Introdução
Desde sua primeira aparição pública como Bispo de Roma, o Papa Francisco surpreendeu com novas formas de se relacionar com o povo de Deus e o público em geral. Novidade anunciada em primeiro lugar pelo nome escolhido «Francisco», o primeiro pontífice a assumi-lo. Ademais, a novidade também se apresenta em outros elementos: o primeiro papa do continente latino-americano, o primeiro papa jesuíta e o primeiro não europeu desde o século VIII1. Eleito em 13 de março de 2013, o novo Papa adotou gestos e palavras que carregam em si a novidade e a alegria do Evangelho que ele mesmo busca testemunhar e promover. «Cultura do encontro2» é uma das novas expressões que reiteradamente aparece em seus discursos e que desperta a atenção. A cultura do encontro será abordada a partir de seus pronunciamentos visando compreender esse conceito no pensamento de Francisco e identificar o seu dinamismo e, posteriormente, verificaremos como se aplica aos encontros de Francisco em suas viagens apostólicas fora da Itália.
1. O que é «cultura do encontro»?
O capítulo III da Exortação Apostólica Evangelii Gaudium trata do anúncio do Evangelho. Francisco reconhece que o povo de Deus que anuncia o Evangelho é um «povo com muitos rostos» que se expressam em suas diversas culturas3. A cultura é um elemento conatural ao ser humano, brota da sua natureza social, visto que a pessoa humana é um «ser em relação». Ao explicar o que entende por cultura destaca o aspecto da relacionalidade4: «Trata-se do estilo de vida que uma determinada sociedade possui, da forma peculiar que têm os seus membros de se relacionar entre si, com as outras criaturas e com Deus»5. É nas relações que a cultura surge e se desenvolve e dessa forma cada povo, «na sua evolução histórica, desenvolve a própria cultura com legítima autonomia»6.
Toda essa realidade é uma riqueza para a vida social e para a evangelização. Tais relações das pessoas do mesmo povo e dos povos entre si implicam a experiência do «encontro», cujo desdobramento deve ser a generosidade do dom de si. Dessa forma, quando Francisco exorta a promover a cultura do encontro, está indicando que tal dinamismo implica sair de si com a finalidade de ir rumo ao outro para fazer-lhe o bem, para servir, para levar a alegria do evangelho. Isto deve ser um «estilo de vida», algo conatural na forma de as pessoas e os povos se relacionarem. E, mais que dar definições, descreve o que seria a cultura do encontro. Em discurso a um grupo de líderes no Brasil afirmou: «A única maneira para uma pessoa, uma família, uma sociedade crescer, a única maneira para fazer avançar a vida dos povos é a cultura do encontro; uma cultura segundo a qual todos têm algo de bom para dar [...]»7. Tal, atitude oferece um caminho fecundo, trilhado no diálogo que gera relações fundadas na «humildade social».
Evidenciam-se alguns aspectos do pensar de Francisco sobre a cultura do encontro em uma abordagem social: trata-se de uma condição para o desenvolvimento da pessoa, da família e da sociedade, enfim, dos povos. Implica reciprocidade, não é apenas dar para o outro, mas também receber dele. Tomar a iniciativa e aproximar-se livre de condicionamentos com uma autêntica «humildade social» para favorecer o diálogo. Para que haja de fato uma reciprocidade positiva é imprescindível reconhecer a alteridade e a dignidade do outro. O outro é diferente, tem certamente outras referências e experiências culturais, porém, através do encontro e do diálogo é possível harmonizar as diferenças8 e interagir. A cultura do encontro implica tornar-se o próximo do outro, eliminar as distâncias e condicionamentos que levam ao isolamento, indiferença ou irresponsabilidade. Implica dar o passo de olhar para o «próximo» como irmão. Dessa forma o encontro torna-se epifania do Reino na sociedade.
