SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.34 issue2Representations by Caregivers, Teachers, and Children on Food, Nutrition, Health, and School Breakfast Contributions for the "ESNUT" Nutritional Stabilization ProgramSocial representations of nurses about professional autonomy and the use of technologies in the care of patients with wounds author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Services on Demand

Journal

Article

Indicators

Related links

  • On index processCited by Google
  • Have no similar articlesSimilars in SciELO
  • On index processSimilars in Google

Share


Investigación y Educación en Enfermería

Print version ISSN 0120-5307

Invest. educ. enferm vol.34 no.2 Medellín June 2016

https://doi.org/10.17533/udea.iee.v34n2a18 

ARTÍCULO ORIGINAL / ORIGINAL ARTICLE / ARTIGO ORIGINAL

 

doi:10.17533/udea.iee.v34n2a18

 

Fatores de risco associados ao abandono do tratamento de crianças e adolescentes com sobrepeso ou obesidade

 

Risk factors associated with treatment abandonment by overweight or obese children and adolescents

 

Factores de riesgo asociados al abandono del tratamiento en niños y adolescentes con sobrepeso u obesidad

 

Larissa Soares Mariz1; Carla Campos Muniz Medeiros2; Bertha Cruz Enders3; Caroline Evelin Nascimento Kluczynik Vieira4; Kaio Keomma Aires Silva Medeiros5; Alexsandro Silva Coura6

 

1Enfermeira, Doutoranda. Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Brasil. email: larissamariz@gmail.com

2Médica, Doutora. Professora, Universidade Estadual de Campinas, Brasil. email: carlamunizmedeiros@hotmail.com

3Enfermeira, Doutora. Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Brasil. email: bertha@ufrnet.br

4Enfermeira, Doutoranda. Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Brasil. email: carolinekluczynik@gmail.com

5Enfermeiro, Mestrando. Universidade Estadual da Paraíba, Brasil. email: keomma.kaio@gmail.com

6Enfermeiro, Doutor. Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Brasil. email: alex@uepb.edu.br

 

Fecha de Recibido: Octubre 2, 2015. Fecha de Aprobado: Abril 28, 2016.

 

Artículo vinculado a investigación: Avaliação dos fatores de risco cardiovascular e condições associadas ao seguimento de crianças e adolescentes obesos ou com sobrepeso em um centro de referência.

Subvenciones: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES/Programa de Bolsas de Demanda Social/CAPES DS/UEPB, 2011-2012. Campina Grande (PB), Brasil.

Conflicto de intereses: Ninguno.

Cómo citar este artículo: Mariz LS, Medeiros CCM, Enders BC, Vieira CENK, Medeiros KKAS, Coura AS. Risk factors associated with treatment abandonment by overweight or obese children and adolescents. Invest. Educ. Enferm. 2016; 34(2):378-386.

 


RESUMO

Objetivo.Avaliar os fatores de risco associados ao abandono do tratamento de crianças e adolescentes com sobrepeso ou obesidade. Métodos. Estudo transversal no Centro de Obesidade Infantil, em Campina Grande, Brasil, com os registros de 208 crianças e adolescentes, entre 3 e 18 anos de idade, divididos em dois grupos: Grupo I compreendendo os que abandonaram o tratamento e Grupo II para aqueles que não abandonaram o tratamento. Resultados. O abandono associou-se significativamente à maior renda (OR=5.8), elevada escolaridade materna (OR=2.4), cor branca (OR=2.9) e obesidade (OR=3.6). Conclusão. O percentual de abandono ao tratamento foi elevado e associado a fatores sócio-demográficos e nutricionais.

Palavras chave: obesidade; sobrepeso; continuidade da assistência ao paciente; criança; adolescente; políticas.


ABSTRACT

Objectives.To evaluate the risk factors associated with treatment abandonment by overweight or obese children and adolescents .  Methods. A cross-sectional study, conducted in 2011, at the Childhood Obesity Center, in Campina Grande, Brazil, with the records of 208 children and adolescents, between three and 18 years of age, divided into two groups: Group I included those who abandoned treatment, and Group II included those who did not abandon treatment. Results. Non-adherence was significantly associated with higher income (OR=5.8), high maternal education (OR=2.4), white skin color (OR=2.9), and obesity (OR=3.6). Conclusion. Despite the new academic-care approach, the non-adherence to treatment rate was high, and was associated with sociodemographic and nutritional factors.

