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Investigación y Educación en Enfermería
Print version ISSN 0120-5307On-line version ISSN 2216-0280
Invest. educ. enferm vol.23 no.1 Medellín Mar./Sep. 2005
Adaptação psicossocial do adolescente pós-trasplante renal segundo a teoria de Roy
Ana Luisa Brandão de Carvalho Liraxa, Maria Vilaní Cavalcante Guedesb, Marcos Venícios de Oliveira Lopesc
a Enfermeira. Mestranda em Enfermagem pela Universidade Federal do Ceará. Bolsista CAPES. Integrante do Grupo de Pesquisa Educação, saúde e sociedade. Endereço: Rua Joaquim Nabuco, 275, apartamento: 801. correio eletrônico: analuisabrandao@bol.com.br
b Enfermeira. Doutoranda em Enfermagem. Professora livre docente do Curso de graduação em Enfermagem da Universidade Estadual do Ceará. Integrante do Grupo de Pesquisa Educação, saúde e sociedade. correio eletrônico: vilani-guedes@globo.com
c Enfermeiro. Doutor em Enfermagem. Professor do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal do Ceará. correio eletrônico: marcos@ufc.br
Como citar este artículo: Brandão de Carvalho LAL., Cavalcante MV., Venícios de Oliveira LM. Adaptação psicossocial do adolescente póstrasplante renal segundo a teoria de Roy. Invest Educ Enferm 2005; 23(1): 68-77
Recibido: 4 de junio de 2004. Aceptado: 23 de febrero de 2005
RESUMO
É um estudo descritivo, com análise qualitativo. O objetivo deste trabalho foi conhecer as repercussões psicossociais do adolescente após o trasplante renal e os mecanismos adaptativos utilizados por estes na sua nova condição de vida. Foram entrevistados dezenove adolescentes que estavam em acompanhamento ambulatorial em dois hospitais públicos do Ceará-Brasil, após aprovação do projeto pelo Comitê de Ética das Instituições e obtenção do consentimento livre e esclarecido. Os resultados foram analisados conforme a teoria da adaptação de Roy. Foram identificados problemas de adaptação, como: limitação física, vergonha, medo de rejeição e impotência. Contudo, esses adolescentes puderam superar tal situação e melhorar a adaptação à sua nova condição. Concluímos que a teoria de Roy permitiu uma análise mais aprofundada desses adolescentes, permitindo lhes um tratamento mais eficaz e, conseqüentemente, uma melhor qualidade de vida.
Palavras clave: Trasplante renal, adolescente, teoria da adaptação de Roy.
Adaptación psicosocial de los adolescentes pos-trasplante renal, según la teoría de Roy
RESUMEN
El objetivo de este trabajo fue conocer las repercusiones psicosociales del adolescente después del trasplante renal y los mecanismos de adaptación utilizados en su nueva condición de vida. Es un estudio cualitativo, mediante entrevistas estructuradas. Fueron entrevistados diecinueve adolescentes que estaban en acompañamiento en dos hospitales públicos de Ceará-Brasil, después de la aprobación del proyecto por parte del Comité de Ética de las Instituciones y obtención del consentimiento libre e informado. Los resultados fueron analizados conforme a la teoría de la adaptación de Roy. Se identificaron problemas de adaptación, como: limitación física, vergüenza, miedo al rechazo e impotencia. Sin embargo, esos adolescentes pudieron superar tal situación y mejorar la adaptación a su nueva condición. Concluimos que la teoría de Roy permitió un análisis más profundo de los adolescentes, permitiéndoles un tratamiento más eficaz y, consecuentemente, una mejor calidad de vida.
Palabras clave: Trasplante renal, adolescente, teoría de la adaptación de Roy.
Psicosocial adaptation of post-renal transplanted adolescents according to Roy Theory
ABSTRACT
The objective of this work was to know the adolescent’s psychosocial repercussions after the renal trasplant and the mechanisms adaptive y these in their new life condition. They interviewed nineteen teens that were in attendance in two public hospitals of Ceará - Brazil, after approval of the project for the Committee of Ethics of the Institutions and obtaining of the free and explained consent. The results were analyzed according to the Roy Adaptation Model. They were identified adaptation problems, as: physical limitation, shame, fear of rejection and impotence. However, those adolescents could overcome such situation and to improve the adaptation to their new condition. We concluded that Roy Adaptation Model allowed a deepened analysis of those adolescents, allowing them a more effective treatment and, consequently, a better quality of life.
