De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), a satisfação sexual é um importante indicador da saúde sexual que, por sua vez, é o estado de bem-estar físico, emocional e social no que concerne à sexualidade (World Health Organization, 2010). A sua forte associação com a satisfação relacional levou a que fosse considerada por alguns autores como sendo o “barómetro para a qualidade da relação” (Sprecher & Cate, 2004, p. 241). Entre os preditores da satisfação sexual, encontra-se a satisfação com a intimidade e especificamente com as suas componentes (e.g., expressão de sentimentos) (Pascoal, Narciso & Pereira, 2014). Contudo, pouco se têm estudado os processos conjugais específicos que podem mediar a associação entre a satisfação com a intimidade e/ou com as suas componentes e a satisfação sexual. No presente trabalho pretendemos focar-nos na expressão de sentimentos, uma componente essencial da intimidade, e na sua associação com a satisfação sexual avaliando um modelo de mediação que contempla a autorrevelação sexual, i.e., a extensão de informação acerca das preferências sexuais que cada indivíduo partilha com o/a seu/ua parceiro/a, como possível variável mediadora e avaliando se o género tem um efeito moderador nas associações encontradas.
A satisfação sexual é um resultado positivo da atividade sexual que se caracteriza pela experiência mútua de prazer sexual (Pascoal, Narciso & Pereira, 2014). Entre os fatores individuais que influenciam a satisfação sexual, salienta- se o género; no que concerne aos fatores relacionais, salienta-se, entre vários (e.g., Schmiedeberg & Schröder, 2015), a satisfação com componentes da relação entre os quais se inclui a intimidade, que inclui os sentimentos e expressão de sentimentos (Sánchez-Fuentes, Santos-Iglesias & Sierra, 2014). Esta associação parece ser semelhante em homens e mulheres. Por exemplo, Haning, O’Keefe, Randall, Kommor, Baker e Wilson (2007), num estudo correlacional, concluíram que tanto para homens como para mulheres, quanto maior a intimidade, maior o nível de satisfação (tanto relacional como sexual). Este resultado é corroborado por estudos só com homens (e.g., Stulhofer, Ferreira & Landripet, 2013), mas também por estudos com pessoas com disfunções sexuais que demonstram que também com esta população a satisfação com a intimidade emocional é uma dimensão com associação significativa positiva com a satisfação sexual (Pascoal, Narciso & Pereira, 2013). Estes resultados salientam a importância e associação entre a intimidade e a satisfação sexual em diferentes grupos de interesse (homens, mulheres; sem diagnóstico de disfunção sexual, com diagnóstico de disfunção sexual). Contudo, considerando que a intimidade é um constructo multidimensional, pouco se sabe entre as dimensões que a constituem, qual(is) a(s) que se associam à satisfação sexual.
No seu capítulo seminal em que apresentam um modelo de compreensão da intimidade, Reis e Shaver (1988) salientam que a revelação mútua de sentimentos e a informação relevante são uma condição absolutamente necessária à construção de relaçôes íntimas. Laurenceau, Pietromo-naco e Barrett (1998) demonstraram que a autorrevelação emocional, na qual se inclui a expressão de sentimentos, é mais importante para a experiência da intimidade do que a simples revelação de meros factos ou informaçôes, pois a expressão de sentimentos providencia oportunidades para os ouvintes das relaçôes apoiarem e validarem os reveladores o que conduz a um aprofundamento do processo de intimidade, decorrente da autorrevelação.
A autorrevelação é o processo pelo qual a pessoa revela informação pessoal acerca de si mesma a outras pessoas, sendo de extrema relevancia em todos os tipos de relaçôes sociais, constituindo cerca de entre 30%-40% do discurso diàrio de uma pessoa (Altman & Taylor, citado em Sprecher, Treger, Wondra, Hilarie t Wallpe, 2013; Green, Derlega t Mathews, 2006). Num estudo com casais sobre o papel da autorrevelação no ajustamento sexual de mulheres com vulvodínia (Muise, Bergeron, Impett, & Rosen, 2017), veri-ficou-se que esta componente da intimidade é um preditor positivo da satisfação sexual, um resultado que reforça o papel da autorrevelação na sexualidade conjugal já demonstrado em estudos anteriores (MacNeil & Byers, 2005).