Key words: obesity; overweight; continuity of patient care; child; adolescent; policy.


RESUMEN

Objetivo.Evaluar los factores de riesgo asociados al abandono del tratamiento en niños y adolescentes con sobrepeso u obesidad. Métodos. Estudio transversal realizado en el Centro de Obesidad Infantil, en Campina Grande, Brasil, con los registros de 208 niños y adolescentes entre 3 y 18 años de edad, divididos en dos grupos: I:  abandonaron el tratamiento y II no abandonaron el tratamiento. Resultados. El abandono se asoció significativamente a mayor renta (OR=5.8), elevada escolaridad materna (OR=2.4), raza blanca (OR=2.9) y a obesidad (OR=3.6). Conclusión. El porcentaje de abandono del tratamiento fue elevado y se asoció a factores sociodemográficos y nutricionales.

Palabras clave: obesidade; sobrepeso; continuidade en la atención del paciente; niño; adolescente; políticas.


 

INTRODUÇÃO

As políticas públicas brasileiras, direcionadas a atenção da criança e do adolescente, permanecem, em sua maior parte, condicionadas e vigilantes aos índices de desnutrição e as morbimortalidades por causas infecciosas.1 Contudo, desafiando a saúde pública, o risco nutricional advindo das dificuldades ao acesso a alimentos vem sendo substituído de forma progressiva pelo risco nutricional associado a padrões alimentares inadequados, os quais podem gerar sobrepeso ou obesidade; contribuindo, estas condições, com o aumento nos indicadores de Doenças Crônicas Não Transmissíveis, tornando-se graves problemas de saúde pública no mundo, crescendo rapidamente em todas as faixas etárias, sendo as maiores causas previníveis de morbi-mortalidade.2,3

A World Health Organization , estima que existem mais de 1.6 bilhões de pessoas no mundo com sobrepeso ou obesidade.3 No Brasil, especificamente, pesquisa mostra que 33.5% das crianças, na faixa de cinco a nove anos, está com uma destas condições. 2 Em 20 anos, o percentual entre os meninos mais do que dobrou: passou de 15% para 34.8%. Entre as meninas, a taxa quase triplicou no período e passou de 11.9% para 32%.4 Historicamen­te, as políticas públicas eram realizadas por meio de práticas assistencialistas, refletindo-se em relações que não incorporam o reconhecimento do direito à saúde. 5 Em 1999 foi criada a Política Nacional de Alimentação e Nutrição (PNAN) que tem entre suas diretrizes o monitoramento da situação alimentar e nutri­cional; promoção de práticas alimentares e estilos de vida saudáveis; prevenção e controle das doenças nutricionais; promoção do desenvolvimento de linhas de investigação; capacitação de recursos humanos em saúde e nutrição. Recentemente, a PNAN, tem se voltado em direção a gravidade do problema representado pela obesidade em nosso meio, como a inclusão de metas nacionais para reduzir o sobrepeso e a obesidade no Plano Nacional de Saúde.6

No âmbito intersetorial, ocorreu a integração do Programa Nacional de Alimen­tação Escolar e a criação do Programa Saúde na Escola, o qual surgiu como uma política intersetorial , na perspectiva da atenção integral (prevenção, promoção, atenção e formação) à saúde de crianças, adolescentes e jovens do ensino público e teve como meta nos anos 2012 e 2013 a prevenção do sobrepeso e da obesidad5e. Ademais, cabe ao Sistema único de Saúde realizar a vigilância alimentar e nutricional, realizar ações de promoção da saúde, como promoção da alimentação adequada e saudável e atividade física, garantir atenção integral à saúde dos indivíduos com essas condições e atuar no controle e regulação da qualidade dos alimentos.5 Ademais, em se tratando da infância e da adolescência, percebe-se que estes são períodos críticos para o desenvolvimento da obesidade, devido à predominância de atividades de lazer sedentárias e práticas alimentares inadequadas.7 Vários danos à saúde podem advir da obesidade nessa faixa etária tais como: a hiperinsulinemia, resistência insulínica, risco de doenças cardiovasculares, complicações ortopédicas, infertilidade e consequências psicossociais negativas.8

