Introdução
A gestão dos clubes de futebol encontra-se em uma situação mais complexa e diferenciada se comparada com os outros setores da economia (Leoncini & Silva, 2005). Conforme destaca Nakamura (2015), o futebol possui uma relevância social e econômica para diversos países europeus, latino-americanos e sobretudo para o Brasil. Segundo o autor, o futebol é um esporte bastante popular e desperta o interesse não só de pessoas comuns, mas também de empresas cujo objetivo se concentra na obtenção de algum ganho mercadológico. Entretanto, o autor sugere que existem evidências de que o futebol brasileiro, apesar da sua grande relevância, é administrado de forma pouco profissional, pelo menos se forem comparadas as suas práticas com as de empresas de outros ramos do mercado.
De acordo com o relatório da Pluri Consultoria (2012), a participação do futebol no PIB esportivo era de 53% do total, o que representa cerca de 0,8% do PIB brasileiro. Em valores absolutos chega a 36 bilhões de reais (o equivalente ao PIB do Paraguai). Aqui faz-se necessário ressaltar que os valores referentes ao ano de 2012 foram os últimos publicados pela consultoria, por essa razão não foram atualizados para o corrente ano de 2019. Contudo, vale destacar que o futebol brasileiro apresenta um grande potencial de desenvolvimento.
De maneira geral, a gestão dos clubes de futebol está voltada para a construção de elencos, o que demanda expressivos gastos de capital, figurando assim um obstáculo para a administração (Leoncini, 2001).
A este respeito, dados da BDO (2015) revela que a atividade econômica em torno do futebol, nos últimos 12 anos, vivenciou um crescimento exponencial no que tange ao faturamento, ao patrimônio, e também às dívidas. O autor destaca que, no que diz respeito às receitas totais, os 20 maiores clubes do Brasil apresentaram uma evolução de cerca de 652 milhões de reais no ano de 2003 para 3,1 bilhões de reais no ano de 2014. Entretanto, um fato que chama a atenção é o aumento desproporcional das despesas totais. Isto gerou como consequência, uma série de déficits financeiros em dez dos doze clubes que o autor analisou. O maior déficit, de um total de 597,5 milhões de reais, foi registrado no ano de 2014, acumulando durante os 12 anos um total de 3,1 bilhões de reais.
Segundo a BDO (2015) as receitas totais dos 24 clubes com maior relevância para o futebol brasileiro foram expandidas em cerca de 99% se comparado os anos de 2009 até 2013. Em contrapartida, o endividamento dos mesmos passou dos 2,88 bilhões de reais para 5,68 bilhões no mesmo período supracitado, o que representa um aumento de cerca de 98%.
Observa-se que o descompasso entre o crescimento das receitas e o crescimento do endividamento evidencia uma necessidade de profissionalização da administração dos clubes brasileiros. Sobretudo para a elaboração de estratégias que efetivamente proporcionem uma melhor sustentabilidade financeira a longo prazo.
Assim, verifica-se a necessidade de gerir estrategicamente os recursos disponíveis de forma a maximizar as receitas e minimizar os custos e despesas. Com efeito, a busca pela eficiência na administração caminha pari passu com a busca pela manutenção ou melhora no desempenho esportivo.
Faz-se importante mencionar que há uma crescente literatura sobre a temática. Destacam-se os trabalhos de Pereira, Rezende, Corrar & Lima (2004) e Samagaio, Couto & Caiado (2009), que identificaram que clubes brasileiros com melhor desempenho esportivo tendem a auferir maiores receitas. Além disso, o trabalho de Nascimento, Nossa, Reis & Dantas (2013) identificou uma relação positiva entre a eficiência esportiva e a eficiência financeira; entre a eficiência financeira e o valor da marca; e entre os gastos do departamento de futebol e o desempenho esportivo. Já Dantas (2011 e 2015) atestou uma associação entre as receitas e as despesas com futebol num período de três anos.
Não obstante aos estudos mencionados, é possível verificar ainda a existência de lacunas na literatura que versa a respeito do tema. Nesse sentido, tem-se que analisar variáveis que possam influenciar o aumento ou perda de receita, como o desempenho esportivo e a eficiência. Estas variáveis continuam a ser relevantes, tanto para os clubes quanto para a sociedade brasileira de modo geral. No caso dos primeiros, estes cada vez mais deixam de ser apenas clubes-sociais para se tornarem clubes-empresas. Já para a sociedade, é relevante como as elevadas dívidas dos clubes acabam recaindo sobre todos os cidadãos. Em muitos casos, trata-se de recursos que deveriam ir para o Estado e consequentemente, retornar na forma de investimentos em serviços de utilidade pública.
