Introdução
“Os monstros são erros por excesso ou falta, assim como os acidentes. Um problema de gestão”. (Anne Cauquelin)
Em torno do desastre “de” Mariana, diversas questões podem ser lançadas no sentido de refletir sobre a gestão ambiental, a governança territorial, a vulnerabilidade e os riscos ambientais associados à atividade de extração de minérios. Diante desse suposto, a relação entre a exploração de recurso mineral e a geração de impactos socioambientais nos oferece um conjunto de indagações relevantes sobre um dado aspecto da realidade empírica criada a partir da instalação de empreendimentos mineradores.
O desastre ambiental deflagrado em Mariana (figura 1), Minas Gerais, em decorrência do rompimento de uma barragem de rejeitos de minério de ferro - Fundão1, de responsabilidade da empresa Samarco2, provocou uma grande catástrofe com danos ambientais e sociais devastadores, não apenas em Mariana, mas em diversas outras localidades de Minas Gerais e do Espírito Santo, contaminando o Rio Doce e demais corpos d’água de sua bacia hidrográfica - Bacia do Rio Doce, antes de alcançar o litoral atlântico sul do Brasil.
O despejo do rejeito de minério de ferro na Bacia do Rio Doce provocou: o assoreamento de rios e riachos, a morte de milhares de peixes e de outras espécies de animais e vegetais, afetou todo um ecossistema, comprometeu a biodiversidade local-regional, além do sustento e alimentação de pequenos agricultores, pescadores e de povos indígenas.
A extensão e a proporção desses impactos demonstram que os fenômenos relacionados ao meio ambiente não respeitam os limites político-administrativos dos territórios e das unidades espaciais. Essa é uma constatação trivial para nós geógrafos, mas a partir da qual se pode formular uma problemática relacionada à continuidade ambiental e à descontinuidade política3, que diz respeito à governança territorial ambiental.
Na imagem acima. é possível perceber a rede hidrográfica e os canais fluviais que atravessam não apenas o município de Mariana, mas também outras localidades do estado de Minas Gerais e que se entendem pelo estado do Espírito Santo antes de alcançar o oceano Atlântico.
A ocorrência, por exemplo, de certos recursos naturais bem como sua exploração, transcende os limites municipais e as fronteiras políticas dos territórios. No entanto, um aspecto relacionado à exploração de recursos minerais em zonas de fronteiras ou em municípios vizinhos parece ser, de modo geral, negligenciado pelos gestores ambientais.
Esse fato alerta para a necessidade de pôr em prática uma política de planejamento e gestão ambiental radicalmente integrada e cooperada entre empresas mineradoras, governos locais, poder público e sociedade civil organizada, bem como para a imprescindibilidade de uma governança territorial voltada para a prevenção e a minimização de riscos e danos ambientais e sociais.
Marçal (2009) e Lamonica (2004) reconhecem que uma bacia hidrográfica é uma unidade física cujos limites-divisores topográficos não respeitam “as fronteiras político-administrativas”, e que esse fato se constitui em um entrave para a gestão dos recursos naturais.
Nesse sentido, os autores supracitados defendem a utilização da bacia hidrográfica como uma unidade espacial de análise ambiental e de gestão territorial, assim como um estudo ambiental integrado entre os elementos bióticos e abióticos, o que inclui a dinâmica da sociedade com os seus aspectos econômicos e culturais.
Dentro dessa discussão, Steimam (2011), ao tratar da criação de áreas protegidas na zona de fronteira da Amazônia sul-americana, além de revelar que as questões ambientais transcendem as fronteiras políticas, chama atenção para a necessidade de se pensar na dimensão compartilhada dos problemas e das responsabilidades para com essas áreas transfronteiriças de proteção.