Nesse contexto, percebe-se que o conhecimento quanto à fisiopatologia e às alternativas terapêuticas, clínicas e cirúrgicas têm evoluído. No entanto, observa-se que evolução semelhante não tem sido verificada no tratamento das crianças e adolescentes com excesso de peso, pois as opções de tratamentos convencionais nem sempre são eficazes.9 Em contrapartida, um programa de tratamento da obesidade e do sobrepeso formado por equipe multiprofissional, acompanhando de forma regular, tal como propõe a PNAN e programas de natureza intersetorial, tais como o Programa Nacional de Alimen­tação Escolar e o Programa Saúde na Escola, pode contribuir, de maneira substancial, para a redução da adiposidade de crianças e adolescentes.10

O trabalho multidisciplinar tem por objetivo principal o tratamento da obesidade na reeducação para a vida, buscando alcançar a modificação do comportamento da criança e da família.11 Assim, tratar o sobrepeso e a obesidade na infância e adolescência significa não apenas enumerar condutas, mas fazer disto atividade de interesse para eles. Percebe-se que o motivo associado à restrição da perda de peso dos pacientes, provavelmente, é a baixa adesão ao tratamento, fazendo-se necessário ajuste das necessidades energéticas à faixa etária para sustentar a perda de peso e melhorar a adesão.12 Estudos indicam que a não adesão e o abandono dos pacientes à reeducação alimentar para perda de peso é frequente.13,14 Portanto, o processo de reformulação dos hábitos alimentares é complexo, principalmente em função do estilo de vida atual.

Com esse intuito, reforçando a necessidade da elaboração de estratégias em conjunto com o paciente e seus familiares, a fim de que o mesmo seja capaz de compreender a necessidade e a importância do problema, foi implantado há cerca de três anos, na cidade de Campina Grande, Brasil, um Centro de Obesidade Infantil (COI), que é referência no tratamento da obesidade. Com uma proposta de abordagem multidisciplinar acadêmico-assistencial, a partir da qual estudantes e profissionais de saúde e áreas correlatas, como Educação Física, Nutrição, Psicologia, Assistência Social, Medicina e a Enfermagem, que se insere nesse contexto, como uma área de interesse estratégico, não apenas a este serviço, mas aos sistemas de saúde em geral, pela sua comprovada capacidade de lidar com problemas de interesse coletivo, dada a sua capilaridade em todos os níveis de atenção. Representando o maior contingente profissional no país, torna-se um importante corpo de apoio nas políticas complexas, como tem se mostrado a questão do sobrepeso e da obesidade nas populações.

Em equipe, no COI, o paciente cadastrado é atendido e, além do cuidado clínico, participa de atividades educativas objetivando mudança nos hábitos de vida das crianças e adolescentes e das famílias, bem como conscientizá-los sobre a importância do acompanhamento em um serviço especializado. Com isso, contempla a intersetorialidade, universalidade e a atenção primária em saúde, sugerida no plano de enfrentamento das doenças crônicas brasileiro.15 Essa proposta além da integralidade da ação que passa pela promoção, prevenção e assistência, contempla, também, a formação acadêmica ampliada de futuros profissionais de saúde, na perspectiva epidemiológica, que posteriormente lidarão com essa problemática.

Apesar dos efeitos positivos do COI, durante as atividades percebeu-se um índice elevado de abandono do tratamento e que fatores sociodemográficos e nutricionais poderiam influenciar nessa questão.16 Surgiu, então, o questionamento: quais os fatores de risco associados ao abandono do tratamento de crianças e adolescentes com sobrepeso ou obesidade? Acredita-se na pertinência desse estudo pela sua implicação prática na organização da assistência a crianças e adolescentes com sobrepeso ou obesidade; pela inserção destas temáticas na Agenda Nacional de Prioridades de Pesquisa em Saúde;17 pelas dificuldades enfrentadas por profissionais responsáveis pelos cuidados a essa população; 8 e a possibilidade de contribuir para o fortalecimento de políticas públicas de saúde voltadas para crianças e adolescentes, enfocando a promoção da saúde. Assim, objetivou-se investigar os fatores de risco associados ao abandono do tratamento de crianças e adolescentes com sobrepeso ou obesidade.