Diante do exposto, assume-se como objetivo do presente estudo analisar a relação entre o desempenho esportivo e a eficiência da gestão com o desempenho financeiro de clubes de futebol brasileiros. Este estudo inova na utilização de um modelo estatístico mais robusto se comparado àqueles utilizados em grande parte dos trabalhos nacionais anteriores. Este modelo permite trazer uma nova perspectiva e uma maior riqueza de informações, da utilização de um modelo estatístico mais robusto se comparado àqueles utilizados em trabalhos nacionais anteriores. Assim, contribuindo assim com o avanço do conhecimento sobre a temática no âmbito nacional.
Este artigo está estruturado em quatro seções além desta introdução. Na seção seguinte apresenta a revisão de literatura; em sequência tem-se a abordagem metodológica; posteriormente, na quarta e quinta seção, respectivamente, tem-se a análise dos resultados e considerações finais.
Revisão de literatura
A administração dos clubes de futebol brasileiros
O foco da administração deve ser a busca pela eficiência e eficácia em todos os âmbitos de uma organização, objetivando, com isso, a geração de retornos para a mesma. E para que isso ocorra de forma satisfatória, a todo momento, os administradores encontram-se em situações de resolução de conflitos (Socorro, 1995). No âmbito do futebol isso não é diferente. Um dos maiores desafios dos administradores, dentro do cenário futebolístico, está justamente no trade-off entre desempenhos. Isto é, trata-se da escolha entre o máximo desempenho esportivo (vitórias e títulos) e um desempenho financeiro equilibrado (Leoncini & Silva, 2005).
O trade-off de desempenho no mundo do futebol é real. Sabe-se que para a montagem de uma boa equipe, de modo geral, exige-se um grande investimento financeiro que, no caso brasileiro, é normalmente feito a partir da contração de elevadas dívidas (com bancos e com grupos/empresários esportivos).
A administração dos clubes de futebol brasileiros, por muitos anos, não almejou como objetivo a geração de valor econômico, já que no país eles adotam a estrutura societária de associações privadas sem fins lucrativos. Conforme destacam Silva e Carvalho (2009), antes da denominada Lei Pelé (Lei Federal n° 9.615 de março de 1998), os clubes brasileiros nunca prestaram contas para a sociedade. O desafio, a partir dela, foi passar da figura de clubes sociais para clubes-empresas. Tanto as Federações Espo rtivas Nacionais e Estatuais, quanto a Confederação Brasileira de Futebol (CBF), e outras entidade relacionadas, tiveram que se adequar ao novo ambiente.
Assim o mundo do futebol tem sofrido algumas alterações. Mais especificamente, o futebol está se tornando cada vez mais científico, tecnológico, planejado e mercadológico, envolvendo uma ampla estrutura (Suzuki, 1999). Agora, as estratégias para a construção de equipes competitivas e táticas de jogo levam em conta em seu escopo de análise inúmeras variáveis, tais como: as características individuais dos jogadores, o condicionamento físico, o condicionamento psicológico, o perfil do treinador, o calendário das competições, o fator jogo em casa e jogo fora de casa -específicamente para a estruturação de padrões de jogo-, o estudo dos adversários e dos goleiros, entre outros (Santos, 2002). Do mesmo modo, as estratégias também levam em conta questões financeiras. O desempenho financeiro saudável passa a ser uma questão relevante para que o clube se mantenha competitivo.
Com isso, a administração no futebol passa a buscar o desempenho esportivo satisfatório e o desempenho financeiro saudável (Santos, 2011). Os clubes dependem da maximi- zação das receitas para que possam contratar jogadores de alto nível, montarem elencos equilibrados e, consequentemente, alcançarem um bom desempenho nas competições. Porém, poucos são os clubes brasileiros que conseguem fazer isso “com as próprias pernas”, conforme destaque do autor.
Somoggi (2015) revela que a atividade econômica em torno do futebol, nos últimos 12 anos, passou por um crescimento exponencial no que tange ao faturamento, ao patrimônio, mas também em relação as dívidas. Mais agravante, segundo Santos (2011), é que são poucos os clubes brasileiros que conseguem finalizar cada período contábil com resultados financeiros positivos, ancorados em uma gestão eficiente e profissional.
Com isso, entende-se que os clubes devem ser tratados como organizações complexas, compostos por especialistas não só na beira do campo (equipe técnica e jogadores), mas também na administração. Isto de modo que a transição de clubes-sociais para clubes-empresas ocorra de forma satisfatória e o futebol brasileiro alcance o mesmo padrão observado na Europa.
