Introdução
Diferentes organismos internacionais (como a UNESCO, a onu ou a Comissão Europeia), têm vindo a apresentar diversas recomendações e políticas onde consagram o direito à aprendizagem ao longo da vida a todos os cidadãos e cidadãs sem descriminação para a sua origem ou condição. É disso exemplo a Declaração de Hamburgo (1997), onde se destaca o reconhecimento do direito à aprendizagem ao longo da vida como uma necessidade, no sentido de promover uma cultura de paz e de educação para a cidadania e para a democracia, bem como o respeito pelas diferenças culturais, pela diversidade e pela igualdade. Ainda no mesmo documento, reconhece-se a existência de um consenso sobre o direito a todos no acesso à educação de adultos, inclusive das pessoas encarceradas, tendo estas também o direito de aprender e de ter condições dignas para o fazer (UNESCO, 1998). Mais recentemente, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da UNESCO têm reforçado a necessidade de uma educação para todos, com particular destaque para os mais vulneráveis e de programas de aprendizagem ao longo da vida.
Partindo do pressuposto que a educação em estabelecimentos prisionais deve possuir um grau de exigência idêntico às instituições de ensino regulares, a modalidade de Educação a Distância (EAD) pode assumir-se como uma oportunidade para que os indivíduos em cumprimento de uma pena ou medida judicial desenvolverem não só competências e conhecimentos académicos, mas também para adquirirem competências digitais, melhorando as suas qualificações no campo das tecnologias digitais.
Na realidade, a formação em ead nos estabelecimentos prisionais tem sido objeto de vários estudos a nível internacional e a relevância desta temática pode ser comprovada através de vários projetos financiados pela União Europeia nos últimos anos em países como a Noruega, a Áustria, a Alemanha, o Reino Unido ou Espanha.
No entanto, e apesar da relevância assumida pela ead, na criação de ambientes virtuais de aprendizagem, imprescindíveis para a inclusão digital e social, os estabelecimentos prisionais, dos diferentes países europeus, de uma forma geral, têm oferecido acesso muito limitado ao digital; sobretudo, justificado por questões de segurança, como é referido por Hawley, Murphy e Souto-Otero (2012) , ou por falta de recursos, financeiros, tecnológicos ou digitais como destacado pelo estudo realizado em 2013 pelo Observatório Europeu das Prisões, em que participaram a Letónia, a Polónia, a Espanha, o Reino Unido, Portugal, a Itália, a Grécia e a França (Maculan, Ronco e Vianello, 2013) e sublinhado, mais recentemente por Manjer, Eikeland e Asbjørnsen (2019) e Renbarger, Rivera e Sulak (2019).
Também em Portugal, e ainda que a Lei n.º 115/2009, de 12 de outubro e a sua versão mais recente (Lei n.º 21/2013, de 21/02) sublinhe que se deve promover a frequência pelos reclusos de cursos e ações de formação, “(...) através do recurso a meios de ensino à distância” (artigo 38.º), parecem existir fortes indícios de que esta vertente da EAD não se encontra convenientemente estruturada de forma efetiva e eficiente.
Esta situação evidencia a atualidade e pertinência do estudo que aquí apresentamos e justifica a relevância de que se produza conhecimento neste domínio enquanto estratégia para a qualificação em estabelecimentos prisionais.
No entanto, e apesar da pouca expressão do digital nos estabelecimentos prisionais, é de relevar um projeto pioneiro em Portugal, o Projeto eLearning em Estabelecimentos Prisionais (epris), criado em 2015 num estabelecimento prisional feminino no Norte do país, em Santa Cruz do Bispo, que teve como principal objetivo contribuir para a reinserção social das reclusas e para o desenvolvimento de competências digitais. O projeto, enquadrado num protocolo assinado entre o Ministério da Justiça, a Santa Casa da Misericórdia do Porto e o Instituto Piaget, propunha criar “modelos de intervenção integrada e estruturada, suscetível de replicação/ disseminação, com o recurso às tecnologias de informação e comunicação (tic) enquanto instrumento de inclusão digital e social” (Monteiro, Leite e Barros, 2018, p. 132 ).
Tendo presente esta realidade, o objetivo deste artigo de pesquisa é conhecer as representações dos reclusos, dos técnicos superiores de reeducação e dos diretores de três estabelecimentos prisionais portugueses analisados relativamente às condições materais e imateriais aí existentes para o desenvolvimento de processos de aprendizagem ao longo da vida enriquecidos com tecnologias digitais. A partir dessas perceções e do retrato obtido, será criada uma proposta de um Campus Virtual que responda às necessidades deste grupo socialmente vulnerável.
1. Aprendizagem ao longo da vida e educação a distância em estabelecimentos prisionais
Para os cidadãos e as cidadãs com medida privativa de liberdade, mas com o inalienável direito à educação, quer num sentido compensatório, quer num sentido emancipatório; a Aprendizagem ao Longo da Vida (ALV), assume-se como essencial ao tratamento prisional e posterior reintegração social. Os cidadãos e as cidadãs em reclusão, pelo contexto que integram que se “caracteriza, em grande parte, pelo isolamento e pela perda de autonomia do indivíduo, com a consequente diminuição do exercício da cidadania” (Tscharf, 2009, p. 65 ), têm condicionados o acesso à aquisição e ao desenvolvimento de competências previstas para a ALV, os quais dotam os cidadãos das diversas ferramentas necessárias para o gozo dos seus direitos e a gestão autónoma das suas vidas (UNESCO, 2013).