 

METODOLOGIA

Estudo transversal, realizado em 2011, no COI, serviço especializado de atendimento clínico para crianças e adolescentes com sobrepeso ou obesidade, bem como em realização de atividades educativas com foco de prevenção destas e outras morbidades relacionadas,  localizado no Instituto de Saúde Elpídeo de Almeida, na cidade de Campina Grande, Brasil. No ato da admissão no serviço, o paciente passa a ser acompanhado regularmente, por uma equipe multidisciplinar, com consultas frequentes, realização de atividades educativas e, sobretudo, das avaliações clínicas e laboratoriais, sendo monitorando sistematicamente a evolução, na perspectiva de manter do peso saudável e prevenir complicações. Foram analisados todos os prontuários de crianças e adolescentes, considerando elegíveis apenas 208, os quais se enquadravam nos critérios: possuir idade entre 3 e 18 anos, ter sido atendido no serviço por um ano, estar com sobrepeso ou obesidade, considerando os critérios internacionais de  índice de Massa Corpórea (IMC), estabelecidos pelo Centers for Disease Control and Prevention, que define as seguintes categorias para classificação do estado nutricional: obesidade grave (IMC ≥ percentil 97), obesidade (percentil 95 ≥ IMC < 97) e sobrepeso ( 85≥IMC<95).18 Os prontuários foram divididos em dois grupos, sendo 50 deles alocados 50 no Grupo 1, de crianças e adolescentes que abandonaram o tratamento, e os outros 158 no Grupo 2, o qual compreendeu crianças e adolescentes que não abandonaram o tratamento. O abandono do tratamento foi caracterizado por afastamento do COI por mais de seis meses, verificado a partir da data da última consulta. Os responsáveis pelos pacientes nesta situação receberam até três ligações, no mesmo momento, para o número telefônico fornecido mediante o cadastro, das quais não se obteve êxitoRepetiu-se o procedimento em outro momento, sendo considerado abandono quando, mais uma vez, não foi estabelecido o contato para o retorno. Em caso de números desligados ou inexistentes, ligou-se durante dois meses na tentativa de novo agendamento. Para coleta de dados, utilizou-se um formulário com variáveis sociodemográficas (sexo, idade, renda, escolaridade materna e raça) e de estado nutricional (sobrepeso e obesidade). Os dados foram implantados e analisados no programa SPSS versão 17.0. Utilizou-se a estatística descritiva para o cálculo de frequências absolutas e relativas. Para associações dos fatores associados ao abandono do tratamento foi realizado o Teste do Qui-quadrado e o Odds Ratio (OR), considerando um intervalo de confiança 95%. O projeto de pesquisa foi encaminhado ao Comitê de ética e Pesquisa da Universidade Estadual da Paraíba, sendo iniciado somente após receber parecer favorável, o qual foi obtido sob Código de Aprovação por Apreciação ética nº 0379.0.130.000-10, conforme preconiza a Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde.

 

RESULTADOS

O perfil sociodemográfico e o estado nutricional, apresentados na Tabela 1, mostram que entre os participantes predominou o grupo etário de adolescentes (59.1%), do sexo feminino (63.5%), não-brancos (61.5%), vivem com renda de dois a mais de cinco salários mínimos (53,4%), estão com obesidade e são filhos de mulheres com ensino médio completo ou superior (56.6%).Ademais, registra-se que nas crianças e adolescentes que abandonaram o tratamento (n=50; 24%) pode-se observar mais frequentemente, em relação aquelas que não abandonaram o  tratamento:  renda de dois o maiss salários mínimos (5.8 vezes), mães com ensino médio completo ou ensino superior (2.4 vezes), raça blanca (2.9 vezes) e obesidade (3.6 vezes).<

Ao analisar a associação entre as variáveis sociodemográficas e nutricionais com o "abandono ao tratamento", conforme também monstrado na Tabela 1, verificou-se que renda, raça, estado nutricional e escolaridade das mães são fatores estatisticamente associados.

Tabela 1.

 

DISCUSSÃO

As mulheres apresentam, ainda que muito discretamente, na população geral, maior prevalência de sobrepeso e obesidade se comparada aos homens, tal como também foi verificado em crianças e adolescentes deste estudo, assim como em outro realizado com população semelhante, em uma clínica de nutrição particular da cidade brasileira de Maringá, no estado do Paraná.12 Na referida pesquisa, 91.1% eram do no sexo feminino, podendo essa maior frequência ser explicada pela maior prevalência de excesso de peso nas mulheres, bem como em virtude do padrão estético mais magro ser sinônimo de beleza para a sociedade e tal esteriótipo ser menos contundente sobre o sexo masculino.12