No entanto, quando se trata de futebol brasileiro, a questão é ainda mais complexa do que se pode imaginar, pois há um grande envolvimento emotivo por parte da sociedade com os clubes. Muitas vezes, a lógica racional não se aplica. Segundo Valente e Serafim (2006), os clubes brasileiros têm uma administração baseada na emoção e não segue uma razão orientada para a eficiência econômica.
Para uma maior eficiência na administração, os clubes devem trabalhar com sua estrutura de capital da mesma forma que uma empresa privada, ou seja, não deve gastar mais do que ganha. Rezende, Dalmácio e Pereira (2010) argumentam que o futebol representa uma parcela significativa do negócio esportivo no Brasil. Entretanto, a administração envolta nesse esporte, por muito tempo, não explorou oportunidades econômicas e não era profissional. Inclusive, pode se dizer que na atualidade encontra-se muito atrás se comparados com os clubes de futebol na Europa.
Especificamente, em relação à mensuração do desempenho dos clubes brasileiros, a obrigatoriedade da publicação de demonstrações contábeis somente se deu com a promulgação da Lei Federal n° 10.672 do ano de 2003. É somente a partir desse momento que se tornou viável empenhar análises em prol do estabelecimento de associações e/ ou relações entre o desempenho esportivo e o desempenho financeiro.
Investimentos com futebol nos clubes
As atividades relacionadas ao futebol podem ser um negócio muito lucrativo. As vendas de jogadores representam boa parte das receitas dos clubes, mas em contrapartida, as contratações e a manutenção dos jogadores também representam a maior parte das suas despesas.
Conforme demonstra Leoncini (2001), os clubes de futebol pensados economicamente podem ser definidos como uma organização que utiliza de diversos fatores (ex: o talento dos jogadores) a fim de produzir saídas (ex: receita de bilheteria de jogos, receitas de direitos televisivos, patrocínios, vendas dos talentos com valor agregado etc), isto é, gerar retorno.
Como no Brasil os clubes ainda não se encontram avançados no que tange ao profissionalismo da administração, o equilíbrio entre receitas e despesas apresenta-se como uma tarefa difícil (Silva & Campos Filho, 2009). Percebe-se que muitos clubes formam atletas em suas categorias de base visando apenas a geração de caixa, desviando-se assim de sua finalidade primária que é ganhar partidas e competições. Este é um problema sério para o esporte no país, considerando, aliás, que muitos desses talentos nem chegam a atuar nas equipes profissionais dos clubes, pois são vendidos antes sobretudo para a Europa.
A consequência do subaproveitamento das categorias de base (esportiva e economicamente) possui um efeito ainda mais perverso nas finanças dos clubes. Para a montagem de elencos minimamente competitivos os dirigentes realizam investimentos (contratações de jogadores de outras equipes), gerando assim despesas consideráveis com salários e direitos de imagem pagos aos atletas (Leoncini & Silva, 2005). Isso tem como consequência a geração de despesas superiores as receitas.
A Pluri Consultoria (2013 e 2014) indica que os gastos com a folha de pagamento acima do suportável representa a principal causa dos prejuízos recorrentes e do elevado endividamento dos clubes brasileiros. A Pluri indica ainda que as despesas com o futebol estão cerca de 36% acima do que os clubes realmente poderiam honrar. A saber, no ano de 2013, as despesas com o futebol cresceram cerca de 21%, e isso foi capaz de consumir cerca de 77% das receitas anuais dos clubes -contra 67,4% no ano de 2012. Considerando o período de 2009 até 2013, as despesas com futebol corresponderam a cerca de 69% em média das despesas totais dos clubes.
Por sua vez, Brandão (2012) sugere que o endividamento dos clubes de futebol brasileiro está relacionado com aspectos que transcendem à má administração. Eles podem também estar associados com a falta de transparência e a postergação de dívidas. São especialmente relevantes as dívidas contraídas com o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), com o Instituto Nacional da Seguridade Social (INSS), com a Receita Federal, e com outros impostos devidos à União.
Brandão (2009) também afirma que em muitos clubes não há uma clara separação entre o departamento de futebol e o clube social. Isto pode levá-los a contrair dívidas não prioritárias sob a ótica do esporte.
Por fim, Pereira et al. (2004) asseveram que as dívidas fiscais e previdenciárias são históricas nos clubes de futebol do país. Isto os coloca sempre em uma situação deficitária, indicando a necessidade do aprimoramento da qualidade da administração do esporte no Brasil.
