Introdução
A dengue é uma doença cujo controle se mostra bastante complicado, pois envolve elementos socioambientais, necessidade de políticas públicas (especialmente referentes a campanhas sanitárias) e o modo de vida da população (que afeta diretamente a educação ambiental (Fogaça e Mendonça 2017). Entre 1995 e 2000, a Organização Pan-Americana da Saúde - em diante OPAS (2014), registrou a circulação dos quatro sorotipos da dengue (Vírus Dengue - DENV 1, 2, 3 e 4) e a presença de epidemias na América Central, com seu alastramento de volta à América do Sul na alvorada do século XXI. Argentina, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai no cone sul do continente, foram os países que apresentaram a maior quantidade de pessoas acometidas pela doença, totalizando mais de 50% dos casos das Américas.
É importante destacar que o Aedes aegypti é o vetor, também, da febre amarela, chikungunya e zika, que estão causando enormes dificuldades na saúde pública dos países da América do Sul (Fogaça e Mendonça 2017). Além dessas, o mosquito é associado à presença da Febre do Nilo Ocidental que vem se configurando em mais uma ameaça para as populações do continente (Silva 2016).
O aumento da ocorrência e do risco provocado pelos casos de febre hemorrágica da dengue levou o governo federal brasileiro a lançar, em 2002, o Programa Nacional de Controle da Dengue - em diante PNCD (Ministério de Saúde - Fundação Nacional de Saúde 2002). O PNCD possui 10 componentes e apresenta as seguintes metas: 1) redução dos índices de infestação predial a menos que 1%; 2) diminuição do número de casos da doença em 50%, em 2003, em relação a 2002 e de 25% nos anos subsequentes; e 3) redução da letalidade por febre hemorrágica de dengue a menos de 1% (Ministério de Saúde - Fundação Nacional de Saúde 2002).
As secretarias municipais de saúde - em diante SMS, são responsáveis pela gestão e pela execução das ações do PNCD. Considerando o Brasil um país continental, com inúmeras especificidades administrativas, políticas e geográficas, o próprio programa sugere a adequação das ações efetivadas nos municípios em acordo com suas realidades e características socioculturais (Ministério de Saúde - Fundação Nacional de Saúde 2002).
Desde a implantação do PNCD várias ações têm sido desencadeadas, mas, apesar dos esforços e dos altos custos investidos, ainda ocorrem epidemias e óbitos pela doença. Nesses quase 16 anos de PNCD, o Brasil notificou aproximadamente 10.8 milhões de casos da doença, com 6.042 óbitos. Nas epidemias de 2015 e 2016 foram notificados 1.6 e 1.5 milhões de casos, respectivamente. A taxa média de letalidade nesses dois anos foi de 5,5% (Secretaria de Vigilância em Saúde - Ministério de Saúde Brasil 2017, 2018). Nesse sentido, a avaliação do programa em diferentes contextos de implantação pode contribuir para o seu aperfeiçoamento.
As fronteiras são espaços de fundamental importância para o controle da dengue, pois nelas a taxa de incidência da doença é elevada. No caso brasileiro é 1,6 vezes maior do que a média nacional (Carvajal Cortés et al. 2015), e o fluxo transfronteiriço de pessoas aumenta o potencial de epidemias (Hu et al. 2017). As fronteiras são as portas de entrada para um país, e, a proximidade com o outro país exige diferentes estratégias de controle da doença quando comparadas aos demais territórios nacionais. A doença desconhece a existência de fronteiras e, num mundo cada vez mais conectado, o surgimento e ressurgimento de doenças infecciosas é mais uma possibilidade de alastramento através dos limites internacionais (Puyvallée e Kittelsen 2019). A questão norteadora desta pesquisa é: será que as políticas públicas de enfrentamento à dengue têm sido plenamente implantadas nos municípios fronteiriços, dada sua complexidade territorial?
O objetivo deste trabalho é analisar a influência das características contextuais de dois municípios fronteiriços do estado do Mato Grosso do Sul -Corumbá (fronteira Brasil/Bolívia) e Ponta Porã (fronteira Brasil/Paraguai)- nos graus de implantação do PNCD e a influência dos graus de implantação nos efeitos observados.
O trabalho está organizado em duas seções para apresentar os resultados sobre as influências do contexto externo, o contexto político-organizacional e os efeitos na avaliação do PNCD. Na primeira seção, indi-cam-se os procedimentos metodológicos da pesquisa. Na segunda seção, expõem-se os resultados obtidos do levantamento realizado divididos em três subseções, juntamente com sua discussão.
Metodologia
Realizou-se uma pesquisa avaliativa com a utilização de estudos comparativos entre dois municípios fronteiriços do estado de Mato Grosso do Sul, na Região Centro-Oeste do Brasil, na porção Centro-Leste da América do Sul. Na seleção dos municípios foram considerados os seguintes critérios: possuir território em contato direto com o limite internacional e ser considerado município prioritário para o PNCD em Mato Grosso do Sul. Assim, foram identificados dois municípios: Corumbá e Ponta Porã (Figura 1).