Com relação à faixa-etária, apesar de se ter encontrado maior prevalência entre adolescentes, crê-se, com base nos achados da literatura,19,20 que o sobrepeso e a obesidade apresentam um padrão de distribuição similar entre as diversas idades, da infância e adolescência, muito embora a predominância nesta última possa ser melhor explicada devido ao acúmulo de hábitos de vida inadequados ser mais comum do que na primeira, como atividades de lazer com pouca movimentação física e consumo de alimentos ricos em carboidratos.7 Nesse sentido, reforçando a ideia em tela, de similaridade no padrão de distribuição de sobrepeso e obesidade entre crianças e adolescentes, esse estudo também aponta um percentual de sobrepeso ou obesidade considerável entre estes. Uma pesquisa realizada na cidade de Campina Grande, no estado da Paraíba, Brasil, com 255 escolares (6 a 10 anos), constatou que a maioria das crianças (66.3%) praticava menos que três dias de atividade física por semana e que a obesidade, o sobrepeso e os hábitos alimentares não saudáveis foram frequentes.21

No tocante a renda, o maior quantitativo de crianças e adolescentes provenientes de famílias com rendas maiores, aponta para a maior prevalência de sobrepeso e obesidade entre estes indivíduos, pois consomem alimentos mais inapropriados. Os lanches rápidos são os principais substitutos das refeições durante a adolescência,7 sendo observada, em outro estudo, uma frequência maior no consumo desses lanches pelas crianças de maior renda.21 Em outras pesquisas 19,20 constatou-se maior prevalência de sobrepeso em escolares da rede particular, em detrimento daquelas matriculadas nas instituições públicas que, em geral, para a realidade brasileira, possuem menor renda.

No que concerne a escolaridade materna, a maior parte das crianças e adolescentes são filhos de mães que concluíram o ensino médio e/ou superior. Acredita-se que as mulheres com mais anos de estudo possuem maior empregabilidade e inserção no mercado de trabalho, podendo influenciar no padrão alimentar da família, que geralmente, tende a priorizar os alimentos práticos em detrimento de uma dieta saudável. Portanto, o tratamento da obesidade na criança e adolescente pode ser ainda mais difícil do que no adulto, uma vez que aquela faixa etária depende das escolhas alimentares e disponibilidade de tempo dos pais.13 Ademais, foi verificada maior presença de não-brancos no tratamento. A partir disto, é possível especular que a maior participação destes, particularmente da parcela correspondente aos negros, ao tratamento no serviço público, em detrimento dos brancos, se deve ao fato de que estes últimos possuem rendimentos sistematicamente superiores aos primeiros, inclusive entre os que possuem o mesmo nível de escolaridade.22 Assim, pessoas brancas, em geral, com poder aquisitivo maior, podem, voluntariamente, procurar os planos de saúde privados em que possam seguir com a terapêutica.

O maior risco de abandono do tratamento para os sujeitos com maior renda e os filhos de mães com elevada escolaridade pode estar relacionado com a falta de tempo dos responsáveis em conduzir as crianças ao COI, por terem mais de um emprego na busca de manter o padrão de vida. O abandono, nesse caso, pode ser justificado pela possível aquisição de planos de saúde, situação na qual os filhos de pais de maior renda deixam de frequentar a rede pública de atendimento, bem como as jornadas duplas de trabalho com consequente indisponibilidade de conduzir os pacientes ao atendimento. A inserção da mulher no mercado de trabalho resulta no aumento da renda familiar e a alta escolaridade materna, que culminam na dificuldade em priorizar o atendimento das crianças e adolescentes com excesso de peso, dificultando a continuidade no tratamento. O tratamento da obesidade nesse grupo pode ser ainda mais difícil do que no adulto, pois depende das escolhas alimentares e disponibilidade de tempo dos pais.13

Apesar da realidade em tela, crianças e adolescentes filhos de mães com maior renda e escolaridade abandonarem o tratamento COI, e, portanto, na rede pública, pode não se aplicar ao caso em questão. é possível, pois, que esta realidade revele um SUS ainda frágil e desconectado das necessidades sociais que o cerca, uma vez que a procura de pessoas com menor renda e nível de escolaridade pelos serviços por ele ofertados, pode reforçar a idéia de um sistema simples e para os mais humildes e não para todos, como se pode depreender de um dos seus mais importantes princípios: a Universalidade. Acerca disto, em um estudo que objetivou compreender a representação social do SUS realizada no Estado de Minas Gerais, no Brasil, com 136 participantes, aproximadamente 19% deles afirmaram que compreendiam o sistema como um plano de saúde para pobres; o que, na visão dos autores, denota uma falsa idéia de que ele foi projetado para concentrar recursos públicos para realização de procedimentos menos complexos que deveriam atender segmentos excluídos da sociedade.23