Abordagem metodológica
Dados
Os dados que compõem o presente estudo foram coletados por meio dos relatórios disponibilizados pela Pluri Consultoria e pela BDO Auditória, mais especificamente relacionados com os fechamentos contábeis. A série temporal selecionada estende-se do ano de 2009 até o ano de 2013.
A amostra foi composta por 23 clubes de futebol da série A, B e C. do campeonato brasileiro. Trata-se de uma amostra intencional, seguindo os indicadores disponibilizados pelos relatórios das instituições supracitadas acima.
Os clubes contemplados na amostra foram: Atlético Mineiro, Atlético Paranaense, Avaí, Bahia, Botafogo, Corinthians, Coritiba, Criciúma, Cruzeiro, Figueirense, Flamengo, Goiás, Grêmio, Internacional, Náutico, Palmeiras, Ponte Preta, Portuguesa, Santos, São Paulo, Sport, Vasco e Vitória.
Para a operacionalização do que foi proposto neste estudo, utilizou-se a técnica eco- nométrica de dados em painel. Afinal, este é um modelo que envolve dados provenientes de várias cross-section ao longo do tempo.
Na subseção a seguir serão apresentados: a) variável dependente, b) variáveis independentes, e c) variáveis de controle usadas para operacionalização do modelo econométrico.
Variável dependente: Desempenho Financeiro (DesempFin)
De acordo com Ferri, Macchioni, Maffei & Zampella (2017), a literatura que trata a respeito da gestão de clubes de futebol aponta que as receitas provenientes de: i) taxas de transferência dos principais jogadores dos clubes; ii) direito de transmissão de jogos; iii) campanha de marketing eficaz e iv) número de jogos disputados são essenciais para que, no curto prazo, os clubes de futebol mantenham uma boa performance financeira.
Soares (2007), em consonância com Ferri et al. (2017), aponta que as principais receitas dos clubes advêm da formação e negociação de atletas, bilheteria e direitos televisivos, patrocinadores, merchandising, clubes sociais e dinheiro público. A este respeito, a venda de atletas dos clubes brasileiros para o mercado internacional, sobretudo a Europa, é uma das fontes com maior importância na geração de receitas.
Relatório da Pluri Consultoria (2013) destaca a venda dos direitos televisivos como uma fonte de receita que vem ganhando substancial importância para os clubes de futebol brasileiro. Segundo dados da consultoria, no ano de 2012, este item representou cerca de 40% do faturamento total das 25 maiores equipes brasileiras.
No presente estudo, as “Receitas Gerais” dos clubes de futebol, coletada do banco de dados da Pluri Consultoria, serão utilizadas como proxy do desempenho financeiro, tal como disposto em Ferreira, Marques e Macedo (2018).
Variáveis independentes
Índice de Eficiência Pluri na Gestão do Futebol (IEPG)
No que tange à eficiência na gestão, ela pode ser entendida como a maneira pela qual se consegue obter resultados otimizando os recursos disponíveis, isto é, o máximo retorno com a menor utilização possível de recursos. Fazer isso, é uma capacidade administrativa (Belloni, 2000).
Os clubes de futebol necessitam ser eficientes na administração dos seus recursos, assim como qualquer outra organização da sociedade. Caso contrário, estão condenados ao fracasso e, consequentemente, ao desaparecimento (Pereira et al., 2014). Desta forma, é esperado que uma melhor eficiência na gestão esteja relacionada com um melhor desempenho financeiro.
No presente estudo foi utilizado como variável para eficiência na gestão o Índice de Eficiência Pluri na Gestão do Futebol (IEPG). Este índice consiste na comparação entre os resultados dos times dentro do campo, em relação aos gastos com o futebol. Dessa maneira pode-se identificar clubes que gastam muito mas pouco conquistam. Igualmente, são distinguíveis aqueles clubes que não têm tantos recursos em seus orçamentos, embora consigam montar times competitivos.
Ranking Pluri de Conquistas (RPC)
Considera-se desempenho esportivo aquele que é resultado das atividades primárias dos clubes de futebol, isto é, sua capacidade de alcançar vitórias em partidas e conquistas de campeonatos (Bohme, 2003; Samagaio et al., 2009). Existem evidências que o bom desempenho esportivo encontra-se associado positivamente a um bom desempenho financeiro (Pereira et al., 2004; Samagaio et al., 2009).
