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Cuestiones Teológicas
Print version ISSN 0120-131X
Cuest. teol. vol.42 no.98 Bogotá July/Dec. 2015
ZULUAGA, Alberto Ramírez. En los cincuenta años de la inauguración del Concilio Vaticano II. Medellín: UPB, 2012. 249p. ISBN: 978-958-764-044-1
Thiagq de Oliyeira Geraldq1
Quem conheceu o autor deste livro, com sua voz tranquila, seu caráter ameno e suas atitudes modestas, num primeiro momento não faz ideia da profundidade com que ele era capaz de discorrer sobre assuntos de eclesiologia. O Pe. Alberto Ramirez Zuluaga, sacerdote da Arquidiocese de Medellín, deixou por escrito aquilo que muito tempo antes já fazia parte de sua transmissão oral. Para ele, o conhecimento se transmite de forma natural, suas reflexões teológicas estavam baseadas em firmes estudos, realizados primeiramente no Seminário de Medellín, seguido de especialização em Teologia na Universidade de Bamberg (Alemanha) e doutorado em Teologia na Universidade de Lovaina (Bélgica).
Como professor, lecionou especialmente matérias como Teologia Fundamental e Sistemática na Universidade Pontifícia Bolivariana, no Instituto de Estudos Bíblicos da Universidade de Antioquia, além do Instituto de Integração Cultural (Quirama) e dos Institutos do CELAM (ITEPAL).
Autor de vários livros e artigos acadêmicos, nacionais e internacionais, o Pe. Alberto apresenta nesta obra sobre o Concílio Vaticano II, em língua castelhana, sua memória sobre o evento religioso mais importante do século XX. Durante a transformação eclesial que a ele sucedeu, o autor era estudante na Universidade de Lovaina e pôde acompanhar de perto todo o desenvolvimento daquele magno acontecimento. Como ele mesmo o expressa na apresentação de sua obra, por detrás de cada Concílio pode-se encontrar o trabalho assíduo de Faculdades de Teologia: "Por exemplo, no de Trento devemos assinalar o papel da teologia de Salamanca, cultivada principalmente pela Ordem dos dominicanos com sua orientação tomista; no do Concílio Vaticano I, o papel da teologia romana representada pela orientação apologética tridentina, em particular da Companhia de Jesus; e no Concílio Vaticano II, o da teologia de Lovaina" (p. 11). Portanto, o Pe. Alberto, com o apoio do Arcebispo de Medellín, Dom Tulio Botero Salazar, acompanhou o Vaticano II de "camarote".
O objetivo do autor é tornar viva a memória do Concílio Vaticano II, mais especificamente tornar vivo o espírito que o animou, a fim de que todas as reflexões atuais tenham este evento como ponto de partida. Inclusive, segundo suas palavras, a própria Faculdade de Teologia da Universidade Pontifícia Bolivariana é um dos frutos do Concílio. Talvez seja por isso que tenha querido deixar sua contribuição para os alunos e pesquisadores deste centro de cultura colombiana. Ele não pretendeu fazer um estudo histórico ou estritamente teológico, mas compartilhar aquilo que, segundo sua expressão, "foi o grande Pentecostes de nossa época na Igreja" (p. 13).
A parte introdutória de sua obra consta de dois capítulos. O primeiro deles, intitulado "A memória literária", mostra o sabor da história, ora apresentado pelos informes oficiais da Oficina de imprensa, ora pelo "material de Diários, bem como notas e escritos pessoais dos Bispos participantes, materiais em geral inéditos" (p. 17). Aqui também podem ser citadas as publicações jornalísticas. Existem ainda centros de documentação, sempre necessários para quem quer empreender uma busca, sobretudo tratando-se de um evento como o Vaticano II. Trabalhos de historiadores servem de base para estudos, tanto para transmitir uma memória quanto para guiar novos estudos. Entre outros, o Pe. Alberto ressalta o italiano Giuseppe Alberigo e o belga Jan Grootaers. Um evento de tal magnitude logo proporcionou traduções e edições dos documentos nas línguas vernáculas. Em especial, o autor relata o processo que se passou no seu idioma, o castelhano.