O diálogo é um dos principais instrumentos da cultura do encontro e o Papa Francisco insiste em que seja amplo e aberto com todas as pessoas: o diálogo ecumênico, inter- religioso, com os não crentes, com as ciências, com o mundo do trabalho, da economia, da política, da arte etc. Encontrar-se com aqueles que têm outras opiniões e diferentes opções não quer dizer abdicar dos próprios princípios, valores e convicções9. Um encontro autêntico não coloca em risco a própria identidade, senão que a enriquece com aquilo que o outro oferece. A dinâmica do diálogo requer falar e ouvir, receber e dar, portanto, parte do reconhecimento do outro como alguém valioso, que tem algo a oferecer10.
Na encíclica Laudato Si, sobre o cuidado da casa comum, sugere a importância de desenvolver a capacidade de ver a realidade em chave trinitária. Tal empreendimento consiste em, a modo de analogia, reconhecer a estrutura trinitária de inter-relações que há em tudo o que existe e assumir na própria existência «aquele dinamismo trinitário que Deus imprimiu nela desde a sua criação. Tudo está interligado, e isto convida-nos a maturar uma espiritualidade da solidariedade global que brota do mistério da Trindade»11.
2. Dinamismo da Cultura do Encontro
Para compreender o dinamismo da cultura do encontro é importante considerar a relação que tem com outras categorias cunhadas pelo Papa Francisco: «Igreja em saída», «discípulo missionário»12 e «periferias existenciais». Mesmo que algumas dessas categorias correspondam particularmente à vida cristã, o apelo a promover a cultura do encontro não se restringe aos cristãos, senão que se dirige a todas as pessoas.
2.1. Ponto de partida: ser encontrado por Cristo e encontrá-lo
Cristo é o centro da vida da Igreja e da vida do discípulo missionário13, é Cristo quem concede a graça divina, ama e salva. O discípulo missionário é alguém que, a exemplo dos primeiros discípulos, fez a experiência do «encontro mais importante e decisivo de sua vida que os havia preenchido de luz, força e esperança: o encontro com Jesus, sua rocha, sua paz, sua vida»14. O desenvolvimento dessa experiência lhe proporciona uma sólida espiritualidade, pela qual se cultiva a dimensão contemplativa que permite a união com Cristo. Tal união é o segredo de sua fecundidade pastoral e deve ser proporcional ao desejo de ir rumo às «periferias existenciais»15. A experiência de ter sido tocado e transformado pela graça de Cristo é o motor que impulsiona este dinamismo.
Convido todo cristão, em qualquer lugar e situação que se encontre, a renovar hoje mesmo o seu encontro pessoal com Jesus Cristo ou, pelo menos, a tomar a decisão de se deixar encontrar por Ele, de procura-lo dia a dia sem cessar. Não há motivo para alguém poder pensar que este convite não lhe diz respeito, já que “da alegria trazida pelo Senhor ninguém é excluído”16.
É importante tanto ir ao encontro de Jesus como deixar-se encontrar por Ele. Quiçá, o deixar-se encontrar seja o mais próximo da experiência do Reino, pois é Deus que sem cessar vem ao encontro da pessoa humana. O cristianismo não consiste na adesão a uma conduta ética, mas em primeiro lugar, a um encontro com uma pessoa e o encontro com a pessoa de Jesus, que dá à vida um novo sentido e um novo rumo17. Tal empreendimento faz parte de um processo de conversão pessoal, de ordenação da própria vida para ajustá-la ao projeto do Reino que Jesus propõe através do Evangelho. Por isso, aquele que se encontra com ele ou se deixa encontrar, procura que as próprias palavras e ações sejam sinal do Reino de Deus no mundo.
2.2. O Lugar de Cristo e o lugar do discípulo missionário: o centro e a periferia
O discípulo missionário é um «descentrado», isto é, um sujeito transcendente18, que sai de si e que anuncia o evangelho para todos sem exceção porque entendeu que o seu lugar não é no centro, já que este lugar corresponde a Cristo. Ser descentrado se opõe à autorreferencialidade. O lugar do discípulo missionário é a periferia, por isso, o cristão deve viver em «tensão para as periferias»19.