Dados: Laboratorio de Estudos Socioambientais da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - UFMS (2019).
Corumbá é o município de maior extensão territorial de Mato Grosso do Sul, perfazendo 64.962.720 km2. Está localizado no Oeste do Estado e possui em seu território a maior parte do Pantanal. Em 2016, a população estimada foi de 109.294 habitantes (90% urbana) (IBGE 2016). A sede do município se conecta ao território boliviano (Arroyo Concepción, distrito de Puerto Quijarro, na província de Germán Busch, no departamento de Santa Cruz) por uma ponte construída sobre um pequeno arroio que une as cidades fronteiriças. A circulação de pessoas e mercadorias é vista cotidianamente e entendida como produto de uma construção histórica, e explicada pela busca das complementaridades socioeconómicas dos povos dessa fronteira (Costa 2013).
O município de Ponta Porã está localizado no Sul do Estado, possui 5.328621 km2 e uma população estimada em 2016 de 88.164 habitantes (80% urbana) (IBGE 2016). A cidade é conurbada com Pedro Juan Caballero (departamento de Amambay, no Paraguai). A Avenida Internacional é a principal via de união/separação entre as urbes fronteiriças. Dessa forma, a passagem de fronteira é plenamente porosa e sem controle. Os povos dessas cidades construíram vários elementos culturais, além de relações comerciais, políticas e económicas. Vale destacar que vários habitantes das fronteiras estudadas possuem a dupla cidadania como elemento comum.
Este estudo é uma das etapas da pesquisa "Avaliação da Implantação do PNCD em Municípios Fronteiriços de Mato Grosso do Sul". A primeira etapa correspondeu a um estudo de verificação, definido como um conjunto de procedimentos que antecedem a realização da avaliação propriamente dita (Leviton et al. 2010). Este exercício permitiu a construção do modelo lógico do programa, do modelo teórico da avaliação e da elaboração e validação, através de técnica de consenso entre especialistas, da matriz de critérios para avaliar o programa (Costa e Cunha 2017). O modelo teórico da avaliação proposto (Figura 2) contempla os contextos externo, político-organizacional, a implantação propriamente dita e os efeitos.
A segunda etapa consistiu no cálculo do grau de implantação - em diante Gi. Foram avaliados a estrutura e o processo de trabalho dos 10 componentes do PNCD, como normatizado, por meio de questionários estruturados aplicados aos coordenadores da vigilância epidemiológica, do controle de vetores e da atenção primária à saúde, aos médicos e enfermeiros da Estratégia Saúde da Família e dos hospitais, aos técnicos da vigilância epidemiológica e aos agentes comunitários de saúde e de controle de endemias. Para quantificar a realização das atividades, foi empregado um sistema de escores.
Foram constatados programas parcialmente implantados nos dois municípios, com Gi de 63,1% e 66,4% para Corumbá e Ponta Porã, respectivamente (Costa, Cunha e Costa 2018).
Realizou-se uma pesquisa avaliativa do tipo Análise de Implantação em seu primeiro e segundo componentes, que correspondem, respectivamente, à análise da influência dos determinantes contextuais no grau de implantação do PNCD e à análise da influência da variação do grau de implantação do PNCD sobre os efeitos observados, na tipologia proposta por Denis e Champagne (1997).
Para o contexto externo foram definidas a dimensão: condições socioeconómicas e ambientais; e as subdimensões: condições climáticas, saneamento básico e indicadores demográficos e sociais como fatores condicionantes da suscetibilidade da população à dengue. Os dados foram provenientes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Instituto Nacional de Meteorologia (INMET) e dos Planos Municipais de Saneamento Básico. Procurou-se reunir os dados mais recentemente disponíveis.
Para a avaliação do contexto político-organizacional foi utilizado como aporte teórico o Triângulo de Governo de Matus (1997), com suas respectivas dimensões e sub-dimensões: a) projeto de governo: planejamento e organização das ações de saúde, financiamento da saúde; iniciativas intersetoriais; b) capacidade de governo: perícia pessoal dos gestores, política de recursos humanos; e c) governabilidade: base de apoio político, relacionamento entre gestores, controle social, autonomia financeira e ações integradas com o país vizinho.
Cada uma das subdimensões comportou, por sua vez, um conjunto de critérios que permitiram analisar o processo de gestão e a organização dos sistemas municipais de saúde investigados.
Realizaram-se entrevistas semiestruturadas junto a uma amostra intencional de informantes considerados estratégicos para a implantação do PNCD no segundo semestre de 2016: secretários de saúde, gerentes da vigilância em saúde, coordenadores da vigilância epidemiológica, do controle de vetores e da atenção primária à saúde e os presidentes dos Conselhos Municipais de Saúde (total de seis entrevistas em Corumbá e cinco em Ponta Porã - o secretário de saúde se reservou o direito de não participar). Também foram analisados e consultados os seguintes documentos e sistemas de informação: Planos Municipais de Saúde - em diante PMS, de 2014-2017, Relatórios de Gestão - em diante RG, de 2015 e 2016, organograma das SMS, atas de reuniões de 2016 do Conselho Municipal de Saúde, Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Saúde - em diante SIOPS.
