Introdução
Os estudos de região e regionalização ocuparam importante posição na história da Ciência Geográfica, tanto nas versões mais clássicas dessa disciplina quanto na nova geografia, e, a exemplo das regiões naturais no determinismo, das regiões geográficas e dos gêneros de vida no possibilismo, estão no centro de suas preocupações a diferenciação de áreas de per si no método regional e a região vista, por meio da divisão lógica, na geografia teorético-quantitativista, como um conjunto de lugares com diferenças internas entre eles, porém menores que as existentes entre esses lugares e outros conjuntos de lugares. Na geografia crítica, a região passou ainda a ser entendida como parte de uma totalidade histórica, em que disparidades socioespaciais acentuadas, fruto da divisão social do trabalho, contribuem para a produção de regiões; ou mesmo entendida como espaço vivido a partir do caráter subjetivo associado à sua compreensão, segundo a geografia humanista. No Brasil, a influência de alguns desses estudos teve importante papel nos critérios adotados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - doravante, IBGE, para as regionalizações oficiais na divisão do espaço brasileiro e para os entes da federação no transcurso do tempo.
No que se refere à região produtora de cacau do Sul da Bahia, em 1940, quando o IBGE divide o espaço em zonas fisiográficas, cujo elemento principal são as condições ambientais, a área foi denominada de “Zona do Cacau”. Em 1966, o IBGE passa a designar a Zona do Cacau de “Microrregião Homogênea Cacaueira”, usando como critério a combinação de diferentes elementos, tais como o físico, o econômico e o humano, com prevalência de um deles (Trindade 2011). Já no ano de 1968, o IBGE muda o nome da Microrregião Homogênea Cacaueira para “Região Cacaueira”, e usa como critério a delimitação da área de produção de cacau articulando-a à dimensão espacial. Essa denominação, mesmo com as alterações oficiais posteriores a ela (tanto na esfera do Governo Federal quanto na do Governo do Estado da Bahia), continuou sendo utilizada no cotidiano popular ao se referir à microrregião. Com as modificações na realidade da região devido às transformações em sua dinâmica, o IBGE estabeleceu, em 1990, uma nova forma de designar a Região Cacaueira, que, oficialmente, passou a ser chamada de “Microrregião Ilhéus-Itabuna”, cujo critério utilizado foi o predomínio de uma cidade (ou aglomeração urbana) sobre o espaço regional. Por fim, em 2008, com o objetivo de “atualizar os estudos sobre a rede urbana considerando as transformações recentes da urbanização brasileira decorrentes da globalização da economia e dos impactos da tecnologia no território”, o IBGE estabelece a “Região de Influência da Aglomeração Ilhéus-Itabuna” (Trindade 2011, 93).
A Região Cacaueira da Bahia, objeto deste estudo, tem sido analisada de diferentes formas ao longo do tempo, para compreender os distintos aspectos que configuraram a sua forma de existência. Neste artigo, procuramos destacar sua realidade mais recente, com ênfase no período iniciado na década dos anos 1970 até o momento atual.
Diante disso, o objetivo do trabalho é apresentar o processo de transformação recente pelo qual a Microrregião Cacaueira da Bahia passou, destacando os principais fatores endógenos e exógenos que contribuíram para a sua atual ressignificação.
Para viabilizar o estudo e alcançar o objetivo proposto foram feitos levantamentos bibliográficos e documentais (artigos e livros impressos ou publicados na Internet) sobre o tema. Além disso, levantaram-se dados secundários de natureza socioeconômica sobre a área estudada, por meio de técnicas de documentação indireta, e levantamento de documento cartográfico (mapa) nas instituições governamentais de planejamento (IBGE, Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde - DATASUS, e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento/Atlas de Desenvolvimento Humano no Brasil - PNUD).
Os levantamentos bibliográficos e documentais possibilitaram a realização da fundamentação do artigo, bem como a discussão dos resultados da pesquisa. Os dados secundários (representados por meio de tabelas, quadros e gráfico) e o documento cartográfico, por sua vez, permitiram representar o espaço analisado.
A microrregião estudada está inserida na Mesorregião Sul Baiano, que é constituída de três microrregiões: Microrregião de Valença (Baixo Sul), composta de 10 municípios; Microrregião Ilhéus-Itabuna (Cacaueira), composta de 41 municípios; Microrregião de Porto Seguro (Extremo Sul), composta de 19 municípios.
Os municípios que compõem a Microrregião Ilhéus-Itabuna são (figura 1): Almadina, Arataca, Aurelino Leal, Barra do Rocha, Barro Preto, Belmonte, Buerarema, Camacan, Canavieiras, Coaraci, Firmino Alves, Floresta Azul, Gandu, Gongogi, Ibicaraí, Ibirapitanga, Ibirataia, Ilhéus, Ipiaú, Itabuna, Itacaré, Itagibá, Itajú do Colônia, Itajuípe, Itamari, Itapé, Itapebi, Itapitanga, Jussari, Mascote, Nova Ibiá, Pau Brasil, Santa Cruz da Vitória, Santa Luzia, São José da Vitória, Teolândia, Ubaitaba, Ubatã, Una, Uruçuca e Wenceslau Guimarães.