Deve-se reconhecer que espaços transfronteiriços e regiões ou zonas de fronteiras internas, onde há a ocorrência de determinado recurso natural, fazem parte de um quadro geográfico mais amplo (Pires do Rio 2011), daí a importância da construção de instituições capazes de pôr em prática uma governança com negociação e participação dos mais diversos atores relacionados à apropriação de recursos minerais.
Em adição às ideias expostas anteriormente, defende-se que a bacia hidrográfica não seja reconhecida apenas como uma unidade espacial, mas que também funcione como uma base de referência para a constituição de espaços de governança. Para isso, a escala cartográfica da bacia hidrográfica deve ser reduzida a tal ponto que a área suscetível à ocorrência de riscos e danos socioambientais seria aumenta consideravelmente.
Desse modo, a decisão sobre a instalação de determinado empreendimento de exploração mineral exigiria uma discussão muito mais ampla, a partir da incorporação da participação de grupos representativos daqueles que estarão propensos a serem afetados, de modo direto, por um possível desastre, a exemplo do ocorrido no distrito Bento Rodrigues (figura 2), Minas Gerais.
A partir do caso de rompimento da barragem de Fundão, buscou-se, nas próximas seções, desenvolver essa ideia a respeito dos espaços de governança. Discutese, também, a importância dos recursos institucionais efetivos para a construção de uma política de redução de riscos.
Isso porque o comprometimento da qualidade da água do rio, em decorrência do desastre, trouxe a água para o centro das discussões enquanto um elemento fundamental em torno do qual se deve conceber a construção de arranjos institucionais efetivos para uma governança com participação social, a exemplo de Comitês de Bacias Hidrográficas.
Pires do Rio e Drummond (2013) defendem a relevância da implementação de novas institucionalidades e arenas de negociações participativas em espaços transfronteiriços para a gestão cooperada das águas. Do mesmo modo, defende-se aqui uma governança das águas que seja efetivamente participativa e que tenha os Comitês de Bacias como um importante agente para tal política.
Também concorda-se com Abers et al. (2009) para os quais os Comitês representam uma nova organização político-institucional de gestão das águas, capaz de ampliar o controle da sociedade sobre o uso e a apropriação dos recursos hídricos, uma questão central no debate sobre a construção de uma política de redução de riscos ambientais.
Vale ainda destacar que o presente trabalho é um ensaio crítico sustentado em reflexões teórico-conceituais relativas ao debate contemporâneo sobre a apropriação destrutiva do meio natural. O suporte analítico está concentrado nas discussões da Geografia política e da Ecologia política, associado a um levantamento de informações secundárias relacionadas ao tema.
Governança e exploração de recursos minerais
A exploração de recursos naturais é, lato sensu, uma atividade econômica extremamente rentável que, por sua vez, traz implicações, na maioria dos casos, muito prejudiciais ao meio ambiente e, por consequência, às populações circunvizinhas. Assim, conflitos socioambientais advindos de projetos de mineração são comuns no mundo e seus possíveis impactos se constituem num dos pontos centrais da questão do desenvolvimento sustentável e da exploração de recursos minerais.
A problemática dos recursos naturais revela conflitos de diversos aspectos, tanto que há uma gama de estudos sobre a decisão de se iniciar a exploração de recursos minerais e as principais implicações decorrentes da atividade. No entanto, alguns pontos permanecem subexplorados4 pelos estudiosos do assunto, especialmente no que se refere às estratégias de inserção das comunidades locais nos processos decisórios e, principalmente, de avaliação e fiscalização permanente das atividades de exploração.
Dentro desse quadro, a gestão de bacias hidrográficas tem assumido uma importância crescente no Brasil à medida que os efeitos de degradação ambiental implicam redução da qualidade e da disponibilidade de água; desse modo, os Comitês têm enfrentado o desafio de fortalecer a governança dos recursos hídricos (Jacobi e Francalanza 2005).
Assim, defende-se que os processos de escuta da sociedade civil, através de audiências públicas relacionadas à instalação de projetos de mineração, devem ir além dos limites da localidade onde será instalado o projeto de extração mineral e abarcar as potenciais comunidades a serem afetadas de modo direto ou indireto por tal atividade.
