INTRODUÇÃO
As deformidades da parede torácica anterior são designadas como deformidades do pectus, podendo ser classificadas em dois tipos, pectus excavatum, no qual há uma aparência côncava do esterno, produzindo um estreitamento ventrodor-sal do tórax, também conhecido como "tórax do funil", epectus carinatum, em que há uma aparência convexa do esterno, motivo pelo qual aparece como uma protuberância ventral do tórax, também conhecida como "mama de pombo" (Cho et al. 2012; Martins & Helena 2014; Silva Molano et al., 2010). Na medicina humana, a presença de deformidades pectus tem sido consideradas características da síndrome de Marfan, uma desordem do tecido conjuntivo causada por mutações no gene da Fibrillin 1 (Moriggl et al. 2011).
Na medicina veterinária, a base embriológica dessas anormalidades não é clara, existem duas hipóteses principais para a patogênese do pectus excavatum, um distúrbio do desenvolvimento ou um crescimento excessivo da cartilagem; neste último, o crescimento excessivo causado por distúrbios de maturação é discutido (Brochhausen et al. 2012). O crescimento anormal da cartilagem costal é considerado causal; no entanto, até agora, os gatilhos e a patogênese dessa anomalia de crescimento não são conhecidos (Moriggl et al. 2011), porém a ossificação endocondral assíncrona está incluída nas hipóteses de estérnebra ou a presença de centros de ossificação assimétrica no estérnebra com remodelação óssea secundária (Mestrinho et al. 2012) (Ellison & Halling 2004). A presença de pectus excavatum foi descrita juntamente com outros tipos de distúrbios congênitos, como a síndrome do filhote de natação e a ectopia cordis, embora sua patogênese não seja bem conhecida (Mann et al., 2019) (Sánchez et al. 2005).
Pectus excavatum (latim significa peito oco), também é conhecido como tórax de funil, tórax afundado, depressão condrosternal ou koilosternia (Cho et al. 2012) é uma deformação do desenvolvimento da parede ventral da parede torácica, devido ao crescimento anormal da parede torácica esterno e costocartilagem, caracterizados pelo desvio dorsal da porção caudal do esterno e cartilagens costais associadas ou estreitamento ventrodorsal de todo o tórax, nas quais várias costelas e esterno crescem anormalmente (Molina-Díaz & Aguirre 2012; Molano et al. 2010; Singh et al. 2013). É normalmente considerada uma deformidade congênita que pode resultar de expressões genômicas herdáveis, portanto, animais que produzem filhotes com essa anormalidade não devem ser utilizados para reprodução (Degner 2012), (Molina-Díaz & Aguirre 2012), embora também tenha sido relatada secundária à paralisia da laringe em cães (Kurosawa et al. 2012) e em casos de processos obstrutivos crônicos, que causam aumento da pressão pleural devido ao aumento na resistência das vias aéreas superiores, levando ao desenvolvimento da doença (Singh et al. 2013) (Ellison & Halling 2004).
A etiologia da doença não é clara e pode envolver múltiplas causas, múltiplas teorias foram propostas, incluindo gradientes anormais de pressão em cães braquicefálicos, obstrução do trato respiratório superior, encurtamento do tendão central do diafragma, pressão intrauterinaanormal, componentes musculares deficientes derivados do septo transverso do diafragma, espessamento congênito da musculatura da porção craniana do diafragma, espessamento do ligamento subesternal, falha da osteogênese / condrogênese e desenvolvimento esternal interrompido (Singh et al. 2013) (Molina-Díaz & Aguirre 2012; Özer et al. 2017; Yaygingul et al. 2016).
A condição é considerada pouco frequente, mas foi descrita em humanos, cães, gatos, coelhos e gado, bem como em animais não domesticados, como primatas, lêmures e lontras (Mann et al. 2019) (Cupertino et al. 2017) (Cupertino et al. 2017) (Goto et al. 2016) (zer et al. 2017) (Martins & Helena 2014). Nos seres humanos, diferentemente dos animais domésticos, as deformidades no peito são consideradas pouco frequentes, elas presentam uma frequência de 1 em 300 ou 400 nascimentos masculinos (Fokin et al. 2009).