O segundo capítulo da parte introdutória, "As Atas do Concílio", aborda de forma sucinta o teor dos documentos oficiais da Igreja, desde sua fase antepreparatória até as quatro sessões conciliares propriamente ditas, reunidas na coleção Acta Synodalia Sacrossancti Concilii Oecumenici Vaticani II. É uma explicação técnica, mas necessária para compreender o conjunto dos documentos expedidos pela Igreja. O autor toma como base de seus comentários o trabalho de um professor da Universidade de Lovaina, G. Lefeuvre, publicado em artigos na Revue Théologique de Louvain. Em geral, esses documentos comportam discursos do Sumo Pontífice, trabalho das Comissões do Concílio, relatório de Bispos e de Universidades Católicas, discussões na Sala Conciliar e os documentos definitivos. Diferentemente dos Concílios anteriores, o Vaticano II não se caracterizou pelos famosos "anátemas" e esta ideia transparece nos documentos definitivos, os quais procuram muito mais uma abertura ao mundo contemporâneo.
A primeira parte do livro, intitulada "O acontecimento conciliar", é composta por quatro capítulos. No primeiro deles, o Pe. Alberto pretende fundamentar todo o Concílio e seus posteriores resultados na pessoa de seu idealizador, João XXIII, e seu continuador, Paulo VI. É impossível não ver o encanto com que o autor transcorre no Capítulo "Os Papas do Concílio" sobre a personalidade que animava a cada uma destas figuras eclesiásticas. Segundo o autor, a ideia de inovação não surgiu com João XXIII, pois era uma aspiração que já vinha desde a primeira metade do século XX. O mérito do Papa teria sido o de concretizar tais aspirações, ainda que para alguns a intenção fosse um Concílio mais na linha de Pio XII. Segundo o autor, podemos caracterizar João XXIII por sua profunda fé, seu senso profético em reconhecer os "sinais dos tempos", vendo de forma positiva a modernidade e recriminando os "profetas de calamidades".
Talvez esta faceta de João XXIII se explique por seu contato com figuras que muito influenciaram sua personalidade. Adelaida Coari, do movimento de trabalhadoras católicas, sua contemporânea, foi uma delas, com a qual manteve muita relação de trabalhos. As ideias de Adelaida foram consideradas modernistas, bem como as do Bispo Radini Tedeschi, de quem Roncalli foi secretário na época de Pio X. "Numa palavra, se relacionou nesse tempo com a questão social, pela qual se interessava tão vivamente Angelo Roncalli, com o modernismo" (p. 57). O fato de Roncalli ter passado pelas duas Grandes Guerras, além de ter feito parte da diplomacia Vaticana na Bulgária, Turquia, Grécia e França, concorreu para nortear suas atitudes em prol da humanidade em geral e não só dos católicos. Daí se entende o sentido de seu famoso aggiornamento. Segundo Zuluaga, ele queria dar continuidade ao Vaticano I, atualizá-lo aos tempos modernos, transformá-lo em Pastoral e não Dogmático, seu objetivo era a evangelização.
O aspecto campônio, afável e íntimo de João XXIII foi substituído em 1963 pelo caráter sóbrio, reservado e estudioso de Paulo VI. Este não gostava de improvisações, era cônscio de cada discurso que proferia, inclusive preocupandose "por fazer destruir seus escritos privados, sobretudo da época anterior à sua eleição" (p. 70). Há quem o comparasse mais com a figura hierática de Pio XII do que com o aspecto espontâneo de João XXIII, mas a realidade é que ele foi o continuador da obra de Roncalli, dedicando seu pontificado à evangelização. O Pe. Alberto também ressalta o pensamento teológico e a capacidade política de João Batista Montini nos anos em que governou a Igreja. "Seguindo as pegadas de João XXIII, durante todo o seu pontificado, não se dirige somente aos católicos, mas a toda a Humanidade" (p. 76). Zuluaga procura apresentar, neste terceiro capítulo, os antecedentes do Vaticano II, o espírito que animou estes dois Papas a empreender um esforço quase "titânico" que levou anos de trabalho e acabou por mudar a História da Igreja.
A continuação da obra do Pe. Alberto é muito didática. No capítulo quarto, "O acontecimento", ele não aborda nenhum aspecto doutrinário nem mesmo as discussões que tiveram lugar nas Assembleias Gerais, mas procura transmitir a parte burocrática do Concílio, o modo como foi conduzido sistematicamente, frisando que "o Concílio, como se disse, não é simplesmente um fato literário e documental, mas de maneira especial um acontecimento eclesial que deve se recordar como um novo Pentecostes, acompanhado por sua vez de uma indescritível quantidade de fatos" (p. 99).