Sendo a ALV um instrumento tão poderoso para o desenvolvimento pessoal, para o acesso ao emprego e para o pleno exercício da cidadania, têm de ser potenciadas alternativas para esta população reclusa. A declaração de Hamburgo (UNESCO, 1997), reconhece este aspeto na sua recomendação número 47:
Reconhecer o direito de detentos à aprendizagem: a) informando os presos sobre oportunidades de educação e de formação existentes em diversos níveis, e permitindo-lhes o acesso a elas; b) elaborando e pondo em marcha, nas prisões, amplos programas de educação, com a participação dos detentos, a fim de responder a suas necessidades e aspirações de aprendizagem […]. (UNESCO, 1997, p. 20 ).
Também, como refere Rodriguez Núñez (2005, p. 3), o conceito de ALV adquire maior significado quando a “vida aparece interrumpida por una condena a prisión. La necesidad de formación para mantener la competitividad en el mercado laboral, se convierte en la necesidad de mantenerse vinculado al futuro cuando se termine la reclusión”.
Nesse sentido, educar significa, pois, “dar às pessoas os meios para desenvolver suas habilidades e competências que lhes permitam ‘ler o mundo” e, com base nessa análise crítica, saber como enfrentá-lo e autodesenvolver-se, de uma forma digna” (Hurtado, 2005, p. 7 ).
Assim, o acesso dos reclusos ao sistema educativo deve envolver não só o desenvolvimento dessas competências, em áreas que contribuam para facilitar a sua reintegração na comunidade, mas deve, também, procurar efetivamente uma formação humanista, que contribua para a promoção de diferentes oportunidades de aprendizagem que se possam basear em experiências quotidianas e na capacidade de usar efetivamente essas experiências quer de caráter formal quer informal (Moreira e Dias-Trindade, 2021).
Para além disso, e como a própria União Europeia reconhece, também as competências digitais devem estar presentes na formação do recluso, uma vez que estas se afirmam atualmente como indispensáveis para a integração social (Comissão Europeia, 2003, 2005). Nesse sentido, a interação entre a formação humana, as literacias fundacionais e o digital, facilitam uma adaptação a contextos onde real e virtual, online e offline se misturam e hibridizam cada vez mais. Assim, programas de ALV que se moldam às necessidades dos seus participantes, em linha com as ideias de justiça social, (Bolívar, 2012; Murillo e Hernández, 2011), podem contribuir para aproximar diferentes grupos sociais e assegurar que a todos seja dado o mesmo acesso à educação.
No âmbito da justiça social, o desenvolvimento de competências digitais pode ser considerado uma vertente da inclusão social (Warschauer, 2004), porque pode proporcionar o acesso às tecnologias e gerar a capacidade de criar e produzir significados e sentidos nos ambientes digitais (Passerino, 2011). O acesso e a sua relação com as questões sociais e comunitárias são evidentes nos princípios básicos da inclusão digital propostos por Muilenburg e Berge (2012), nomeadamente no que diz respeito à necessidade de diminuir as barreiras relativas ao uso do digital.
Face a este cenário, têm-se desenvolvido projetos quer na Europa quer em diversas outras partes do mundo, que procuram associar a educação ao digital (Hawley, Murphy e Souto-Otero, 2012), tais como o Telfi (2002), o ELIS (2004), o PiPELinE (2005), o LiCoS (2008), o Internet for Inmates (2010), entre outros, e também em Portugal como é o caso do já citado EPRIS (2015).
Para além destes projetos, existem outros de maior dimensão, quer na Europa, ou fora dela, que envolvem, na sua maioria, as instituições de ead. São os casos, por exemplo, do Virtual Campus do Reino Unido desenvolvido pela Open University ou o programa PLEIADES (Portable Learning Environments for Incarcerated Distance Education Students) na Austrália.
Relativamente ao Virtual Campus do Reino Unido (Inglaterra e País de Gales), a plataforma foi desenvolvida pela Open University com o objetivo de gerir as diferentes necessidades das pessoas reclusas, que têm acesso seguro a recursos digitais e conteúdos específicos, numa “whitelist” previamente definida (Turley e Webster, 2010). No caso da Austrália, o PLEIADES é um projeto concebido para fornecer aos estudantes reclusos acesso a tecnologias móveis - eReaders - e digitais seguras offline e que tem como principal objetivo aumentar o acesso e a participação dos reclusos em programas de educação e formação (Farley, Murphy e Bedford, 2014).
Finalmente, destaque para outros programas mais recentes que têm promovido o uso das tecnologias digitais como forma de reabilitar os reclusos. Entre estes, destaque para o programa PrisonCloud, criado em 2016 na prisão de Beveren, na Bélgica, que permite o acesso, com restrições, a serviços online nas celas dos reclusos, como programas de eLearning. Por sua vez, em Agder, na Noruega, iniciou-se em 2020 um projeto que tem como principal aumentar a qualidade do tratamento prisional, por via da inclusão da tecnologia. Nesta “prisão digital”, tal como é definida pelos responsáveis do programa, assume-se que o digital pode funcionar como um elemento catalisador do empowerment da população reclusa. Por sua vez, os Serviços Prisionais de Hong Kong encontram-se a desenvolver um projeto intitulado Smart Prison com o intuito de adequar o tratamento prisional à atual dinâmica de desenvolvimento das sociedades, com recurso a dispositivos digitais (tablets) para acesso a programas de eLearning e a eBooks.1
Todos estes projetos têm em comum o desejo de contribuir para o desenvolvimento de novos mecanismos que fomentem a ALV, mas, sobretudo, que com estas aprendizagens se promova a inclusão social, cívica e digital, como preparação para o regresso à vida em liberdade.
