INTRODUÇÃO
A produção animal, nos mais diferentes sistemas de produção e habitats, contribui para a nutrição e saúde humanas, levando à redução da pobreza e da desigualdade social (Adesogan et al. 2020). Nas últimas décadas, houve um aumento de 300% no preço da carne bovina no mundo, efeito esse associado à taxa de produção que não consegue acompanhar a taxa de consumo com média de 8,9% (Lindawati e Situmo-rang 2021). Mesmo com esse aumento nos preços da carne bovina, o consumo por brasileiro foi de aproximadamente 42,12 kg ano-1 (Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes [ABIEC] 2019); além desse montante, o Brasil é um dos maiores produtores e exportador de carne bovina, com uma média de 214,69 milhões de cabeças de gado em 2018 (Martins et al. 2021). Embora o elevado consumo de carne bovina e seus derivados, estes ainda se encontram ausentes na dieta de quase 800 milhões de indivíduos (Adesogan et al. 2020).
A World Health Organization ([WHO] 2019) estima que cerca de 600 milhões de pessoas no mundo apresentem alguma característica patológica após a ingestão de alimentos, como reações alérgicas e infecções, das quais 420 mil chegam a óbito. Nesse sentido, a importância sobre a manipulação e contaminação de alimentos vem tomando destaque ano após ano. Na indústria da carne, tal preocupação não é diferente, principalmente nos alimentos processados, a exemplo da carne bovina moída. Assim, no momento da aquisição dos alimentos, é importante avaliar a procedência da carne, bem como a higiene do ambiente e do manipulador. Entretanto, o brasileiro continua a basear suas decisões de aquisição do produto no preço e, em seguida, nas demais características extrínsecas à carne (Boito et al. 2021).
A carne moída, quando comparada a outros alimentos, principalmente cortes cárneos e carne mecanicamente processada, apresenta maior potencial de risco de contaminação biológica. Essa maior predisposição à contaminação está associada a maior superfície de contato e maior frequência de manipulação (Sousa et al. 2012), o que contribui para a contaminação cruzada via equipamentos e utensílios com condições sanitárias baixas (Germano e Germano 2008). Associada à disponibilidade no mercado, procura pelo valor nutricional e atividade da água, a contaminação da carne moída possibilita o crescimento de microrganismos que apresentam danos à saúde do consumidor, o que caracteriza um problema de saúde pública.
Estudos metanalíticos têm sido utilizados para combinar diversas pesquisas sobre um tema em comum, a fim de ter uma visão mais ampla, com estimativas que resumem o todo ou estimativas metanalíticas. Com esse tipo estudo, é possível ter diferentes abordagens e situações sobre o mesmo tema, expandindo a possibilidade do melhor entendimento acerca da contaminação da carne moída bovina e das espécies de bactérias mesófilas de maior impacto nesse produto. Dessa forma, objetivou-se realizar uma revisão sistêmica por meio de um estudo metanalítico sobre as características microbiológicas da carne bovina moída.
MATERIAIS E MÉTODOS
A revisão sistêmica foi realizada por artigos científicos, dissertações e teses selecionados por meio da base de dados do Google Scholar, a qual foi priorizada devido à disponibilidade de trabalhos científicos de origem brasileira. O período de busca concentrou-se entre outubro de 2020 a junho de 2021. Para a busca dos artigos, empregaram-se palavras-chave como "microbiologia", "carne moída", "inspeção de carne moída", "mesófilas", "contaminação e processamento da carne", além da utilização de marcadores booleanos como and, or e not, a fim de enfatizar as relações entre as palavras-chave durante a busca, promovendo um maior filtro na seleção dos trabalhos; exemplos do emprego dos marcadores booleanos em conjunto com as palavras-chave: "carne moída" and "mesófilas"; "carne moída" and "microbiologia"; "carne moída" or "contaminação"; "carne moída" not "frango"; "carne moída" not "peixe".
Durante a pesquisa bibliográfica, foram priorizados os estudos que encontrassem nas 10 primeiras páginas da base de dados, restringindo-os apenas a estudos desenvolvidos em território brasileiro, conforme metodologia de Bernardi et al. (2018). Neste estudo, foram contemplados trabalhos que se encontravam no período cronológico de 2013 a 2021 (os trabalhos utilizados para a construção do banco de dados encontram-se na Tabela 1).
A busca resultou na identificação de 1.240 materiais; entretanto, como a avaliação se concentrou nas 10 primeiras páginas da base de dados, 108 artigos científicos constituíram a amostra primária do estudo. Após uma pró-análise pormenorizada dos materiais, realizou-se a exclusão de alguns materiais científicos. A exclusão dos artigos como material base dos estudos ocorreu por meio da ausência de contagem de bactérias mesófilas (17 trabalhos), experimentos com repetições inferior a quatro (11 trabalhos), apenas duas faixas de contagem de unidade formadora de colônias (30 trabalhos) e trabalhos que apresentaram os dados em número mais provável por grama (25 trabalhos).
O banco de dados consistiu nas variáveis analisadas referentes às contagens de bactérias mesófilas (UFC.g-1), bactérias psicrotróficas (UFC.g-1), coliformes totais (UFC.g-1), coliformes termotolerantes (UFC.g-1), Staphylococcus aureus (UFC.g-1) e Salmonella sp (UFC.g-1).
Os resultados obtidos do bando de dados foram submetidos à análise descritiva e à distribuição normal dos dados por meio de um histograma de frequência com o auxílio do software Sisvar, versão 5.6, com nível de 5% de probabilidade. A elaboração do gráfico forest plot foi realizada com o software Review Manager 5.4.1.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A qualidade microbiológica dos alimentos está diretamente relacionada com a saúde pública e a qualidade higiênica dos estabelecimentos de processamento e comercialização. Nesse sentido, podemos observar que o elevado coeficiente de variação (CV%) demostra essa alteração do padrão microbiológico (Tabela 2), com CV superior a 46% para todos os microrganismos avaliados.