Na abordagem geográfica do conceito de periferia, entende-se que seja uma região afastada do centro, região limite. No contexto urbano, trata-se da região que geralmente abriga população de baixa renda, embora, no centro das grandes metrópoles, haja os miseráveis e excluídos do centro. Considerada no contexto mundial, periferia seria o conjunto dos países pouco desenvolvidos em relação às grandes potências político-econômicas, estas consideradas como centro de um sistema socioeconômico mundial.
No entanto, quando se pensa em chave da vida humana, da sua existência, a periferia existencial pode se referir à condição de estar à margem do que é central na vida e na existência, àquelas condições que geram carências pelas quais, por diversas razões, as pessoas não têm vida em plenitude20. Diversos são os tipos de carências e pobrezas em nossas sociedades: materiais, culturais, intelectuais, profissionais, morais, espirituais, emocionais etc. Tal situação impele os discípulos missionários a descobrirem nos pobres as feridas da «carne de Cristo», a partir do olhar contemplativo e do compromisso com os valores do evangelho: «esta é a nossa pobreza: a pobreza da carne de Cristo, a pobreza que nos trouxe o Filho de Deus com a sua Encarnação. A Igreja pobre para os pobres começa pelo dirigir-se à carne de Cristo»21.
Francisco faz referência às pessoas em situações de carências, de miséria e pobreza, o último dos últimos e que devem ser os primeiros, mas não os únicos, destinatários da boa nova. Contudo, as periferias da existência atingem todas as classes sociais, pois se referem a qualquer situação ou mal que impeça a pessoa de ter vida em plenitude: a falta de sentido na própria vida, a violência social e doméstica, o abandono e o desprezo às vezes dentro da própria casa, a dependência química. É cada vez maior o número de pessoas que vivem na periferia da sua existência. Segundo relatórios da Organização Mundial de Saúde (OMS), a depressão já é a doença mais incapacitante desde o ano de 201022; além disso, em média, no mundo, mais de 800 mil pessoas cometem suicídio ao ano, o que equivale a um suicídio a cada 40 segundos23.
A população mundial vive um período de crise existencial, ainda em meio a tanto desenvolvimento e possibilidades inimagináveis oferecidas pelas ciências e tecnologia. É cada vez mais difícil descobrir e realizar o sentido da própria existência, prova disso são as estatísticas supramencionadas. A respeito do crescente número de suicídios no Brasil, afirma Amarante não ser verdade que o Brasil seja um «país alegre», pois sofre um processo de grande individualismo e competitividade, que influenciam as ideias de suicídio, especialmente por causa da solidão nas grandes cidades24. Este é o drama existencial, não exclusiva, mas principalmente nos grandes centros urbanos e o discípulo missionário também está chamado a ir ao encontro do irmão que se encontra nessas periferias da existência. Onde o centro não é a vida plena que o encontro e o compromisso com o Reino de Deus pretendem desenvolver.
2.3. Envio às periferias existenciais para «dar vida»
A proclamação do Evangelho será uma base para restabelecer a dignidade da vida humana nestes contextos, porque Jesus quer «dar vida em abundância» nas cidades. Um dos caminhos seguros para reverter essas realidades é precisamente arriscar-se no encontro que resgata.
Testemunha do Evangelho é alguém que encontrou Jesus Cristo, que O conheceu, ou melhor, que se sentiu por Ele conhecido, reconhecido, respeitado, amado e perdoado; e este encontro sensibilizou-o em profundidade, enchendo-o de uma alegria nova, de um significado renovado para a sua vida. E isto transparece, comunica-se, transmite-se aos outros25.
O encontro com Jesus e consigo mesmo impulsiona ao encontro com os irmãos para partilhar a maravilha da experiência do Reino e para colocar-se a serviço, a exemplo de Jesus. A presença diante do outro deve ser plena, em atitude do coração de serena atenção26, fruto de um espírito contemplativo, que é capaz de descobrir nas outras pessoas e criaturas, a presença de Deus. Aqui se evidencia que a cultura do encontro também se opõe ao estatismo, à imanência absoluta27.