Não é possível entender algo de tal magnitude sem compreender os objetivos que se tinha com sua execução. A partir desta ideia o Pe. Alberto traça duas formas de analisar o Vaticano II. A primeira se refere à intenção de João XXIII, seu idealizador, na alocução inaugural do Concílio, denominada Gaudet Mater Ecclesia, e que pode ser resumida numa abertura ao mundo moderno, na unidade dos cristãos e na questão de uma Igreja dos pobres. A segunda forma de análise versa sobre os documentos do Concílio, que também mostram certas facetas das intenções que iam ao coração do Pontífice. Entre elas, Zuluaga destaca o papel da renovação (aggiornamento) da Igreja, o diálogo entre as pessoas, entre comunidades e todas as instâncias humanas, e o objetivo pastoral do Concílio, expresso de forma especial na Constituição Gaudium et Spes. Tudo isso envolto num clima de muita alegria, otimismo e esperança, que caracterizou a personalidade de João XXIII. Em outras palavras, o Vaticano II, para Zuluaga, não foi a linha de chegada, senão o início de um caminho que se abriu para o futuro da Igreja.
Um ponto marcante é sua descrição dos diferenciais do Vaticano II em relação aos demais Concílios da Igreja. Em primeiro lugar, este Concílio gozava da autonomia da Igreja em relação aos poderes do Estado. Por outro lado, tanto pelo número de participantes quanto pela origem deles, este Concílio foi no sentido literal um "Concílio Ecumênico", de toda a Igreja. Contudo, o Pe. Alberto aplica ainda o sentido ecumênico do Vaticano II para a relação com os outros credos.
As estatísticas que o autor apresenta dão seriedade à obra, apesar de ser uma exposição mais do tipo técnica. A princípio, João XXIII constituiu um Conselho de Presidência que atuou, sobretudo, na fase preparatória. Quando Paulo VI criou o grupo de quatro Moderadores, o Conselho de Presidência praticamente foi desativado. Os Moderadores do Concílio foram: O Cardeal Giacomo Lercaro, italiano, muito próximo de João XXIII; O Cardeal Pedro Gregório Agagianian, da Geórgia; o Cardeal Leo Joseph Suenens, belga, que teve papel decisivo na elaboração das Constituições Lumen Gentium e Gaudium et Spes; e o Cardeal Julius Dõfner, oriundo da Baviera. O Secretário Geral do Concílio foi o Arcebispo Pericle Felici. Outros também tiveram um papel preponderante, mas o Pe. Alberto prefere ressaltar aqueles com quem teve mais contato. Outro nome que se levanta no Concílio, mesmo não tendo um papel diretivo, é o Cardeal Agustín Bea, um jesuíta alemão que teve destaque especialmente na Constituição dogmática Dei Verbum, no Decreto Unitatis Redintegratiio e na Declaração Nostra Aetate.
Os próprios esquemas que seriam abordados durante as Assembleias Gerais eram preparados antecipadamente pelas Comissões constituídas para isso. Tais esquemas podiam ser aceitos (placet), não aceitos (non placet) ou aceitos com determinadas correções (placet iuxta modum). A votação do esquema compreendia sua discussão na Sala Conciliar. As intervenções orais eram gravadas, ao mesmo tempo que o expositor devia também apresentar sua proposta por escrito à Secretaria Geral do Concílio. No período entre uma sessão e outra também eram permitidas intervenções escritas. Após as correções devidas, o texto era votado novamente. Todo este processo, venturosamente, se encontra nas Acta Synodalia, o que permite seu estudo. Este capítulo se encerra mostrando os atos simbólicos, em especial, as viagens realizadas por João XXIII e Paulo VI, o que era inusual na época, pois o Papa geralmente não saía do Vaticano.
O quinto capítulo da obra de Zuluaga se intitula "Os teólogos e o Concílio". Obviamente, os documentos conciliares não são fruto de uma evolução espontânea do texto; houve teólogos, e muitos, que trabalharam empenhadamente durante o período conciliar. O Pe. Alberto destaca aqueles com quem teve mais contato, inclusive por assistir às suas aulas em Lovaina.