Key words: Renal trasplant, adolescent, Roy Adaptation Model.
INTRODUÇÃO
O trasplante renal foi realizado a partir de 1954 nos Estados Unidos da América. É considera do o melhor tratamento para a maioria dos pacientes portadores de Insuficiência Renal Crônica-IRC, superando os processos dialíticos e apresentando menor custo com melhor resultado1.
A partir de 1960, vários centros médicos iniciaram a realização de trasplante. Em 1965, a Universidade de São Paulo-Brasil fez o primeiro trasplante renal da América Latina2.
Atualmente, as taxas de sobrevida das pessoas com trasplante são elevadas, decorrência do maior conhecimento do processo de rejeição, dos avanços nos métodos de prevenção dos órgãos, da melhoria do cuidado do paciente e do desenvolvimento de novas drogas imunossupressoras para a prevenção do órgão trasplantado3.
O trasplante renal proporciona uma melhor qualidade de vida ao paciente renal crônico, ao libertar o doente da máquina de hemodiálise. No entanto, o paciente continua sendo dependente de medicamentos; precisando adequarse a uma rigorosa dieta, assim como, ter cuidados rigorosos com a higiene. O acompanhamento médico ambulatorial é freqüente e sua vida passa a ter algumas limitações, levando- o muitas vezes ao sofrimento psíquico.
O adoecer representa uma experiência traumática em qualquer fase da vida, especialmente quando ocorre na adolescência, interferindo física e psicologicamente. As constantes internações pelas quais os adolescentes são submetidos proporcionam sentimentos negativos, como: carência, medo e preocupação associadas ao fato de estarem doentes e afastados de suas atividades diárias.
Em vista dos argumentos citados, percebe-se a necessidade de desenvolver pesquisas sobre o adolescente trasplantado renal e sua adaptação à nova condição de vida, para permitir-lhe um tratamento mais eficaz e, conseqüentemente, uma melhor qualidade de vida. Este trabalho teve como objetivos: Conhecer as repercussões psicossociais no adolescente após o trasplante renal e os mecanismos de adaptação utilizados por este na sua nova condição de vida, segundo o Modelo da Adaptação de Roy.
MATERIAIS E MÉTODOS
Este trabalho é um estudo descritivo, com análise qualitativa, no qual buscamos conhecer as percepções do adolescente após o trasplante renal a partir da perspectiva de Callista Roy.
A pesquisa foi realizada nos ambulatórios de trasplante renal de dois hospitais públicos da cidade de Fortaleza no Estado do Ceará-Brasil. A população é constituída por vinte e oito adolescentes que fazem acompanhamento ambulatorial. A amostra foi composta por dezenove adolescentes trasplantados renais há pelo menos três meses, acreditando ser neste intervalo de tempo que surgem as primeiras manifestações de respostas sejam adaptativas ou não adaptativas.
A coleta dos dados deu-se através da entrevista estruturada, realizada nos dias de retorno ao acompanhamento ambulatorial, com intuito de conhecer a adaptação desse adolescente ao seu novo estilo de vida. O período de coleta ocorreu entre os meses de novembro de 2002 a março de 2003.
Na apresentação dos depoimentos, os entrevistados foram identificados com a letra E, seguido de um número, que variou de 1 a 19, para preservar o caráter confidencial de suas identidades.
A organização dos dados foi realizada, inicialmente, através da caracterização do grupo estudado. A parte da entrevista relacionada a essência do objeto de estudo foi lida repetidas vezes como mecanismo para compreendêla. No momento seguinte, as idéias foram agrupadas em temáticas de acordo com os três modos de adaptação psicossocial de Roy (autoconceito, desempenho de papéis e interdependência). O modo fisiológico não foi estudado por não ser objetivo deste estudo. Em relação ao modo do autoconceito, não abordaremos o tema sexualidade devido a heterogeneidade de idade dos entrevistados.