Finalmente, o contexto dos efeitos considerou os resultados operacionais e a satisfação da população com as ações de combate à dengue (Ministério de Saúde -Fundação Nacional de Saúde 2002). Foram analisados os resultados alcançados pelos municípios no período de 2002-2016 em relação às metas estabelecidas pelo PNCD de redução de incidência e letalidade. A análise dos dados referente à redução dos índices de infestação predial - em diante IIP, limitou-se ao período de 2007 a 2016, em razão da disponibilidade dos dados de um dos municípios apenas nesse período. Os dados secundários foram obtidos do Sistema do Programa Nacional de Controle da Dengue (SisPNCD), do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) e do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM).
Para o cálculo da amostra da população a ser entrevistada se considerou a população urbana dos municípios selecionados, uma incidência de 50% de dengue, um erro amostral de 5% e um intervalo de confiança de 95%, resultando em amostra mínima de 383 pessoas em cada município. Para a seleção dos participantes foi adotada a divisão dos municípios em setores censitários utilizada pelo IBGE. Para a realização da pesquisa foram sorteados 38 setores censitários urbanos em Corumbá e 16 em Ponta Porã (uma amostra de 30% do total de setores censitários urbanos existentes em cada município). Cada setor censitário teve igual probabilidade de ser sorteado. Considerando que em cada domicílio resida pelo menos uma pessoa com idade maior ou igual a dezoito anos, dividiu-se o número de pessoas selecionadas pelo número de setores sorteados. Em Corumbá foram sorteados 10 domicílios em cada setor (383/38) e em Ponta Porã 24 (383/16). Em cada domicílio foi entrevistada apenas uma pessoa com idade maior ou igual a dezoito anos e que aceitou a participar do estudo. As entrevistas ocorreram no final de 2016 e início de 2017.
Os dados quantitativos foram apresentados em números absolutos e percentagens. A análise de conteúdo foi utilizada para a análise dos dados qualitativos. As entrevistas foram gravadas e transcritas integralmente. Foi feita uma leitura minuciosa e repetida do conteúdo das mesmas e dos documentos, a fim de agrupá-los por categoria e indicadores utilizando a técnica da triangulação de dados (Denzin 1978). Os contextos externo e político-organizacional foram interpretados quanto à influência na implantação das ações de controle da dengue em: favorável, pouco favorável ou desfavorável. A análise e a interpretação das informações ocorreram entre 2017 e 2018.
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética vinculado à Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, sob o protocolo número 1.804.168, atendendo às Diretrizes e Normas de Pesquisa estabelecidas pela Resolução n.° 466/12, do Conselho Nacional de Saúde.
Resultados e discussão
Contexto externo
Observa-se, em ambos os municípios, condições favoráveis para a manifestação da dengue que implicam em maior atenção no desenvolvimento do PNCD. As macro-determinantes ambientais (elementos do clima e do relevo) elencadas pela OPAS (1994) como indicadores da possibilidade de dengue estão presentes no estado de Mato Grosso do Sul como um todo. Corumbá, com temperaturas médias elevadas o ano todo, favorece a ocorrência da doença em qualquer mês. Essa condição só é amenizada pela irregularidade e escassez das chuvas na maior parte do ano. Em Ponta Porã, os meses mais frios (junho e julho) são os únicos cujas médias térmicas seriam capazes de inibir a dengue, cuja incidência é própria das regiões tropicais e subtropicais, especialmente as localizadas entre as latitudes 45° N e 35° S, podendo exceder esses limites em situação da isoterma de 20°C (Consoli e Oliveira 1994). As localidades que apresentam temperaturas maiores que 40°C e menores que 10°C produzem condições adversas para a reprodução e a evolução do Aedes aegypti (Aquino Junior 2014).
Quanto ao saneamento básico, em 2010, os dados do IBGE apontavam que Corumbá possuía 19,3% de esgotamento sanitário adequado e 1,96% dos domicílios ligados à rede pública de esgoto. Em Ponta Porã esses indicadores correspondiam, respectivamente, a 22,4% e 6,80%. Em 2016, os domicílios com sistema de coleta de lixo pelo serviço público, correspondeu a 84,34% das residências de Corumbá e 73% de Ponta Porã.
Em 2016, os domicílios com rede geral de abastecimento de água totalizavam 88,86% em Corumbá e 98,70% em Ponta Porã. Na primeira, a principal dificuldade reside em bombear a água do rio Paraguai até a parte alta da cidade. A irregularidade desse serviço implica em sistemas precários de armazenamento de água por parte dessa população que, associados à falta de maiores cuidados favorecem a proliferação da dengue. Em suma, as condições sanitárias das cidades estudadas favorecem a manifestação de dengue.