Países como França, Alemanha, Bélgica e os Países Baixos (Holanda) aspiravam por uma renovação teológica. Por outro lado, Roma e Espanha defendiam uma teologia mais tradicional. Os outros centros teológicos apenas gravitavam em torno destas duas grandes correntes de pensamento europeu. Cabe destacar o papel da Nouvelle Théologie, a princípio identificada como "um ressurgimento do modernismo" (p. 102). Dois centros teológicos representavam esta corrente de pensamento: Le Saulchoir, em Paris, pertencente aos dominicanos e ligada à escola de Tubinga; e Fourvière, em Lyon, dos jesuítas. Na época de Pio XII, os teólogos destes centros tinham recebido fortes censuras do Magistério, mas com o advento de João XXIII, muitos deles foram convidados a participar do Concílio como peritos e trabalharam nos documentos que foram votados na Sala Conciliar.
A seguir, Zuluaga apresenta uma lista de teólogos, com uma breve biografia de todos eles, bem como o papel de influência que cada um exerceu durante o Concílio. Entre os que não participaram do Concílio, mas o influenciaram, cabe destacar: Dom Lambert Beauduin, OSB, pioneiro da renovação litúrgica, entre outros temas; Pe. Ricardo Lombardi, S.J., Fundador do Movimento por um Mundo Melhor, na época de Pio XII; Romano Guardini, que propugnava por uma abertura e liberdade do pensamento teológico, ademais de possuir a famosa cátedra Weltanschauung (visão do mundo), na Universidade de Munich, da qual participou o Pe. Alberto; e Hans Urs von Balthasar, teólogo suíço que participou da fundação da Revista Communio.
Entre os teólogos que participaram do Concílio, Zuluaga menciona apenas os de mais importância e dos quais assistiu às aulas, conferências ou leu suas publicações na época. O que vale a pena ressaltar é que a corrente progressista da Nouvelle Théologie acabou se ramificando em duas alas: a mais liberal fundou a Revista Concilium, que contou com teólogos como Rahner e Congar; por outra parte, a ala mais moderada fundou a Revista Communio e dela faziam parte De Lubac, Martelet, Daniélou, Philipe Delhaye, Jorge Medina e Ratzinger, de quem o Pe. Alberto assistiu às aulas na Alemanha.
Papel destacado no Vaticano II teve, sem dúvidas, os teólogos da Universidade de Lovaina. Sendo uma das Universidades mais antigas do mundo, Lovaina foi uma verdadeira propulsora do Concílio com a participação de seus Bispos e teólogos, que não ganharam terreno tanto pela quantidade numérica, senão pela organização e ação efetivas. Cada um contribuiu segundo sua personalidade, uns pela grande influência, como o Cardeal Suenens, outros bispos por seu prestígio teológico, como Charue e Heuschen. Alguns nomes de teólogos belgas e seus contextos foram abordados por Zuluaga: Charles Moeller, Gustave Thils, Willy Onclin, Albert Dondeyne, Edward Schillebeeckx. No entanto, dois estiveram envolvidos diretamente na organização estratégica que permitiu a "esquadra belga" atuar durante o Concílio: Gérard Philips, Secretário adjunto da Comissão Doutrinal do Concílio, e Mons. Albert Prignon, presidente do Colégio Belga em Roma, onde se reuniam para a Conferência da Domus Mariae. Ambos os personagens estiveram intimamente involucrados na redação das Constituições Lumen Gentium e Gaudium et Spes. Mons. Lucien Cerfaux, que foi mestre da maioria dos teólogos belgas, não estava em Roma por essa época, mas era consultado assiduamente por Mons. Prignon. Tudo isso faz pensar que a "esquadra belga" se tornou a equipe teológica mais coesa do Concílio.
A primeira parte da obra de Zuluaga se encerra com o sexto capítulo, "A documentação conciliar", na qual aborda o processo textual dos documentos conciliares, especialmente os dois principais que deram a fundamentação para a redação e aprovação dos demais documentos: 16 ao total. Todos os documentos giram em torno das Constituições Lumen Gentium e Gaudium et Spes.