Na interpretação dos resultados, foram procurados os significados das categorias estabelecidas, utilizando-se para tanto o modelo da adaptação de Roy, de acordo com Roy Andrews 4 e a literatura pertinente ao tema.
O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética na Pesquisa da referida Instituição, de acordo com as disposições da Resolução brasileira 196/1996, que define as diretrizes e normas regulamentadoras da pesquisa envolvendo seres humanos. O consentimento prévio dos responsáveis pelos adolescentes e dos pacientes envolvidos na pesquisa foi solicitado. Também foi garantida liberdade ao adolescente para participar ou não do estudo sem prejuízo no seu tratamento.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
O grupo estudado caracterizou-se por ter dezenove participantes, sendo nove do sexo masculino e dez do sexo feminino, com idade entre doze e vinte anos, a média de 15,4 anos. A escolaridade variou de séries iniciais do ensino fundamental a séries iniciais do curso universitário.
As discussões das vivências desses adolescentes em relação à doença crônica e ao trasplante renal foram aprofundas com os modos de adaptação psicossocial autoconceito, desempenho de papéis e interdependência de Roy.
O modo de autoconceito
O autoconceito é um dos três modos psíquico social que enfoca especificamente os aspectos psicológicos e espirituais da pessoa. Possui duas subáreas: eu físico e eu pessoal. O eu físico é definido como uma avaliação individual de suas atribuições físicas, aparência, função, sexualidade e estado de saúde e de doença5.
O eu físico inclui dois componentes: sensação corporal e imagem corporal. As sensações corporais representam a maneira como a pessoa vivencia seu próprio corpo e a imagem corporal significa o nível de satisfação da pessoa em relação ao seu próprio corpo6.
Quanto ao eu físico, observamos nesta pesqiusa que um dos componentes afetados foi a imagem corporal, manifestados através da verbalização de sentimentos negativos sobre o corpo, expressão de preocupação com a mudança no corpo e a verbalização de sentimentos de vergonha. Pode-se observar tais comportamentos nos depoimentos a seguir:
— “Tenho medo de ficar pequena, tô fazendo tratamento para crescer”. (E4)
— “Fiquei muito preocupada, pois engordei e minhas bochechas aumentaram muito”. (E7)
Podemos identificar nos relatos a presença de sentimentos negativos sobre o corpo, principalmente em relação ao medo de engordar. Tal receio é fundamentado no fato de que as drogas utilizadas para evitar a rejeição do trasplante produzem alterações metabólica e endócrinas que contribuem para o aumento de peso. Além disso, estas drogas também levam ao retardo no crescimento, principalmente em crianças e adolescentes7. Devido ao convívio com outros adolescentes em situação semelhante, alguns participantes do grupo estudado referiu receio de apresentar um prejuízo no seu crescimento conforme relato do indivíduo E4.
Infelizmente, um dos efeitos experimentados por quase todos usuários de corticoesteróide é um dramático aumento de apetite8. Ganho de peso é, portanto, um sério problema a longo prazo, tornando-se necessária a realização de uma dieta com pouca gordura e açúcar.
A insuficiência renal crônica, por ser uma doença em estágio terminal e irreversível da função renal, causa um efeito traumático ao ser diagnosticada em uma pessoa e impõe algumas limitações na vida do doente. Quanto às limitações físicas trazidas pela cirurgia, as mais significantes referiam-se ao afastamento das atividades escolares, restrições na pratica de exercícios físicos, as quais são expressas pelas pessoas do estudo nos relatos:
— “Eu não jogo muito, porque pode levar alguma pancada no rim”. (E6)
Apesar das repercussões impostas pelo trasplante aos componentes do eu físico, percebemos a manifestação de comportamentos adaptativos nos adolescentes. Tais comportamentos foram manifestados através da elevação da auto-estima e da utilização de mecanismo de enfrentamento, como a busca do tratamento psicológico, o apoio familiar e dos amigos, e a fé:
— “Eu tive o acompanhamento psicológico aqui no hospital. Eu sei que todos têm, mas só uma vez e param, mas eu continuei indo para ter todo o tratamento”. (E1)
— “Muitas pessoas rezaram por mim, minha professora da escola, meus amigos; na minha casa teve uma novena”. (E3)
A enfermidade, de certa forma, é compartilhada por toda família. Desta forma, quando os familiares estão presentes apoiando-os o processo de enfrentamento é compartilhado e possibilita um processo de adaptação9.