Em relação aos indicadores demográficos, de acordo com o Censo de 2010, Corumbá apresentou uma densidade populacional de 0,59 hab/km2 e Ponta Porã, 16,55 hab/km2. As cidades sedes desses municípios, localidades deste estudo, apresentam densidades bastante superiores: 4.346,6 e 4.530,4 hab/km2, respectivamente. Vários estudos apontam a elevada densidade populacional como um dos fatores mais importantes para a proliferação da dengue (Catão 2016; Honorato et al. 2014). Corumbá e Ponta Porã são espaços de contado do turismo de compra nas cidades vizinhas bolivianas e paraguaia, respectivamente. Formam aglomerações urbanas fronteiriças de 150 a 200 mil pessoas, complexificando as possibilidades de transmissão da doença (Peiter 2005).
A concentração de riqueza avaliada pelo coeficiente de Gini em 2010 se apresentou melhor em Corumbá (0,5589 contra 0,6041). Outros indicadores são melhores em Ponta Porã, como o Índice de Desenvolvimento Humano - em diante IDH, em 2010 (de 0,701 contra 0,700) e a renda per capita em 2010 (r$ 653,36 contra R$ 627,00 de Corumbá).
Ainda que considerado alto, o IDH desses municípios é inferior à média estadual (0,729) e nacional (0,724 em 2010 e 0,754 em 2016, conforme o PNUD 2013). À exceção de Foz do Iguaçu (cujo IDH em 2010 foi de 0,751, contra a média de 0,749 do Paraná) essa realidade se repete nas outras 29 cidades gêmeas da fronteira brasileira (PNUD 2013). Os demais indicadores sociais vão na mesma direção. A renda per capita do estado de Mato Grosso do Sul em 2010 foi de $799,34 reais e do Brasil $668,00 reais. O coeficiente de Gini, no mesmo ano, registrou 0,5650 para o Estado e 0,5150 para o país. A fronteira possui os municípios que estão entre os de piores indicadores sociais do Brasil, explicado, em parte, pelo baixo alcance das políticas públicas (Ministério da Integração Nacional de Brasil 2005). Estudos apontam que esse contexto corrobora para a manifestação de doenças diversas, inclusive a dengue (Ministério de Saúde 2003; Peiter 2005).
É importante dizer que essas descrições das condições socioeconómicas e ambientais, por si só, não são determinantes para a ocorrência da dengue. É preciso que haja uma associação entre essas condições e a ecologia do vetor e de seu hospedeiro (Catão 2016; Farias e Souza 2016). O local deve reunir, a partir das múltiplas relações entre os macro e micro determinantes (OPAS 1994), um arranjo próprio para ocorrência e disseminação da doença.
Pela intensidade e multiplicidade de interações socioeconómicas, as fronteiras são áreas bastante vulneráveis à transmissão e de mais difícil controle das doenças (Peiter 2005). Carvajal Cortés et al. (2015), ao alisarem os determinantes sociais da distribuição espacial da dengue nas cidades gêmeas das fronteiras brasileiras, perceberam uma forte correlação da manifestação da doença com a desigualdade da renda, vulnerabilidade social, mobilidade e acesso aos serviços de educação e saneamento.
Em suma, o contexto externo se mostra bastante desfavorável para a implantação do PNCD nos municípios de Corumbá e Ponta Porã (Tabela 1).
Contexto político-organizacional
O contexto político-organizacional é analisado a partir do projeto de governo, da capacidade de governo e da governabilidade.
Projeto de governo
Para a avaliação do planejamento das ações de saúde, mais especificamente das ações de combate à dengue, foi analisado o PMS do período de 2014 a 2017 e o RG dos anos de 2015 e 2016 dos municípios selecionados. O planejamento é um cálculo que precede e preside a ação e pode contribuir para ampliar a capacidade de governo e aumentar a governabilidade do gestor municipal (Matus 1997) e os documentos de gestão (PMS e RG) são instrumentos importantes para o exercício de uma adequada gerência do Sistema Único de Saúde - em diante SUS.
De acordo com os entrevistados dos dois municípios selecionados, os PMS foram elaborados com a participação de diversos setores das SMS, incluindo a atenção básica, a vigilância epidemiológica e o controle de ve-tores. Tais planos continham as propostas discutidas e aprovadas nas Conferências Municipais de Saúde realizadas em 2011 e apresentavam uma análise crítica da situação epidemiológica dos municípios, mencionando a dengue como um dos principais problemas de saúde. Além disso, foram estabelecidos objetivos e metas, tanto para ações de promoção e prevenção quanto para vigilância desse agravo, cujos resultados alcançados foram descritos nos RG.
Supõe-se que, se uma proposta de ação constar nos PMS, é mais provável sua viabilização, por meio da mobilização de recursos humanos e financeiros (Ferreira, Veras e Silva 2009). Apesar desses avanços, na visão de muitos dos entrevistados, a dengue é tratada como prioridade apenas quando se torna a "bola da vez", ou seja, nos casos de epidemias. Há um entendimento de que a doença é prioridade para o setor de vigilância em saúde, que atua em seu controle mesmo nos períodos de menor incidência. Para as SMS é um agravo importante que somente se transforma em prioridade sazonalmente. Ainda faltam investimentos, recursos específicos para controle da dengue de forma continuada.