"A Constituição Dogmática Lumen Gentium sobre a Igreja é, sem sombra de dúvidas, o documento mais importante do Concílio" (p. 134). É neste documento que se reflete a nova eclesiologia proposta pelo Vaticano II, abordando a Igreja como Mistério, o que dá base para a eclesiologia da comunhão na realidade sacramental, e ressalta o papel do Povo de Deus, uma comunidade em movimento, um povo peregrino. Tal "revolução copernicana" na eclesiologia, segundo expressão do Cardeal Suenens, quebrava a concepção tradicional que concebia a Igreja como uma instituição e o povo de Deus na base de sua hierarquia. Os dois temas que constituem os dois primeiros capítulos da Lumen Gentium foram desenvolvidos no Decreto Unitatis Redintegratio, sobre o ecumenismo, na Declaração Nostra Aetate, sobre as religiões não cristãs, e no Decreto Ad Gentes, sobre a atividade missionária da Igreja.
O terceiro e quarto capítulos da Lumen Gentium tratam do tema do ministério hierárquico e dos leigos. Entre as grandes mudanças na compreensão hierárquica, o Pe. Alberto ressalta a novidade do Concílio por deixar a visão monárquica da Igreja, toda centrada no Papa, para uma visão mais colegial a partir do episcopado. Também a teologia escolástica apresentava a presidência da comunidade cristã a partir do presbítero, agora estará centrada no episcopado. O capítulo sobre os leigos, inicialmente, estava pensado por Mons. Philips como um grande capítulo que abordasse o Povo de Deus e os leigos numa só visão. Este capítulo foi dividido em dois, constituindo o segundo e o quarto capítulos da Constituição. Apesar de não ser o cerne do documento, o Concílio deu muita importância ao tema.
Com base no tema da hierarquia e do laicato se desenvolveram documentos como o Decreto Christus Dominus, sobre o dever pastoral dos Bispos, o Decreto Presbyterorum Ordinis, sobre o ministério dos presbíteros, o Decreto Optatam Totius, sobre a formação sacerdotal, e o Decreto Apostolicam Actuositatem, sobre o apostolado dos leigos.
A terceira perspectiva da nova eclesiologia, na Lumen Gentium, aborda a vocação universal à santidade (cap. V) e os religiosos (cap. VI). Com base neste tema surge um aprofundamento no Decreto Perfectae Caritatis, sobre a adequada renovação da vida religiosa. Os últimos dois capítulos - A índole escatológica da Igreja peregrina e a sua união com a Igreja celeste (Cap. VII) e a Bem-aventurada Virgem Maria, Mãe de Deus, no mistério de Cristo e da Igreja (Cap. VIII) - fecham o documento, apresentando a escatologia ligada à Santíssima Virgem e dos santos na Igreja triunfante. "De alguma maneira pode-se dizer que assim se colocaram os fundamentos do que foi a teologia da esperança" (p. 149).
Sob o ponto de vista pastoral do Vaticano II merece destaque o documento mais extenso produzido pelo Concílio, a Constituição Pastoral Gaudium et Spes, que é, ao lado da Lumen Gentium, um dos dois eixos que sustentam os demais documentos. Esta Constituição Pastoral trata especialmente da antropologia, individual e social, e num segundo momento sobre alguns dos problemas que afligem o mundo atual. Atrás deste documento, e sustentado por ele, estão o Decreto Inter Mirifica, sobre os meios de comunicação, a Declaração Dignitatis Humanae, sobre a liberdade religiosa, e a Declaração Gravissimum Educationis Momentum, sobre a educação cristã da juventude.
Esta parte do trabalho de Zuluaga se encerra com breves comentários a dois documentos, não ligados diretamente ao tema eclesiológico, mas que marcaram muito a nota de renovação do Vaticano II: a Constituição Sacrosanctum Concilium, sobre a Sagrada Liturgia, e a Constituição Dogmática Dei Verbum, sobre a Divina Revelação. O primeiro marcou a reforma litúrgica: foi elaborado na primeira sessão conciliar e aprovado no início da segunda sessão. O segundo foi mais complexo e muito discutido. Por fim, a investigação bíblica ganhou muita abertura após sua promulgação.
Contudo, a chave de leitura dos documentos conciliares é oferecida no início deste capítulo pelo Pe. Alberto, sem a qual não são compreendidas as mudanças posteriores: "Duas considerações são importantes para referir-nos a este tema: a primeira, já assinalada em outro lugar desta publicação, que o Concílio não é simplesmente uma documentação, mas, sobretudo, um acontecimento eclesial e em último termo um espírito que deve animar a Igreja; a segunda, que o Concílio Vaticano II foi fundamentalmente um Concílio eclesiológico" (p. 131).