Há diversas iniciativas no seio da Igreja e da sociedade dedicadas ao resgate da vida e da dignidade das pessoas em situação de abandono e vulnerabilidade. Vítimas de culturas denunciadas por Francisco e que se opõem à cultura do encontro: a cultura da exclusão, cultura do descartável e a cultura da globalização da indiferença28. O discípulo missionário não pode viver como se essa realidade não existisse. A misericórdia29 deve ser o sinal distintivo e permanente dessa Igreja em permanente estado de missão. Essa é a razão que impulsiona o Papa Francisco a insistir com tanta força em que a Igreja seja uma «Igreja em saída», que saia de si mesma rumo às periferias existenciais, sejam elas quais forem.
Na periferia, o discípulo missionário encontra-se com os pobres, as pessoas que trazem as feridas da vida e em sua carne podem tocar a carne de Cristo que sofre30. Francisco dá muita importância à experiência sensorial nessa relação: olhar as pessoas nos olhos, tocar suas mãos, abraçar, ser próximo principal e primeiramente dos mais fragilizados. Em uma meditação matutina durante a missa celebrada na Casa Santa Marta, exortou ao comentar o evangelho da ressurreição do único filho da viúva de Naim: «não só vendo mas olhando, não apenas ouvindo mas escutando, não só cruzando-se com as pessoas mas detendo-se com elas, não só dizendo “que pena, pobrezinhos!” mas deixando-se arrebatar pela compaixão; e depois aproximar-se, tocar e dizer: “Não chores” e dar pelo menos uma gota de vida»31. A finalidade desse dinamismo é dar vida. O Jesus joanino faz uma impressionante declaração sobre o sentido de sua missão que o evidencia: «Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância» (Jo 10,10).
2.4. O encontro com Cristo provoca novos «encontros geradores de vida e comunhão»
O encontro com Deus, encontro consigo mesmo e com os irmãos também conduz ao encontro e comunhão com toda a criação, com o cosmos. Este encontro exige uma -conversão ecológica-, que comporta deixar emergir, nas relações com o mundo que nos rodeia, todas as consequências do encontro com Jesus32. Para que o encontro e relação com o cosmos sejam sinais do Reino de Deus, é necessária a conversão pessoal, que pede a assunção de atitudes de sobriedade, humildade e paz interior33. Tais atitudes pessoais são indispensáveis para que se construam projetos e ações em vista do desenvolvimento integral da pessoa e da sociedade, fundados sobre a justiça característica do Reino de Deus.
Na sociedade atual, que padece uma forte crise existencial, a cultura do encontro se apresenta como uma condição para a experiência profunda da salvação e do amor de Deus, cujo Filho se fez carne, para vir ao encontro da pessoa humana «como um de nós» e que tocou as periferias existenciais com suas próprias mãos, assumiu-as para daí resgatar a todos os que padecem pelas feridas da vida.
3. Cultura do encontro como sinal profético nas palavras e gestos de Francisco
A tradição bíblica veterotestamentária nos apresenta a figura dos profetas, homens com uma experiência particular de Deus, por cujas palavras e gestos Deus se revela ao seu povo. Sendo assim, para destacar a dimensão profética de Francisco, é preciso também voltar o olhar para os seus gestos. Como suas ações de certa forma revelam aquilo que ele anuncia com as palavras? Não se pretende analisar seus gestos de modo exaustivo e tampouco emitir um juízo moral ou qualitativo, senão, simplesmente apontar como o dinamismo da cultura do encontro se manifesta em seu agir. Na abordagem, consideramos de modo geral as suas viagens apostólicas fora da Itália e buscamos identificar o dinamismo da cultura do encontro em seus gestos e palavras34.