A maneira de reagir frente à doença difere de pessoa para pessoa. Alguns buscam apoio na fé, outros nos amigos e familiares e outros, nos profissionais de saúde; o que proporcionou a esses adolescentes uma diminuição dos sentimentos negativos referentes a imagem corporal.
A equipe multiprofissional deve ajudar o paciente a superar os transtornos inerentes à doença e a recuperar sua posição sócio-profissional freqüentemente perdida em função de seu estado patológico; bem como diminuir o medo de alterar sua identidade em função do recebimento de um órgão de outro em seu corpo e de ter esse órgão rejeitado, sentindo-se, por vezes, culpado por isso10.
O eu pessoal, a outra subárea do modo do autoconceito, é uma avaliação individual de suas próprias características, expectativas, valores e méritos. É dividido em três subáreas: o eu consistência, que se apresenta como um sistema de idéias visando dar sustentação ao eu e evitar o seu desequilíbrio; o eu ideal, relacionado ao que a pessoa espera ser ou é capaz de fazer; e o eu ético-moral-espiritual, o seu sistema de crenças e sua auto-avaliação em relação
aos outros11.
Em relação ao eu pessoal, destacamos nesta pesquisa a presença, principalmente, do sentimento de impotência em relação a doença e ao próprio tratamento e uma forte ansiedade relacionada ao trasplante, aos medicamentos e ao medo da perda do enxerto, como podemos observar nos depoimentos:
— ‘’ Fiquei com medo, porque, às vezes, as pessoas mentem e param de tomar os remédios e perdem o rim. Aí eu fico pensando se isso vai acontecer comigo’’. (E1)
— “Surgiu a preocupação em relação a rejeição. A gente tem medo de perder o rim e voltar para a hemodiálise”. (E2)
— “Tive medo né, podia não dá certo, igual ao homem que estava lá internado. Aí o dele não deu certo, aí parou, voltou tudo de novo para a máquina”. (E6)
O trasplante renal comporta sensações de limitações, de dependência e, acima de tudo, de insegurança da própria condição de vida, levando-nos a perceber o quanto a auto-estima pode estar afetada no adolescente transplantado, como observamos nos depoimentos de nossos entrevistados:
— “Assim que eu fiz o trasplante, por terem esse resguardo, esse cuidado muito grande, eu me senti assim pressionada, então, eu preferia estar sozinha”. (E 1)
— “Antigamente, eu podia fazer muitas coisas, passear, brincar e jogar, mas agora eu não posso, meus pais não deixam, aí eu fico somente em casa”. (E5)
Estes depoimentos mostram a baixa auto-estima, considerada um problema de adaptação, pois indica a presença de sentimentos de depressão, desvalorização, isolamento. Comumente, os valores contribuintes para a baixa auto-estima são as limitações físicas e as mudanças corporais ocorridas, fatores geralmente presentes após a realização de um trnsplante renal.
Percebemos também a capacidade do adolescente de utilizar mecanismos de enfrentamento eficientes para a manutenção de sua integridade psíquica. São eles: sentimentos de conformação, quando aceita as mudanças ocorridas de forma positiva, e de sublimação, ao tentar minimizar os danos trazidos pela doença e pelo trasplante.
A maneira com a qual estas pessoas reagirão frente aos seus problemas e os mecanismos dos quais utilizarão para enfrentá-los estão intimamente relacionados às suas crenças, seus valores e ao apoio que recebem dos seus familiares12. Os mecanismos de enfrentamento mais utilizados estão expressos nas falas abaixo:
— “É bom, me sinto outra pessoa; é como nascer de novo. Eu fiquei um ano esperando um rim”. (E6)
— “Eu tenho a maior vontade de comer chocolate, mas lembro que eu não posso, aí pronto, eu logo paro de pensar”. (E7)
Apesar das novas limitações impostas pelo trasplante, verificamos nos depoimentos a utilização pelos pacientes de mecanismo de enfrentamento, tais como conformação, sublimação e da esperança, presente em todos os momentos.