A autorrevelação sexual, um tipo específico de auto-re-velação proposto por Metts e Cupach (citados em Rehman, Rellini & Fallis, 2011), pode beneficiar a relação de duas maneiras: através de uma trajetória expressiva e/ou de uma trajetória instrumental. A primeira salienta que a autorrevelação contribui para incrementar a autorrevelação sexual do/a parceiro/a, o que por sua vez impacta de forma positiva a intimidade e a satisfação relacional de ambos. Quanto à trajetória instrumental, esta concretiza-se quando a autorrevelação sexual se foca na comunicação explícita do que se gosta ou não gosta sexualmente com o objetivo de realçar as recompensas e minimizar os custos sexuais (MacNeil & Byers, 2009; Rehman et al., 2011). A trajetó-ria instrumental implica que haja uma revelação explícita de preferências e nâo preferências sexuais no contexto amoroso. Este é um processo de auto-revelação sexual que estudos prévios demonstraram ser uma importante variável mediadora na compreensão da satisfação conjugal e sexual (Timm & Keiley, 2011).
Numa fase de coabitação ou casamento (MacNeil & Byers, 1997) um maior nível de autorrevelação sexual pode prevenir um decréscimo na satisfação sexual dos intervenientes do casal. MacNeil e Byers (1997) comprovaram também que à medida que os indivíduos vão aprendendo os desejos do parceiro e clarificando os seus próprios de-sejos e necessidades as interaçôes sexuais tornam-se mais positivas (bem como a sua satisfação sexual) e os níveis de autorrevelação aumentam também. Em 1999, Byers e Dem-mons demonstraram, numa amostra de pessoas em relação de namoro, que pessoas em relaçôes com níveis altos de autorrevelação emocional apresentam níveis mais altos de autorrevelação sexual. Num estudo posterior, também ele correlacional, Byers (2005) confirmou que a comunicação íntima, isto é, a autorrevelação sexual, está fortemente associada às satisfaçôes sexual e relacional. Este estudo longitudinal estabelece a relação de causalidade entre a autor-revelação sexual e a satisfação sexual, duas das variáveis de interesse no presente estudo, um resultado já previamente confirmado por outros trabalhos quantitativos transversais com amostras de adultos, cujos resultados evidenciam evidenciam que, em relaçôes longas, a comunicação sexual é fundamental para a satisfação sexual (e.g., Montesi, Fauber, Gordon & Heimberg, 2011). Byers (2011) reforça que, apesar dos efeitos benéficos da autorrevelação sexual, as pessoas geralmente não comunicam sobre a sexualidade de maneira eficaz. Esta ideia é complementada pela evidéncia empírica que tem demonstrado que as pessoas que revelam mais sobre a sua sexualidade sofrem menos disfunçôes sexuais (Rehman, Rellini & Fallis, 2011).
Em suma, o corpo de literatura existente permite afirmar que a expressâo de sentimentos (uma componente da intimidade), bem como a autorrevelação sexual, estão associadas à satisfação sexual no casal (Rehman et al., 2011). Consideramos que os modelos existentes explicativos da satisfação sexual nâo tém tido em conta os processos subjacentes ao impacto das diferentes dimensôes na satisfação sexual, o que tem comprometido a complexificação e acuidade destes modelos. Tendo em conta os resultados dos estudos revistos e a integração das componentes da intimidade e a sua associação com a autorrevelação e satisfação sexuais, consideramos que a autorrevelação sexual poderá ser uma variável mediadora através da qual ocorre a associação da satisfação com a expressão de sentimentos com a satisfação sexual, estando ainda por explorar se esta possível associação difere entre o género masculino e feminino.