Sinais clínicos comuns incluem dispneia, aumento do esforço inspiratório, estertores úmidos, estridor inspiratório, intolerância ao exercício, tosse e cianose (Mann et al. 2019) (Singh et al. 2013), estes podem variar de indivíduos assintomáticos até sintomas graves de dificuldade respiratória, dependendo da gravidade da deformidade e da perda de volume torácico (Cupertino et al. 2017) (Charlesworth et al. 2012). Os sopros cardíacos também podem ocorrer devido à posição anormal do coração no tórax, à presença de defeitos cardíacos concomitantes ou à compressão do coração e desvio dos grandes vasos para que o retorno venoso também possa ser comprometido, é necessário fazer uma avaliação cardiopulmonar pré-anestésica completa dos pacientes se a correção cirúrgica for desejada (Cupertino et al. 2017; Mann et al. 2019; Singh et al. 2013; Yaygingul et al. 2016).
O diagnóstico clínico pode ser feito por exame físico e palpação (Cupertino et al. 2017). Porém, na confirmação diagnóstica, se sugere usar radiografia de tórax, mostrando elevação anormal do esterno na porção caudal do tórax (Cupertino et al. 2017; Kevin & Hester 2000). A avaliação radiológica deve ser realizada em projeções radiográficas dorsoventrais ou ventrodorsais para medir o índice fronto sagital, por sua vez, na vista lateral, deve ser realizada a medição do índice vertebral para determinar a proporção da largura do tórax, do mesmo modo, a radiografia lateral permite observar o deslocamento da porção caudal do externo (Molano et al. 2010). Embora o pectus excavatum ainda seja uma patologia muito desconhecida e rara, apresenta um bom prognóstico com tratamento adequado quando os animais são jovens (Cupertino et al. 2017).
O tratamento do pectus excavatum varia de conservador a cirúrgico, dependendo do grau de deformidade e da importância dos achados clínicos (Ellison & Halling 2004). O tratamento farmacológico clínico baseia-se no tratamento de infecções respiratórias secundárias, administração de oxigenoterapia e broncodilatadores (betabloqueadores e anticolinérgicos); abordagens cirúrgicas como condrotomias ou condrectomias, liberação de tecidos moles próximos que ajudam no deslocamento do esterno e escoramento esternal (com pequenas placas ou fios de Kirschner) ou talas externas para posicionamento esternal (Degner 2012).
Na Colômbia há poucos relatos dessa alteração (Molina-Díaz & Aguirre 2012), este é o primeiro relato de uma ninhada completa no país, considerada de grande importância, pois ajuda a fornecer informações sobre a doença, contribuindo para o seu entendimento e proporcionando novos estudos.
DESCRIÇÃO DO CASO
Anamnese
É relatada uma ninhada de seis indivíduos da raça Buldogue Francês, filhos de uma fêmea da mesma raça, com 18 meses de idade, que se destina à reprodução. É relatado que foi a primeira gravidez da mãe e foi obtida por inseminação artificial, e finalizada por cesariana agendada. Um dos cachorros morre aos 8 dias de idade após apresentar sinais respiratórios, sem a obtenção do diagnóstico da causa da morte, pois não foi realizada a necropsia. Um segundo filhote morre aos 15 dias de idade, após ser avaliado quanto a decadência, baixo consumo de leite materno e quadro de pneumonia. Suspeitando de negligência médica, o proprietário decide enviar o corpo deste cachorro para avaliação forense na Unidade Forense Veterinária da Universidade Remington Medellín, Colômbia.
Relatório de Patologia
O procedimento de tanatodiagnóstico é realizado na Unidade Forense da Corporação Universitária Remington. No histórico médico do paciente, uma causa inespecífica de morte é relatada e nenhum diagnóstico diferencial é constatado até o momento da autópsia. O corpo do filhote submetido à avaliação tanatológica é de um filhote de raça Buldogue Francês, do sexo masculino, com 15 dias de idade, condição corporal 7/9, no exame externo, o único achado relevante foi uma leve depressão da porção caudal do esterno (figura 1).