Também é de suma importância refletir sobre a necessidade de se promover a inserção de indivíduos dessas comunidades no acompanhamento constante e na fiscalização das empresas quanto ao cumprimento de todas as normas de segurança e das ações de prevenção de desastres, impactos e riscos ambientais.
O processo de Estudo de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto ao Meio Ambiente - doravante EIA/Rima, precisa projetar sua análise para além da escala local. É também de fundamental importância que moradores situados a montante e a jusante de um rio, como um todo -com especial atenção à sua posição em relação à bacia hidrográfica-, sejam ouvidos e informados sobre os custos, os riscos e os benefícios a que estarão sujeitos.
No entanto, apesar da existência desses instrumentos de proteção socioambiental e dos inúmeros casos de desastres provocados pela negligência em relação às leis ambientais, está em discussão, no Senado Nacional, uma proposta de emenda à Constituição de 1988 -PEC 65/2012-, que, se aprovada, representaria um retrocesso na legislação ambiental do país.
A proposta pretende flexibilizar ao máximo as exigências para o processo de licenciamento ambiental apresentado por empresas que desejam realizar obras ou instalar projetos exploratórios, assim como minimizar as possibilidades de controle das obrigações socioambientais e, por sua vez, a punição do empreendedor e a suspensão do empreendimento em desacordo com as normais ambientais.
Diversos estudiosos reconhecem a importância da Lei de Política Nacional de Meio Ambiente - doravante PNME (Presidência da República 1981), enquanto instrumento jurídico e político de conservação e preservação do patrimônio natural do país e de minimização de danos socioambientais. Além disso, a Resolução n.° 1 de 1986 do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama 1986) fortaleceu a PNME ao consolidar a avaliação de impacto ambiental e estabelecer uma série de normas e determinações para o desenvolvimento de atividades e projetos danosos ao meio ambiente. Desde a promulgação da lei, o planejamento ambiental foi definitivamente incorporado nas políticas públicas. A lei e a resolução disciplinam a exploração de recursos naturais, atividade essa que deve respeitar alguns procedimentos básicos essenciais para a redução e compensação dos possíveis danos socioambientais.
Vale também lembrar a importância da Constituição de 1988 ao estabelecer o princípio da participação social nas políticas de meio ambiente. Acredita-se que a incorporação da participação de representantes das localidades sujeitas a sofrerem algum tipo de impacto ambiental é essencial para uma apropriação mais justa dos recursos e menos nociva ao meio ambiente. Nessa perspectiva, a sociedade civil organizada precisa acompanhar os programas de monitoramento, compensação e mitigação de impactos no ambiente, de modo a contribuir, efetivamente, para a redução de riscos.
Por outro lado, ao se pensar em governança participativa das águas e da apropriação, uso e exploração de recursos minerais, deve-se pensar na capacidade do Estado e dos gestores públicos em implementar as deliberações tomadas nos colegiados participativos, alertam Abers e Keck (2009).
Recursos institucionais e aperfeiçoamento da governança territorial: uma problemática em torno da exploração de recursos naturais
Em face dessa breve discussão e da ideia defendida até aqui, torna-se imperativo pensar sobre os desafios que se impõem à governança territorial em áreas de exploração mineral. De acordo com Pires do Rio (2008, 227), o termo “governança” se refere a “[...] novas formas de ação pública caracterizada por uma pluralidade de atores, instituições e organizações, implicando a articulação de normas de comportamento em relação à ação coletiva”.
Esse termo se associa à prática e técnicas de ação de atores coletivos e à tomada de decisão no que concerne à elaboração de políticas públicas (Pimentel e Pimentel 2010). A partir dessa compreensão, é válido fazer alguns questionamentos.
Como construir uma política de redução de riscos ambientais em torno da exploração de recursos minerais?