No presente trabalho pretende-se aprofundar o conhecimento existente, clarificando possíveis trajectórias de associação entre as variáveis, ao testar um modelo de mediação do efeito da expressâo de sentimentos na satisfação sexual, o que poderá ter impacto nâo só no conhecimento empírico, mas também na elaboração de modelos teóricos complexos. Com este trabalho pretende-se clarificar se comportamentos específicos (expressâo de sentimentos, auto-revelação de preferências e revelação do desagrado com algumas práticas) tém impacto semelhante em homens e mulheres, um aspecto negligenciado na literatura. No-meadamente, o presente trabalho pretende responder às seguintes questòes de investigação:
Questâo 1: Será a satisfação com a expressâo de sentimentos preditora da satisfação sexual?
Questâo 2: Em caso afirmativo, será a autorrevelação sexual uma variável mediadora significativa da associação encontrada?
Questâo 3: No caso de o modelo de mediação ser significativo, será o género uma variável moderadora do modelo final?
Método
Participantes
O presente estudo teve como amostra inicial 564 participantes com idades compreendidas entre os 18 e os 74 anos de idade, e na qual constavam 194 homens (M = 35,41; DP = 9,58) e 370 mulheres (M = 30,88; DP = 8.62). Os participantes autoidentificaram-se como sendo cisgénero, - ainda que pudessem ter-se identificado de outra forma através de uma questâo aberta, - heterossexuais e como estando envolvidos numa relação diádica de exclusividade e compromisso (Tabela 1), onde se encontram os dados da amostra final, após remoção do/as participantes com dados omissos.
As comparaçôes entre homens e mulheres mostraram diferenças estatisticamente significativas para a idade, sendo os homens mais velhos que as mulheres. Nas habilitaçôes literárias, a percentagem de homens com licenciatura é menor comparativamente às mulheres, no entanto, para a educação secundária e curso profissional, a percentagem de homens é maior.
Medidas
Questionário introdutório geral. Este questionário foi construído pelos autores para recolher os dados sociodemográficos dos participantes do estudo, tais como a idade, o género, a situação relacional/estado civil, as habilitaçôes literárias e a zona/meio de residéncia.
Expressâo de Sentimentos, subescala da Escala da Ava-liação da Satisfação em Áreas da Vida Conjugal (EASAVIC). A Escala da Avaliação da Satisfação em Áreas da vida Conjugal (EASAVIC; Narciso & Costa, 1996) é um instrumento que tem o intuito de avaliar o nível de satisfação conjugal global, bem como diversas áreas de funcionamento do casal, em indivíduos casados ou que vivem em uniâo de facto. É aplicada de forma individual e possui 44 itens divididos por duas dimensôes distintas: amor e funcionamento (cada uma delas contendo diversas subescalas). Cada item da EASAVIC é apresentado com formato de resposta tipo likert de seis pontos (1 - "Nada satisfeito", 2 - "Pouco satisfeito", 3 - "Razoavelmente satisfeito", 4 - "Satisfeito", 5 - "Muito satisfeito", e 6 - "Completamente satisfeito"). A subescala em estudo no presente trabalho, designa-se Sentimentos e expressáo de sentimentos e é constituida por 4 itens (Min. = 4; Máx. = 24). No presente estudo, obteve-se um α de Cronbach > .87 para ambos os géneros.
Sexual Self-Disclosure Questionnaire (SSDQ). A Sexual Self-Disclosure Questionnaire (Byers & Demmons, 1999) é uma medida unidimensional que mede a autorrevelação sexual através de 12 itens numa escala tipo likert de sete pontos, de 1 ("Disse nada") a 7 ("Disse tudo"). Seis desses itens quantificam quâo os participantes revelaram aos seus parceiros aquilo que gostam dentro de uma série de atividades sexuais que praticam enquanto casal (beijar, toque sexual, relaçôes sexuais, receber sexo oral, conceder sexo oral e variedade sexual). Os restantes seis itens quantificam o quanto os participantes revelaram aos seus parceiros sobre o que nâo gostam nessas mesmas atividades sexuais. O total da escala pode variar entre 12 e 84, com valores mais altos a indicarem maiores níveis de autorrevelação sexual. Estudos preliminares demonstraram que a escala apresenta validade e fiabilidade numa amostra portuguesa (Mira, 2017). Neste estudo, a consisténcia interna da escala, para ambos os géneros, se revelou excelente (α de Cronbach = .94).