A região Cacaueira da Bahia
Breve panorama
Segundo registros oficiais, os primeiros pés de cacau foram plantados no Sul da Bahia em 1746, na então Capitania de Ilhéus, mais especificamente na Fazenda Cubículo, localizada às margens do Rio Pardo, propriedade do senhor Antônio Dias Ribeiro, nas proximidades do povoado de Canavieiras (no atual município de Canavieiras), que à época, pertencia à vila de Ilhéus e se localizava ao sul dessa povoação. As sementes para esse plantio foram trazidas do Pará pelo botânico franco-suíço Louis Frederic Warneaux (Rangel 1982).
No entanto, esse primeiro plantio não se desenvolveu como atividade econômica, pois eram apenas plantas introduzidas dentro da fazenda. Em 1752, cerca de seis anos depois, algumas sementes foram colhidas desses primeiros pés de cacau em Canavieiras e levadas para a sede da vila de Ilhéus, que deram origem a algumas pequenas roças (Rangel 1982).
Chiapetti (2009, 29) pontua que, “inicialmente, a atividade de plantio do cacau [em Ilhéus] se deu paralelamente à atividade de cultivo de cana-de-açúcar e outras culturas como o arroz”. É somente a partir da chegada de imigrantes alemães a uma sesmaria em Ilhéus que o cultivo do cacau toma novo impulso e, posteriormente, se espalha pela região.
“A decadência da atividade canavieira e o aumento da demanda e do preço das amêndoas de cacau no mercado internacional em consequência da difusão das técnicas de processamento do cacau em chocolate e da criação das casas de chocolate”, em países da Europa e nos Estados Unidos, são os principais fatores apontados por Chiapetti (2009, 30) para a expansão do plantio de cacau no Sul da Bahia naquele período.
França Filho (2009) destaca que, a partir de 1860, a cacauicultura passa por um segundo período de expansão na região, quando, então, é introduzida a variedade conhecida como “forasteira”, mais resistente, que significou um processo de interiorização do povoamento, desbravamento das matas e afirmação dessa atividade econômica na região - em grande medida seguindo o trajeto dos rios. Trabalho realizado pela Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEI 1992) aponta que, entre 1851 e 1960, inicialmente, o cacau se espalhou e se consolidou na região seguido da pecuária - a qual contribuiu substancialmente para acelerar o processo de devastação da mata, sobretudo na porção norte da região.
Ainda no século XIX, com as descobertas de novas técnicas e tecnologias na produção de novos derivados de cacau, ou mesmo no aperfeiçoamento dos produtos já desenvolvidos, além do surgimento e expansão de várias fábricas de chocolates em diversos países da Europa e nos Estados Unidos da América, a demanda por cacau no mercado internacional aumentou significativamente, o que levou ao deslocamento de várias pessoas em direção à Região Cacaueira da Bahia, então em formação, para empreender o cultivo da planta e fazer com que a produção crescesse na região a ponto de se tornar a sua principal atividade econômica (Chiapetti 2009).
Já em princípios do século XX (mais especificamente em 1903/4), o cacau se torna o principal produto da pauta de exportação do estado da Bahia, contribuindo, em 1905, com aproximadamente 19% da renda tributária estadual (Rangel 1982). A partir desse momento até o fim da República Velha em 1930, conforme aponta Chiapetti (2009), o destaque na produção cacaueira baiana consegue colocar o Brasil na primeira posição como principal produtor mundial de cacau - período em que se constitui, de fato, uma região cacaueira no Sul do estado da Bahia.
Como reflexo do crescimento da cacauicultura, sobretudo a partir do início do século XX, a atividade econômica contribuiu significativamente para o surgimento de pequenos agrupamentos humanos na região em maior número, os quais se tornaram povoados, vilas ou mesmo distritos, até alcançarem o status de municípios (alguns com mudança de nome). Segundo Aguiar, a atividade econômica cacaueira, naquele momento e durante um longo período, foi também:
[...] responsável pela concentração da maior parcela da mão de obra dos municípios da região nessa atividade, pela sustentação de várias famílias, riqueza de fazendeiros, fluxos econômicos no espaço rural e no espaço urbano os quais movimentavam diferentes atividades, e pela maior distribuição da população dos municípios pelo espaço rural. Vivia-se [no início do século XX] em uma realidade social e econômica considerada lenta se comparada com os tempos atuais, pois as vias de circulação eram poucas e rudimentares, e os meios de comunicação e locomoção eram mais vagarosos (carta, lombo de um animal, canoa, barco etc.). (2015, 21)
Também no início do século XX, o centro de exportação do cacau na região era o porto de Ilhéus, localizado na baía do Pontal - que era o maior da região e ponto de partida para o contato entre o restante do território nacional e o mundo via litoral. O principal meio de locomoção nas localidades produtoras de cacau era o animal, por meio de burros de tropa em trilhas ou estradas de chão precárias rumo às canoas nos rios (ou barcos e canoas no mar), para o transporte do produto até o porto do Pontal em Ilhéus. Havia forte demanda internacional pelo cacau. Nesse período, as economias no Brasil se caracterizavam como arquipélagos com produção voltada para o exterior. O capital inglês, diante da oportunidade de se beneficiar dessa realidade, investiu em estradas de ferro (trens) na região, para facilitar o deslocamento do produto [até o porto] e o transporte de pessoas e mercadorias (Chiapetti 2009).