2. Método
Como já referido, o artigo de pesquisa apresentado pretende conhecer as perceções de estudantes reclusos, dos técnicos superiores de reeducação e dos diretores das prisões relativamente às condições materais e imateriais existentes em três prisões portuguesas para o desenvolvimento de processos de ALV mediados pelo uso de tecnologias e plataformas digitais.
A natureza desta indagação, levou-nos a considerar pertinente um estudo qualitativo que pretende dar conta de como percecionam o proceso pedagógico em contexto de reclusão. Com o intuito de suscitar a emergência de dados referentes ao estudo, recorremos à utilização da entrevista semi-estruturada, e para analisar os dados provenientes desse inquérito por entrevista recorremos à análise de conteúdo (Bardin, 1977; Vala, 1986).
2.1. Participantes
A nossa amostra foi constituída por um grupo de seis reclusos (rec) de três estabelecimentos prisionais em Portugal (Paços de Ferreira, Vale do Sousa e Coimbra), representando estudantes já com a frequência de cursos na modalidade de ead, na Universidade Aberta (uab), Portugal, por cinco técnicos superiores de reeducação (tsr), estando todos a exercer funções nos presídios em questão, e elementos das direções dos respetivos presídios (dir). Procurámos, assim, captar de forma ampla e multidimensional a realidade estudada, através da visão dos diferentes atores envolvidos no processo. A opção por analisar estes contextos prisionais, justifica-se pelo facto de já existirem nestes estabelecimentos prisionais comunidades de aprendizagem de estudantes-reclusos matriculados em cursos da UAB.
Os reclusos foram previamente convidados a participar no estudo através dos/das tsr, e após confirmação da sua disponibilidade foram informados da data e hora da realização da entrevista. Nas tabelas 1 e 2 podemos observar algumas das caraterísticas dos reclusos e dos TSR relativamente às variáveis que possibilitam conhecer um pouco seu perfil. É importante referir ainda que, no diz respeito às direções, foram entrevistados três diretores, todos do género masculino.
Código | Género | Idade | Tempo em reclusão | Regime de Reclusão |
---|---|---|---|---|
rec1_2 | M | 39 | 3 anos e 2 meses | Acesso a precárias |
rec2_1 | M | 40 | 8 anos e 3 meses | Fechado |
rec3_3 | M | 56 | 4 anos e 6 meses | RAVI (regime aberto virado para o interior) |
rec4_2 | M | 36 | 2 anos e 11 meses | Fechado |
rec5_3 | M | 37 | 2 anos e 6 meses | Fechado |
rec6_3 | M | 36 | 5 anos e 6 meses | Fechado |
Nota: elaborado pelos autores (2021).
2.2. Procedimentos
A análise dos dados emergentes obedeceu a uma lógica baseada na alternância de duas fases: Numa primeira fase foi realizada uma análise vertical de cada uma das entrevistas dos reclusos, dos técnicos superiores de reeducação e dos diretores e na segunda procedeu-se a uma análise horizontal com recurso ao método da “análise comparativa constante” com o intuito de identificar aspetos comuns e distintivos das perceções dos diferentes atores (Miles, Huberman e 1994).
Para o efeito, apresenta-se a informação proveniente das entrevistas, também, em quadros, com o objetivo de exemplificar a relevância de algumas das suas opiniões. Pensamos que a escolha deste modelo organizativo da informação, permite estudar as perceções dos sujeitos envueltos de uma forma sistemática e analítica, que permitirá uma mais adequada visualização do quadro geral representativo das suas conceções.
3. Resultados e Discussões
Como referimos anteriormente, com este estudo pretende-se conhecer as representações dos reclusos (REC), dos técnicos superiores de reeducação (TSR) e dos diretores (DIR) relativamente às condições existentes nos estabelecimentos prisionais (EPS) para o desenvolvimento de atividades educativas. Obtivemos cento e cinco registos que foram divididos nas seguintes categorias: Condições Físicas (espaço de estudo; sala de informática), Condições Materiais (fotocópias/impressões; livros; material escolar; computadores, acesso à tecnologia) e Condições Imateriais (disponibilidade de tempo/horários para o estudo; apoio/acompanhamento do/a TSR e de outros agentes educativos).
3.1. Condições Físicas
No que diz respeito ao Espaço de Estudo, entendido como o espaço físico onde o recluso acede ao material de estudo, tem condições para trabalhar e se concentrar nas atividades educativas é consensual que o ambiente privilegiado é a cela.
Como pode ser verificado pelas Unidades de Registo exemplificativas, apresentadas na Figura 1, a cela, por ser o local mais recatado, acaba por ser a escolha dos reclusos para o estudo. Também, Gabriel (2007) a este respeito já tinha constatado na década passada que:
[…] os reclusos quando não têm aulas e precisam de estudar, têm que escolher entre a sua cela ou camarata ou espaços de convívio comuns que não são de todo adequados ao estudo. As prisões são espaços fechados onde convivem muitos reclusos, tornando-se escassos os espaços com ambiente adequado ao estudo. (p. 120)
Por sua vez, Farley e colaboradores (2016), num estudo realizado no Reino Unido, verificaram que a cela, embora seja o local mais utilizado para o estudo, apresenta limitações, porque nas celas raramente os estudantes têm acesso à tecnologia digital.