Quanto ao eu ideal, percebemos o fato dos adolescentes terem adquiridos novas qualidades à medida que se viam capazes de enfrentar situações de extremo estresse físico e emocional, permitindo-lhes perceber a possibilidade de superação dos obstáculos surgidos e julgados intransponíveis, bem como dispor de meios eficientes para o restabelecimento físico e emocional. Nos relatos a seguir, podemos observar:
— “Antes eu levava muito em consideração coisas supérfluas e, hoje, eu sei que tudo pode ser resolvido. Então, se eu tenho saúde, tudo é simples”. (E1)
— “A vida para mim não valia quase nada, depois do trasplante você vê com outros olhos, deixei de ter medo de muita coisa”. (E2)
— “Eu tenho que cuidar mais de mim, prestar atenção nos lugares que freqüento”. (E7)
O trasplante, portanto, possibilitou aos adolescentes refletir sobre seu modo de sentir e agir diante de situações difíceis, permitindo-lhes uma maior valorização pessoal, à medida que aumentava a percepção de si como uma pessoa mais forte e capaz de superar tal experiência de uma maneira digna e satisfatória. Tais pacientes percebem-se como pessoas normais e procuram existir e lidar com seus desejos e projetos; buscando continuar, enfim, a sua existência.
Referindo-se ao eu ético-moral-espiritual, temos a fé como um de seus principais elementos sustentadores, pois existe uma relação direta entre a crença dos adolescentes em um ser superior que cuida de suas vidas e os sentimentos de maior conforto e tranqüilidade, como expresso nestas falas:
— “Nunca me internei nesse um ano e seis meses de trasplante, graças a Deus”. (E 2)
— ‘’Agradeço a Deus por ter saído da máquina de hemodiálise, por ter nascido de novo ’’. (E6)
A busca da ajuda de um ser supremo permitiu aos adolescentes uma maior adaptação em relação às mudanças ocorridas em suas vidas, desde o diagnóstico da insuficiência renal crônica até os dias atuais, após o trasplante.
O modo de desempenho de papéis
Este focaliza os papéis ocupados pela pessoa na sociedade, buscando a integridade social da pessoa. Os papéis podem ser classificados como primários, secundários e terciários. O papel primário é determinado pela idade, sexo e estado desenvolvimental13.
Em nosso estudo, observamos que os entrevistados, em relação ao seu papel primário, encontravam-se no estágio desenvolvimental correspondente ao adolescente (12-18 anos) e ao adulto jovem (18-35 anos).
O papel secundário é aquele assumido pela pessoa para complementar os deveres associados com o estado desenvolvimental e o papel primário14. Quanto aos papéis secundários, os adolescentes apresentam essencialmente os papéis de filho, irmãos, namorados, amigos e estudantes. Observamos, contudo, alteração nos papéis de amigo e de estudante.
Quanto ao papel de filho, irmão e namorados, eles conseguiram preservá-los, mesmo diante das situações de extremo estresse físico e psicológico trazidos pela doença crônica e pelo trasplante renal, demonstrando adaptação eficaz à situação.
Em relação ao papel de amigo, percebemos comprometimento, à medida que o adolescente se sentia incapaz de corresponder às expectativas da sua turma de amigos, relacionado às suas limitações físicas, mudanças no corpo, sensação de incompreensão, manifestado pelas repercussões negativas nos outros dois modos estudados, o papel dos amigos ficava comprometido.