Inicialmente, o plano era a primeira linha de trem ir de Vitória da Conquista a Ilhéus; no entanto, construiu-se apenas o trecho entre Ilhéus e Itabuna. Mais tarde, o projeto foi modificado e construíram trechos seguindo a bacia dos rios Almada, Água Preta/Uruçuca e Mucambo/Ubaitaba. O intervalo da ferrovia entre Ilhéus e Itabuna funcionou de 1913 a 1964, no transporte de mercadorias e pessoas, quando é desativado por determinação do Governo Federal (Chiapetti 2009) - sobretudo em razão do importante papel que as rodovias passaram a assumir desde então.
Segundo Trindade (2011), com a implantação e expansão do transporte por meio de rodovias e o declínio das ferrovias, o centro de importância regional deixa de ser exclusivamente Ilhéus, e Itabuna passa a emergir como grande entroncamento de localização estratégica e fixo de passagem das principais rodovias na região.
A cacauicultura no Sul da Bahia, atividade econômica desenvolvida primordialmente como uma monocultura voltada para a exportação, esteve, diretamente, refém de diferentes fatores internos à região e externos a ela (fatores nacional e internacional), os quais lhe proporcionaram oscilações e crises ao longo do tempo.
A primeira grande crise pela qual a cacauicultura regional sul baiana passou se deu por conta da quebra da bolsa de valores de New York em 1929. Naquele momento, o principal comprador do cacau da região eram os Estados Unidos da América - doravante, EUA, e o fruto já era cotado em uma bolsa de valores própria criada naquele país e determinava os preços da produção (Chiapetti 2009).
Como os produtores da região haviam contraído empréstimos na época de alta dos preços do cacau, a crise de 1929 culminou na queda dos preços do fruto. Esses empréstimos transformaram-se em grandes dívidas para os produtores e resultaram em prejuízos para a cacauicultura regional, para os produtores e, consequentemente, para o próprio estado da Bahia (Rangel 1982).
Em 1930, na tentativa de lidar com a situação, os produtores reivindicaram a intervenção do estado, que, como resposta, criou, em 1931, por meio de decreto, a Sociedade Cooperativa de Responsabilidade Limitada - Instituto do Cacau da Bahia - doravante ICB, a qual adotou diversas medidas e normatização para potencializar a produção e assegurar certa estabilidade nos processos econômicos ligados à atividade cacaueira - algo que, efetivamente, contribuiu para aumentar a produção de cacau e a geração de divisas nos anos seguintes (Chiapetti 2009; Rocha 2008).
No que se refere ao desenvolvimento da cultura do cacau na região, Nascimento, Dominguez e Silva pontuam que:
Do ponto de vista regional, a marca para o desenvolvimento da cultura cacaueira deu-se, entre 1931 e 1934, com o escoamento da produção, após a implantação da linha ferroviária que interligava centros produtores como Ilhéus, Itabuna, Uruçuca e Itajuípe e a construção das rodovias entre Itabuna e Buerarema, em 1930, e entre Itapebi e o porto fluvial do Jequitinhonha, em 1941. (2009, 12)
Antes mesmo da década dos anos 1930, o Brasil caracterizava-se por apresentar economias regionais denominadas arquipélagos econômicos, em razão da pouca integração entre elas e de serem voltadas, principalmente, para a exportação da produção primária (Santos e Silveira 2001). Na década dos anos 1930, contudo, a característica econômica de arquipélago passa a ser mais rapidamente desmontada por meio da política de industrialização adotada no período e pelo processo de integração econômica e territorial, então em curso.
Durante a Segunda Guerra Mundial, a atividade cacaueira regional sofre nova desestruturação devido à suspensão das exportações para a Europa, à redução das exportações para os Estados Unidos, e à queda dos preços - o que levou a nova intervenção do estado por meio do estabelecimento da Superintendência da Moeda e do Crédito, que propiciou ao ICB o monopólio da comercialização (Chiapetti 2009).
Na década dos anos 1950, a cacauicultura sul-baiana voltou a sofrer significativas perdas em razão, dentre outros fatores, de a política do Governo Federal privilegiar a industrialização do Sudeste do país e deixar para segundo plano o investimento na melhoria das lavouras de cacau. Além disso, há um aumento da dívida dos produtores devido à baixa nos preços da amêndoa de cacau; acrescente-se a isso o fato de, em 1957 e em 1964/1965, ocorrer a segunda grande crise do produto no mercado, por conta da expansão da atividade cacaueira, sobretudo nas colônias inglesas e francesas na África (Nascimento, Dominguez e Silva 2009; Rangel 1982). Como resposta a novas reivindicações dos produtores, o Governo cria, em 1957, a Comissão Executiva para o Plano da Lavoura Cacaueira (CEPLAC), visando intervir na situação (Rocha 2008).
De forma simplificada, pode-se apontar que a economia cacaueira regional sul-baiana passou por três principais crises: a primeira, influenciada pela quebra da bolsa de valores de Nova Iorque, nos Estados Unidos, em 1929 (onde o preço internacional do cacau era cotado); a segunda, em 1957 e em 1964/1965, por conta da expansão da atividade nas colônias inglesas e francesas na África; e, por fim, a terceira e atual crise, principiada em 1987 e aprofundada em 1989 com o surgimento da praga vassoura-de-bruxa, um tipo de fungo que se alastra facilmente, dizimando os cacaueiros. Essa última crise foi a mais drástica para a região e causou profundos problemas socioeconômicos, além de significativa transformação na sua dinâmica espacial, o que levou a maioria dos municípios da microrregião a uma reorganização socioeconômica e a uma nova complexidade funcional e contextual. A crise e as transformações por ela provocadas serão o enfoque central deste artigo, na abordagem a seguir.