3.1. Os encontros de Francisco pelo mundo
A tabela a seguir indica as datas das viagens apostólicas realizadas pelo Papa Francisco fora da Itália, desde o início de seu pontificado até a presente data, os países visitados e, por fim, se for o caso, o evento ou fato principal que motivou sua viagem:
Nº | Datas | Viagem Apostólica | Motivações |
---|---|---|---|
1 | 3-5/fevereiro/2019 | Emirados Árabes Unidos | Encontro Inter-religioso “Fraternidade Humana” |
2 | 23-28/janeiro/2019 | Panamá | XXXIV Jornada Mundial da Juventude |
3 | 22-25/setembro/2018 | Lituânia, Letônia e Estônia | Pastoral |
4 | 25-26/agosto/2018 | Irlanda | IX Encontro Mundial das Famílias |
5 | 21/junho/2018 | Genebra (Suíça) | Peregrinação Ecumênica - Comemoração do 70º Aniversário da Fundação do Conselho Mundial das Igrejas |
6 | 15-22/janeiro/2018 | Chile e Peru | Pastoral35 e questões sociais36 e eclesiais |
7 | 26/novembro -2/dezembro de 2017 | Myanmar e Bangladesh | Pastoral, encontro inter-religioso e situação dos refugiados |
8 | 6-11/setembro de 2017 | Colômbia | Pastoral e questões sociais |
9 | 12-13 maio de 2017 | Santuário de Fátima, Portugal | Celebração do Centenário das Aparições da Bem-Aventurada Virgem Maria na Cova da Iria |
10 | 28-29/abril de 2017 | Egito | Pastoral e encontro ecumênico e inter-religioso |
11 | 31/outubro-1º/novembro de 2016 | Suécia | Comemoração comum luterano-católica da Reforma (encontro ecumênico) |
12 | 30/setembro- 2/outubro de 2016 | Geórgia e Azerbaijão | Pastoral, encontro ecumênico e inter-religioso, disputas internacionais na região do Cáucaso. |
13 | 27-31/julho de 2016 | Polônia | XXXI Jornada Mundial da Juventude |
14 | 24-26/junho de 2016 | Armênia | Pastoral e encontro ecumênico |
15 | 16/abril de 2016 | Lesbos, Grécia | Visita ao Campo de Refugiados |
16 | 12-18/fevereiro de 2016 | México | Pastoral, encontro ecumênico37 e questões sociais |
17 | 25-30/novembro de 2015 | Quênia, Uganda e República Centro- Africana | Pastoral, encontro ecumênico e inter- religioso, questões sociais |
18 | 19-28/setembro de 2015 | Cuba, Estados Unidos da América e Sede das Nações Unidas | Pastoral, questões de imigração, VIII Encontro Mundial das Famílias na Filadélfia |
19 | 5-13/julho de 2015 | Equador, Bolívia e Paraguai | Pastoral, encontro ecumênico e inter-religioso |
20 | 6/junho de 2015 | Sarajevo, Bósnia- Herzegovina | Pastoral, encontro ecumênico e inter- religioso |
21 | 12-19/janeiro de 2015 | Sri Lanka e Filipinas | Pastoral, encontro ecumênico e inter-religioso |
22 | 28-30/novembro de 2014 | Turquia | Pastoral e encontro ecumênico |
23 | 25/novembro de 2014 | Parlamento Europeu e Conselho da Europa (Estrasburgo, França)38 | Questões políticas sociais. Ano comemorativo dos 65 anos do Parlamento Europeu |
24 | 21/setembro de 2014 | Tirana, Albânia | Pastoral, encontro ecumênico e inter-religioso |
25 | 13-18/agosto de 2014 | República da Coreia | VI Jornada Asiática da Juventude |
26 | 24-26/maio de 2014 | Jordânia e Israel | Peregrinação à Terra Santa |
27 | 22-29/julho de 2013 | Brasil | XXVIII Jornada Mundial da Juventude |
3.2. O dinamismo da cultura do encontro nos encontros de Francisco
Para compreender a cultura do encontro é importante situá-la também na experiência espiritual e religiosa do Papa Francisco. Como jesuíta, seus critérios e pensamentos estão impregnados da espiritualidade inaciana39, uma de suas notas características é a de «ser contemplativo na ação». Compreende-se então a importância que Francisco dá à oração e espiritualidade como o motor de sua vida e ação: o seu primeiro gesto como Papa foi o de inclinar-se ante o povo reunido na Praça de São Pedro e pedir-lhe sua oração por ele; além disso, quase todas as manhãs celebra a missa na Casa Santa Marta e oferece ao mundo uma breve meditação sobre a Palavra de Deus. Estas condições possibilitam a experiência de encontrar-se com Cristo ou deixar-se encontrar por Ele. Na experiência da oração pessoal, o discípulo missionário permite que os seus sentidos sejam evangelizados. Por isso, é capaz de «descobrir Deus em todas as coisas», ver «a carne de Cristo» que sofre nos irmãos mais vulneráveis.