No que se refere ao desenho organizativo, em Ponta Porã o PNCD era coordenado pelo responsável técnico pelo controle de vetores. Conforme o organograma oficial, essa coordenação funcionava como um dos setores estratégicos da SMS, subordinado diretamente à Gerência de Vigilância em Saúde. Em Corumbá, os entrevistados relataram semelhante organização, porém o organograma oficial se encontrava desatualizado. Não houve publicação no Diário Oficial constituindo o setor de controle de vetores e, oficialmente, o PNCD ainda estava vinculado ao Centro de Controle de Zoonoses. Os entrevistados não relataram obstáculos para o bom funcionamento do setor. Porém, de acordo com Uribe Rivera (1996), a indefinição da missão organizacional, implica a impossibilidade de definir as competências internas, o que pode traduzir-se em ingovernabilidade.
Na análise do financiamento da saúde, foi avaliado o cumprimento do estabelecido na Emenda Constitucional 29, promulgada em 2000, em que os municípios são compelidos a aplicar, ao menos, 15% de suas receitas próprias em saúde e, o gasto público per capita, obtido pela razão entre o gasto total em saúde, sob responsabilidade do município, por habitante, em 2016.
Tomando como base os dados do SIOPS, observou-se que os municípios cumpriram o estabelecido na Emenda Constitucional - em diante EC 29. A participação nos gastos com ações e serviços de saúde representaram 18,65% e 15,26% das receitas próprias de Corumbá e Ponta Porã, respectivamente. Ressalta-se a tendência, no cenário nacional, de participação cada vez maior dos municípios no financiamento do SUS e no cumprimento da EC 29. Segundo Piola, França e Nunes (2016), em 2000, os municípios gastaram 13,7% das receitas próprias com saúde. Em 2009 eles chegaram a 21,8%, bem acima, portanto, do estabelecido na emenda.
Quanto ao gasto per capita anual com o SUS, Corumbá e Ponta Porã gastaram, respectivamente, R$ 1.022,26 e R$ 489,81 por habitante no ano de 2016, além disso, maior gasto per capita com saúde já era esperado em Corumbá. A suposição é de que municípios maiores, com instalação de redes de serviços mais especializados e complexos, apresentam-se como principais receptores de transferências intergovernamentais do SUS e, consequentemente, tenderão a gastar mais em termos per capita com saúde (Araújo et al. 2017).
O que chama a atenção é que ao comparar o gasto médio per capita com o SUS do total de municípios do estado de Mato Grosso, em 2016, (R$ 877,58) com o dos municípios pesquisados, nota-se que o valor de Ponta Porã foi 44,1% inferior à média estadual/anual, o qual se coloca como um dos mais baixos entre os demais municípios do estado. Essa realidade aponta para as desigualdades com os gastos em saúde pública, também observada em outros estudos (Araújo et al. 2017; Santos Neto et al. 2017). Os orçamentos municipais e o volume das transferências de recursos da União se revelaram determinantes fortemente associados com essas desigualdades no estudo de Santos Neto et al. (2017).
Neste lado do triângulo, as iniciativas intersetoriais se mostraram uma tarefa difícil de apreender, uma vez que nos documentos oficiais eram trabalhadas como um tema geral. Expressões como "fortalecer as parcerias in-tersetoriais" e "realizar parcerias governamentais e não governamentais" estavam presentes nos PMS dos dois municípios, relacionadas às ações educativas, às ações de controle de endemias e às realizações de mutirões de limpeza; porém seus resultados não foram explicitados nos RG. Também se observou a inexistência de projetos ou de acordos de cooperação entre as SMS e outros órgãos governamentais e não governamentais.
Da mesma forma, quando entrevistados sobre o tema, os gestores dos dois municípios, confirmaram a existência de algumas iniciativas, em prol da criação de parcerias intersetoriais, destinadas ao combate à dengue. Entretanto, eram emergenciais -próprias dos períodos de aumento de casos da doença- e desprovidas de um planejamento sistemático. Donateli et al. (2017) relataram características semelhantes na execução de ações integradas mesmo dentro do setor saúde, no caso, dentro da Vigilância em Saúde.
Considerando os resultados encontrados, conclui-se que as iniciativas intersetoriais são incipientes. A limitada compreensão conceitual sobre a intersetorialidade, a dificuldade dos profissionais de olharem para além do seu objeto específico e a dificuldade de financiamento desse tipo de estratégia, limitando o interesse dos gestores em viabilizar ações nesse âmbito, tem sido apontado como fatores que podem restringir as ações intersetoriais (González Fernández, Orosco Núnez e Cifuentes 2010; Lima e Vilasboas 2011). O projeto de governo se apresentou pouco favorável à implantação do PNCD em Corumbá e Ponta Porã (Tabela 2).
Capacidade de governo
Essa dimensão foi estudada através das subdimen-sões "perícia pessoal dos gestores" e "política de recursos humanos".