Crise, transformação e ressignificação no contexto da globalização em curso
Já na década dos anos 1970, diante do contexto internacional de transformações promovidas pelo “progresso” no domínio dos transportes e das comunicações, além da expansão generalizada da economia internacional, Santos (1978) destacou que essas transformações poderiam explicar a crise da noção clássica de região, e que, mesmo mantida a denominação, seria obrigatória uma redefinição do conceito da palavra.
Posteriormente, ao explicar de maneira mais aprofundada a influência dessas transformações e do processo de globalização da economia e da sociedade em curso, Santos (1997) explicitou que a compreensão da região deveria passar pelo entendimento do funcionamento da economia no âmbito mundial e de seus reflexos no território de um país, pela intermediação de diferentes atores e agentes.
Em fins da década dos anos 1980, Breitbach (1988) também havia chamado a atenção para a problemática da indefinição da utilização do conceito de região. Segundo a autora (Breitbach 1988, 18), a imprecisão na utilização da palavra vinha fazendo com que o termo fosse empregado largamente por economistas, geógrafos, cientistas sociais, historiadores etc., sem, contudo, haver uma explicitação precisa do seu significado, a ponto de se utilizá-lo para identificar áreas de localização de certas atividades produtivas (“região da soja”, “região da pecuária” etc.), ou para determinadas relações de produção (“região do minifúndio”), ou na identificação de áreas geográficas de características específicas (“região da serra”), ou mesmo a utilização do termo regional representando o estadual. Assim, Breitbach (1988), entendendo a região como uma realidade objetiva, corroborava a necessidade do aperfeiçoamento do significado da palavra região.
Segundo Corrêa (1986),
Embora seja difícil estabelecer com precisão o significado da palavra “região”, é certo que, seja qual for sua definição, está intimamente ligada às formas de produção que vigoram em determinado momento histórico. O processo de diferenciação de áreas, ou regionalização, se dá com maior rapidez e profundidade, fazendo com que a diferenciação de áreas seja muito notável. Em outros momentos esse processo não ocorre ou é extremamente lento.
Tanto Santos (1997) quanto Corrêa (1986) partem da ideia de formação de uma região a partir dos modos de produção característicos de uma sociedade em um período histórico específico, e adquirem novos conteúdos conforme a história vai sendo construída. Nesse modo de pensar, a compreensão da formação, conteúdo e atuação de uma região na conjuntura atual só pode ser entendida dentro do modelo econômico vigente, globalizatório/fragmentatório, reflexo dos modos de produção atual - pois o mundo passou por mudanças e as concepções anteriores não dão conta de explicar a realidade atual.
Para Castro (2002), o termo região permaneceu nas obras de Milton Santos como um vocábulo indicativo de um recorte espacial tomado para um determinado fim analítico, porém vazio em seu conteúdo original, impedindo a possibilidade ontológica de pensar a região como um recorte significativo para qualquer nível de explicação. Isso ocorreu, segundo a autora, em primeiro lugar, devido ao forte impacto provindo das discussões metodológicas sofridas pela disciplina nas décadas de 1960/1970; em segundo lugar, pelas grandes transformações econômicas e políticas ocorridas no mundo, a partir da década dos anos 1980, em razão do grande avanço tecnológico.
Lencione (2005) por sua vez, aponta que o fato de a região ser vista, em muitos estudos da linha crítica da geografia, como produto de uma divisão territorial do trabalho, no âmago do processo capitalista de produção, repercutiu em análises regionais nas quais as regiões eram entendidas como derivações de processos gerais, esquecendo-se de ou colocando-se em segundo plano suas características internas e particulares. Além disso, muitas vezes, transferia-se, equivocadamente, a ideia de exploração de uma classe social por outra para a ideia de exploração de uma região por outra.
Segundo Moreira (2006), a organização espacial das sociedades modernas começa a se diluir diante da arrumação do espaço mundial em rede, que vai mudando a forma e o conteúdo dos espaços, requerendo que a teoria acompanhe a mudança da realidade, ao custo de não mais conseguir dar conta de sua compreensão. Há também a necessidade de se analisarem diferentes fatores envolvidos nas perspectivas futuras da Geografia Regional (Wood 1999).
Durante a década dos anos 1970, o cenário internacional apresentava-se caracterizado por transformações propiciadas pelo progresso no transporte e nas comunicações, uma expansão generalizada da economia capitalista internacional (Santos 1978) e uma ampla expansão da utilização de insumos desenvolvidos no âmbito científico-tecnológico que caracterizou a denominada Revolução Verde - conjuntura essa que encaminha o cenário internacional na direção de um processo de globalização.
No cenário brasileiro, a década de 1970 caracterizou-se pela política do desenvolvimento a qualquer custo promovido pelo governo de regime militar que comandava o país, quando se buscava o crescimento econômico de forma indiscriminada. Nesse período, foram construídas as chamadas obras “faraônicas” no país, predominantemente com capital emprestado dos EUA; além disso, o país passa por um processo de investimento em indústrias e infraestrutura, paralelamente a uma forte concentração de renda, acentuação da desigualdade social, desestruturação das relações de trabalho e mecanização no campo, forte migração rural-urbana, e o inchaço das grandes e médias cidades nas décadas seguintes.