O papel de estudante, tido também como secundário, muitas vezes encontrava-se alterado. Tal fato pode ser atribuído, principalmente, às limitações físicas advindas da doença e do seu tratamento, os quais causam alterações funcionais negativas no corpo do adolescente, privando-os da realização de tarefas simples de sua vida diária. Com o intuito, muitas vezes, de prevenir complicações graves como a rejeição na escola, assim estes adolescentes doentes as vezes deixan a escola temporalemente, por exemplo. Em relação a esse aspecto, os adolescentes dizem:
— “Quando eu chegava ruim da hemodiálise, eu não ia para escola, atrapalhava porque perdia aula, perdia prova, essas coisas assim”. (E 4)
— “Parei de estudar durante três meses após o trasplante, quase perdi o ano”. (E6)
Quando a doença se apresenta, geralmente surge de forma repentina e intensa. Até sua recuperação, o adolescente fica afastado da sua escola, para o tratamento. A oportunidade de continuar os estudos fica reduzida, devido às sessões de hemodiálise antes do trasplante e as limitações e cuidados pós-trasplante, principalmente nos três primeiros meses, período no qual o paciente deve comparecer diariamente ao ambulatório de trasplante renal para tratamento. A oportunidade de voltar a estudar aumenta após esse período, quando a freqüência às consultas ambulatoriais diminui, assumindo caráter mensal.
O papel terciário é de livre escolha da pessoa, temporário e natural, podendo incluir atividades como clubes e passatempos15. Quanto aos papéis terciários, em nosso estudo constatamos o surgimento de novas funções e o reaparecimento de atividades relacionados, que se apresentan à medida que os adolescente buscavam, de todas as maneiras, adaptarem-se positivamente às alterações ocorridas em sua vida. Podemos citar a conversa com os amigos, passeio, estudo, dança, leitura, desenho, brincadeira e jogo.
O desempenho de tais atividades proporciona aos adolescentes a sensação de inserção em um contexto social, como também funciona como uma espécie de distração e lazer, preservando suas qualidades de vida, após o impacto do trasplante renal, como observado nos depoimentos:
— “Eu gosto de andar de carro, passear pelas cidades do interior do Estado”. (E2)
— “Agora o que eu estou fazendo mesmo é dançando em casa mesmo, gosto de dançar, andar de bicicleta”. (E3)
Conviver com o trasplante renal é um processo de aprendizagem, o qual requer tempo. Muitas pessoas enfrentam melhor se forem ativas, especialmente quando se determinam a fazer atividades como as citadas pelos adolescentes, as quais ajudam no processo de adaptação, promovendo uma melhor qualidade de vida.
O modo de interdependência
O modo de interdependência envolve interação com as outras pessoas, focalizando relacionamentos íntimos implicados em papéis ou na posição na sociedade16.
Os relacionamentos são vistos, neste modo, como tendo diferentes significados para o indivíduo de acordo com as diferentes pessoas com as quais se relaciona. Esses relacionamentos são definidos como outro significante e sistema de suporte. O outro significante é o indivíduo a quem se dá maior importância no relacionamento. Sistema de suporte são todas as pessoas, grupos ou organizações, os quais contribuem para encontrar as necessidades de interdependência da pessoa17.
Em nosso trabalho, observamos ser o outro significante formado, na maioria dos depoimentos, por Deus. O grupo de apoio é constituído pelos amigos, os membros da família e os profissionais de saúde, tidos como o sistema de suporte, por contribuírem para suprir as necessidades de interdependência dos adolescentes.
Um ponto de suporte emocional identificado pelos adolescentes entrevistados foi o apoio oferecido pelos amigos e pela família. Quando se percebiam apoiados e protegidos, seus sentimentos de segurança e esperança no futuro eram reforçados à medida que seus receios em relação à rejeição de seus entes são dissipados. Nestes depoimentos, percebe-se o significado do apoio familiar e dos amigos:
— “Meus amigos me apoiaram, sempre me visitaram. Eu nunca fui tratado indiferente”. (E2)
— “Eu estou mais próxima do meu pai. Ele se preocupa mais comigo. Eu fiquei bastante feliz com essa mudança do meu pai (lágrimas)”. (E 7)
Outro ponto de suporte emocional foram os profissionais de saúde, dos quais queremos destacar o enfermeiro, como elemento indispensável, principalmente nas consultas ambulatoriais pós-trasplante; no restabelecimento do equilíbrio emocional dos adolescentes; e nas orientações detalhadas sobre medicamentos, dieta, atividade física, sinais e sintomas de rejeição e infecção, cuidados pessoais, hábitos de vida, dentre outros. Conforme relatado nestas falas:
— “A equipe de enfermagem foi maravilhosa. A equipe do trasplante são pessoas que cuidam da gente. Estão sempre alí, querendo saber como nós estamos; as enfermeiras, as auxiliares estão sempre presentes, são bastante atenciosas”. (E1)
— “A equipe de enfermagem vem me ajudando desde o tempo da hemodiálise, em que eu era muito rebelde. As enfermeiras daqui são essenciais depois do trasplante, me acalmaram, me orientaram e apoiaram”. (E2)
O apoio dos profissionais, principalmente do enfermeiro, é um importante fator para redução dos medos e anseios dos adolescentes em relação ao trasplante.