Quanto à caracterização profissional dos dirigentes de Corumbá se pode inferir, a partir das entrevistas, que o grupo tinha qualificação diversa: advogada, médica veterinária, enfermeira, bióloga e odontóloga, das quais todas tem especialização em saúde pública e experiência acumulada em gestão em saúde. Com exceção da Secretária Municipal de Saúde, que havia assumido o cargo há apenas seis meses, não se observou rotatividade entre o restante da equipe. Três dos cinco gestores entrevistados já exerciam suas atividades na gestão anterior.
Em relação à Ponta Porã, a maioria dos entrevistados não tinha especialização em saúde pública ou áreas afins. O grupo era formado por: odontólogo, médica veterinária, enfermeira e dois profissionais de nível médio (agente de controle de endemias e técnica em enfermagem). Pode-se perceber também que a maior parte dos dirigentes não tinha experiência acumulada em gestão em saúde e que a rotatividade esteve presente entre quatro dos cinco gestores estudados, inclusive o município teve três Secretários de Saúde no período de 2013 a 2016. Essa situação, em conjunto com a falta de formação específica e experiência dos gestores em questão, interfere negativamente na capacidade de governo da gestão, uma vez que faz com que o sistema retorne sempre ao ponto de partida.
No que se refere à política de recursos humanos, Corumbá possuía um Plano de Cargos, Carreiras e Salários - em diante PCCS, geral para todos os servidores e outro específico para os profissionais da saúde, criado em 2005. Em relação ao quadro de profissionais de saúde, bem como seus vínculos empregatícios, o município tinha 929 profissionais; desses, 13 (1,4%) tinham contratos regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho - em diante CLT, 702 (75,6%) vínculo estatutário, 213 (22,9%) eram regidos por contratados por prazo determinado e um cargo comissionado (0,1%).
Ponta Porã não possuía PCCS implantado. Havia apenas uma comissão de elaboração do plano instituída. Os profissionais de saúde totalizaram 782. Desse total, 10 (1,3%) tinham seu contrato regido pela CLT, 300 (38,4%) vínculo estatutário, 471 (60,2%) enfrentavam vinculação precária, com contratos temporários e um emprego público (0,1%).
Apesar de contar com 22,9% de profissionais com vinculação precária em seu quadro, Corumbá ainda se destaca positivamente em relação aos achados na literatura. Por outro lado, Ponta Porã apresenta uma realidade bastante similar à maioria dos municípios brasileiros. Scalco, Lacerda e Calvo (2010), ao avaliarem a gestão em recursos humanos na saúde de 15 municípios da Grande Florianópolis/SC, em 2006, identificaram que apenas 40% dos municípios estudados possuíam PCCS implantado. O mesmo estudo detectou uma parcela reduzida de gestores que contavam com mais de 50% de seus trabalhadores com vínculo estatutário em seus quadros. Em 2012, uma pesquisa realizada em 519 SMS, constatou que 29,1% delas não possuíam nenhum PCCS instituído; 36,6% tinham plano geral para todos os trabalhadores e apenas 28,7% tinham PCCS específico para o setor saúde (Observa RH-IMS/UERJ 2014). Em pesquisa realizada em cinco municípios da Amazónia Ocidental com o objetivo de analisar o processo de gestão da atenção básica, Vieira, Garnelo e Hortale (2010) encontraram precarização em 50,79% dos contratos de trabalho.
A falta de definição de carreiras próprias, com critérios de mobilidade, ascensão e desenvolvimento bem definidos e a precarização das relações contratuais gera dificuldade de fixação dos trabalhadores nos municípios (Sancho et al. 2011). A instabilidade dos profissionais de saúde compromete a qualidade dos serviços prestados e, consequentemente, a sustentabilidade dos programas de saúde ao nível local.
Observa-se, assim, que a capacidade de governo (ver Tabela 2) apresentou-se favorável à implantação do programa em Corumbá e desfavorável em Ponta Porã.
Governabilidade
O apoio político ao projeto de governo foi valorizado nos dois contextos municipais. Os entrevistados identificaram os parlamentares locais, a imprensa local, os profissionais de saúde, o Ministério Público, as Forças Armadas, as igrejas, as associações de moradores, os conselhos de saúde como base de apoio ao projeto de governo.
O controle social e o relacionamento entre gestores foram outros elementos da governabilidade favoráveis à implantação do programa. Em relação aos mecanismos de participação social, nos PMS e entrevistas, os dois municípios registraram a existência da ouvidoria de saúde, da mesa de negociação do SUS e de conselhos locais de saúde. Além desses mecanismos, Corumbá contava também com uma experiência inovadora, o "fala Corumbá" - uma ferramenta que, através de um aplicativo de celular, permitia um contato mais direto da população com o governo.
Barbosa, Tardivo e Barbosa (2016) vêem no controle social a possibilidade de incremento na governabilidade do Estado, quando observa, media e avalia continuadamente as ações e serviços de saúde. São ferramentas estratégicas para fortalecimento do SUS e defesa ao direito à saúde.