Em 1970/1971, com a inauguração de um porto mais amplo e mais moderno em mar aberto em Ilhéus (o porto Malhado), em substituição ao porto do Pontal (bem menor que aquele), a Região Cacaueira da Bahia passa a ter um grande fixo de entrada e saída de mercadorias, em razão da grande demanda pela exportação de cacau (Chiapetti 2009). Em fins da década de 1970, lideranças políticas locais, em razão da situação econômica em que se encontrava a microrregião, chegaram a propor que a mesma fosse desmembrada do estado da Bahia e se tornasse o estado da Santa Cruz (algo que não resultou).
Durante a década dos anos 1970 e meados da década dos anos 1980, ocorre um crescimento significativo na produção de cacau voltada para a exportação, destacando-se o ano de 1985, quando a produção cacaueira da região contribuiu para que o estado da Bahia alcançasse a maior marca já registrada, com 381.034 toneladas (t) (IBGE 2008), e o Brasil atingisse a produção máxima desse produto, que ocorreu no ano agrícola 1984/1985, com 403 mil t (Nascimento 1994). Também entre fins da década dos anos 1970 e início da década dos anos 1980, são instalados o Centro Industrial de Itabuna e o Distrito Industrial de Ilhéus (Trindade 2011), que estabelece uma nova divisão territorial do trabalho e reafirma as cidade de Ilhéus e Itabuna como polos regionais (centros da rede urbana regional).
No ano de 1984, inicia-se na região um importante movimento em busca de reforma agrária e da criação dos primeiros Projetos de Assentamentos Rurais no âmbito federal (OS PAs), com o movimento dos posseiros, no município de Canavieiras, pela ocupação das fazendas Puxim e Sarampo, e, em seguida, das fazendas Francônia e Serra da Onça, no atual município de Santa Luzia (movimento esse que, em sua origem, não contou com a participação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - doravante MST. No entanto, a despeito desse movimento, a primeira experiência oficial de reforma agrária na região e no estado da Bahia deu-se no ano de 1963, com a criação da Comunidade Rural Fazenda do Povo, no município de Ipiaú, por iniciativa do então prefeito Euclides Neto, ano anterior à implantação do sistema de governo de regime militar no Brasil. A comunidade existe até os dias atuais como uma experiência de reforma agrária do âmbito municipal de Ipiaú (Bruno et al. 2016).
Em 1987, começa uma grave crise na economia cacaueira, o que contribuiu para que, no ano seguinte, o cacau perdesse a primeira posição na pauta de exportações do estado para os produtos químicos e petroquímicos (SEI 1992). Destaque-se, no entanto, que, outrora, a atividade econômica cacaueira do Sul da Bahia chegou a empregar cerca de 400 mil pessoas diretamente e a representar mais de 50% das receitas do estado (Fernandes et al. 2008).
Segundo Fernandes (2008 apud Aguiar et al. 2014, 208), essa crise:
[...] teve como origens e causas a conjugação de fatores internos e externos à região. Internamente, o conservadorismo do produtor de cacau; a falta de uma visão empresarial no sentido de investir na modernização da produção, levando à perda de competitividade do cacau baiano no âmbito internacional; a instabilidade macroeconômica, sobretudo no que se refere à inflação, levando ao aumento dos custos da produção, diminuição dos rendimentos dos produtores e aumento das dívidas. Já em âmbito internacional, houve uma superprodução de cacau em outros países como consequência da expansão de suas áreas cultivadas, além da inserção de outros países na produção de cacau, como a Malásia e a Indonésia - diminuindo, por consequência, o preço internacional do produto.
Essa última crise da cacauicultura foi agravada substancialmente pela inserção na microrregião da praga vassoura-de-bruxa, cujos dois primeiros focos foram diagnosticados em roças de cacau no município de Uruçuca e no município de Camacan, no ano de 1989, de onde se espalharam até alcançar, em 1992, toda a microrregião (Rocha 2008).
Mascarenhas (2004, 17) destaca que:
Nos últimos anos, a queda dos preços do cacau, a ocorrência de estiagens [e a podridão parda] e, mais recentemente, a incidência da vassoura-de-bruxa nos cacauais exerceram um profundo impacto negativo sobre o agronegócio cacau e a sociedade regional. No agronegócio, houve queda na produtividade e abandono de lavouras, descapitalização e endividamentos dos cacauicultores, redução da oferta global, desemprego generalizado, êxodo rural, falências e concordatas em empresas comerciais e industriais, desabastecimento do parque moageiro e a importação de cacau. Além do crescimento do desemprego direto e indireto na cidade e no campo, houve um desaquecimento da economia regional e uma pressão maior sobre os recursos naturais, refletida no aumento de sua exploração de forma inconsequente e predatória.
Conforme se pode observar pela figura 2, a partir da crise que se instalou na cacauicultura, a tendência da produção de cacau da Microrregião Ilhéus-Itabuna, do estado da Bahia e do Brasil, no período de 1990 a 2004, foi de contínuo declínio, com ligeiro crescimento. O que chama mais a atenção é o fato de que, em todo o período analisado, a tendência de declínio ou de ligeiro crescimento apresentada pela microrregião foi diretamente seguida pela produção do estado da Bahia e pela produção brasileira; esse fato deixa evidente a forte participação da microrregião na produção do estado e do país, e a forte dependência dessas duas instâncias em relação à produção daquela.