A biblioteca é também entendida no EP de Paços de Ferreira (ppf), pelos/as TSR, como espaço de estudo, embora seja um espaço condicionado por horários:
Dispomos de um espaço adequado ao estudo, que é a biblioteca do presídio. (dir3_1: ur12).
Têm a cela. Podem usar a biblioteca, dentro dos horários disponíveis. (tsr2_1: ur35).
Pelas características e organização das bibliotecas dos eps (espaços depromoção cultural e não de estudo), estas não garantem aos reclusos as condições necessárias de silêncio que lhes permita a concentração exigida para o estudo. Um recluso que veio transferido de um outro EP refere que:
A biblioteca de Custóias funciona de forma diferente desta biblioteca, em Custóias a biblioteca é fechada aqui é aberta, aqui entra uma pessoa qualquer pela biblioteca, em Custóias não. Vai à biblioteca quem está autorizado a ir, e quando entra na biblioteca há normas que têm de ser cumpridas, é o ambiente de biblioteca. (rec1_2: ur96).
No EP de Coimbra, embora já exista um espaço dedicado ao estudo, há o desejo de um espaço específico para reclusos envolvidos em atividades escolares:
Há um espaço quer para estudarem quer para acesso, por exemplo, a material e ao computador onde fazem os trabalhos. (dir2_3: ur24).
Temos andado assim um bocadinho a utilizar espaços que nos são disponibilizados à medida daquilo que necessitamos, sem termos espaço próprio. (tsr5_3: ur41).
Verifica-se, também, disponibilidade, por parte do ep de Vale de Sousa para criar condições propícias ao estudo quando solicitadas pelos reclusos, por exemplo:
No ano passado ele pediu para ir umas horas, sobretudo na fase dos exames, para uma salinha de aulas, para ficar lá sozinho a estudar, ter mais concentração, e isso é claro que lhe foi autorizado. (tsr4_2: ur54).
Podemos aferir, ainda, que existe a abertura dos eps para a criação de um espaço físico específico para estudantes em processos de ALV, sempre e quando o número de reclusos seja representativo:
Uma sala equipada com privacidade. Neste momento seria gerir espaço. Teríamos que encontrar alternativas para as questões técnicas. (dir4_4: ur83).
Nós temos uma biblioteca, temos uma sala de ioga, porque passámos a ter um voluntário que faz aulas de ioga e nós criamos uma sala, antes não tínhamos. Sê passarmos a ter ensino universitário a distância, precisamos de uma sala, há-de-se criar essa sala. (tsr1_1: ur59).
Assim, podemos concluir que embora não exista, ainda, um espaço específico para o desenvolvimento de atividades de ALV ou para a frequência de cursos de Ensino Superior nestes EPS, sendo as celas os espaços utilizados preferencialmente pelos reclusos, existe a disponibilidade de o mesmo ser criado - atendendo às exigências da população reclusa, quanto ao volume de reclusos/estudantes e às limitações específicas dos próprios EPS.
Na categoria Sala de Informática, verificamos que os EPS de Paços de Ferreira (PF) e de Vale do Sousa (VS), possuem no espaço escolar, uma sala de informática. No entanto, existe uma separação de responsabilidades em relação a este espaço e a abordagem dos EPS é distinta, sendo que aos reclusos de Paços de Ferreira, que não frequentam atividades formais escolares é vedado o acesso, enquanto os reclusos do ep de Vale do Sousa, podem aceder desde que peçam autorização à direção.
Com efeito, a leitura das unidades de registo exemplificativas da Figura 2 permite-nos perceber que no EP de Vale do Sousa há abertura para os reclusos utilizarem a sala de informática, com autorização prévia e fora do horário em que decorrem as aulas, sendo que no EP de Paços de Ferreira esse cenário não é equacionado, as restrições de acesso são mais evidentes.
O Despacho-Conjunto n.º 451/1999, publicado no DR n.º 127 de 1 de junho de 1999, veio definir as competências do Ministério da Justiça e do Ministério da Educação (me) no que se refere ao ensino e formação da população prisional. No artigo 11, ponto 1, verificamos que compete à DGRSP “Disponibilizar os espaços adequados, os equipamentos e os materiais pedagógicos necessários ao funcionamento do ensino recorrente nos estabelecimentos prisionais, de acordo com as indicações da respetiva direção regional de educação (…)”, (p. 8085). Considerando, pois, que os equipamentos, embora estejam afetos “à escola” e às atividades escolares formais, são património dos eps, parece-nos razoável que a sua utilização se estenda a outros reclusos que estejam envolvidos em atividades de ALV.
Por sua vez, no ep de Coimbra existe um espaço com um computador, na área escolar, onde os estudantes podem aceder ao material de estudo em pen drive e realizar os seus trabalhos:
Temos o computador numa sala que está lá em cima na zona escolar, a senhora traz a matéria [numa pen] e coloca no computador. (REC3_3: UR52).
Há um computador que tem uma porta us b para colocar a pen e não tem rigorosamente mais nada, não é suficiente nem pouco nem mais ou menos, é um computador que cada vez que colocam lá uma pen aparece logo um vírus, fica logo infetada, mas é o que temos. (TSR5_3: UR46).
Na possibilidade de criar projetos específicos, quer para o Ensino Superior, quer para atividades de alv, o diretor do ep admite que:
Há uma sala de recursos. [Num possível novo cenário] o problema serão os computadores e o material [aquisição], não a sala. (DIR2_3: UR26).