Medida Global da Satisfação Sexual (GMSEX). A Global Measure of Sexual Satisfaction (GMSEX) foi construída por Lawrence e Byers (1998, tradução e adaptação de Pascoal, Narciso, Ferreira & Pereira, 2013) para poder avaliar a satis-fação sexual global no contexto de uma relação íntima. Esta permite avaliar a satisfação sexual em ambos os sexos utilizando o mesmo indicador. Quando comparada com outras escalas ou medidas de item ùnico, a GMSEX revelou-se como sendo a melhor medida psicométrica de satisfação sexual em casais heterossexuais (Mark, Herbenick, Fortenberry, Sanders & Reece, 2014). A escala de resposta é constituida por cinco dimensòes, contendo cada uma das dimensòes sete pontos (Bom - Mau; Agradável - Desagradável; Positivo - Negativo; Satisfatório - Insatisfatório; Valioso - Sem valor), sendo que o total de cada dimensào pode variar entre 1 e 7, e o total da escala entre 5 e 35, indicando que quanto maior for a pontuacào na escala, maior a satisfacáo sexual. A versào portuguesa da GMSEX revelou-se como sendo uma medida consistente ao nivel da fiabilidade, com valores de alfa de Cronbach elevados (≥ .83). Os autores confirmaram ainda a estrutura unifatorial da escala, comprovando assim que o instrumento possui uma validade adequada. No presente estudo apresentou uma excelente consistencia em ambos os géneros (α = .95).
Procedimento
Este trabalho realizou-se com dados recolhidos no âmbito de um projeto de doutoramento financiado pela FCT (SFRH/ BD/ 39934/ 2007). Este projeto foi desenvolvido na Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa, onde recebeu parecer deontológico favorável.
Após a revisão de literatura, foi solicitada aos autores dos instrumentos originais, ou da validação portuguesa, a permissão para a sua utilização na internet. Desenvolveu-se um programa informático desenhado especificamente para este projeto, alojado num servidor seguro, com opção de ausência de resposta e lançou-se numa plataforma online.
Antes da divulgação do estudo, foram realizados testes prévios recorrendo a voluntários, para avaliar a clareza e adequação das instruções, itens e questões dos questionários, bem como avaliar o tempo necessário à realização dos mesmos, tendo sido estimado um tempo entre 20 a 30 minutos. Divulgou-se através das redes sociais o link para o URL onde esteve alojado o estudo. Para ser incluído/a no estudo era necessário: ser maior de idade; ser heterossexual; e estar numa relação diádica exclusiva.
Para a recolha de dados foi utilizado o método tipo bola de neve, através das redes e newsletters da comunidade académica das universidades e politécnicos portugueses, bem como redes sociais utilizadas pela população em geral. Publicitou-se também o estudo online através de pedidos de colaboração a blogues e a redes sociais.
A bateria de questionários foi precedida do consentimento informado onde era explicado o objetivo do estudo, inexistência de uma compensação monetária, estudo de caráter voluntário, anonimato e confidencialidade dos dados e a possibilidade de interromper a participação em qualquer momento; tempo estimado de resposta, fornecimento o endereço de e-mail para o esclarecimento de dúvidas e partilha de sugestões; e procedimento para a possibilidad de acesso aos resultados do estudo.