Os achados desta pesquisa indicam, ainda, maior frequência de sujeitos obesos, fato que era esperado, pois os pacientes com sobrepeso enfrentam dificuldades em menor escala do que aqueles em quadro de obesidade e por isso, em geral, não procuram atendimento de saúde. Dessa maneira, a procura por tratamento especializado tende a ser maior pelos sujeitos com peso corporal muito acima do recomendado.13 O fato de que os indivíduos com sobrepeso, como demonstrado, alcançarem presença menor no tratamento, em detrimento dos obesos, pode indicar, ainda, que as políticas públicas de saúde, embora estimulem a procura dos serviços de saúde pela população geral para, principalmente, à prevenção em saúde, esta lógica parece distante na realidade dos cidadãos brasileiros, uma vez que os serviços de saúde acabam por deslocar recursos humanos, materiais e financeiros para ofertar ações e serviços aos pacientes quando estes já se encontram com morbidades em fases bastante avançadas, como a obesidade.

Apesar da maior frequência de obesos no COI, estar obeso foi fator de risco para abandono do tratamento. Esse dado corrobora com a literatura, a qual indica que os obesos e obesos graves apresentam maiores índices de desistência devido à dificuldade na perda aparente de peso, servindo assim de desestímulo para responsáveis e pacientes. Um estudo revela que os maiores índices de abandono do tratamento foram observados nos pacientes com maior excesso de peso, possivelmente pela quantidade de peso a ser perdida, e que a falta de aderência estava relacionada não somente ao paciente, mas também ao profissional, ao ambiente e ao tratamento.12

A constatação de que uma considerável parcela dos pacientes cadastrados no COI desistiram de continuar o tratamento é preocupante. A dificuldade de adesão, o abandono ao tratamento do sobrepeso e da obesidade de crianças e adolescentes e a inexistência de um sistema eficaz para combate destas condições através da educação nutricional e do estímulo à atividade física agrava cada vez mais as condições de saúde dessas populações.21 Um estudo realizado no estado brasileiro do Paraná, avaliou-se o acompanhamento em grupos similares, no período de 16 semanas, e constatou desistência em 27,5% dos indivíduos.10 Em outro, realizado com 120 pacientes chilenos, identificou-se uma taxa de abandono de 18,3% dos obesos que permaneceram em acompanhamento regular durante 12 meses.24

Considera-se o índice de desistência, ao tratamento da obesidade e do sobrepeso, verificado neste estudo, em relação aqueles anteriormente citados, relativamente baixo. Esse fato pode relacionar-se à busca ativa desempenhada pelo COI, com frequência, a fim de reintegrar o paciente ao acompanhamento, bem como ao modelo de integralidade envolvendo, promoção, vigilância e assistência.

Nessa perspectiva, a fim de melhorar a adesão e reduzir o abandono, é importante que os enfermeiros e os profissionais da saúde em geral considerem os fatores sociodemográficos/nutricionais no planejamento da assistência. Faz-se necessário também, um acompanhamento da frequência de consultas, podendo ser realizado através de busca ativa, monitorando as faltas e seus motivos. Ademais, implantar um grupo de resgate envolvido na quantificação de perdas e no desenvolvimento de atividades motivacionais também pode figurar como uma importante alternativa. Salienta-se ainda, que o acolhimento adequado da equipe pode ajudar o paciente a perceber que vale a pena seu esforço em se deslocar para o atendimento.13 A regularidade de um comportamento e a transformação do mesmo em hábito implica múltiplas questões. Motivação para a ação, percepção dos benefícios, adequação às necessida­des pessoais e satisfação com a atividade executada são fatores fundamentais para que isso possa acontecer.25 A questão-chave continua sendo a capacidade de motivar suficientemente todos os atores envolvidos.26  Portanto, os enfermeiros devem motivar e liderar a adoção de intervenções que promovam o melhoramento dos hábitos de vida saudáveis entre crianças e adolescentes.26