Francisco tem atuado como «discípulo missionário» enviado por Cristo às periferias existenciais. Com referência aos dados divulgados no Relatório de Desenvolvimento Humano40 publicado em 2017, dos 39 países visitados até o momento por Francisco nas 27 viagens apostólicas fora da Itália: 15 pertencem ao grupo dos países com índice de desenvolvimento humano (IDH) muito alto41, 15 ao grupo com IDH alto42, 7 ao grupo com IDH médio43 e 2 ao grupo com IDH baixo44. A motivação das viagens ao grupo de IDH muito alto foi geralmente a participação em eventos: peregrinações, presença em organizações políticas internacionais ou continentais, jornadas mundiais ou continentais da juventude, Comemoração dos 500 anos da Reforma, Comemoração dos 70 anos da Fundação do Conselho Mundial das Igrejas, Encontro Mundial das Famílias, Encontro Inter-religioso. Intencionalmente, Francisco tem dado prioridade pastoral às «periferias do mundo» ou às «periferias da Igreja». Em coletiva de imprensa, após sua viagem à Albânia, um jornalista local indagou sobre a sua visão da Europa, já que tinha escolhido como primeiro país europeu a visitar, um país da periferia do continente, que nem sequer pertence à União Europeia, ao que respondeu: «Posso dizer que a minha viagem é uma mensagem, é um sinal. É um sinal que eu quero dar45».
O encontro com o corpo diplomático e a sociedade civil é parte do protocolo de suas viagens apostólicas, já que o Papa também é chefe de Estado. Geralmente realiza um encontro especial com os bispos, sacerdotes e pessoas consagradas. As celebrações eucarísticas na maioria das vezes multitudinárias são momentos de encontro com os cristãos católicos e com público em geral. Mesmo ao visitar países mais desenvolvidos, realiza encontros com pessoas ou grupos que trazem as feridas da vida.
Francisco tem procurado tocar a carne sofrida de Cristo nas feridas da Igreja e da sociedade. Por feridas da Igreja, destacaremos três realidades: os desdobramentos das divisões da Igreja ocorridas ao longo da história46, as pessoas que sofreram abusos por parte de ministros da Igreja ou pessoas consagradas e as minorias cristãs católicas. Por fim, as feridas da sociedade e do mundo serão evidenciadas em diversas realidades que afetam a paz e o desenvolvimento da sociedade e das nações.
3.2.1. Ir ao encontro das feridas da Igreja
Francisco tem realizado gestos muito significativos visando curar as feridas da divisão da Igreja. Os encontros com os líderes das Igrejas Ortodoxas têm sido marcados pela experiência da fraternidade na oração e no compromisso por dar passos necessários rumo à unidade, não primeiramente pelo diálogo doutrinal e teológico, mas sim, pelo compromisso com o testemunho da fé em Cristo, inclusive pelo «ecumenismo de sangue»47. Tal compromisso tem sido ratificado pela oração comum e pela assinatura de declarações conjuntas com: Bartolomeu, Patriarca Ecumênico de Jerusalém; Kirill, Patriarca de Moscou e de toda a Rússia; Hieronymos, Arcebispo de Atenas e de toda a Grécia; Karekin II, Cathólikos de todos os Armênios e com Sua Santidade Tawadros, Papa de Alexandria e Patriarca da Sé de São Marcos. Ademais, na Geórgia encontrou-se com Sua Beatitude Elias II, Cathólicus e Patriarca de toda a Geórgia e, finalmente, no Egito, Francisco, mostrou-se solidário com os cristãos coptos que haviam sofrido um atentado à bomba. Finalmente, em recente discurso no encontro ecumênico do Conselho Mundial das Igrejas, encontram-se os elementos do dinamismo da cultura do encontro como convite a viver o ecumenismo hoje:
Caminhar sim, mas para onde? Na base do que ficou dito, sugeriria um movimento duplo: de entrada e de saída. De entrada, a fim de nos dirigirmos constantemente para o centro, reconhecendo-nos ramos enxertados na única videira que é Jesus (cf. Jo 15,1-8). Não daremos fruto sem nos ajudarmos mutuamente a permanecer unidos a Ele. De saída, rumo às múltiplas periferias existenciais de hoje, para levarmos juntos a graça sanadora do Evangelho à humanidade atribulada. Poderíamos interrogar-nos se estamos a caminhar de verdade ou apenas em palavras, se apresentamos os irmãos ao Senhor e os temos verdadeiramente a peito, ou se estão longe dos nossos reais interesses. Poderíamos interrogar-nos também se o nosso caminho é um mero cirandar sobre os nossos passos, ou uma convicta saída pelo mundo levando-lhe o Senhor48.