No final da página, o/a participante indicava se se encontrava esclarecido/a sobre as condições em que era realizado o estudo, bem como a sua concordância em participar no mesmo. De maneira a aceder às questões do estudo, o/ as participantes deviam declarar ter lido e concordar com os termos presentes no consentimento informado. As respostas do/as participantes foram diretamente e de modo automático remetidas para a base de dados; não foram solicitadas quaisquer informações pessoais aos participantes (e.g. nome, morada, etc.), tendo sido apagado o protocolo de internet (IP) associado a cada resposta.
Preparação de dados e análise estatística
Qualquer participante que não tivesse preenchido um item de uma das escalas de interesse (valores omissos) foi removido da análise. Foram identificados 38 casos nestas condições, pelo que a amostra final consta de 526 casos, dos quais constam 180 homens (M = 35,48; DP = 9,65) e 346 mulheres (M = 30,97; DP = 8,51). Para verificar se existiam diferenças entre homens e mulheres nas variáveis sociodemográficas, foram realizados testes-t para amostras independentes, para as variáveis quantitativas e testes qui-quadrado para as variáveis qualitativas. Foi feita a análise de medidas de dispersão e de tendência central das variáveis de interesse e realizada uma análise multivariada de variância a um fator (one-way MANOVA) para determinar o efeito do género (homem vs. mulher) nas variáveis de interesse (expressão de sentimentos, autorrevelação sexual e satisfação sexual). O teste multivariado Lambda de Wilks foi interpretado devido à presença de homocedasticidade (Field, 2009) e pela dimensão assimétrica das subamostras (Tabachnick & Fidell, 2012). Utilizou-se a correção de Bonferroni para comparações múltiplas de médias. O eta-quadradobparcial (ηp²) foi utilizado para interpretar o tamanho do efeito. A correlação produto-momento de Pearson foi realizada para avaliar em que medida as variáveis de interesse estavam associadas. Tanto o eta-quadrado parcial como os coeficientes de correlação foram interpretados usando as recomendações de Cohen (1988).
Antes da análise de mediação simples e de mediação moderada, os scores das escalas foram transformados em valores z, com o objetivo de apresentar os coeficientes beta padronizados (ß). Todos os intervalos de confianca (ICs) que excluíram o valor zero foram considerados significativos (Hayes, 2013). Os modelos de mediacáo simples e de mediação moderada foram testados via macro Process versão 3.0 (Hayes, 2018) para IBM SPSS, modelo 4 (mediação simples) e modelo 59 (mediação moderada). Os modelos foram testados com o método de reamostragem bootstrap com 10000 amostras (Effron & Tibshirani, 1993; Pascoal, Rosa, Pereira & Nobre, 2018).
O tamanho do efeito indireto foi avaliado pela proporção do efeito total mediado (Pm) (Shrout & Bolger, 2002), bem como através do tamanho do efeito indireto completamente padronizado (abcs), que foi interpretado segundo os critérios de Preacher e Kelley (2011): pequeno (0.01), médio (0.09) e grande (0.25). Para a mediação moderada foi igualmente interpretado o Índice de Mediação Moderada (IMM; Hayes, 2015). Todos os procedimentos estatísticos efetuados foram realizados com o IBM SPSS v.22 (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA) para um nivel de significancia de 5% (p < .05).
Resultados
Primeiramente foi realizada uma análise das medidas descritivas das escalas de interesse, contendo as médias dos totais r e os respetivos desvios- padrão (Tabela 2). As mulheres apresentaram médias superiores em todas as medidas de interesse e menor dispersão de valores. No sentido de perceber se homens e mulheres possuíam diferiam significativamente na de expressão de sentimentos, bem como de autorrevelação sexual e de satisfacáo sexual, foi aplicada uma MANOVA one-way.
Após realizados todos os testes necessários para a realização da MANOVA one-way, esta revelou um efeito da variável género no compósito das três variáveis estudadas (𝜆 = .99; F (5, 520) = 2.66; p = 0.48; Ƞ2 p = .02), confirmando diferenças nos scores de expressâo de sentimentos entre géneros (p < .05) (Ver Tabela 2).
