibitório. Outras variáveis como uso na família, grupo de amigos, disponibilidade ou facilidade na aquisição, crenças positivas e negativas em relação à substância são fatores que influenciam o comportamento dos adolescentes (Faria Filho et al., 2015).
Nessa direção, foi possível observar que, na amostra, mais de 40% dos adolescentes que já experimentaram álcool consideraram que algum familiar bebia em excesso. Além disso, 32,6% (n = 31) dos estudantes que já fizeram uso de álcool referiram que utilizaram o álcool pela primeira vez dentro de casa. Por outro lado, entre os adolescentes que nunca utilizaram apenas 14,8% informam que algum familiar bebia em excesso. Isto demonstra a percepção que os adolescentes têm do abuso de álcool por parte de parentes. Possivelmente, para os participantes que já utilizaram álcool, o consumo é conhecido e observado em pessoas próximas, logo, não é considerado danoso. A influência do uso de álcool por parte dos familiares para a experimentação dos adolescentes pode funcionar como modelos de comportamento. Este dado corrobora o consumo de álcool por parte de um familiar pode ser fator de risco para que os adolescentes venham a consumir também (Pechansky et al., 2004; Schenker & Minayo, 2005; Willhelm et al., 2015).
Da mesma forma, o uso do álcool como atividade social com o grupo de pares demonstrou ser comum. Na amostra de adolescentes que já haviam experimentado álcool, 57,9% (n = 55) relataram que costumam beber com amigos. A literatura aponta que o uso de bebidas alcoólicas por adolescentes é comum para a aceitação no grupo de iguais, sendo que este pode influenciar no primeiro uso destes ou na manutenção do comportamento de beber (Vieira, De Castro-Aerts, Freddo, Bittencourt, & Monteiro, 2008).
Como limitações do estudo, a falta de dados referentes ao uso continuado destes adolescentes dificulta análises mais elaboradas que possam identificar se o controle inibitório pode ser um fator de proteção para o uso contínuo do álcool, visto que este é um comportamento mais complexo do que a primeira experimentação. Além disso, a falta de dados relativos às crenças dos adolescentes em relação ao álcool poderia auxiliar a entender quais são suas expectativas para sua utilização. Apontam-se também algumas limitações metodológicas, por exemplo, o número amostral poderia ser maior para a obtenção de resultados mais concisos. Alguns instrumentos utilizados neste estudo estão em fase de adaptação e isso também pode ser considerado um fator limitador. Sugerem-se novas pesquisas que levem estes dados em consideração para entender melhor o fenômeno do uso de álcool por adolescentes.
Em relação às contribuições, este artigo traz dados que auxiliam a entender a diferença entre adolescentes que já utilizaram álcool dos que ainda não consumiram, esclarecendo questões relativas à impulsividade e ao uso, trazendo dados que podem subsidiar intervenções para esta população. Bem como, este estudo apresentou resultados que unem a avaliação do controle inibitório, da impulsividade e do uso de álcool em adolescentes saudáveis, conjunto esse ainda escasso nos estudos brasileiros.
Conclusões
Os resultados deste estudo apontaram que adolescentes que já experimentaram álcool, em qualquer faixa de idade, tendem a ser mais impulsivos que os que ainda não experimentaram, embora não tenha havido diferenças no controle inibitório entre os dois grupos. Estes resultados sugerem que o controle inibitório pode não ser um fator de proteção direto para a experimentação de álcool em adolescentes, visto que a impulsividade, natural da fase, tende a tornar esta população mais vulnerável a estes comportamentos de risco.
Também foi possível observar que muitos dos adolescentes que consumiram álcool têm a percepção de que algum familiar bebia em excesso. Além disso, a casa dos participantes foi apontada como o local que esses experimentaram álcool pela primeira vez. Isso demostrou que o ambiente familiar pode estar relacionado com o consumo de álcool na adolescência.
Os resultados desse estudo podem auxiliar em um melhor entendimento do consumo de álcool em escolares e sugere que políticas públicas possam implementar medidas, visando o entendimento dos efeitos negativos do álcool na adolescência. Estas políticas podem ser realizadas a partir de palestras ou programas nas escolas que, ao mesmo tempo, esclareçam sobre os danos do uso desta substância. Tais ações são importantes, uma vez que, os adolescentes têm contato com essa droga em seu dia a dia, na rua, na vizinhança e até no círculo familiar.