Nesse período, a maior produção da Microrregião Ilhéus-Itabuna, do estado da Bahia e do Brasil foi em 1990, com 229.445 t, 298.024 te 356.246 t, respectivamente, e a menor produção de ambas as esferas foi em 2002, com 70.339 t, 110.205 t e 174.796 t, respectivamente.A região, que em sua origem era coberta por vegetação típica da Mata Atlântica em sua maior parte, apresenta atualmente significativa redução da composição original, caracterizando-se em pontos isolados ou em pequenas manchas na forma de remanescentes florestais. As maiores extensões da vegetação de Mata Atlântica ainda preservadas encontra-se em associação ao plantio de cacau sob o sistema Cabruca, ou seja, plantios de cacau (extrato inferior) sombreados por árvores que formam o extrato superior. Pressões indiscrimandas sobre os recursos naturais passaram a ocorrer com a última crise do cacau e também algumas áreas de plantio dessa cultura foram substituídas por áreas de pasto destinadas à pecuária bovina, ao plantio de outras culturas agrícolas, ou a outras atividades.
No entanto, as áreas em hectares (ha) plantadas com cacau na Microrregião Ilhéus-Itabuna, no estado da Bahia e no Brasil (tabela 1) não seguiram a tendência da produção de cacau em apresentar substancial declínio; ao contrário, essas áreas sofreram variações em percentuais não muito significativos no mesmo período de 1990 a 2004 - o que aponta que a infestação das lavouras de cacau com a vassoura-de-bruxa não significou o abandono ou a substituição em larga escala das áreas destinadas à cacauicultura por outras atividades.
Segundo Chiapetti (2009), mesmo com a crise na cacauicultura e a significativa redução na produção, o cacau continua sendo o produto agrícola mais desenvolvido e que ocupa maiores extensões de áreas agrícolas na microrregião. Cabe ressaltar que, nos primeiros anos da década de 2000, a produção de cacau na microrregião foi bem menor do que a dos anos da década de 1990, o que acarretou um déficit do produto e o país tivesse de importá-lo para abastecer as indústrias nacionais (Zugaib e Andrade 2015). Nesse contexto, a Região Cacaueira da Bahia/Microrregião Ilhéus-Itabuna/, de exportadora de cacau passa à condição de importadora do produto.
O declínio da atividade econômica cacaueira trouxe significativas transformações no espaço da microrregião e na dinâmica dos seus municípios. Além dos problemas já citados, o declínio socioeconômico influenciou na dinâmica populacional dos municípios, com forte êxodo rural e perda de população em vários deles para o centro regional Ilhéus-Itabuna e para outros estados do país. É também a partir dessa crise que se intensificam os processos de luta por reforma agrária na região, por meio da ocupação de fazendas, acampamento e conflito armado, ou mesmo negociação, visando à criação de Assentamentos Rurais (já com a participação do MST) - em que muitos ex-trabalhadores de fazendas de cacau se tornam assentados. Segundo Aguiar,
A dinâmica de determinada população no território, ocupando determinados espaços ou mesmo desocupando outros (mantendo relações e diferentes fluxos), é influenciada diretamente por questões econômicas, sociais, políticas e ambientais, tanto do contexto interno quanto do contexto externo ao local. Sendo que, dentre estas, as questões econômicas se apresentam como a principal responsável pela dinamização da realidade de determinada população e por potencializar as outras questões às quais se relacionam dialeticamente. (2015, 21)
Conforme se pode observar na tabela 2, com base nos dados dos três últimos censos demográficos do IBGE (1991, 2000 e 2010a), entre 1991 e o ano 2000, cerca de 71% dos municípios apresentaram perda de população, ou seja, 29 dos 41 municípios da microrregião; o município que mais perdeu população foi Uruçuca, com a saída de -10.440 habitantes. Nesse mesmo período, cerca de 29% dos municípios tiveram acréscimo em suas populações, ou seja, 12 dos 41 existentes; e o município que mais teve acréscimo em sua população foi Itabuna, com incremento de +11.398 habitantes. De forma geral, a diferença entre a população total da microrregião em 1991 e 2000 foi de -33.954 habitantes; portanto, no ano 2000, a microrregião apresentava uma redução de -33.954 pessoas (3,0%) em relação à população que havia em 1991 - pessoas essas que migraram em sua maioria para outros estados do país à procura de melhores condições de vida.
Mais tarde, já nos anos 2000 e 2010, cerca de 76% dos municípios apresentaram redução no número de habitantes, ou seja, 31 das 41 cidades da microrregião; o município mais afetado foi Ilhéus, com perda de -37.896 habitantes. Durante esse mesmo período, 10 dos 41 municípios (24%) registraram aumento da população; o município de Itabuna se destacou com um acréscimo de +8.035 habitantes, e ,em segundo lugar, foi Itacaré, com +6.220 habitantes (Itabuna recebeu esse significativo incremento por se consolidar como polo regional e centro de comércio atacadista e varejista; já Itacaré, por sua importância no setor turístico associada à sua proximidade geográfica de Ilhéus). De forma geral, a diferença entre a população total da microrregiâo entre os anos 2000 e 2010 foi de -74.395 habitantes. Portanto, no ano de 2010, a microrregião apresentava uma redução de -74.395 pessoas (7%) em relação à população do ano 2000.