De seguida, foi realizada uma matriz de correlação bivariada de Pearson para examinar a associação entre as variá-veis de interesse entre géneros (Tabela 3).
Os resultados indicadores que todas as medidas estavam significativamente associadas entre si, de modo positivo, tanto nos homens como nas mulheres (todos ps <.05).
Modelo de mediação
No que concerne o modelo de mediação, os resultados mostraram que a expressâo de sentimentos prevé significativamente a autorrevelação sexual (a = .24; IC 95% [.16, .32]), tendo sido encontrado um efeito total significativo do aumento da expressâo de sentimentos na satisfação sexual (c = .54; IC 95% [.47, .61]). O efeito direto significativo da expressâo de sentimentos na satisfação sexual é reduzido com a autorrevelação sexual (c' = .49; IC 95% [.42, .56]), indicando uma mediação parcial (ab = .05; IC 95% [.03, .08]). Segundo os critérios de Preacher e Kelley (2011), o efeito indireto de mediação encontrado é pequeno. Ademais, apenas 9,3% do efeito total da expressâo de sentimentos na satisfação sexual é mediado pela autorrevelação sexual (Pm = .093).
Modelo de mediação moderada
As análises de mediação moderada permitiram verificar que o género nâo modera nenhuma das relaçôes consideradas pelo modelo, especificamente a trajetória a, i.e., a (β=.06; IC 95% [-.10, .21]), e a autorrevelacáo sexual e a satisfacáo sexual na trajetória b (β = -.03; IC 95% [-.18, .12]), não foram significativas.
O valor do IMM revelou que os efeitos indiretos condicionais não diferem significativamente, não se verificando um efeito moderador do género IMM = -.04; IC 95% [-.11, .02]
Discussão
No presente trabalho, após as análises preparatórias de dados (comparação entre grupos, análise de associação entre variáveis), pretendeu-se testar um modelo de mediação do efeito da satisfação com a expressão de sentimentos na satisfação sexual. Desejou-se verificar se a autorrevelação seria uma variável mediadora significativa da associação encontrada entre a variável preditora emergente e a satisfação sexual. Além disso, pretendeu-se testar um modelo de mediação moderada, utilizando a variável género como variável moderadora.
Os resultados da MANOVA one-way indicaram diferencas significativas entre homens e mulheres, apresentando as mulheres valores médios mais elevados do que os homens na expressáo de sentimentos. Apesar da análise dos valores médios globais indicar níveis significativamente mais altos de expressão de sentimentos nas mulheres, a inspeção dos valores encontrados permite aferir que ambos os géneros se sentem globalmente satisfeitos com a expressão de sentimentos e com valores médios próximos. Para a autorrevelação e satisfação sexuais, não se verificaram diferenças estatisticamente significativas nos valores médios entre homens e mulheres. Este resultado é discordante com a literatura, que indica que as mulheres se autorrevelam muito mais sexualmente, comparativamente aos homens, que assumem um papel mais instrumental na relação (Byers & Demmons, 1999; Rehman et al. 2011). Tidos em conjunto, estes resultados sâo consistentes com os dados e modelos que defendem que globalmente as diferenças entre homens e mulheres sâo poucas e as existentes sâo residuais (Petersen & Hyde, 2011), nomeadamente no que respeita aos modelos explicativos da satisfação sexual (Pascoal et al., 2018; Velten & Margraf, 2017).