N = número de amostra; Máx = máximo; Mín = mínimo; S = variância; EPM = erro-padrão da Média; CV (%) = coeficiente de variação.
Fonte: elaboração própria.
A legislação brasileira permite que a contagem de bactérias mesófilas oscile entre 105 e 106 para que a carne moída bovina esteja apta para a comercialização (Brasil 2019). As bactérias mesófilas apresentaram 31,11% dos dados levantados próximos a 1,13 log UFC.g-1 de carne fresca (Figura 1). Essa maior frequência se distanciou dá média observada (3,09 [Tabela 2]), sendo 2,73 vezes inferior. Tal observação pode ser justificada pela elevada amplitude. É praticamente impossível conseguir contagens iguais a zero de microrganismos mesófilos e psicrotróficos, devido a que não existe um padrão determinado para esses grupos em alimentos frescos (Oliveira et al. 2008).
Esses microrganismos se proliferam com facilidade, estando presentes em todas as amostras de carne moída. Pela sua rápida proliferação e risco à saúde humana, são amplamente avaliados no controle de qualidade das produções. Dessa forma, uma contagem elevada de microrganismos aeróbios está associada a falhas na elaboração ou no armazenamento, levando ao crescimento desses microrganismos e aumentando o risco de contaminação e problemas de saúde pública (Gavião et al. 2018).
As bactérias psicrotróficas foram mais incisivas nas contagens, apresentando maiores populações, com maior frequência (27,27%) e contagem de 5,60 log UFC.g-1 na carne fresca (Figura 2). A contagem de psicrotróficas está mais próxima da média gerada dos trabalhos (5,32 [Tabela 2]). Mesmo com a amplitude na contagem de psicrotróficas elevada com 8,17 (Tabela 2), houve uma distribuição normal dos dados, dessa forma a contagem de maior frequência ficou próximo da média. A presença de bactérias psicrotróficas é responsável pela redução do tempo de prateleira de alimentos refrigerados (Internacional Comission on Microbiological Specifications for Foods 2002) devido à sua capacidade de crescimento em alimentos sob refrigeração de 0 a 7 °C (American Public Health Association 2001). Mesmo com a presença dessas bactérias em elevadas contagens, as instruções normativas do Brasil não especificam a contagem ideal para a comercialização da carne bovina moída.
Não existem parâmetros da quantidade permitida de coliformes para que a carne bovina moída esteja apta para a comercialização. A contagem de coliformes totais apresentou 50% dos dados levantados próximos de 2,90 log UFC.g-1 de carne fresca (Figura 3), sendo superior à média encontrada (2,11 log UFC.g-1). A presença dos coliformes não significa que o alimento é impróprio para o consumo humano, entretanto contagens elevadas podem trazer risco à saúde humana devido a doenças transmitidas por alimento (Antunes et al. 2016).
A presença de coliformes em carne bovina moída somente é permitida até os valores de 104; valores acima desse limite indicam alta contaminação, o que impossibilita que o produto seja comercializado (Brasil 2001). O quantitativo de coliformes termotolerantes concentrou-se (40% dos dados) em valores próximos a 0,90 log UFC.g-1, e 40% dos dados concentraram-se em 3,10 log UFC.g-1 (Figura 4), o que resultou em maiores coeficientes de variação 72,75% (Tabela 2). O crescimento desse grupo de microrganismos leva à produção de gás e ácidos em temperaturas entre 44 e 46 °C, sendo sua presença indicativo das condições higiênico-sanitárias (Lamas et al. 2020).
A avaliação de Staphylococcus aureus (S. aureus) nos estudos demonstrou que houve maiores concentrações (66,66%) na contagem de 1,10 log UFC.g-1 e 22,22% das amostras não apresentaram contagens para S. aureus (Figura 5). A contaminação do alimento por S. aureus está associada com a higiene dos equipamentos, utensílios e manipuladores (Picoli et al. 2006). Carne moída bovina contaminada por S. aureus pode acarretar febre, toxinfecções alimentares e choque tóxico, devido à produção de toxinas no alimento (Williams et al. 2000). Contagens máximas de S. aureus na carne moída deve estar em 5,0x103 UFC/g (2,38 log UFC.g-1), conforme a Resolução da Diretoria Colegiada 12(Agência Nacional de Vigilância Sanitária 2001), o que demonstra que 94,43% dos dados levantados estão abaixo das contagens máximas determinadas.
Entre os estudos levantados, observou que oito apresentaram efeitos (P < 0,001) para a presença de Salmonella sp. na carne moída (Figura 6). O estudo foi classificado como heterogêneo (Chi2 = 80,39; P < 0,001) e com inconsistência alta (I2 = 81%), apresentando uma diferença entre grupos de 0,33 de uma escala de 0,01 a 1,00. Em hipóteses desfavoráveis, a presença de Salmonella sp. estará presente em 0,40 (95% dos casos); com relação a hipóteses favoráveis, ela se encontrará em 0,27 (em uma escala de 0,01 a 1,00) em 95% dos casos (Figura 6).
CONCLUSÕES
O conhecimento da qualidade microbiológica, sobretudo de alimentos processados com elevada atividade de água, faz-se necessário a fim de diminuir as doenças transmitidas por alimentos. A metanálise indicou baixa presença de Staphylococcus aureus e mesófilos. Entretanto, constatou-se maior probabilidade da presença de Samonella sp. e coliformes em pesquisas brasileiras. Dessa forma, mais estudos são necessários para observar qual a origem da contaminação durante o processamento da carne.