As ações de Promoção da Saúdedevem ser realizadas em cada um dos microssistemas: escola, casa, organizações comunitárias e instituições. O impacto de uma intervenção de promoção à saúde em uma perspectiva ampla certamente poderá refletir nos gastos do SUS em relação às enfermidades e mortes evitáveis, na me­lhoria da qualidade de vida da população e na compreensão de que manter a saúde é uma tarefa coletiva.25O Projeto Vida Saudável é um exemplo de política pú­blica desenvolvida na cidade brasileira Curitiba, no estado do Paraná, que transforma espaços públicos, como parques e espaços comunitários, em áreas de democratização da educação em saúde e de estímulo à atividade física, adoção de hábitos alimentares saudáveis, atividades culturais e de lazer, educação ambiental, entre outros, criando oportuni­dades de participação que favorecem a aquisição de habilidades para uma vida mais saudável. Contudo, boa intenção, sozinha, não é suficiente, sendo necessário à sociedade civil responsabilizar-se pela manutenção de tais práticas. é pre­ciso, ainda, contínuo investimento público, com uma ação consistente e estruturada em políticas intersetoriais articuladas.26

As conclusões deste estudo dão conta de um considerável percentual de abandono ao tratamento pelos adolescentes e crianças com sobrepeso ou obesidade, sendo constatado que a alta renda, a raça e o estado nutricional desses sujeitos, bem como a elevada escolaridade das respectivas mães são fatores de risco associados a tal abandono. Portanto, a principal contribuição que o estudo apresenta é indicar que apesar do modelo academico-assistencial buscar a integralidade das ações, promoção, vigilância, prevencão e assistência, o percentual de abandono apesar de mostra-se mais baixo do que na literatura, ainda foi elevado. Os abandonos de adolescentes e crianças com sobrepeso ou obesidade ao tratamento foram associados a fatores sociodemográficos e nutricionais, sendo necessário que os enfermeiros e demais profissionais de saúde adotem novos métodos de abordagem e desenvolvam instrumentos que insiram a família e considerem o contexto extra-ambulatorial no tratamento da obesidade.

Ressalta-se a importância da pesquisa para subsidiar o atendimento de pacientes com sobrepeso e obesidade pelo SUS bem como reduzir os índices de desistentes no tratamento do excesso de peso neste e em outros sistemas de saúde do mundo. Ademais, contribui para direcionar a conduta dos enfermeiros e profissionais de saúde que se empenham nessa emblemática missão de reduzir os índices de sobrepeso e obesidade infanto-juvenil com vista à prevenção de agravos futuros.

O estudo apresenta a limitação de que os pacientes estudados são provenientes de um único centro, fato que reduz o poder de generalização.

 

REFERÊNCIAS

1. Gomes MASM. As políticas públicas na área da saúde da criança. Ciênc. Saúde Coletiva. 2010; 15 (2):329-30.         [ Links ]

2. Brasil. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) 2008-2009: despesas, rendimentos e condições de vida [Internet]. 2010 (cited 2015 Ago 31). Available from:http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/condicaodevida/pof/2008_2009/default.shtm         [ Links ]

3. World Health Organization (WHO). Obesity and overweight: global strategy on diet, physical activity and healthy. [Internet]; 2009 (cited 2015 Ago 31). Available from:http://www.who.int/dietphysicalactivity/media/en/gsfs_obesity.pdf         [ Links ]

4. Low S, Chin MC, Deurenberg-Yap M. Review on epidemic of obesity. See comment in PubMed Commons belowAnn Acad Med Singapore. 2009; 38(1):57-9.         [ Links ]

5. Reis CEG, Vasconcelos IAL, Barros JGN. Políticas públicas de nutrição para o controle da obesidade infantil Rev. Paul. Pediatr. 2011; 29(4):625-33.         [ Links ]

6. Brasil. Ministério da Saúde. Política Nacional de Alimentação e Nutrição. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 1999.         [ Links ]

7. Vargas ICS, Sichieri R, Sandre-Pereira G, Veiga GV. Avaliação de programa de prevenção de obesidade em adolescentes de escolas públicas. Rev. Saúde Pública. 2011; 45(1): 59-68.         [ Links ]

8. Costa FS, Pino DL, Rogério F. Caregivers attitudes and practices: influence on childhood body weight. J. Biosoc. Sci. 2011; 43(3):369-78.         [ Links ]

9. Zambon MP, Antonio MARGM, Mendes RT, Barros Filho AA. Crianças e adolescentes obesos: dois anos de acompanhamento interdisciplinar. Rev. Paul Pediatr. 2008; 26(2):130-5.         [ Links ]

10. Cattai BP, Rocha FAR, Hintze LJ, Pagan BGM, Júnior NN. Programa de tratamento multiprofissional da obesidade: os desafios da prática. Ciênc. Cuid. Saúde. 2008; 7 (Suppl.1): 121-6.         [ Links ]