No sentido teórico esperado, nos homens, a força da associação entre a expressâo de sentimentos e a autorrevelação sexual é maior, o que é consistente com a ideia de que os homens necessitam de sentir mais intimidade para se autorrevelarem (ou vice-versa) (Montesi et al., 2011). O modelo de mediação proposto revelou que a expressâo de sentimen-tos prevé significativamente a autorrevelação sexual. Estes resultados vâo na direção teoricamente esperada, uma vez que se prevé que a autorrevelação sexual decorra numa relação onde ambos os elementos do casal se encontrem satisfeitos com a expressâo de sentimentos e se sintam conse-quentemente à vontade para dar indicaçôes precisas um ao outro acerca do que gostam e nâo gostam sexualmente; vâo também ao encontro da literatura no sentido em que demonstram que uma maior intimidade emocional pode levar a uma maior satisfação sexual (Carvalheira & Costa, 2015; Pascoal, Narciso & Pereira, 2013; Reis & Shaver, 1988). A ex-pressâo de sentimentos é um importante fator na construção da intimidade nas relaçôes diádicas, contribuindo para a satisfação sexual do casal (Pascoal et al., 2013; Schaefer & Olson, 1981). Existe literatura que salienta que a satisfação sexual aumenta o nível de intimidade (Haning et al., 2007). Esta possível interinfluéncia e interrelacção entre satisfação sexual e intimidade pode ser explicada pela transversa-lidade da satisfação com expressâo de sentimentos enquan-to factor subjacente às duas dimensôes, ou seja, enquanto processo relacional que contribui para maiores níveis de intimidade e também de satisfação sexual. O efeito de mediação parcial encontrado (9,3%) é baixo e pode dever-se ao facto de ter sido testado apenas um dos inúmeros indicadores de intimidade e que podem contribuir de forma tâo ou mais significativa para a satisfação sexual, assim como para a autorrevelação sexual. Neste sentido, outros preditores (e.g. funcionamiento sexual) e mediadores (e.g. frequéncia das relaçôes sexuais) identificados na literatura (Pascoal et al., 2014; Sánchez-Fuentes et al., 2014) podem contribuir para a elaboração de um modelo de mediação com maior impacto na satisfação sexual.
Globalmente, os resultados sustentam um modelo relacional da sexualidade humana, uma vez que as variáveis usadas se reportam à unidade sistémica (casal), i.e., sâo diádicas, e associam-se entre sim num modelo significativo que considera as trocas interpessoais, i.e., a partilha de informação num contexto interpessoal (e.g. Clement, 2002; Stanton & Welsh, 2012). Especificamente, a autorrevelação sexual é uma variável mediadora da relação entre a intimidade emocional e a satisfação sexual, sendo apresentada como um meio de aumentar esta última, o que é consistente com estduos anteriores que salientaram o papel da auto-revelação enquanto processo medidaor nas relaçôes humanas (Timm & Keiley, 2011). Tal como mencionado acerca da expressâo de sentimentos, existem diversos autores que consideram a autorrevelação como um importante processo de desenvolvimento da própria intimidade, tendo dificuldade em separar uma variável da outra (Green et al., 2006; ; Laurenceau et al., 1998; Reis & Shaver, 1988; Schaefer & Olson, 1981; Yoo et al., 2014). Assim, apesar da parcimónia do modelo conceptual apresentado, que está na linha de modelos teóricos sólidos de compreensâo da intimidade e que apresentam a expressâo de sentimentos- um indicador de intimidade, como uma variável precedente à autorrevelação sexual- pode existir também entre variável preditora e a variável mediadora um processo de bidireccio-nalidade. Apesar de existirem mais mulheres que homens (rácio ≈ 2:1), o modelo de mediação moderada comparou ambas subamostras (mulheres vs. homens) com dimensâo acima do exigido para comparação, sendo 10 vezes maior que o número de variáveis preditoras incluídas no modelo (Roscoe, 1975). Além disso, a estimação dos efeitos de mediação moderada foi realizada com bootstrapping para 10000 amostras, o que fornece algumas vantagens face às abor-dagens paramétricas, permitindo, em pequenas amostras, uma aproximação da distribuição amostral da estatística de interesse com maior precisâo (Efron & Tibshirani, 1993). Portanto, os resultados mostraram que o género nâo é um fator moderador na mediação, o que sustenta a importân-cia dos fatores relacionais para a satisfação sexual quer de homens quer de mulheres (Sánchez-Fuentes et al., 2014), o que sustenta a hipótese das semelhanças de género (Hyde, 2005). O presente trabalho demonstra de forma inequívoca que quer a expressâo de sentimentos quer a autorrevelação sexual, dimensôes diádicas por exceléncia, sâo importantes correlatos da satisfação sexual individual. Isto é consistente com uma visâo sistémica que salienta a importância de considerar a forma como as pessoas percecionam as dimensôes e processos relacionais quando se pretende compreender resultados sexuais individuais. Contudo, estes resultados devem ser lidos à luz das suas limitaçôes.