Como uma política de escalas5 pode contribuir para reduzir a eminência de riscos ambientais sobre determinados grupos sociais (vítimas potenciais)?
Qual o papel dos recursos institucionais para a ampliação do campo de ação e para a inserção de novos atores com interesses distintos nos processos decisórios?
Qual o papel dos recursos institucionais na mediação de conflitos estabelecidos em torno dos problemas do uso e da apropriação desigual dos recursos naturais?
Como uma política de escalas pode contribuir para minimizar os conflitos estabelecidos em torno dos problemas da apropriação desigual dos recursos naturais?
Em suma, esses questionamentos devem auxiliar na reflexão acerca do confronto existente entre atores sociais com posicionamentos distintos e que defendem diferentes modos de gestão de recursos naturais6, visto que:
[o] modelo de desenvolvimento econômico vigente adota ações e práticas nas quais prevalece a lógica do uso privado dos bens de uso comum, acarretando danos ao meio ambiente, afetando sua disponibilidade para outros segmentos da sociedade, prejudicando o acesso e uso comum dos recursos naturais. (Muniz 2009, 3)
Outra pergunta complementar merece ser feita no sentido de contribuir para a ampliação dessa agenda de pesquisa: como se dá a fiscalização das ações de prevenção de riscos, mitigação e compensação de impactos ambientais que envolvem municípios vizinhos?
Essas questões revelam a necessidade de se pensar de modo transescalar e de se avaliar a dimensão espacial dessa atividade econômica, já que o alcance e o conteúdo das práticas de prevenção, minimização de danos e de riscos ao meio ambiente, bem como o processo de estudo de impacto ambiental e a concessão de licença para a exploração envolvem, necessariamente, atributos geográficos como: localização, extensão, população, urbanização etc.
As empresas mineradoras levam esses elementos em consideração ao desenvolver planos de exploração de uma reserva mineral situada em um único município, mas inserida numa bacia hidrográfica cuja dimensão abrange municípios de estados vizinhos e cujos possíveis danos socioambientais podem adquirir uma projeção escalar muito superior aos limites da bacia?
O rompimento das barragens de rejeitos de minério de Mariana e o rastro de destruição provocado (figuras 3 e figura 4) figuram como exemplos empíricos para se pensar a respeito dessa pergunta. As respostas colocarão em evidência a escala de concepção do projeto de exploração mineral pela empresa Samarco, o que envolve tanto a projeção dos danos e riscos quanto o plano de ação emergencial em caso de desastres.
Os riscos foram pensados em sua dimensão localregional? Os planos estratégicos de contenção dos possíveis danos foram traçados considerando apenas o limite político-administrativo do município mineiro ou o entorno da mina e dos reservatórios de rejeitos?7
A legislação ambiental brasileira -Lei 6.938/1981 (Presidência da República 1981)- determina que o licenciamento ambiental8 deve realizar a projeção dos riscos para além do limite municipal (Costa, Santos e Santos 2014).
No entanto, as especulações e suspeitas (veja sobre isso no UOL Educação sd-a. e em Caldeira 2015) colocadas sobre o fato de ter havido conhecimento prévio - por parte da Samarco e do governo de Minas Gerais-, sobre a possibilidade de risco iminente de ruptura da barragem de Fundão, chama atenção para a necessidade de incorporar e ampliar o “papel dos diferentes agentes sociais no processo de consolidação da gestão ambiental participativa” (Toni e Pacheco 2005, 9).
As hipóteses formuladas acerca da responsabilidade ou não dos órgãos de fiscalização foram veiculadas em vários meios de comunicação de massa (veja sobre isso UOL Educação sd-b), visto que o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) e a Fundação Estadual de Meio Ambiente (Feam) emitiram relatórios que atestavam as condições de segurança das barragens da empresa Samarco9.