Todos os anos os clubes investem na estruturação das suas equipes objetivando o melhor desempenho esportivo, pois isto estimularia tanto o interesse do público (torcedores atuais e potenciais), quanto o interesse televiso e de patrocinadores, incrementando assim o seu montante de receitas (Dantas et al., 2015).
Desta forma, espera-se que o desempenho esportivo esteja associado, além das habilidades dentro do campo, com o desempenho financeiro.
Neste estudo, a variável que representa o Desempenho Esportivo dos clubes de futebol é definida como Ranking Pluri de Conquistas (RPC). Tal variável foi criada pela Pluri com o objetivo de estabe lecer a pontuação referente à participação e posicionamento de cada clube em cada campeonato disputado.
Variáveis de controle
Valor da Marca (ValorMarca)
O Valor da Marca significa quanto vale, em termos de mercado, no ano específico, a marca do clube de futebol. Foi coletado no site da BDO, que usou uma métrica que incluiu 18 diferentes variáveis entre dados financeiros históricos dos clubes, informações publicadas em pesquisas com os torcedores, dados de marketing esportivo, hábitos de consumo dos torcedores e dados sociais e econômicos do mercado em que atuam os clubes analisados.
Portanto, a presente variável foi utilizada como controle e, com isso, espera-se que haja uma relação positiva e significante entre o valor da marca e o desempenho financeiro dos clubes de futebol.
Despesa com Futebol (DspFut)
As despesas dos clubes de futebol são compostas, principalmente, por salários dos jogadores e equipe técnica, amortização de investimentos em atletas, construção e manutenção de estádios, construção e manutenção de centros de treinamento, entre outras (Dantas et al., 2015).
Desta forma, é esperado que os gastos supramencionados estivessem relacionados com um melhor desempenho financeiro. Em outros termos, para proporcionar uma maior geração de receitas os clubes incorrem em gastos, visando maximizar sua capacidade de gerar retornos.
Portanto, será utilizada como variável de controle todas as despesas relacionadas à atividade do futebol dentro de um ano. Elas serão coletadas do site da Pluri Consultoria.
Disputa na série A do Campeonato Brasileiro (D_seriea)
Tendo em vista que a maior parte das receitas dos clubes de futebol provém de bilheteira, direitos televisivos, merchandising entre outros (Soares, 2007), espera-se que os clubes que estejam disputando a primeira divisão dos campeonatos apresentem um desempenho financeiro superior.
Para atingir essas diferenças entre as séries do Campeonato brasileiro foi utilizado como controle do desempenho financeiro uma variável dummy. Deste modo, atribuiu-se valor 1 em cada ano para clubes que disputaram a série A, e 0 se disputaram outras séries do mesmo campeonato.
Dados em Painel
No intuito de identificar as variáveis que explicam o desempenho financeiro dos clubes de futebol, utilizou-se o modelo econométrico de dados em painel.
Entende-se que a principal vantagem da utilização de modelos de dados em painel consiste na possibilidade de um melhor tratamento da heterogeneidade individual. Com isso, o modelo permite o controle de variáveis não observadas como, por exemplo, fatores culturais. Ao mesmo tempo, é possível a avaliação da evolução, para determinado indivíduo, das variações em estudo ao longo do tempo (Fávero, Belfiore, Takamatsu & Suzart, 2014).
Os dados em painel proporcionam maior quantidade de informações, maior variabilidade dos dados, menor colinearidade entre as variáveis, e um maior grau de liberdade. Consequentemente, este instrumento oferece uma maior eficiência na estimação.
De acordo com Wooldridge (2002)), de modo geral, o modelo de dados em painel apresenta-se da seguinte forma (Equação 1):
Onde:
i representa i-ésima unidade de corte transversal; t o t-ésimo período de tempo; Y it representa o valor da variável dependente para a unidade i no período t; α i é constante; X j it representa o valor da j-ésima variável dependente para unidade i no período t; é ε it o termo de erro.
Na hipótese de que para cada indivíduo i exista o mesmo número de t, considera-se o painel balanceado. Se caso o número de unidade de i serem diferentes ao número de unidades de t, considera-se um painel desbalanceado (ou também denominado de desiquilibrado).
Existem diversos modelos diferentes que podem ser utilizados para dados em painel. No entanto, na disposição básica, os modelos são os seguintes:
Primeiro, o modelo de Efeitos Fixos (EF). Pode ser identificado a partir das seguintes características: (a) os coeficientes angulares são constantes, mas o intercepto varia entre os indivíduos; (b) os coeficientes angulares são constantes, mas o intercepto varia entre os indivíduos ao longo do tempo; (c) intercepto e coeficientes angulares variam entre os indivíduos.
Segundo, o modelo de Efeitos Aleatórios (EA). Pode ser identificado a partir das seguintes características: considera-se cada pit como uma variável aleatória que representa uma população maior. Segue-se assim a seguinte equação β it = β 3 + v it , onde o β 1 é um parâmetro desconhecido representativo de um intercepto populacional médio, e u it , representa o termo de erro.
Finalmente, os modelos agregados Pooled. Estes se operacionalizam com um processo de estimação que considera que os parâmetros α e β são comuns para todos os indivíduos (ou seja, homogeneidade na parte constante e no coeficiente angular).
Em suma, o modelo EA considera a constante não na forma de um parâmetro fixo, mas sim aleatório e não observável. Já o modelo EF pressupõe que as diferenças podem ser captadas pelo termo de erro.
Para a seleção de qual estimação apresentou-se como a mais adequada à realização da análise, fez-se necessário a aplicação dos seguintes testes: Teste de Chow (EF vs Pool); teste LM de Breusch-Pagan (EA vs Pols); e teste de Hausman (EF vs EA).
Resultados e análise
Análise descritiva e Regressão com dados em Painel
A Tabela 1 apresenta os resultados da estatística descritiva geral das variáveis da pesquisa, contemplando os anos de 2009 a 2013.
No que diz respeito a variável Ranking Pluri de Conquistas (RPC), percebeu-se que houve um aumento significativo do desvio padrão, sobretudo nos anos de 2011 e 2012. Isto sugere que o desempenho esportivo dos clubes variou consideravelmente nesse periodo. Também, observou-se uma queda de 8,22% da referida variável. Isso denota que, em média, as equipes perderam posições nos diversos campeonatos no decorrer dos anos analisados.
Em relação à despesa com o futebol, é possível identificar um aumento considerável no período analisado, isto é, em cerca de 77,78%. Sobretudo nos anos de 2012 e 2013, os clubes gastaram mais do que em todos os anos anteriores. Desse modo, entende-se que houve uma intensificação dos gastos com as atividades relacionadas com o futebol por parte das equipes brasileiras.
Da mesma forma que a despesa com futebol, a variável receita geral também apresentou um aumento da média no decorrer dos anos. Contudo, enquanto as receitas cresceram na casa dos 72,05%, as despesas apresentaram um crescimento na casa dos 77,78%. Isso demonstra a necessidade de busca de recursos externos (empréstimos e rolagem das dívidas) por parte dos clubes de futebol.
No que tange à média da variável Índice de Eficiência Pluri de Futebol (IEPG), ele passou de 0,94 em 2009 para 0,47 em 2013, isto é, os clubes de futebol brasileiros perderam eficiência no período analisado. É possível que tal fato possa ser explicado pelo aumento desproporcional das despesas (superiores) em relação as receitas (inferiores), e também pela queda do desempenho esportivo das melhores equipes ao longo dos anos.
Em relação ao valor da marca, verificou-se um aumento entre os anos de 2009 e 2013. Especificamente, em cerca de 49% de média. Isto significa que o mercado passou a valorizar os clubes de futebol.
De modo geral, para o período analisado, verificou-se um cenário de queda no desempenho esportivo dos clubes, um aumento de despesas superior ao aumento das receitas, e consequentemente, uma diminuição no nível de eficiência esportiva. No entanto, apesar desse contexto aparentemente negativo, houve uma elevação do valor das marcas dos clubes.
Isto posto, passa-se agora para a operacionalização do objetivo principal do estudo, que foi feito a partir da utilização da regressão com dados em painel. Para tanto, primeiro estimou-se uma regressão linear múltipla com o intuito de verificar se os pressupostos teóricos do modelo foram atendidos.
Os resultados do teste Breusch-Pagan (heterocedasticidade) indicam que os resíduos são heterocedásticos (Prob> chi2 = 0,000). Desta forma, será necessário para corrigir o problema de heterocedasticidade estimar um modelo para regressão robusta. Além disso, verificou-se a multicolinearidade por meio do Variance Inflaction Factor (VIF), os resultados apontam a ausência da mesma (VIFs inferiores a 6), conforme Tabela 2.
Verificados os pressupostos teóricos básicos do modelo de regressão, passa-se agora para as estimativas específicas do modelo de dados em painel. Tal como ocorre no estudo de séries de tempo, a existência de raiz unitária em dados de painel pode fazer com que a relação econométrica estimada seja espúria.
Aplicou-se assim o teste Im, Pesaran e Shin (IPS), o qual involucra um processo autore- gressivo que utiliza a equação do teste Dickey-Fuller, e faz uma adaptação para dados em painel. Os resultados indicam a rejeição da hipótese nula da não existência de raízes dentro do círculo unitário (processos estacionários) (P-valores inferiores a 5%).
Como tratou-se de estimativas robustas de dados em painel, as regressões foram processadas nos três modelos: Efeitos Fixos (EF), Efeitos Aleatórios (EA) e Mínimos Quadrados Generalizados (MQG), que é a estimativa MQO robusta. Estas estimativas são apresentadas na Tabela 3.
Aplicou-se os seguintes testes para a seleção da estimativa mais adequada para a análise: Teste de Chow (EF vs Pool); teste LM de Breusch-Pagan (EA vs Pols); e teste de Hausman (EF vs EA).
O teste de Chow apontou que a estimativa EF demonstra ser a mais adequada para a análise do que a estimativa MQG, conforme a rejeição da hipótese nula (P-valor = 0,0265), verificada pela estatística F.
O teste de Breusch-Pagan apontou que a estimativa MQG demonstra ser mais adequada para a análise do que a estimativa EA, a partir da aceitação da hipótese nula conforme o seguinte resultado Prob > chibar2 = 0. 0.1191. Por fim, o teste de Hausman sugere que a estimativa EA apresenta-se como a mais adequada para análise se comparada com a estimativa EF, indicando a não rejeição da hipótese nula conforme o seguinte resultado Prob>chi2 = 0,1440.
Assim, feitos os testes, embora os resultados não tenham direcionado para um modelo em específico, considera-se o modelo de efeito fixo (EF) como o mais adequado para a realização das análises, haja vista a característica da amostra.
Após estimar a regressão de efeitos fixos robusta, verificou-se, por meio de teste de hipótese (testparm) a necessidade de incluir variáveis dummy para controle de efeitos fixos. O teste apontou (Prob > F = 0,0476) para necessidade de inclusão. Com isso, foram criadas 4 variáveis com o intuito de captar os efeitos de cada ano no modelo economé- trico. Desta forma, tem-se o seguinte resultado apresentado na Tabela 4.
Os resultados apontam que a variação do comportamento do Desempenho Financeiro é explicada em mais de 90% pelo conjunto de variáveis independentes utilizadas.
No que tange à significância individual das variáveis, a partir do teste de T, verificou-se que, assim como nas estimativas dos modelos de regressão apresentados anteriormente, as variáveis valor da marca, IEPG e a dummy de “série a” retornaram p-valores inferiores a 10%, logo, apresentaram coeficientes significativos para a análise.
Em outras palavras, mesmo com o controle do efeito temporal, os resultados anteriormente apresentados se mantiveram. Isto é, tanto a eficiência esportiva quanto a eficiência na gestão não explicam o desempenho financeiro dos clubes de futebol brasileiro.
Em relação à influência do Valor da Marca no Desempenho Financeiro, verificou-se uma relação positiva e significante. Cada aumento de um ponto percentual na variável (ValorMarca) concorre para um aumento de cerca de 17,20% na variável (DesempFin), mantidos os demais fatores constantes. Disso, entende-se que a visibilidade dos clubes brasileiros em relação ao merchandising ganhou importância durante o período analisado.
A relação positiva entre o Valor de Marca e o Desempenho Financeiro dos clubes brasileiros de futebol vão ao encontro dos resultados do estudo de Nascimento et al. (2014). Infere-se disto que a avaliação do valor total das marcas reflete a expectativa de performance financeira das agremiações.
A variável Despesas com Futebol (DspFut) também retornou uma relação positiva com o Desempenho Financeiro (DesempFin). Com isso, é possível perceber que gastos como salários dos jogadores e equipe técnica, estádios e centros de treinamento tendem, no geral, a proporcionar aos clubes um melhor desempenho financeiro.
Tal resultado corrobora os achados de Pereira et al. (2004), que para os anos de 2001 e 2002 identificou uma relação positiva entre as despesas com o futebol e as receitas. E com o de Dantas et al. (2015), no qual identifica a associação entre receitas e despesas com futebol. Isto é, quanto mais gastos com o futebol (montagem de elencos e comissão técnica), maiores serão os retornos financeiros.
A variável dummy “série a”, por sua vez, também apresentou significância estatística, mostrando desta forma que a participação dos clubes na elite do futebol brasileiro tende a determinar o desempenho financeiro.
Embora as variáveis de controle tenham apresentado um comportamento de acordo com o que era esperado, as variáveis RPC e IEPG apresentaram resultados diferentes.