No que diz respeito à autonomia financeira, os entrevistados informaram que os secretários de saúde são os gestores do Fundo Municipal de Saúde, com poder de decisão sobre a destinação do orçamento da saúde e na definição de prioridades. No entanto, o estudo constatou que fugia da governabilidade das SMS os processos de compras e licitações, que estavam centralizados nas prefeituras municipais com a justificativa de racionalização dos recursos.
Os entrevistados referiram que um dos problemas frequentes enfrentado pelos municípios era a demora na aquisição de insumos, equipamentos e contratação de pessoal, principalmente nos casos de enfrentamento de epidemias. Tal constatação sugere ineficiência na condução compartilhada dos processos de compras e licitações de bens e serviços. Em Pernambuco, a dependência de outros setores para a realização desses processos administrativos limitou a autonomia ge-rencial da vigilância em saúde, influenciando a agilidade de implantação da vigilância da síndrome gripal (Vasconcelos e Frias 2017).
A governabilidade pode ser entendida como a capacidade ou condição do governo para dirigir os processos e o atendimento das demandas sociais através ou na condução de políticas públicas (Torres 2016). É a capacidade do governo local "de converter o potencial político de um dado conjunto de instituições e práticas políticas em capacidade de definir, implementar e sustentar políticas" (Tapia 2006, 15).
Partindo desse entendimento, em municípios de fronteira, a sustentabilidade do controle da dengue só é possível mediante a cooperação entre eles (Peiter 2005). O Comitê Binacional de Saúde é um instrumento supranacional que viabiliza as ações conjuntas dos países envolvidos para o enfrentamento dos problemas locais, melhorando a governabilidade dessas cidades.
De acordo com os entrevistados e os documentos analisados, a presença ativa do Comitê Binacional é responsável pela articulação das ações conjuntas entre os dois municípios da fronteira Brasil/Paraguai. Na contramão disso, Corumbá não consegue articular ações conjuntas com Puerto Quijarro pela inatividade do Comitê Binacional de Saúde Brasil/Bolívia, desde 2011.
Fatores como mudanças na política nacional e interesse do gestor em exercício foram apontados pelos entrevistados como responsáveis pela inativação do Comitê. Como observa Nascimento (2016), esses fato-res são grandes desafios para o fortalecimento das práticas de cooperação entre os países da América do Sul. As alternâncias de governo podem ou não priorizar os assuntos internacionais na sua agenda.
O estudo do contexto permite identificar os elementos facilitadores ou dificultadores da implantação de uma intervenção (Hartz 1997). A implantação parcial do PNCD nos dois municípios resultou do arranjo entre as estratégias facilitadoras e dificultadoras. O contexto externo foi desfavorável à implantação em ambos os municípios. A capacidade de governo se mostrou desfavorável em Ponta Porã e favorável em Corumbá. O projeto de governo e a governabilidade foi, respectivamente, pouco favorável e favorável à implantação nos dois municípios (ver Tabela 2). Em outras palavras, é a expressão de uma política pública a partir das interações dos elementos do contexto externo entre si mesmos e de seus relacionamentos com os produtos das interações dos elementos do contexto político-organizacional. Cabe esclarecer que cada elemento de cada contexto tem um peso diferente nesse conjunto e que pode mudar de posição face ao tempo sociopolítico, técnico e informacional interno e externo. Suas influências são, portanto, resultante de um jogo de forças, próprio de um certo tempo-espaço.
Efeitos
De 2002 a 2006 os municípios estudados registraram números baixos de casos de dengue, inclusive nos anos de 2004 e 2005 não foram notificados casos da doença em Corumbá. De 2007 a 2016 ocorreu aumento da incidência da dengue, mas não de forma gradativa. Com exceção de 2008, em que Corumbá registrou uma incidência de 55,4 casos por 100.000/habitantes, os anos se intercalaram entre incidências médias e altas (acima de 100 e 300 casos por 100.000/habitantes, respectivamente) (Tabela 3).
Dados: Secretaria Municipal de Saúde (2016a, 2016b).
Nota: *Taxa de incidência por 100.000 habitantes. **Taxa de letalidade: número de óbitos por dengue x 100/casos de dengue graves.
No período analisado, Corumbá registrou um óbito por ano entre 2013 e 2015. Ponta Porã, no mesmo período, registrou um óbito em 2010, outro em 2015 e oito em 2016 (dados não apresentados em tabelas). As taxas de letalidade em Corumbá variaram de 25,00% a 100,00% e em Ponta Porã de 50,00% a 100,00% (Tabela 3), ficando muito acima da meta proposta pelo PNCD (< 1,0%) (Ministério de Saúde - Fundação Nacional de Saúde 2002). Observou-se que, nos anos em que os municípios registraram óbitos por dengue, a totalidade ou a maioria dos casos graves notificados tiveram um desfecho negativo. É importante ressaltar que as mortes por dengue são quase totalmente evitáveis. Para isso são necessárias uma rede de serviços de saúde cuidadosamente organizada e eficiência na assistência oferecida (Cunha e Martinez 2015).