Verificamos assim que é no ep de Paços de Ferreira que os reclusos estudantes têm maior dificuldade em aceder a computadores, embora, como constatamos no testemunho de um dos técnicos, o ep vai procurando criar condições extraordinárias para que os reclusos possam aceder a meios informáticos:
Houve uma situação de um aluno que fez mestrado aqui e que precisava de computador para fazer trabalhos (...). Ele ficou a trabalhar num gabinete de apoio e estavam as pessoas a trabalhar e ele ali ao lado, e recebemos telefonemas, há pessoas que entram e fazem perguntas e está ali o recluso ao lado, há coisas que até queremos dizer e não podemos dizer; até por ele que está ali concentrado e entram 300 pessoas no gabinete. (TSR1_1: UR56).
3.2. Condições Materiais
Para além das condições físicas referentes aos espaços de estudo e salas de informática é essencial o acesso ao material de estudo propriamente dito, aos recursos de aprendizagem. No contexto atual existente nos eps, este limita-se a recursos impressos (livros, fotocópias e/ou impressões).
O pagamento das fotocópias e impressões dentro dos EPS está a cargo dos reclusos. Dadas as limitações económicas de muitos deles e não havendo um orçamento próprio dos EPS para estudantes envolvidos em processos de alv ou para o Ensino Superior, como refere o dir1_2, “[...] tem de ser sempre a família a ajudar nessa parte [fotocópias e materiais]” (UR23).
Já no que se refere a livros, os EPS possuem bibliotecas onde os reclusos podem fazer requisições desses recursos, no entanto, embora bem apetrechadas na área da literatura, não possuem muitas secções técnicas específicas. Quando a condição económica não é um entrave, os reclusos optam por adquirir os livros necessários ao estudo. Como refere o recluso 2_1: “A minha cela é uma autêntica biblioteca. De gestão tenho lá tudo” (REC2_1: UR93).
Por sua vez, no EP de Coimbra, cada recluso possui uma pen drive onde guarda o seu material de estudo:
Cada recluso tem uma pen sua, pessoal, onde pode ir guardando a sua matéria para quando sair em liberdade a levar. (TSR5_3: UR57).
A pen está com o guarda responsável por aquela ala. Ele vai lá, vê o trabalho e no final entrega a pen ao Guarda. E quando é preciso descarregar coisas para lá, vem ter comigo e descarrega, depois volta a ir para lá. (TSR5_3: UR63).
Esta situação poderia contribuir para reduzir os custos associados à impressão de documentos, no entanto, a limitação de acesso à sala de informática, o condicionalismo de a pen ficar com o guarda prisional e a impossibilidade de ter computadores nas celas, faz com que recluso/estudante, tenha de recorrer à impressão dos recursos.
Na realidade, ter material impresso é uma necessidade e uma vantagem neste contexto, devido à evidente ausência de equipamentos informáticos. Com efeito, com as condições atuais, o material impresso continua a ser o único meio que garante a autonomia do estudo do recluso, na definição do local, da hora e do seu ritmo de trabalho (Moreira, Monteiro e Machado, 2017, p. 124).
Por sua vez, no que diz respeito ao Material Escolar, como cadernos ou canetas, este é muitas vezes disponibilizado pelo ep de modo informal, tal como dão a entender as unidades de registo exemplificativas da Figura 4.
Assim, verifica-se, pois, que o material escolar não é um entrave para os estudantes/reclusos, independentemente da sua situação económica, porque as direções dos eps, tendencialmente, disponibilizam o material essencial, apesar de não estarem obrigados, formalmente, a fazê-lo.
No que concerne ao Acesso à Tecnologia, também constatámos realidades distintas nos EPS em análise. Enquanto os EPS de Vale do Sousa e de Coimbra permitem a utilização de dispositivos USB (pen drive) para a leitura dos documentos de estudo e para gravar os seus trabalhos:
[Têm] o acesso a PDF no computador. (DIR1_2: UR27).
O Sr. F. tem uma pen e prefere levá-la, mas ele não costuma usar lá, porque ele não trabalha na pen sozinho, então há uma professora que quando vem, o ajuda a estudar, é voluntária, e que trabalha no compu- tador situado na zona da escola. (TSR5_3: UR27).
No EP de Paços de Ferreira as dificuldades são maiores como destacam alguns reclusos:
Já me mentalizei que não posso usar. Eu acho até que um dia que eu precisar de fazer a cadeira de informática de gestão que a farei na es- cola, digo eu, porque é o mais provável. (REC2_1: UR97).
É assim, os computadores nas cadeias não se autorizam, ponto final. É proibida a entrada e a saída de qualquer meio de reprodução áudio, vídeo, etc. Nem sequer uma pen pode entrar e sair. Cá dentro há meios que são devidamente autorizados e controlados, mas que estão, diga- mos, dentro da instituição. (TSR2_1: UR38)
Situação justificada pelo:
Medo do desconhecido. 90% das pessoas que estão aqui dentro, acha que esta coisa dos computadores é uma coisa estranha e esotérica. Só os homens da biblioteca é que podem mexer no computador. Se é apanhado alguém a mexer naquilo, vão todos embora. (TSR2_1:UR40).
Na perceção dos reclusos, o acesso a computadores seria uma mais-valia para o seu percurso académico, tendo alguns feito diligências nesse sentido:
u propus-me mandar um computador para a Direção Geral para eles verem que não vinha lá nada...não quero nem imaginar o jeito me faria. Eu tenho uma televisão e um DvD na cela, que estão lá única e exclusivamente para apanhar pó. O computador é que era fundamen- tal. Isto é um meio tão restrito. Ultimamente fala-se muito na alteração da legislação e faz todo o sentido alterá-la, porque hoje em dia um computador é uma questão básica. (REC2_1: UR52).