11. Queiroz CRL. Facilidades e dificuldades à adesão de adolescentes obesos com deficiências intelectual e suas famílias, para cumprir programa de orientação e prevenção das complicações da obesidade (POPO) [Dissertação]. São Paulo: Faculdade de Saúde Pública da USP [Internet]. 2009 (cited 2015 Ago 31). Available from:http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/6/6136/tde-24062010-164804/pt-br.php         [ Links ]

12. Koehnlein EA, Salado GA, Yamada AN. Adesão à reeducação alimentar para perda de peso: determinantes, resultados e a percepção do paciente. Rev. Bras. Nutr. Clín. 2008; 23(1):56-65.         [ Links ]

13. Oliveira TRPR, Cunha CF, Ferreira RA. Educação nutricional como estratégia de intervenção para o tratamento da obesidade na adolescência. Rev. Med. Minas Gerais. 2008; 18(4 Supl 3):S67-S75.         [ Links ]

14. Cavalari E, Nogueira MS, Fava SML, Cesarino CB, Martin JFV. Adesão ao tratamento: estudo entre portadores de Hipertensão arterial em seguimento ambulatorial. Rev. Enferm. UERJ. 2012;20(1): 67-72.         [ Links ]

15. Brasil. Ministério da Saúde. Plano de ações estratégicas para o enfrentamento das doenças crônicas não-transmissíveis (DCNT) no Brasil, 2011-2022. 2011 (cited 2015 Ago 31). Available from:http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/plano_acoes_enfrent_dcnt_2011.pdf         [ Links ]

16. Bueno JM, Leal FS, Saquy LPL, Santos CB, Ribeiro RPP. Educação alimentar na obesidade: adesão e resultados antropométricos. Rev. Nutr. 2011; 24(4):575-84.         [ Links ]

17. Brasil. Ministério da Saúde. Agenda Nacional de Prioridades de Pesquisa em Saúde. 2a ed. Série B. Textos Básicos em Saúde. Brasília: Ministério da Saúde [Internet]. 2009 (cited 2015 Ago 31). Available from:http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/agenda_portugues_montado.pdf         [ Links ]

18. Center for Disease Control and Prevention [homepage on the Internet]. Body mass index-for-age (children) - 2002 (cited 2011 Jan 16). Available from:http://www.cdc.gov/nccdphp/dnpa/bmi-for.age.htm         [ Links ]

19. Mendonça MRT, Silva MAM, Riveira IR, Moura AA. Prevalência de sobrepeso e obesidade em crianças e adolescentes da cidade de Maceió. Rev. Assoc. Med. Bras. 2010; 56(2):192-6.         [ Links ]

20. Ricardo GD, Caldeira GV, Corso ACT. Prevalência de sobrepeso e obesidade e indicadores de adiposidade central em escolares de Santa Catarina, Brasil. Rev. Bras. Epidemiol. 2009; 12(3):424-35.         [ Links ]

21. Medeiros CCM, Cardoso MAA, Pereira RAR, Alves GTA, França ISX, Coura AS, Carvalho DF. Estado nutricional e hábitos de vida em escolares. Rev. Bras. Crescimento Desenvolv. Hum. 2011, 21(3):789-97.         [ Links ]

22. Abramo L. Desigualdades de gênero e raça no mercado de trabalho brasileiro. Cienc. Cult. 2006; 58(4): 40-1.         [ Links ]

23. Martins PC et al. De quem é o SUS? sobre as representações sociais dos usuários do programa saúde na família. Cienc. Saude Coletiva. 2008; 16(3):1933-42.         [ Links ]

24. Barja YS, Nuñez NE, Velandia AS, Urrejola NP, Hodgson BMI. Adherencia y efectividad a mediano plazo del tratamiento de la obesidad infantil: compliance and outcome over medium term. Rev. Chil Pediatr. 2005; 76(2): 151-8.         [ Links ]

25. Moretti AC, Almeida V, Westphal MF, Bógus CM. Corporal practices/physical activity and public policies of health promotion. Saude Soc. 2009; 18:346-54.         [ Links ]

26. Moysés SJ, Moysés ST, Krempel MC. Assessing the building process of health promotion public policies: the experience of Curitiba. Cienc. Saude Coletiva. 2004; 9:627-41.         [ Links ]

Creative Commons License All the contents of this journal, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution License