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Acta Agronómica

Print version ISSN 0120-2812

Acta Agron. vol.58 no.4 Palmira Oct./Dec. 2009

 

Avaliação da composição físico-química de frutos de mandacaru (Cereus jamacaru P.)

Evaluation of the physical-chemical composition of the fruits of Mandacaru

Leirson Rodrigues da Silva1, Ricardo Elesbão Alves2

1Universidade Federal Rural do Semi-Árido, UFERSA, Mossoró-RN, Brasil, 2Pesquisador Embrapa Agroindústria Tropical, Fortaleza- CE. Autor para correspondência: leirsonrodrigues@yahoo.com.br, elesbão@cnpat.embrapa.br

Rec.: 09-02-09 Acept.: 20-10-09


Resumo

O mandacaru (Cereus jamacaru P.) é uma espécie nativa da vegetação da caatinga, onde seus frutos podem constituir uma agradável fonte de alimento, embora ainda não sejam explorados comercialmente. O trabalho foi realizado com o objetivo de avaliar as características físico-químicas da polpa e da casca dos frutos de mandacaru oriundos do vale do Curu-CE, Nordeste do Brasil. Os frutos foram colhidos e conduzidos às condições de laboratório da Embrapa Agroindústria Tropical, onde para as análises foram selecionados cerca de 2 kg da matéria-prima, sendo os frutos escolhidos aqueles maduros e firmes. Depois foram lavados, sanitizados e submetidos a armazenamento sob refrigeração para as análises posteriores. Os frutos foram caracterizados quanto ao pH, sólidos solúveis (SS), ácido ascórbico e açúcares redutores totais. O delineamento foi inteiramente casualizado, com quatro repetições. A casca do fruto apresentou valor de pH de 4.42, superior ao da polpa que foi de 4.40. Os teores de ácido ascórbico para a polpa foram de 100 mg/100 g de polpa e casca de 80 mg/100 g de polpa. Para os teores de SS, constata-se diferença significativa entre os valores da polpa e da casca, com 11% e 5%, respectivamente. Portanto, a polpa do fruto apresentou maior porcentagem de açúcar de 5.76, em comparação àquela encontrada na casca de 1.53.

Palavras chave: Cereus jamacaru P.; qualidade; ácido ascórbico; pós-colheita.


Abstract

‘Mandacaru’ (Cereus jamacaru P.) is a native species from the vegetation of the Brazilian North East “Caatinga”, and its fruits could become an important nutritional source for the population of semiarid regions, although it is still not commercially exploited. This work was carried out to evaluate the physical and chemical characteristics of the pulp and peel of ‘mandacaru’ fruit from the Curu Valley, Ceara State, Brazilian North East. ‘Mandacaru’ fruits were harvested and transported to the Embrapa Tropical Agroindustry Laboratory, where approximately 2 Kg of mature and firm fruits were selected for evaluation. These fruits were washed, sanitized and placed under cold storage for future analysis. The fruit pulp and peel were evaluated for: pH, soluble solids (SS), ascorbic acid and total reducing sugars. The experiment was carried out in a completely randomized design, with four replicates. The peel of ‘Mandacaru’ fruit presented pH 4.42, being higher than pulp at pH 4.40. Ascorbic acid content was 100 mg/100g -1 in the pulp, and 80 mg/100g -1 in the peel. A significant difference in SS was detected between pulp and peel, which were 11% and 5%, respectively. On the other hand, fruit pulp presented higher percentage of reducing sugars of 5.76%, as compared to that found in the peel of 1.53%.

Key words: Cereus jamacaru P.; quality; ascorbic acid; postharvest.


Introdução

O mandacaru é uma espécie nativa da vegetação da caatinga, pertencendo à família das cactáceas. Cresce em solos pedregosos e, junto a outras espécies de cactáceas, forma a paisagem típica da região semi-árida do Nordeste. É encontrado nos Estados do Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia e norte de Minas Gerais.

O mandacaru é um cacto colunar abundantemente ramificado e com flores brancas. Os frutos são grandes, avermelhados com polpa branca provida de muitas sementes insípidas, porém, comestíveis (Gomes, 1973). A família das cactáceas está adaptada às condições de intenso xerofitismo e caracterizam a paisagem vegetal das regiões mais secas da América Intertropical. São plantas suculentas com talos carnosos, roliços ou aplanados, de folhas caducas ou completamente ausentes (Gola, 1965).

Segundo Rocha e Agra (2002) esta planta atinge de 3 a 7 m de altura e possui caule cheio de espinhos rígidos, com grande quantidade de água. É utilizada como planta ornamental e ainda serve para alimentação de bovinos, caprinos e ovinos, principalmente na época de estiagem. De acordo com Braga (1960) os artículos novos do mandacaru servem, depois de queimados, de alimento para o gado. O fruto é uma baga, ovóide, com aproximadamente 12 cm de comprimento, vermelho, carnoso, de polpa branca, com inúmeras sementes pretas e bem pequenas. As flores noturnas são visitadas por mariposas e morcegos, de janeiro a agosto.

O combate à fome nas populações carentes tem merecido estudos em inúmeros países, inclusive no Brasil, direcionado ao aproveitamento dos recursos obtidos nas próprias regiões, os quais, além de prescindir de transporte a longas distâncias, se beneficiam do princípio da vantagem comparativa. Esta prática se disseminou no Brasil a partir do início da década de 80, principalmente para grupos considerados biossocialmente vulneráveis, como crianças e gestantes (Santos; Lima; Passos, 2001).

Alguns estudos sobre a composição química e a digestibilidade in vitro do mandacaru (fonte forrageira) foi realizado por Araújo (2004); no entanto, poucos são os estudos encontrados na literatura sobre os frutos desta planta, que apesar de serem encontrados em grandes quantidades de fevereiro a setembro, não são explorados comercialmente, ocorrendo seu desperdício ou, então, sendo utilizados, quando muito, na elaboração de doces e geléias.

Awad (1993) afirma que o conhecimento de algumas características físicas e físicoquímicas de frutos são indispensáveis para a determinação do estádio de amadurecimento mais adequado para a colheita desses produtos, como o mandacaru.

Este trabalho foi realizado com o objetivo de avaliar as características físico-químicas da polpa e da casca do fruto do mandacaru oriundos do vale do Curu-CE, visando ao seu melhor aproveitamento.

Materiais e métodos

Os ensaios foram conduzidos no Laboratório de Fisiologia e Tecnologia Pós-Colheita, da Embrapa Agroindústria Tropical (CNPAT), Fortaleza-CE. Foi utilizada como matériaprima frutos de mandacaru (Cereus jamacaru P.) provenientes da região do vale do Curu, localizado no município de Pentecoste-CE, colhidos no primeiro trimestre de 2007. Os frutos escolhidos para as análises físico-químicas foram aqueles considerados maduros (em pleno amadurecimento) e firmes (Figura 1).

Foi recebido no laboratório cerca de 2 kg da matéria-prima, que foi direcionada para a etapa de pré-limpeza. A pré-limpeza foi realizada lavando-se o material em água corrente e em seguida com aplicação de detergente líquido e o uso de esponja. Em seguida foi realizado o processo de sanitização, imergindo os frutos de mandacaru em uma solução de hipoclorito de sódio a 250 ppm durante 15 min. Posteriormente, foram enxaguados em água corrente para eliminação de resíduos de cloro e colocados para drenar o excesso de água antes do processo de despolpamento.

Efetuada a limpeza e a sanitização, o material foi encaminhado para o processo de descascamento manual para separar a casca e a polpa. Estes dois tipos de materiais foram triturados, individualmente, em liquidificador até a total homogeneização. Depois de processados, a casca e a polpa, foram acondicionadas em embalagens plásticas com cerca de 200 g de polpa e 150 g de casca, de cada material. Logo em seguida, as amostras embaladas foram colocadas em geladeira doméstica a 15 °C, para obter congelamento rápido até o momento da realização das análises.

As amostras (casca e polpa) foram descongeladas e caracterizadas quanto às análises físico-químicas, realizadas em quadruplicata. O pH foi determinado pelo método potenciométrico em pHmetro da marca Tecnal, calibrado com soluções tampões de pH 4 e 7. Os sólidos solúveis (SS) foram determinados por leitura direta da amostra em refratômetro do tipo Atago, com as leituras expressas em Brix.

Os açúcares redutores (%) foram extraídos pelo método de DNS (ácido 3,5-dinitro salicílico), segundo método de Lane-Enyon, de acordo com a técnica preconizada pelo Instituto Adolfo Lutz (1985). O teor de ácido ascórbico seguiu a metodologia da AOAC (1997), a qual se baseia na redução do 2,6- diclorofenol indofenol-sódio (DFI) pelo ácido ascórbico, modificada por Benassi e Antunes (1998), que utiliza como solução extratora o ácido oxálico.

A análise estatística dos dados foi realizada utilizando-se o programa computacional Stast em delineamento experimental inteiramente casualizado com a comparação entre médias pelo teste de Tukey.