Inicialmente eu coloquei essa questão à minha técnica: será que se eu fizer um pedido à sra. Diretora para me deixar ter um computador com acesso à internet, mesmo com alguma limitação de sites vou ter autorização? Mas pronto, a resposta não foi positiva. (REC1_2: UR45).
No que concerne ao acesso à internet, todos os EPS possuem dificul- dades idênticas e até os técnicos, como podemos ver na Figura 5, afirmam não conseguir aceder com facilidade.
Por sua vez, o acesso dos reclusos à rede, ao sinal digital não é possível:
[A internet] aqui é uma coisa limitada e para eles não é possível. (DIR1_2: 35).
Não têm acesso à Internet. (TSR4_2: UR57).
Sendo que, na opinão de um dos técnicos, esta falta de acessibilidade justifica-se, sobretudo pelo:
(...) receio, pois como as pessoas não têm grande conhecimento, a solução mais cómoda é dizer que não. Não há razão técnica nenhu- ma, que impeça os reclusos de terem acesso à Internet. Fale disso seja a quem for, vão ter 32000 problemas, “porque ligam, porque não sei quê, e se partirem aquela caqueirada, como vai ser? Porque os USB´s dão para ligar e carregar o telemóvel” que que quer lhe diga? Não é das condições materiais, é da cultura institucional. (TSR2_1: UR32).
Corroborando o referido por este técnico, Rocha revela que “o que falta para a Internet ser uma realidade nas prisões é a segurança, os recursos tecnológicos e, também, a vontade” que na sua opinião são aspetos “sim- ples, essencialmente materiais e, em certa medida, de teor político” (2010, p. 102). Por sua vez, Viedma-Rojas descreve uma realidade semelhante no contexto espanhol, destacando que: “Las condiciones de seguridad impiden, en muchos centros, el uso de material electrónico o conexión a espacios de la UNED virtualizados para la enseñanza” (2003, p. 102).
As perspetivas em relação à possibilidade do acesso dos reclusos a plataformas virtuais de aprendizagem é vista como possível pelo diretor do EP de Coimbra:
Acredito que existem possibilidades tecnológicas … hoje não me pare- ce que isso seja uma dificuldade. Já foi, hoje não. (DIR2_3: UR74).
Esta perspetiva é também realçada por Rocha ao destacar que “o acesso à internet por parte dos reclusos nos EPS portugueses poderá ser uma realidade no contexto de escola e/ou formação, com supervisão e acompanhamento do professor/formador, e com limitação do acesso atra- vés de uma filtragem na navegação (2010, p. 148).
No EP de Vale do Sousa encontramos uma visão otimista sobre a inclusão da internet nos presídios:
Eu acredito que daqui a umas duas décadas nas cadeias portuguesas isto se revolucione e haja intranet, internet condicionada. (REC1_2: UR27)
Há uma grande valorização da possibilidade da utilização de compu- tador e internet no EP, também, por parte dos reclusos, tal como podemos ler na unidade de registo abaixo:
Dentro do presídio a tecnologia ... um céu sem nuvens não é céu e eu acho que eram as nuvens que se colocariam no próprio céu. (RE-C1_2,:UR52)
Naturalmente, esta questão explica-se pelo fato de que a sua ausência acarreta dificuldades para os estudantes/reclusos comparativamente aos estudantes em liberdade:
u tenho noção que aqui no estabelecimento, estando em reclusão, não vou ter as facilidades, chamemos-lhe assim, que teria lá fora com um computador à frente e com internet, em casa tenho essa vantagem. (REC1_2: UR28).
A este respeito, recordamos Rocha que afirma que “o facto de os reclusos poderem pesquisar, refletir, fazer trabalhos, e aceder a informação, lhes permitirá construir as suas próprias aprendizagens. Este aspeto, segundo os professores facilita-lhes a futura entrada ou reinserção no mercado de trabalho” (2010, p. 104).
Neste contexto e numa perspetiva global da educação nos EPS, Mon- teiro, Barros e Magalhães recordam que “a formação no interior das pri- sões deve ser diversificada e dar resposta aos desafios que se impõem à sociedade em geral, entre eles os advindos da sociedade de informação” (2017, p. 243).
Os reclusos/estudantes, quando questionados sobre o que poderia ser feito para melhorar a sua situação referem:
Devíamos ter acesso à internet, só mesmo para aquilo. Penso que há programação para aceder só àquele endereço, só para aquilo, não dá para fazer mais nada. (REC3_3: UR15).
Sempre que vou a casa consigo colmatar muitas dúvidas com pes- quisas feitas na internet, ou seja, a tecnologia seria muito bem-vinda. (REC1_2: UR49).
Também Rocha, no estudo já citado, conclui que 23% dos reclusos inquiridos afirmaram que o acesso à internet “melhoraria a sua educação e/ou formação” (2010, p. 137).
uso das tecnologias digitais está presente nos referenciais de com- petências e nos currículos de todos os níveis de ensino; no entanto, e como podemos verificar encontra, ainda, nos serviços prisionais obstáculos à sua concretização. Para ultrapassar estes obstáculos Nuñez defende que:
Es importante aunar el marco legal y las técnicas propias de la enseñanza a distancia. El marco legal acordado entre los entes afectados permite operar en un ámbito muy difícil donde priman las medidas de seguridad y las restricciones de todo tipo. Por este motivo, el uso de los medios más avanzados de la educación a distancia, sobre todo la aplicación de las nuevas tecnologías, presentan dificultades añadidas pues hay que compatibilizar las medidas de seguridad del centro de retención con la circulación de la información, donde se prima el flujo en plena libertad. (2005, p. 5).