Segundo Lima Gualda18 os profissionais preocupados com o ser humano, devem desenvolver meios, habilidades e competências para oferecer ao paciente a oportunidade de uma existência mais digna, mais compreensiva e menos solitária.
O sistema de cuidado de saúde pode ser um sistema de suporte, no qual o enfermeiro é uma parte peculiar do sistema19. Dessa maneira, torna-se fundamental que os profissionais atuantes no tratamento desses adolescentes empreguem esforços contínuos para o reconhecimento das necessidades humanas afetadas e, a partir delas, contribuam para a adaptação deles a sua nova condição de vida.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O diagnóstico de insuficiência renal crônica e o trasplante renal são causadores de grandes transtornos biopsicossociais na vida do adolescente e daqueles a sua volta.
Quanto ao autoconceito, foram expressos sentimentos de vergonha, preocupação com as mudanças no corpo, limitação física e isolamento. No entanto, os mecanismos de enfrentamento utilizados pelos adolescentes estudados para manifestarem comportamentos adaptativos em relação as repercussões trazidas pelo trasplante aos componentes do eu físico foram: busca do tratamento psicológico, o apoio familiar e dos amigos, e a fé.
Em relação ao eu pessoal, foram expressos sentimentos de impotência, medo de rejeição, baixa autoestima e depressão. Em contrapartida, identificamos a presença de mecanismos adaptativos, os quais tinham como objetivo restabelecer o equilíbrio interno do adolescente. Dentre esses podemos citar conformação, sublimação e esperança. Em relação ao desempenho de papéis, as limitações físicas advindas do trasplante refletiram de forma negativa nas suas funções de estudante e de amigo. Quanto ao papel de amigo foi observado que as limitações físicas impostas pelo trasplante, produziram um afastamento das relações pessoais como o grupo etário mais próximo. Isto foi particularmente comum nos três primeiros meses póstrasplante. Contudo, percebemos que apesar dos transtornos físicos e psicológicos, os adolescentes puderam, pela conversa com os amigos, passeio, estudo, dança, leitura, desenho, brincadeira e jogo, promover seu bem-estar físico e inserção social.
O trasplante renal refletiu fortemente nas relações de interdependência do adolescente, pois o apoio da família, dos amigos e o apego a um ser supremo, Deus, foi, muitas vezes, decisiva para sua melhor adaptação à cirurgia. Outros mecanismos utilizados nesse modo foram o apoio dos profissionais de saúde, principalmente do enfermeiro. Os profissionais de saúde que trabalham com adolescentes transplantados renais devem empregar esforços contínuos para o reconhecimento das necessidades humanas afetadas, e a partir delas, promoverem a adaptação desses adolescentes a sua nova condição de vida.
O processo de adaptação dos adolescentes foi particularmente afetado nos primeiros três meses por ser considerado pelos mesmos como o período mais crítico devido ao risco de rejeição. Seguindo-se a este período percebe-se um processo de adaptação compensatório, o qual é progressivo e tende a integração do indivíduo às atividades de seu grupo etário.
A compreensão da adaptação psicossocial do adolescente pode ser um caminho para a transformação e para a configuração de novos horizontes da assistência de enfermagem às pessoas acometidas pela IRC e pelo trasplante renal.
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