Resultados e discussão

Na Figura 2 são apresentados os valores de pH da polpa e da casca de frutos de mandacaru. Verifica-se que valores do pH das amostras apresentaram diferença significativa ao nível de 5% de probabilidade pelo teste de Tukey, sendo o pH da casca maior que o da polpa. Lima et al. (2005) determinaram para a polpa do facheiro pH variando de 4.69 a 4.98, estando na mesma faixa do pH da polpa de mandacaru. Baseado na classificação de Baruffaldi e Oliveira (1998) a polpa e casca de frutos de mandacaru são considerados como produtos pouco ácidos (pH acima de 4.5) e ácidos (pH entre 3.7 e 4.5), respectivamente. Ainda segundo esses pesquisadores o valor do pH interfere de maneira significativa no desenvolvimento de microrganismos, e nos produtos pouco ácidos são susceptíveis ao crescimento de cepas de Clostridium botulinum que podem produzir toxinas, requerendo tratamento térmico de 115.5 °C, ou maior, para obter controle dos microrganismos.

Oliveira et al. (2004) estudando as características físico-químicas dos frutos do mandacaru obtiveram maiores teores de pH (4.52) quando comparado com os valores obtidos neste trabalho. Essas diferenças podem ser atribuídas ao tipo de fruto e às variações climáticas do ano em que foram coletados.

As médias referentes aos teores de ácido ascórbico (Figura 3) foram maiores na polpa que na casca. Verificou-se que a quantidade de ácido ascórbico existente na polpa apresentou média superior a quantidade existente na casca. Oliveira et al. (2004) estudaram as características físico-químicas da polpa do fruto do mandacaru do município de Queimadas, PB e verificaram que ela é semi-ácida e pobre em ácido ascórbico. Valores baixos de ácido ascórbico também foram verificados para a ora-pro-nobis (Pereskia aculeata) com cerca de 2 mg/100 g para os frutos (Morton, 2004). Cantwell (2001) obteve para o cladódio da palma teor de ácido ascórbico de 11mg/100 g e Lima et al. (2005) determinaram valores variando de 0.34 a 1 mg/100 g em polpas de facheiro.

Tem-se na Figura 4 os resultados referentes aos sólidos solúveis das amostras de frutos de mandacaru. Constata-se diferença significativa entre os valores dos SS, com o teor de SS da polpa mais de 100% superior ao determinado na casca. Embora, a polpa de mandacaru tenha aparência semelhante à polpa de alguns frutos tropicais, seu teor de SS é superior ao valor mínimo de padrão de qualidade exigido pela legislação vigente (Brasil, 2000), que é de 7 e 10 °Brix, respectivamente, o que não ocorreu com os valores observados na casca, que apresentou baixos teor de sólidos solúveis, semelhantes ao do mandacaru foram verificados por Lima et al. (2005) para o facheiro (3.13 a 4.26 °Brix).

Baseado no teor de SS de mandacaru pode-se estimar a quantidade de sacarose a ser adicionada para produzir doces ou similares, uma vez que a legislação brasileira estabelece para frutas em calda concentrações de SS variando entre 14 °Brix e 40 °Brix e os produtos com concentrações maiores são registrados como doces (Torrezan, 2003). Os teores de sólidos solúveis da polpa dos frutos do mandacaru foram maiores que os encontrados nos frutos de algumas cultivares de goiabeiras estudadas, indicando que estes frutos podem ser utilizados no fabrico de doce tipo pasta e geléias.

Na Figura 5 encontram-se os valores de açúcares redutores (%) da polpa e da casca de frutos de mandacaru. Comparando-se os resultados obtidos na polpa e na casca, constataram-se diferenças de 5.76% e 1.53%, respectivamente. Oliveira et al. (2004) estudando as características físico-químicas dos frutos do mandacaru obteve menor teor de açúcares redutores na polpa e maior na casca quando comparado com o valor obtido neste trabalho, que foi de 0.2110 (% ácido cítrico) e 9.54 (% glicose), respectivamente. Essas diferenças podem ser atribuídas ao tipo de fruto e às variações climáticas do ano em que foram coletados, indicando que estes valores estão abaixo aos de algumas frutas como o limão (8.1%) e o mamão (8.3%) de acordo com a Tabela de composição de alimentos (IBGE, 1977).

Conclusões

  • Os valores médios de pH dos frutos de mandacaru demonstram, que esses frutos apresentam melhores características com relação ao processamento, armazenamento e conservação. A polpa e a casca apresentaram pH em níveis semelhantes aos reportados para algumas hortaliças e frutas.
  • A polpa de mandacaru apresentou valores de sólidos solúveis totais (°Brix) e ácido ascórbico superiores à casca.
  • Os teores de ácido ascórbico para polpa e casca foram muito expressivos, com valores de 100 mg/100 g e 80 mg/100g, respectivamente.
  • Os frutos do mandacaru em estudo, provenientes do vale do Curu-CE, apresentaram características adequadas para o consumo in natura, bem como para o processamento industrial.

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1 Ing. Agrônomo, M.Sc. Ph.D. em Fitotecnia
2 Ing. Agrônomo, M. Sc. Especialização em Citricultura, Ph.D. em Ciências dos Alimentos.

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