Limites do estudo
O facto de se estar perante uma amostra nâo representativa da população e altamente satisfeita limita a generalização dos resultados, especialmente no que concerne à população clínica. Nâo foi utilizada uma amostra diversificada no que concerne à orientação sexual, à identidade nem a nível das configuraçôes relacionais, nâo tendo sido abordadas as situaçôes de pessoas transgénero ou em relaçôes nâo-mongàmicas consensuais (e.g., poliamor), pelo que nâo foi possível aceder à especificidade destes grupos. Os instrumentos utilizados foram todos desenvolvidos com e para estudos com a população heterosexual, pelo que sua adequação a grupos da população que nâo apresentem estas características pode nâo ser adequada, pois pode excluir importantes especificidades da experiéncia destes grupos (Pascoal, Shaughnessy, & Almeida, 2019) e ao usar medidas nâo específicas para estudar grupos, estaríamos contribuin-do para a sua invisibilidade.
Apesar de apresentar um modelo de relaçôes indicadoras de causalidade teoricamente parcimonioso, o presente estudo, por ser transversal, nâo permite estabelecer rela-çôes causa-efeito. O presente estudo utiliza como amostra pessoas numa relação diádica, contudo nâo foi realizado numa perspetiva de interdependéncia diádica (Kenny t Cook, 1999). A literatura refere que a satisfação sexual é melhor explicada por uma perspetiva que dé énfase à interdependéncia dos processos diádicos ao invés de uma perspetiva individualista, i.e., através de um único informador (Pascoal et al., 2018; Rehman et al., 2011). Por último, apenas foi avaliada a satisfação com as variáveis preditoras, e nâo a sua expressâo.
De acordo com o exposto, é nosso parecer que estudos futuros devem utilizar a pertença à população clínica como variável moderadora e devem ser desenvolvidos estudos longitudinais ou experimentais que permitam estabelecer de forma inequívoca a causalidade, ou nâo, entre as variáveis. Recomenda-se ainda que se incluam variáveis individuais (e.g., auto-estima sexual) (Sierra, López-Herrera, Álvarez-Muelas, Arcos-Romero & Calvillo, 2018) e relacionais (e.g., rituais familiares) (Crespo, Davide, Costa, t Fletcher, 2008) que podem afectar as variáveis em estudo.
Implicaçôes do presente trabalho
A partir dos resultados encontrados, podemos salientar a importância da comunicação em díades amorosas para além do conhecimento prévio existente. Este é o primeiro modelo de mediação que usa o género como variável moderadora e que demonstra ser válido para homens e mulheres. Os resultados tém fortes implicaçôes práticas, pois as variáveis preditoras (expressâo de sentimentos e auto-revelação sexual) foram avaliadas recorrendo a items que se referem a comportamentos específicos, o que nos permite indicar que a educação para a expressâo emocional, tal como a parti-lha com o/a parceiro/a acerca das preferéncias e desagrado com práticas sexuais específicas, sâo importantes facetas da promoção da saúde sexual, especificamente da satisfação sexual. Neste sentido, recomenda-se que, no contexto da educação para a saúde ou para a promoção da qualidade de vida sexual em populaçôes potencialmente vulneráveis para a experiéncia de dificuldades sexuais (e.g., gravidez; doença crónica), estas competéncias devam ser abordadas. Por último, ao nível da investigação e conceptualização teórica, este trabalho dá um pequeno contributo, ao especificar processos de mediação e moderação que tém sido negligenciados nos modelos explicativos da satisfação sexual.