Os seis maiores contingentes populacionais da Microrregião Ilhéus-Itabuna no censo de 1991 estavam respectivamente nos municípios de Ilhéus (223.750 hab.), Itabuna (185.277 hab.), Ipiaú (45.245 hab.), Camacan (37.023 hab.), Canavieiras (33.019 hab.) e Coaraci (31.064 hab.); no censo de 2000, as seis maiores populações se encontravam respectivamente nos municípios de Ilhéus (222.127 hab.), Itabuna (196.675 hab.), Ipiaú (43.621 hab.), Canavieiras (35.322 hab.), Una (31.261 hab.) e Camacan (31.055 hab.); em 2010 (figura 3) as seis maiores populações se encontravam em Itabuna (204.710 hab.), Ilhéus (184.231 hab.), Ipiaú (44.430 hab.), Camacan (32.468 hab.), Canavieiras (32.331 hab.) e Gandu (30.329 hab.).
Dados: elaborado por Jhon F. Camacho a partir de Base cartográfica IBGE 2015; Base MapArcGIS 2017; dados populacionais IBGE 2010b.
Embora boa parte dos municípios da microrregião tenham sofrido inversão da concentração da maior parcela de sua população do espaço rural para o espaço urbano pós-chegada da vassoura-de-bruxa aos cacauiais em seus territórios, municípios de maior contingente populacional, como Itabuna, Ilhéus, Ipiaú e Canavieiras, já haviam passado por essa transição antes da praga, seguindo uma tendência nacional.
Ao Analisar o Índice de Desenvolvimento Humano - doravante, IDH - (educação, longevidade e renda) dos seis municípios com melhor desempenho socioeconômico recente na Microrregião Ilhéus-Itabuna, percebe-se, pela tabela 3, que, em 1991, eles apresentavam baixo IDH, seguindo tendência do estado da Bahia e do Brasil - a variável de melhor desempenho em todos esses municípios naquele ano foi a longevidade; a pior em todos eles foi a educação.
Dados: elaborado por Paulo César Bahia de Aguiar a partir de PNUD, Fundacão João Pinheiro e Ipea 2010.
No ano 2000, os municípios de Itabuna e Ilhéus já haviam melhorado seu índice de desenvolvimento humano dos municípios - doravante, IDH-M passando à condição de médio desenvolvimento humano (com melhor desempenho da variável longevidade e pior desempenho da variável educação), mesma condição do estado da Bahia e do Brasil; já os municípios de Ipiaú, Gandu, Camacan e Canavieiras continuavam com baixo IDH-M, embora mais próximos do médio desenvolvimento humano, sendo a longevidade a variável de melhor desempenho nesses quatro municípios, e o de pior desempenho continuou sendo a educação.
Por fim, no ano de 2010, os seis municípios já haviam alcançado a condição de médio IDH-M, igualando-se ao estado e ao Brasil, mas matendo a longevidade como variável de melhor desempenho e a educação como a mais baixa.
Os dados do IDH.M, juntamente com os da evolução da população e da produção de cacau na microrregião, evidenciam que, mesmo a microrregião tendo sofrido um agravamento na redução da produção de seu principal produto agrícola (o cacau - produto esse que, por décadas, foi a base da economia regional) nos primeiros anos da década dos anos 2000, entre 2000 e 2010 há certa melhora nas condições de vida, não apenas da população dos seis municípios considerados, mas também de vários outros. Tal fato está ligado diretamente à ocorrência e à consolidação da urbanização na maior parte dos municípios, quando consolidam também o setor terciário (comércio e serviços) como o principal setor, passando, portanto, por um processo de reorganização socioeconômica - além de programas sociais de diferentes esferas governamentais passarem a atender as populações mais necessitadas dos municípios. É salutar frisar, conforme destaca Aguiar (2015), que, embora compondo uma realidade regional norteada por questões socioeconômicas conectadas, esses municípios apresentam suas particularidades. Portanto, a realidade local de cada um deles é singular, fruto da sobreposição do tempo (resultante de relações internas e conexões com outros contextos).
O centro urbano de Itabuna, polo regional do comércio varejista e atacadista, por ofertar equipamentos e variados serviços especializados, além de constituir-se como entroncamento rodoviário (porto de passagem das principais rodovias), expande sua zona de influência para além do Sul da Bahia, chegando seu raio de influência ao Extremo Sul do estado. Ilhéus, por sua vez, tem uma revalorização de sua função portuária, passando a escoar a soja produzida no Oeste do estado, a receber transatlânticos por sua importância turística, a exportar outros produtos, a planejar a implantação de um complexo intermodal, com a construção de um novo porto (o Porto Sul) e a ferrovia de integração Oeste-Leste, a princípio, para exportação de minério de ferro e, posteriormente, de soja e outros produtos; além disso, o município oferece também diferentes serviços especializados e detém o principal aeroporto da microrregião. Assim, Itabuna e Ilhéus se firmam como centros polarizadores da rede urbana regional (Chiapetti 2009; Trindade 2011). Os outros quatro municípios (Ipiaú, Gandu, Camacan e Canavieiras) firmam seu setor terciário no comércio e serviços, embora com menor complexidade que os ofertados por Itabuna e Ilhéus, e uma relativa diversificação no setor primário, a exemplo de Canavieiras.