Observa-se que, apesar de existir um conjunto de marcos regulatórios, decretos e portarias, a exemplo da Política Nacional de Segurança de Barragens -Lei 12.334 de 2010 (Presidência da República 2010)-, a simples existência deles não é capaz de evitar o acometimento da vulnerabilidade e do risco; estes são aqui entendidos como perigo potencial para a ocorrência de acidentes e desastres.
Diversos autores, a exemplo de Egler e Gusmão (2014) e Almeida (2014, 2015), salientam a importância dos arranjos institucionais, a exemplo dos Consórcios Públicos Intermunicipais e Comitês de Bacias Hidrográficas - doravante CBH.
Estes se constituem em agentes de gestão territorial de políticas que envolvem municípios com problemáticas em comum. De acordo com Almeida (2015, 7380), os CBH possuem um “[...] caráter descentralizado, participativo e democrático, onde a sociedade civil e os usuários dos recursos hídricos têm um papel importante nas decisões tomadas”.
Desse modo, o monitoramento e as avaliações sobre o risco ambiental, bem como os relatórios de inspeção provenientes de consultorias especializadas devem contar com a supervisão e a participação permanente de representantes da comunidade, que devem receber qualificação para isso.
Nesse sentido, Almeida (2014, 274) destaca a necessidade de se conceber:
bacia hidrográfica não apenas como território físico, definido a partir de uma rede de drenagem, mas, principalmente pelos aspectos políticos e institucionais que adquire quando é instituída (por lei10) como unidade de planejamento e gestão e pela importância que outros agentes, além do Estado, ganham na gestão territorial, como é o caso dos comitês de bacias hidrográficas. (Inserção nossa)
Assim, os CBH são reconhecidos como agentes de gestão territorial de recursos hídricos com capacidade de ação, envolvendo um jogo de diferentes escalas e interesses, em que a base material, política e institucional do território adquire destaque seja através do licenciamento ambiental, seja através do monitoramento dos danos e da probabilidade de riscos na unidade de gestão.
Espaços de engajamento para uma governança ambiental: apontamentos à guisa de conclusão
As questões levantadas e brevemente problematizadas estão alicerçadas na concepção segundo a qual “a construção do risco ambiental pauta-se pela premissa de que espaço e tempo são elementos próprios à ideia de risco” (Castro, Peixoto e Pires do Rio 2005, 11).
Lato sensu, essa concepção se associa às noções de capacidade de gerar danos, às incertezas, à exposição ao perigo, às perdas e aos prejuízos, bem como à probabilidade de ocorrência desse evento no tempo e no espaço. Assim, a realização de EIA/Rima exige que se considere a dimensão espacial da vulnerabilidade, através de levantamento e de diagnóstico ambiental e da construção de cenários futuros.
A escala de abrangência do fenômeno dará evidência a diversos atores e, por certo, a muitos conflitos de interesses relacionados à atividade de exploração de recursos naturais. Essa é uma questão central para a construção de espaços de governança.
Dentro dessa discussão, Borges (2015) trata da dimensão espacial dos processos participativos e chama a atenção para a necessidade de se considerar como determinados grupos constroem escalas de ação política e se inserem nos espaços político-institucionais de participação social, a exemplo de Conselhos Municipais. Isso porque a questão central que articula -exploração mineral, impactos e riscos ambientais e governança territorial ambiental- põe diversos atores em contato, desperta tensões e conflitos de interesses e disputas em múltiplas escalas.
Em Pires do Rio e Drummond (2013), é possível perceber como o fundamento territorial é subjacente à ideia de implantação de novas institucionalidades e arenas de negociações participativas a serviço da cooperação e da governança territorial, para a preservação do patrimônio natural, bem como para a inibição da deflagração de riscos ambientais e a prevenção de desastres.
É preciso ter em mente que os CBH e demais recursos institucionais de gestão e participação se relacionam com o caráter regulador e normativo do território. Este será regulado ou normatizado pelas ações de diversos atores com o objetivo de definir comportamentos, práticas e condutas, o que, por sua vez, inclui interesses sociais e políticos específicos (Pires do Rio 2008; Almeida 2014).