No tocante às pessoas que sofreram abusos, Francisco tem continuado o gesto de Bento XVI de encontrar-se com aqueles e aquelas que sofreram esta violência para pedir perdão, consolar e fortalecer. Estes encontros geralmente ocorrem dentro do sigilo, para preservar a privacidade dos participantes e durante suas viagens internacionais, aconteceram em Filadélfia, nos Estados Unidos, em Santiago do Chile e em Dublin, na Irlanda. Há ainda um caminho a percorrer para encontrar as ações mais adequadas para atender às vítimas, punir os culpados e evitar que novos casos voltem a acontecer. No entanto, mesmo que com limitações, importante é «correr o risco do encontro com o rosto do outro»49, para se deixar interpelar pela sua presença e juntos procurar o bem e a justiça para todos.
Por fim, Francisco tem se encontrado com as comunidades católicas que são minorias em países majoritariamente ortodoxos ou muçulmanos. Algumas dessas igrejas têm sofrido de forma particular a perseguição como, por exemplo, no caso da Albânia. Nesta ocasião, Francisco conheceu o testemunho do Pe. Ernest Simoni que sob a perseguição do regime comunista, conseguiu escapar da condenação à morte, porém, permaneceu preso por 27 anos realizando trabalhos forçados. A estas comunidades, agradece seu testemunho e encoraja a serem fiéis, a continuar sua entrega a Cristo em favor dos irmãos renovando a esperança.
3.2.2. Ir ao encontro das feridas da sociedade
Enquanto às feridas da sociedade, destacam-se seus encontros com os refugiados e imigrantes, os presos, os enfermos, os pobres, os jovens e as crianças. Ou, ainda, considerando o importante papel de mediação ou favorecendo o diálogo entre nações em conflitos internos ou externos.
O primeiro encontro com refugiados aconteceu na Ilha de Lampedusa, localizada no Mediterrâneo ao sul da Itália, nos primeiros meses de seu pontificado, quando comovido pela morte de centenas de pessoas refugiadas que tentavam chegar à Europa para tentar uma nova vida e morreram no naufrágio. Ante o impacto desse acontecimento, dirigiu-se à ilha e em sua homilia disse: «E então senti o dever de vir aqui hoje para rezar, para cumprir um gesto de solidariedade, mas também para despertar as nossas consciências a fim de que não se repita o que aconteceu»50. Certamente, este episódio marcou o orientou seu posicionamento ante esta realidade. Outros encontros aconteceram na Jordânia, em Israel, na República Centro-Africana, em Bangladesh e em Lesbos, na Grécia. Em Lesbos, Francisco novamente afirmou que com este encontro procurava chamar a atenção para a crise humanitária manifestada no drama dos refugiados. Não somente encontrou-se com eles, mas inclusive levou doze refugiados consigo a Roma. Reconhece a legitimidade das preocupações das autoridades e cidadãos dos países, mas exorta a que se considere que os imigrantes são mais que números, são pessoas com rostos, nomes e histórias que nos interpelam51. O drama dos refugiados e imigrantes, parece ser uma das periferias existenciais que mais atinge o coração de Francisco, visto que, ao criar o Dicastério para o Desenvolvimento Humano Integral, o pontífice se responsabilizou em primeira pessoa pelo departamento a eles dedicado52.