No exame interno, por meio de uma dissecção média ventral, observa-se uma fenda do peto esternal relacionada às esternas caudais próximas à cartilagem xifoide (figura 2), a porção ventral da caixa torácica é achatada. Ao avaliar o sistema respiratório, é encontrado conteúdo espumoso na cartilagem epiglótica da laringe e sinais graves de enfisema nos lobos caudal, craniano e pulmonar médio. No exame do sistema cardiovascular, no coração, há assimetria morfológica invaginante no septo interventricular na mesma área em que ocorre a fenda esternal. Átrio direito severamente congestivo e dilatado, igualando o tamanho do ventrículo direito, observa-se comunicação persistente do ducto arterioso; hemorragia equimótica na face laterais-esquerdas esquerdas do segmento médio na seção torácica da aorta, no sulco jugular, também podem ser observadas infiltrações hemorrágicas bilateralmente, com trauma por punção em ambas as veias jugulares. No nível abdominal, há alterações discretas com uma leve coleção serohemática livre; o fígado mostrou-se congestivo, de aparência marrom, sugestivo de congestão passiva; a vesícula biliar estava cheia de embebição biliar. No sistema linfohematopoiético, o timo era evidente com hemorragias petéquias difusas e o baço com zonas congestivas multifocais (figura 3).
Conclusão forense
O animal examinado apresenta alterações morfológicas estruturais compatíveis com pectus excavatum e os achados descritos são consistentes com a morte por edema / enfisema pulmonar, causada pela associação de deformidade da parede torácica, anormalidade cardíaca congênita e persistência do canal arterial. Devido à natureza congênita dessa patologia e à suspeita de apresentação no primeiro filhote, optou-se por descartar sua presença no restante da ninhada.
Avaliação radiológica
As vistas laterais dos quatro filhotes são feitas usando radiografia digital (generador VR 40 VET _RAY INC, USA, Idaho 1989). As imagens radiográficas mostraram uma depressão dorsal do terço caudal do esterno, com graus variados de gravidade, nos casos mais graves, foi observada uma silhueta cardíaca arredondada com deslocamento dorsal, acompanhada de deslocamento dorsal da silhueta traqueal em sua porção torácica (figura 4A y 4D). Em um dos casos, houve um aumento moderado da radiopacidade pulmonar (figura 4A).
DISCUSSÃO
Pectus excavatum representam a deformidade da parede torácica mais frequentemente relatadas (Kurosawa et al. 2012), tenha sido documentada em várias espécies (Ozer et al. 2017). Sua patogênese ainda seja desconhecida e os resultados de pesquisas inconsistentes (Kurosawa et al. 2012). De acordo com Yaygingul et al. em 2016, ele define o pectus excavatum como a depressão presente na face anterior da parede torácica como resultado de um desvio dorsal do esterno (Yaygingul et al. 2016). Os achados físicos encontrados na ninhada de cachorros buldogues franceses do presente caso clínico, juntamente com os aspectos patológicos encontrados durante a necropsia, estão relacionados à presença de pectus excavatum, devido à acentuada depressão do esterno, sinais cardiorrespiratórios como dispneia, ortopneia e adinamia.
Como no caso apresentado neste relatório, existem vários relatos nos quais a presença de pectus excavatum foi descrita, afetando ninhadas completas de caninos e felinos de diferentes raças (Rahal et al. 2008) (Ellison & Halling 2004) (Charlesworth et al. 2012), embora isso não determine uma condição hereditária para deformidades da parede torácica, uma vez que não foram realizados estudos para avaliar influências ambientais. Além disso, a possibilidade de expressão de um gene dominante é escassa, uma vez que ocorre com pouca frequência, da mesma forma, herança recessiva simples também é improvável, uma vez que indivíduos mais afetados seriam esperados em algumas raças, herança complexa, provavelmente com possível penetração incompleta (Charlesworth et al. 2012), no entanto, devido à possibilidade de herdabilidade, recomenda-se que os animais com pectus excavatum não sejam utilizados para fins reprodutivos (Cupertino et al. 2017; Molano et al. 2010).