3.3. Condições Imateriais
No que diz respeito à última categoria Condições Imateriais foram consideradas duas sub-categorias, uma referente à Disponibilidade de tempo/ horários para o estudo dos estudantes/reclusos e outra relacionada com o Apoio/acompanhamento do/a TSr.
Como se sabe, o contexto prisional é um contexto singular, muito regulamentado e normativo. Os reclusos têm horários muito rígidos e a organização do seu dia está estipulada de forma rigorosa.
No entanto, a leitura e análise das unidades de registo exemplificativas na Figura 6 permite-nos perceber que a questão da disponibilidade do tempo é uma questão relativa e relaciona-se, sobretudo, com a gestão que cada estudante/recluso faz do tempo que tem disponível nos horários previamente fixados pelos EPS. Na opinião das direções e de alguns técni- cos, os reclusos têm todo o “tempo do mundo” para estudarem. Outros destacam a necessidade de gerir bem o tempo, em função das atividades que desenvolvem ao longo do dia.
Uma perspetiva interessante quanto a esta questão é apresentada por um recluso que refere que:
Cá dentro eu tenho muito mais tempo para o estudo do que teria num contexto profissional, se há notas equivalentes às minhas com as mi- nhas limitações, há as limitações desses alunos também lá fora pela componente profissional e familiar. (REC1_2: UR51).
É consensual entre todos os elementos entrevistados que o tempo para o estudo é generoso. Situação que corrobora os resultados do estudo de Autor 2 realizado no EP do Porto, onde se concluiu também que “a estes estudantes lhes é concedido e favorecido tempo para estudarem” (2017, p. 120).
ese a disponibilidade de tempo, encontramos um fator que condi- ciona a aplicabilidade efetiva desse tempo de dedicação ao estudo. Refe- rimo-nos à dificuldade situacional (Nascimento, 2009, p. 91) observável no discurso de um dos reclusos:
Tempo até me dão, mas tempo saudável é que não dão.(REC2_1: UR89)
E neste sentido, o Diretor do EP de Coimbra refere também que:
O indivíduo está quase 11h fechado. A disponibilidade física o recluso até pode ter, agora a disponibilidade mental, a questão da motivação… (DIR2_3: UR22).
O tempo que o recluso tem na cela para se dedicar ao estudo é des- tacado por vários destes atores, mas a este respeito é interessante destacar o testemunho de um dos reclusos estudantes que refere:
As prisões não têm aquecimento; portanto estudar com um clima de temperatura idêntico ao que está lá fora é complicado, e eu digo isto, porque a maior parte do estudo que eu faço é sempre à noite. Numa cela com quatro pessoas a janela tem de estar sempre aberta, eu quero escrever e não consigo escrever, porque se estiverem 13 graus lá fora, tenho 13 graus dentro da cela mais a humidade que ali fica, estudo com a minha roupa vestida enfiado dentro dos cobertores da cama, encosto-me a duas almofadas e vou lendo a tremer, fico só com os dedinhos de fora. (REC1_2: UR77).
Finalmente, e no que diz respeito ao Apoio/acompanhamento do/a TSR, é por demais evidente que estes reclusos envolvidos em processos de ALV apresentam uma forte dependência dos técnicos ou outros agentes externos, como familiares, para tratar dos diferentes assuntos relaciona- dos com a frequência das atividades educativas, desde questões de cariz administrativo, como inscrições, até questões pedagógicas, como o acesso ao recursos de aprendizagem.
O que se nota, é que a dependência do/a TSR é maior quanto menor for o suporte familiar do recluso, porque na opinião de um técnico:
O técnico faz a ponte, não substitui a família e não deixa de respon- sabilizar a família... mas, quando não há família, o técnico assume o papel da família. (TSR3_2: UR31).
Também, Os/as TSR têm um papel essencial no acompanhamento e motivação do recluso estudante:
Este trabalho anónimo que se faz, de proximidade, de estar ao lado deles nesta persistência na defesa de um projeto, é motivador, é muito importante. (TSR5_3: UR70).
Às vezes pergunta o que acha disto? ...eu lá dou a minha opinião, de acordo com aquilo que me lembro e do que vou lendo, mas é tudo muito rápido. (TSR4_2: UR51).
Este apoio por parte do TSR torna-se igualmente fundamental quando o recluso pondera iniciar o seu projeto educativo, como refere Viedma- Rojas: “Su capacidad de influencia y la posibilidad real de orientar deci- siones que mejoren las condiciones de estudio del candidato en la prisión, juegan un papel clave en la participación.” (2003, p. 114).
Uma análise mais pormenorizada, relativamente a cada EP, permite-nos, ainda, perceber que o apoio/acompanhamento técnico disponibilizado aos reclusos organiza-se de forma distinta. Nos EPS de Paços de Ferreira e Vale do Sousa existe um TSR que acompanha individualmente o processo do recluso. Por sua vez, no establecimento prisional de Coimbra existe um TSR que é responsável por acompanhar todos os processos educativos:
Ele faz um pedido ao sr. Diretor e o estabelecimento trata, há aqui ex- pediente que circula e eu acompanho, confirmo e vou agilizando a par com a técnica de educação. (TSR5_3: UR57).