Nesse sentido, o “território é tanto produto como sujeito de regulação social, econômica e política”, onde existe “tensão entre regulação social, econômica para controle dos recursos, por um lado, e regulação política para domínio e controle do território, por outro” (Pires do Rio e Drummond 2013, 210). Ainda segundo esses autores, “é nessa tensão que evolui a dinâmica geoinstitucional: interação entre indivíduos, organizações, estado e território” (Pires do Rio e Drummond 2013, 210).
Diversos trabalhos como os de Coelho, Cunha e Wanderley (2010) e Wanderley (2009) demonstram como, em virtude dos interesses pelo controle e uso dos recursos naturais e dos impactos e degradação do ambiente natural, surgem os conflitos ambientais em áreas de mineração. No entanto, a questão aqui discutida direciona o olhar para o papel da sociedade civil na fiscalização das políticas de preservação ambiental e prevenção de riscos.
O desastre em Mariana chama a atenção para a importância dos gestores locais -dos municípios integrantes da bacia do Rio Doce- e da sociedade civil, e não apenas os órgãos e agências de fiscalização e gestão ambiental do governo do Estado, participarem da gestão ambiental e cooperarem para uma governança territorial, com políticas de preservação ambiental, incluindo-se as ações de redução de riscos.
Nesse caso, o CBH do Rio Doce, por exemplo, ou outro órgão colegiado de gestão ambiental participativa, desempenharia uma função especial enquanto agente territorial, formado por grupos sociais a partir de espaços de engajamentos11 e de estratégias espaciais de construção de uma política de escalas, isso caso esse recurso institucional tenha como base para sua atuação o espaço de governança e fosse, de fato, efetivo.
Conforme demonstra Swyngedonw (2004), as estratégias escalares revelam a articulação de ações políticas de grupos de atores através da construção de escalas, o que envolve um jogo de alianças, negociação e contestação, pois, como apresentaram Pires do Rio e Coelho (2016), as escalas de ação são construídas a partir de tensões de conflitos de interesses.
Essa discussão contribui com a ampliação do envolvimento, até então limitado, da ecologia política com a pesquisa social e ambiental, conforme Peet, Robbins e Watts (2011), e Walker (2006) têm preconizado. Para esses autores, os conteúdos da política possuem uma dimensão material, isto é, conteúdos concretos representados pela configuração dos programas políticos, dos problemas técnicos e do próprio conteúdo das decisões políticas.
Considerações finais
O desastre ambiental ocorrido em Mariana revela uma das faces da crise ambiental em que vivemos. O retorno econômico que a mineradora Samarco oferece ao estado de Minas Gerais e ao município e moradores de Mariana pode ser considerado nulo diante dos estragos socioambientais e das vidas perdidas12.
A permanência e a intensificação dos processos de apropriação destrutiva da natureza são um dos paradoxos da modernidade, pois representam a dificuldade de equacionar o problema da preservação ambiental e do uso dos recursos naturais13. Assim, há de se reconhecer e concordar com a tese de Enrique Leff e Carlos Walter Porto-Gonçalves de que a crise ambiental é, sobretudo, uma crise ética, política e filosófica.
A extração de minério de ferro requer a presença de água em abundância, todavia a mineração tem colocado em risco os recursos hídricos, elemento de importância essencial para a vida na Terra e para a existência da humanidade14.
Devemos reconhecer que assistimos ao uso de um modelo inadequado e insustentável de apropriação e uso do espaço e dos recursos naturais (Moura e Silva 2008).
É diante dessa perspectiva que se defende a necessidade de que a sociedade civil -grupos e segmentos sociais que mais sofrem com os danos ambientais gerados pela mineração- participe dos processos decisórios governamentais e consiga fazer com que seus interesses sejam respeitados.