A segunda parte do trabalho do Pe. Alberto Ramírez mostra a recepção do Concílio na América Latina (cap. VII) e em seguida a renovação realizada na Arquidiocese de Medellín (Cap. VIII), sua cidade. Com o título de "Recepção do Concílio na América Latina", o autor desenvolve o tema conciliar a partir de um acontecimento eclesial: a Conferência de Medellín (1968). Esta foi a segunda dentre as cinco realizadas: Rio de Janeiro (1955), Medellín (1968), Puebla (1979), Santo Domingo (1992), Aparecida (2007). O CELAM, segundo Zuluaga, um importante organismo da Igreja que, mesmo antes do Concílio, já testemunhava a comunhão eclesial na América
Latina e no Caribe, havia tido como um de seus grandes propulsores Dom Manuel Larraín Errázuriz, Bispo da Diocese de Talca (Chile) e Presidente do CELAM. Os desejos de Dom Larraín encontraram eco no coração de Dom Tulio Botero Salazar, Arcebispo de Medellín. Transcorridos dez anos desde a última Conferência no Rio de Janeiro, era o momento propício: o fim do Vaticano II. Entretanto, Dom Larraín morreu num acidente automobilístico antes de ver concretizar-se sua ideia.
Também o contexto histórico era único naquela época. Estavam em plena Guerra Fria, tendo de um lado a União Soviética nos países do Leste Europeu e, do outro, Estados Unidos e Europa. A América Latina vivia esta divisão ideológica, ora tendendo para uma corrente, ora para outra. Nesta ocasião também foi publicada a Encíclia Populorum Progressio (1967) de Paulo VI, que utilizava o vocabulário em vigor para falar em termos de "desenvolvimento", documento que se tornou um dos fundamentos da Conferência de Medellín, ao lado dos documentos do Vaticano II.
Em muitos lugares da América Latina começou um movimento de "libertação", com o surgimento de uma simpatia pelo socialismo. Esta era a realidade social dos países denominados de Terceiro Mundo. Neste contexto político, dois acontecimentos eclesiais prepararam a Conferência de Medellín: o XXXIX Congresso Eucarístico Internacional e o Congresso Mundial de Catequese. No clima de efervescência que reinava, Paulo VI teve que condenar o recurso à violência a fim de evitar agitações sociais contra os princípios evangélicos. Todavia, o mesmo Papa que encerrou o Vaticano II também abriu a Conferência de Medellín.
A temática da Conferência foi: A presença da Igreja na atual transformação da América Latina à luz do Vaticano II. Com aquela ideia pastoral do Concílio, 247 assistentes participaram da II Conferência, na maioria Bispos, não obstante também havia teólogos, leigos e observadores não católicos. Entre os teólogos, destacavam-se os da teologia da libertação, que estavam ganhando terreno.
À maneira do Concílio, também Medellín produziu 16 documentos, agrupados em três eixos: a promoção humana (Justiça; Paz; Família e Demografia; Educação; Juventude); a Evangelização e crescimento da fé (Pastoral popular; Pastoral de elite; Catequese; Liturgia); a Igreja visível e suas estruturas (Movimentos de leigos; sacerdotes; religiosos; formação do clero; A pobreza da Igreja; Pastoral de conjunto; Meios de comunicação social). Analogamente ao Concílio, também Medellín não é uma documentação, argumenta Zuluaga, mas um "acontecimento eclesial que acolheu toda a inspiração do Concílio" (p. 167), adaptando-a ao contexto latino-americano.
O Pe. Alberto Ramírez encontrou duas importantes consequências eclesiológicas para o acontecimento de Medellín: a primeira foi o despertar da identidade eclesial das Igrejas da América Latina, entendidas como Igrejas Particulares, uma eclesiologia de comunhão, com base na ideia conciliar de Povo de Deus; e a segunda foi o caráter profético desta identidade, buscando compreender o "sinal dos tempos" que a Igreja latino-americana estava vivendo. Segundo Zuluaga, o espírito profético de Medellín compreendeu a questão da justiça e da opção pelos pobres. Este discernimento se tornou, ao mesmo tempo, a consequência pastoral de Medellín.