O Desempenho Esportivo (RPC) apresentou uma relação positiva com o Desempenho Financeiro (DesempFin), porém sem significância estatística. Dessa forma, entende-se que a finalidade primária de um clube de futebol (o desempenho esportivo expressado em vitórias em partidas e conquistas de campeonatos) não se mostra relevante para suas finanças.
Uma possível explicação para o resultado é que parte do efeito da variável RPC tenha sido capturado pela dummy “série A”. Afinal, os times que compõem a elite do futebol brasileiro tendem a disputar mais campeonatos e, com isso, ter um número de vitórias superior àqueles times não contemplados na série A do principal campeonato nacional.
No que tange ao Índice de Eficiência Pluri de Futebol (IEPG), pode-se constatar uma relação positiva mas sem significância estatística com o Desempenho Financeiro (Desem- pFin). Isto é, não é possível afirmar que os clubes com gestão mais eficiente conseguem retornos financeiros superiores.
A este respeito, tem-se que a média da Eficiência Pluri de Futebol (IEPG) dos clubes caiu consideravelmente ao longo dos anos. Além disso, pode-se perceber o descompasso entre o crescimento das receitas e o crescimento do endividamento. Tal fato evidencia uma eminente necessidade de profissionalização da administração dos clubes brasileiros. Com efeito, é possível que este cenário apresentado explique a não significância da IEPG com o desempenho financeiro dos clubes. Em outros termos, os clubes de futebol vêm auferindo melhor desempenho financeiro a despeito de uma gestão eficiente.
Regressão de Efeitos Fixos com variáveis de interação
Com o objetivo de suscitar novas questões a respeito do desempenho financeiro dos clubes, foram incluídas no modelo econométrico variáveis de interação. Isto é, buscou-se verificar se os efeitos no valor da marca, despesa com futebol, desempenho esportivo e eficiência na gestão são diferentes dependendo da série do brasileirão disputada pelo time. E, além disso, buscou-se verificar se essa diferença é ou não capaz de explicar o desempenho financeiro.
Com isso, estimou-se uma regressão com 4 variáveis de interação, a saber: i) dummy “série A” com valor da marca; ii) dummy “série A” com RPC; iii) dummy “série A” com IEPG e iv) dummy “série A” com despesas com futebol. Os resultados da regressão são encontrados na Tabela 5.
Em resumo, é possível perceber que os resultados apresentados na subseção anterior se mantiveram mesmo com a inclusão das variáveis de interação. Desta forma, pode-se auferir que os efeitos de cada uma das variáveis (valor da marca, despesa com futebol, desempenho esportivo e eficiência na gestão) não são mais importantes para uma determinada série do campeonato do que outras. Sendo assim, as interações não foram capazes de explicar o desempenho financeiro dos clubes.
Considerações finais
O presente estudo teve como objetivo verificar se há relação entre o desempenho financeiro de 23 clubes de futebol brasileiros com o Desempenho Esportivo e o Índice de Eficiência Pluri de Futebol.
Para tanto, decidiu-se estimar uma regressão com dados em painel para os anos de 2009 a 2013. Além disso, foram estabelecidos como variáveis de controle as despesas com futebol, o valor da marca e uma dummy para identificar os clubes que jogam na série A do campeonato brasileiro.
Os resultados evidenciaram que as variáveis de interesse (IEPG e RPC) possuem efeito não estatisticamente significativo para o desempenho financeiro dos clubes de futebol brasileiro. Isto é, não exercem influência positiva para as finanças dos clubes analisados.
De maneira complementar, a análise descritiva dos dados evidenciou que no período de 2009 até 2013, um cenário de queda no desempenho esportivo (clubes que eram mais vitoriosos perderam espaço para outros), houve um aumento das receitas (melhor desempenho financeiro), e um aumento do valor da marca dos clubes. Porém, ao mesmo tempo, a eficiência de modo geral decaiu.
Por fim, por meio de variáveis de interação, constatou-se que o fato de um clube estar ou não na série A do campeonato brasileiro não exerce maior influência nas variáveis valor da marca, despesa com futebol, desempenho esportivo e eficiência na gestão.
Como sugestões para pesquisas futuras, recomenda-se aumentar o período da amostra (quando forem disponibilizados os novos relatórios ou fosse identificada uma nova fonte de dados); incluir outras variáveis e utilizar outros modelos metodológicos. Isto com o intuito de verificar quais são os aspectos que influenciam o desempenho financeiro dos clubes de futebol brasileiros.