O IIP em Corumbá, em todo período analisado, oscilou acima de 1,0%, não atingindo a meta preconizada pelo PNCD (< 1,0%) (Ministério de Saúde - Fundação Nacional de Saúde 2002). Em Ponta Porã, somente em dois anos, 2008 e 2009, o índice se manteve abaixo de 1,0% (Figura 3).
Outra medida dos efeitos utilizada foi a satisfação da população com as ações desenvolvidas pelos municípios para combater a dengue. A maior parte dos entrevistados dos dois municípios se mostrou satisfeita com as ações desenvolvidas. Dentro das percepções positivas a população destacou: a realização de ações educativas, o trabalho do agente comunitário de saúde e endemias, a coleta de lixo nos dias programados e a realização de mutirões de limpeza. Porém, houve queixas da população com relação à limpeza dos terrenos baldios e à intensidade, regularidade e continuidade do trabalho desenvolvido. A limpeza dos imóveis públicos foi criticada pela população de Ponta Porã.
Da análise dos efeitos é possível inferir que os municípios fronteiriços estudados não cumpriram as metas estabelecidas pelo PNCD. Um quadro mais crítico foi observado em Ponta Porã devido ao número de mortes registrado, principalmente no ano de 2016. O modelo teórico utilizado (ver Figura 2) presume que diversos elementos interagem na produção desses efeitos. De fato, somente a implantação parcial dos programas não pode explicar os resultados desfavoráveis encontrados. Um estudo mostrou que a adoção de todas as medidas recomendadas pelo PNCD não foi suficiente para conter a disseminação do vírus tipo 4 no ano de 2010 na cidade de Boa Vista, Roraima. Os autores apontam para a necessidade de mudanças no programa (Freitas e Valle 2014).
O contexto externo, característico dos municípios brasileiros de fronteira, e um projeto de governo deficitário podem, também, ter contribuído com os resultados encontrados no município de Corumbá. Da mesma forma, o contexto externo, um projeto de governo deficitário e uma capacidade de governo desfavorável podem, igualmente, ter influenciado nos resultados mais críticos observados em Ponta Porã.
Considerações finais
Este estudo apresentou a relação entre os contextos externo e político-organizacional, por meio das categorias do Triângulo de Governo de Matus, de dois municípios fronteiriços de Mato Grosso do Sul no Brasil, com o grau de implantação do PNCD e a influência do grau de implantação nos efeitos observados.
É possível afirmar que houve uma modulação entre estratégias facilitadoras e dificultadoras para a implantação parcial do PNCD nos municípios estudados. O contexto externo à saúde foi o mais desfavorável, com indicadores sociais abaixo da média estadual e nacional, e saneamento básico incipiente. Ademais, o fluxo transfronteiriço e as características climáticas favorecem a ocorrência da dengue.
Embora se tenham identificado algumas condições desfavoráveis, o contexto político-organizacional demonstrou conter elementos fortes o suficiente para implantar parcialmente as ações de controle da dengue nesses municípios, o que ratifica o protagonismo do governo local para a implementação de políticas com formulação e incentivo do nível federal, como o PNCD.
A implantação parcial dos programas, por si só, não foi capaz de explicar o não cumprimento de todas as metas preconizadas pelo PNCD, o que nos remete a complexidade do controle da dengue, tendo em vista os diversos fatores externos ao setor saúde, que em municípios fronteiriços são ampliados pelos fluxos fronteiriços e a necessidade de parcerias com os municípios do outro lado da fronteira. A capacidade de governo parece ter sido a categoria mais relevante na explicação do número de mortes registrado em Ponta Porã.
Com base nos resultados deste estudo algumas recomendações podem ser cogitadas para o aperfeiçoamento do PNCD nos municípios estudados: investimentos em saneamento básico; sensibilização e mobilização do setor político a fim de obter prioridade e garantir apoio financeiro para desenvolvimento de projetos intra e interse-toriais de combate à dengue; busca de apoio estratégico para a permanência ativa do Comitê Binacional de Saúde; investimento em capacitações técnicas dos profissionais, principalmente no manejo clínico da doença e para assumir cargos de gestão e, realização de concursos públicos, ampliando a possibilidade de fixação de recursos humanos e a qualidade dos serviços prestados.
Não significa que a adoção dessas medidas irá evitar casos de dengue nesses municípios, ou em quaisquer outros nessa simetria geográfica, pois as fronteiras são abertas, portanto, permeáveis a entrada do vírus, por meio de infectados. Mas, é possível evitar as mortes e reduzir as dimensões das epidemias.
Os dados obtidos -cujo caráter é prioritariamente local- não autorizam a extrapolação das conclusões para outras realidades fronteiriças, devido à heterogeneidade dessas regiões. Contudo, entende-se que os achados em Corumbá e Ponta Porã possam contribuir para uma reflexão sobre as dificuldades na operacionalização das ações de controle da dengue em outros municípios da fronteira brasileira. Acredita-se que o estudo comparativo possa apoiar nas reflexões do enfrentamento de diversas doenças infectocontagiosas nas localidades de fronteira.