O capítulo oitavo, "A renovação conciliar na Arquidiocese de Medellín", encerra a segunda parte da obra de Zuluaga. Neste capítulo, o Pe. Alberto Ramírez narra com luxo de detalhes a renovação pela que passou a Arquidiocese de Medellín, especialmente a partir da Assembleia sinodal arquidiocesana, tendo como base o Concílio e a II Conferência do CELAM. A importância deste capítulo se mede pelo fato de quase não haver testemunhos a seu respeito. As próprias publicações são insuficientes, mas Zuluaga esteve intrinsicamente envolvido em todo o processo de preparação e desenvolvimento do III Sínodo Pastoral Arquidiocesano, promovido especialmente pelo Arcebispo Tulio Botero Salazar.
Segundo o Pe. Alberto foi um trabalho árduo de preparação, que fazia parte da Comissão assessora da presidência. Zuluaga ficou especialmente encarregado de elaborar a estrutura teológica do documento sinodal, bem como esteve envolvido na redação final do documento. Entre os frutos deste "Concílio de Medellín", surgiu a Faculdade de Teologia da UPB, que igualmente passou por um longo e penoso caminho até a sua aprovação canónica e civil. O Pe. Alberto acompanhou de perto todo o processo, sendo um dos professores fundadores da Faculdade. Todo este capítulo é mais um testemunho pessoal do autor do que propriamente uma pesquisa bibliográfica, o qual possui um valor histórico mais acentuado e de primeira mão.
O último capítulo constitui também a terceira parte da obra, e se intitula "Do Papa Paulo VI ao Papa Bento XVI". Nele, Zuluaga mostra, concisamente, que os Papas do post Concílio (João Paulo I, João Paulo II e Bento XVI) não fazem parte da hermenêutica da ruptura. É importante este capítulo no sentido de voltar a olhar a Igreja como um todo, depois de verificar o desenrolar da teologia na América Latina, especialmente em Medellín. O argumento de que estes Papas mantiveram uma hermenêutica da continuidade se fundamenta em três acontecimentos, dois dos quais se passaram no longo pontificado de João Paulo II e um, no pontificado de Bento XVI. O primeiro se refere ao Sínodo dos Bispos de 1985, que marcou os vinte anos transcorridos desde o Concílio. O segundo acontecimento foi a promulgação do novo Catecismo da Igreja Católica, como fruto da eclesiologia apresentada no Concílio. Por fim, ressalta-se a inauguração do Ano da Fé, por ocasião dos cinquenta anos do Vaticano II. O autor encerrou seu livro quando estava sendo reunida a XIII Assembleia Ordinária Geral do Sínodo dos Bispos, para tratar justamente do tema da Nova Evangelização, "o grande projeto pastoral que temos na atualidade e que é, de certa forma, o grande fruto definitivo do Concílio" (p. 209).
Para entender o livro do Pe. Alberto é necessário compreender sua paixão por João XXIII. Sem diminuir os demais pontífices, Zuluaga buscou a verdadeira chave de interpretação do Vaticano II em sua fase preparatória e no discurso inaugural de João XXIII, o que faz compreender melhor que tal discurso se encontre como apêndice no livro. Esta ideia subjacente na obra do Pe. Alberto também esclarece o entusiasmo com que ele narra a fase preparatória da Conferência de Medellín, e sua participação pessoal e direta na preparação do "Concílio de Medellín", III Sínodo Pastoral Arquidiocesano. O desenvolvimento e as consequências dos acontecimentos eclesiais são apenas desdobramentos da primeira intenção. Para o Pe. Alberto, tanto a Conferência de Medellín quanto o III Sínodo Arquidiocesano são desdobramentos do Vaticano II, e o próprio Concílio é a expressão da fé e do senso profético de João XXIII, que soube discernir os "sinais dos tempos".
Notas
1 Doutor em Teologia pela Universidad Pontificia Bolivariana, Medellín. Diácono da Sociedade Clerical de Vida Apostólica Virgo Flos Carmeli. Membro dos Arautos do Evangelho. Professor do Instituto Teológico São Tomás de Aquino e do Instituto Lumen Sapientiae. E-mail: thiagoogeraldo@gmail.com.