Outras periferias que Francisco encontrou nestes cinco anos abrangem pessoas em situação de extrema pobreza, mulheres forçadas à prostituição53, grupos étnicos perseguidos54 ou que reclamam terra e dignidade das que foram privados55, pessoas encarceradas56, crianças que sofrem algum tipo de carência e que são assistidas em instituições de caridade57, crianças internadas em hospitais, jovens que tentam se recuperar da dependência química, familiares de vítimas do narcotráfico e de outras formas de violência58 ou desastres naturais, pessoas sem teto entre outras situações.
Francisco promoveu a cultura do encontro também nas relações entre os países e religiões: na Colômbia se fez presente no contexto da assinatura do acordo de paz exortando os cidadãos colombianos a construir a paz cada um «dando o primeiro passo»59. Ao Conselho da Europa convidou a promover um diálogo intercultural, inclusive intergeracional, na esfera política de forma que na busca pelo bem comum e desenvolvimento integral se coloque novamente o homem ao centro e não o dinheiro60. Incentivou o diálogo entre países com conhecidas tensões e dificuldades políticas: Estados Unidos e Cuba, por exemplo61. Por fim, também tem oferecido sua liderança religiosa ao compromisso de, com outras religiões, ser agente de paz, reconhecendo o importante papel das religiões na sociedade e no mundo como «canais de fraternidade» e não «barreiras de separação»62. No encontro inter-religioso celebrado recentemente nos Emirados Árabes Unidos, assinou juntamente com o Grão Imame de Al-Azhar Ahamad al-Tayiib a Declaração «A Fraternidade Humana pela paz mundial e a convivência comum»63. Espera-se que este seja o início de um processo que contribua efetivamente para a convivência pacífica e construtiva entre as diferentes culturas e povos64.
Em breve, no final do mês de março de 2019 irá ao Marrocos onde continuará seu diálogo e encontro com o mundo muçulmano.
Conclusão
Este estudo se propôs a compreender a noção de «cultura de encontro» no Magistério e testemunho do Papa Francisco. Com este apelo, o pontífice indica a necessidade de que a experiência do encontro se torne um estilo de vida, um modo de agir conatural de cada pessoa, mas principalmente do discípulo missionário. Seu dinamismo parte da experiência de ser encontrado por Cristo ou de deixar-se encontrar por ele, de modo que a vida se transforme e desenvolva na pessoa uma sólida espiritualidade e um olhar contemplativo capaz de perceber a presença de Deus em todas as coisas e descobrir a «carne de Cristo» nos mais fragilizados. Nesta experiência o discípulo missionário é enviado por Cristo, que é o centro, para as periferias existenciais a fim de servir e «dar e receber vida». O primeiro encontro, aquele com Cristo, deve desencadear um dinamismo de mais encontros geradores de vida e comunhão, como expressão da «Igreja em saída».
O Papa Francisco entende a cultura do encontro como condição necessária para o desenvolvimento integral da pessoa, da família e da sociedade. Não se trata de algo inédito ou fora do alcance, porém, trata-se de resgatar, a partir do encontro com Cristo, uma experiência humana e humanizadora que tem perdido sua essência por diversos fatores históricos e culturais, principalmente, pela «globalização da indiferença».
Os apelos de Francisco, não somente com suas palavras, mas também com seus gestos, indicam um caminho a percorrer. Em suas viagens apostólicas fora da Itália, pode-se vislumbrar como procura colocar em prática o que ensina. Alguns encontros são fecundos e gratificantes e, mesmo em meio a situações dramáticas, geram de vida. Outros revelam ainda mais a profundidade das feridas e da dor e indicam que será necessário mais tempo, mais encontros e mais diálogo para chegar «curá-las». A experiência do encontro trará sempre desafios e possibilidades, mas não há outro caminho para construir juntos uma sociedade na qual os sinais do Reino de Deus testemunhem que mais pessoas têm «vida em abundância».