Segundo Trindade (2011), na rede urbana regional, destacam-se Itabuna e Ilhéus como centro regional que polarizam os serviços oferecidos na região; Ipiaú, Gandu, Camacan, Ubaitaba e Ibicaraí, como espaços urbanos menores que o centro regional, estabelecem-se como centros de zona. O espaço urbano de Canavieiras não se firmou como centro de zona, dentre outros fatores, devido à sua localização geográfica isolada por rodovia e fim de linha.
Na faixa litorânea da microrregião, formou-se um eixo turístico (polo turístico denominado “Costa do Cacau”, criado em 1995 pela CODETUR/SUDETUR do Governo do estado), abrangendo os municípios de Ilhéus, Uruçuca, Itacaré, Canavieiras e Una (Ilha de Comandatuba), e os municípios não litorâneos de Itabuna e Santa Luzia (Trindade 2011).
O indicador Produto Interno Produto dos municípios - doravante, PIB-M de Itabuna, Ilhéus, Ipiaú, Gandu, Camacan e Canavieiras reforça o importante papel socioeconômico dessas seis cidades na microrregião em conjuntura recente, ao apresentarem, entre os anos 1999-2012, os seis melhores PIB-M (tabela 4). Até o ano de 2004, o município de Ilhéus assumia a primeira posição com maior PIB-M. No entanto, a partir do ano de 2005, essa posição foi assumida e mantida ano a ano pelo município de Itabuna.
A estrutura setorial do PIB-M dos seis municipios considerados aponta que o setor terciário (setor de serviços) apresenta-se como o principal produtor de capital e o que concentra a maior parcela da população economicamente ativa, ocupada em alguma atividade econômica (quer seja formal ou informal) - havendo aí uma forte participação das finanças públicas no fortalecimento do setor, já que a principal fonte de receitas desses municípios (maior percentual) provém de tranferências governamentais legais e constitucionais.
É importante salientar que foi a partir do ano base de 1999 que o PIB-M passou a ser mensurado no âmbito nacional, ano a ano, o que permitiu a análise da estrutura e da evolução econômica dos municípios e suas tendências futuras, além da distribuição setorial e espacial das atividades econômicas, como também a possibilidade de se ter certa noção da distribuição da população economicamente ativa entre os setores de atividade.
No que se refere ao PIB per capita (tabela 5), no período compreendido entre os anos 2000 e 2012, o município de Itabuna manteve-se em primeiro lugar em todos os anos, com o maior pib per capita, seguido do município de Ilhéus - à exceção dos anos 2001 e 2004, quando Ilhéus ocupou a primeira posição e Itabuna esteve em segundo lugar; de 2013 a 2015, Ilhéus volta a ocupar o primeiro lugar, com o maior PIB per capita da microrregião. Até o ano de 2007, o município de Gandu detinha o terceiro maior PIB per capita na microrregião, perdendo essa posição para o município de Ipiaú a partir de 2008 - entretanto, em 2015, Gandu retorna ao posto de terceiro colocado no ranking.
Contudo, a despeito dos valores representativos do PIB per capita desses seis muncípios, esses valores não representaram melhoras sociais ou econômicas para o todo das suas populações, já que, em razão de o PIB per capita traduzir um cálculo matemático (resultado da divisão do pib-m pelo total da população do município), na prática, a população desses municípios como um todo não deteve esses valores de forma igualitária nos anos mensurados. Nesses municípios, porém, havia significativa concentração de renda, em que um pequeno percentual da população detinha grande parte da renda, e o maior percentual da população detinha a menor parte - havendo, portanto, forte desigualdade socioeconômica, com muitas pessoas subempregadas, desempregadas dependentes de outrem e trabalhadores informais.
Considerações Finais
Estudar uma determinada região a partir de suas especificidades não é uma tarefa fácil e nenhum estudo isolado pode dar conta de compreendê-la em sua totalidade, tanto no que se refere às suas nuanças internas quanto no que se refere às influências externas dos contextos nacional e internacional, que afetam a dinâmica das regiões. Dessa forma, o presente estudo não teve a pretensão de se propor a esgotar de forma analítica a compreensão da Região Cacaueira da Bahia/ Microrregião Ilhéus-Itabuna, mas sim apresentá-la de forma panorâmica, a partir da recente transformação pela qual ela passou, influenciada, sobretudo, pela crise em sua principal atividade econômica, a cacauicultura.
A Microrregião Ilhéus-Itabuna, em razão da última e atual crise na cacauicultura, que, por décadas, foi a sua principal atividade econômica, passou por um profundo processo de reorganização socioeconômica e produtiva. Nesse contexto, Itabuna e Ilhéus se consolidam como os principais municípios da microrregião, e ambos os centros urbanos firmam-se como polarizadores da rede urbana regional, especialmente por concentrarem as funções urbanas de maior complexidade. Os dados analisados confirmam essas transformações, a ressignificação da microrregião e o papel exercido pelos seis municípios de melhor desempenho socioeconômico recente: Itabuna, Ilhéus, Ipiaú, Gandu, Camacan e Canavieiras.
Embora entendida por alguns estudiosos, em sua gênese e desenvolvimento, como um espaço derivado (uma economia agrário-exportadora conforme os interesses e os ditames dos mercados internacionais), a Microrregião Ilhéus-Itabuna tenta enquadrar-se em uma outra perspectiva em meio às contradições do complexo processo de globalização em curso.
No entanto, muitos dos aspectos que a caracterizaram daquela forma ainda são uma realidade em sua dinâmica, apenas adquiriram outra roupagem, conforme os ditames e as características da atual conjuntura mundial.