A TSR do EP de Coimbra explica que esta estruturação do trabalho visa a otimização do serviço prestado:
e há um recluso que quer frequentar formação profissional há divul- gações de cursos, candidata-se, se há uma técnica que ao nível da dinamização, da coordenação, da articulação; faz todo o sentido a ren- tabilização e harmonia entre as coisas, até com as diferentes entidades formadoras, ou seja que haja uma pessoa que possa fazer de mediadora, facilitadora, que potencialize também a informação de fora para den- tro, e também de dentro para fora. Tem a ver com esta otimização e satisfação de todos. (TSR5_3: UR8).
Percebemos, ainda, que os EPS também possibilitam o apoio de agentes educativos externos, como professores voluntários, explicadores, professo- res universitários, sendo exigida, sempre, a autorização prévia da direção do EP:
A Sra. X foi aqui professora de matemática muitos anos, reformou-se e fez um pedido para de forma voluntária vir aqui ajudar-nos.” (REC3_3: UR35).
“Já tinha outro que tinha um professor cá, quinzenalmente, o professor da disciplina X vinha cá. (REC3_2: UR19).
4. Considerações Finais
A análise de resultados, conforme podemos observar nos dados anteriores, permite depreender que a criação de um Campus Virtual com acesso à rede é uma necessidade premente. O retrato “desenhado” pelos diferentes atores envolvidos nos processos de ALV no interior das três prisões analisadas, e o cruzamento das suas perceções e representações sobre as condições físicas, materiais e imateriais, revela a inexistência nos estabelecimentos prisionais de infraestruturas tecnológicas, de plataformas digitais que permitam uma real aproximação do contexto prisional à sociedade em rede do século XXI. Urge, pois, criar um Campus Virtual que se assuma como uma academia de educação e de formação para a população reclusa e que promova a inclusão através do uso das tecnologias digitais nos processos educacionais e forma- tivos. Apesar de nenhum sujeito falar especificamente da necessidade da criação de uma Campus Virtual, percebe-se pelos seus testemunhos, que a sua existência poderia ser uma solução muito ajustada para as questões relacionadas, quer com as condições materais, porque permitiria o acesso digital a todos os recursos de aprendizagem e o acesso a uma rede segura e a computadores customizados, quer com as condições imateriais, porque facilitaria a gestão dos horários e permitiria que os estudantes reclusos tivessem mais autonomia e uma menor dependência dos TSR.
Com efeito, com base na leitura e análise das perceções, quer de estudantes/reclusos, quer de TSR, quer ainda das direções destes estabelecimentos prisionais, que possuem uma visão mais institucional e mais próxima da realidade, pudemos concluir que o panorama atual nas três prisões em análise, e possivelmente, extensível a outros estabelecimentos prisionais em Portugal, a nível das condições para o desenvolvimento de atividades pedagógicas, apresenta muitas limitações e deficiências, sobretudo no que diz respeito à existência de espaços de estudo e ao acesso à tecnologia digital e aos recursos disponíveis. Não sendo um problema a questão do tempo e do acompanhamento e apoio pelos TSR é necessário investir num sistema que permita a digitalização dos processos educativos e num modelo pedagógico virtual que permita aos estudantes aceder (de uma forma condicionada) a salas de aula virtuais.
Conforme salientado pelos estudantes/reclusos, pelos TSR e pelos diretores, é indispensável dotar os estabelecimentos prisionais de mais recursos tecnológicos e, é precisamente, neste contexto que a criação deste Campus Virtual ganha sentido. Um Campus Virtual que agregue tecnologias e plataformas de eLearning e de eManagement e que tornem mais eficientes os processos de natureza pedagógica e administrativa.
Com efeito este Campus Virtual, já existente em vários países, como no Reino Unido, em Espanha, ou na Austrália, poderá afirmar-se como uma resposta a algumas das questões levantadas pelos sujeitos nesta investigação e aos desafios que a sociedade digital colocam, especialmente, em contextos de enorme vulnerabilidade social, como é o caso da população prisional, contribuindo, ao mesmo tempo, para que seja garantido o direito de acesso à educação que deve ter qualquer cidadão, no cumprimento do respeito pelos direitos humanos dos indivíduos, privados ou não de liberdade.
Finalmente, referir que é necessário continuar a insistir e sobretudo acreditar que é possível fazer a diferença na educação dos indivíduos que se encontram em reclusão. Através da educação a pessoa adquire o poder para transformar a sua realidade singular, acrescentando às suas aprendizagens e experiência anteriores, novas perspetivas de análise e de reconfiguração dessa mesma realidade. Sendo a Educação um direito uni- versal, cabe-nos encontrar caminhos para a inclusão de todas as pessoas, independentemente da sua realidade social, de barreiras materiais ou sim- bólicas, assegurando a igualdade de oportunidades e o pleno direito a uma consciente e crítica participação social, numa sociedade que se configura, cada vez mais, digital e em rede. As pessoas em reclusão configuram um grupo minoritário da sociedade, que carece, numa perspetiva inclusiva, de uma atenção específica de modo a assegurar que, após o cumprimento da sua pena, a reinserção social seja bem-sucedida - reduzindo os riscos de reincidência criminal. A educação tem aqui um papel fulcral, pois deverá assegurar que não se crie um fosso entre o conhecimento e as competências da pessoa em reclusão e a que está em liberdade, um desafio exigente numa sociedade dinâmica em constante evolução tecnológica.