Os dois filhotes que morreram por complicações respiratórias estão relacionados à apresentação do pectus excavatum, associado à morte dos pacientes, como foi possível verificar na avaliação tanatológica do paciente avaliado pela unidade forense da Corporación Universitaria Remington, o pectus excavatum pode comprometer significativamente a função cardíaca e pulmonar, provocando a morte. Os efeitos pulmonares estão associados à doença pulmonar restritiva secundária, à diminuição da capacidade intratorácica ou à atelectasia pulmonar causada por compressão cardíaca, o que explica o quadro crônico de hipóxia devido à insuficiência ventilatória. A anormalidade na caixa torácica também produz distúrbios circulatórios que são explicados pela posição cardíaca anormal forçada que altera o caminho dos grandes vasos, afetando o retorno venoso. Além disso, a compressão da capacidade ventricular da massa cardíaca é reduzida e há uma diminuição no débito cardíaco, e algumas anormalidades cardíacas congênitas também podem estar presentes (Mestrinho et al. 2012; Molina-Díaz & Aguirre 2012). Um exame ecocardiográfico é recomendado em pacientes com sopro cardíaco, nos quais foi relatado que pode ocorrer um movimento discinético da parede torácica, que pode ser resultado do deslocamento dorsal do coração pelo desvio do externo (Goto et al. 2016).
Os sinais clínicos apresentados por animais com pectus excavatum estão mais relacionados ao tipo de malformação do que ao grau da malformação (Goto et al. 2016). Portanto, pacientes assintomáticos devem ser monitorados até a idade adulta, e qualquer evidência de comprometimento respiratório deve considerar a intervenção cirúrgica (Charlesworth et al. 2012).
A confirmação radiográfica do pectus excavatum baseia-se na forma torácica e nas alterações radiográficas, como foi constatado nas imagens radiográficas feitas para os outros filhotes da ninhada, é frequente observar alterações na posição cardíaca, que geralmente se move cranialmente ou em direção à esquerda (Singh et al. 2013). Alguns parâmetros foram desenvolvidos para caracterizar a gravidade do defeito, radiograficamente são utilizados o índice Fronto-sagital (FSI) e o índice vertebral, e na tomografia computadorizada é utilizado o "índice de Haller" (Molano et al. 2010; Singh et al. 2013; Yaygingul et al. 2016). Para o caso em questão, o índice vertebral não foi obtido por não estar disponível o estudo radiológico ventrodorsal, da mesma forma, pela vista lateral foi possível determinar a apresentação de achados como o deslocamento dorsal da porção caudal do esterno e a elevação da silhueta cardíaca que estão associados à patologia.
É necessário sensibilizar os proprietários e criadores de animais de acompanhamento sobre essa patologia, pois, devido ao medo ou à ignorância, muitos animais são abandonados ou abatidos sem uma avaliação dos possíveis tratamentos e a possibilidade de recuperação clínica dos animais levemente afetados, princi-mente quando os animais ainda são jovens (Cupertino et al. 2017).
CONCLUSÃO
Pectus excavatum é uma patologia ainda pouco reportada em medicina veterinária, que compromete a vida dos pacientes, mas que diagnosticada a tempo pode ter um bom prognóstico com manejo terapêutico adequado. É necessário incluir essa patologia como diagnóstico diferencial em pacientes neonatais com dificuldade respiratória, principalmente nas raças braquicefálicas. As alterações encontradas são compatíveis com pectus excavatum e os achados descritos são consistentes com morte por edema e enfisema pulmonar causado por uma associação de deformidade da parede torácica, anomalia cardíaca congênita e persistência do canal arterial. É necessário realizar mais estudos sobre essa patologia, uma vez que existem lacunas no conhecimento de sua epidemiologia, portanto, sua frequência de apresentação e os fatores associados são desconhecidos.