Introdução
As cidades brasileiras enfrentam notórios desafios, seja no âmbito do planejamento urbano, seja na efetivação de suas políticas públicas. Observam-se processos que enfrentam desde a ausência de recursos, à supremacia política sobre a técnica - que muitas vezes leva à descontinuidade ou não efetivação do planejado. O fato é que a população urbana experimenta os problemas em uma velocidade cada vez mais célere e de modo crescente, enquanto as soluções efetivas, capazes de resolvê-los, ainda são desejadas.
A Constituição Federal Brasileira de 1988 (Presidência da República de Brasil 1988), já versava sobre a necessidade do processo de planejamento nas diversas escalas, traduzido em planos nacionais e regionais de desenvolvimento (art. 48). Posteriormente, em 2001, o Estatuto das Cidades (Presidência da República de Brasil 2001) passou a reforçar a obrigatoriedade do Plano Municipal, instituindo, em complemento, a necessidade de elaboração de um plano de transporte urbano integrado, compatível com o plano diretor ou nele inserido, para cidades com mais de 500.000 habitantes. Em 2012, a Lei Federal de Mobilidade, Lei n° 12.587/2012, passou a instituir as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana (Presidência da República de Brasil 2012). Nessa Lei, o plano de transporte ganhou um aprimoramento, passou a ser denominado plano de mobilidade e é exigido na atualidade para municípios com mais de 20.000 habitantes e para os demais obrigados à elaboração do plano diretor.
Se não bastassem os desafios da gestão do território, das políticas públicas e da mobilidade nos âmbitos relativos das cidades, muitas dessas se aglomeraram e se desenvolveram como um único organismo, com uma dinâmica em rede, apesar de gestões diferenciadas. Nas aglomerações de cidades que constituem as Regiões Metropolitanas - em diante RM brasileiras, observa-se a ausência de um processo de planejamento integrado, e as cidades constituintes acabam enfrentando a conurbação e o espraiamento urbano, gerando, consequentemente, longos deslocamentos para acessar atividades normalmente concentradas nos maiores centros dessa região.
No contexto dos desafios metropolitanos, em 2015 foi aprovado o Estatuto da Metrópole (Presidência da República de Brasil 2015). Esta lei instituiu o Plano de Desenvolvimento Urbano Integrado - em diante PDI, como um instrumento que deve estabelecer as diretrizes para funções públicas de interesse comum, com foco nas diretrizes para o desenvolvimento urbano da região metropolitana, a partir de um processo permanente de planejamento.
As funções públicas de interesse comum devem ser definidas para cada região. No entanto, algumas questões constituem desafios para elas, como o desenvolvimento urbano e a mobilidade. No âmbito da gestão da mobilidade, a proximidade e conurbação entre os municípios expandem os deslocamentos habituais intermunicipais (os denominados deslocamentos pendulares) em todos os modos de transporte. E os municípios, responsáveis pelo trânsito e transportes locais, na maioria dos casos não conseguem fornecer uma infraestrutura física e de serviços capazes de acolher esta demanda metropolitana (Ministério das Cidades 2015).
A mobilidade, entendida pela Lei Federal de Mobilidade (Presidência da República de Brasil 2012) como condição em que se realizam os deslocamentos de pessoas e cargas no espaço urbano, está diretamente relacionada à composição de duas variáveis: transportes e uso do solo (Litman 2020; Kneib e Portugal 2017). Todavia, ao con-siderar-se os Planos de Mobilidade, segundo a Política Nacional de Mobilidade (Presidência da República de Brasil 2012), tais planos pouco podem contribuir com o planejamento ou controle do uso e ocupação do solo. Dessa forma, os mesmos acabam conformando-se como planos "reativos", ao não tratarem, ou terem capacidade de influenciar diretamente, o uso e ocupação do solo, seja na escala municipal, seja na metropolitana. Nesse sentido, o PDI passa a ter função imperiosa como um "instrumento proativo" para o planejamento e gestão territorial metropolitana, uma vez que os temas como o uso, a ocupação do solo e a mobilidade podem e devem ser pensados conjuntamente, de forma articulada.
O número de RM no Brasil não para de aumentar. Segundo dados do IBGE (2020), há 74 regiões metropolitanas atualmente no Brasil. Os estados com maior número de RM são a Paraíba, com 12, seguido por Santa Catarina com 11 e Alagoas, com 9. O Estado de Goiás só possui uma região metropolitana, a de Goiânia, mas participa da Região Integrada de Desenvolvimento do Distrito Federal e Entorno - em diante RIDE, da qual fazem parte 29 municípios do Estado de Goiás (IBGE 2020).
A Região Metropolitana de Goiânia - em diante RMG, objeto do presente estudo (Figura 1), é constituída por 20 municípios e abriga mais de 2,5 milhões de habitantes (IBGE 2019). Na RMG, apenas 16 dos 20 municípios possuem Plano Diretor Municipal (UFG e SECIMA 2017); e nenhum município possui Plano de Mobilidade, nem mesmo a capital, Goiânia. Cabe destacar ainda que a RMG não dispõe de uma pesquisa origem e destino atualizada, mesmo tratando-se de uma pesquisa fundamental para um diagnóstico e para o planejamento da mobilidade metropolitana.
Em 2014, a RMG iniciou a elaboração do seu plano de desenvolvimento integrado. Depois de paralisado o processo, em 2017 o mesmo foi retomado e produzido um documento técnico, denominado Diagnóstico da RMG, sendo mobilidade urbana um dos eixos analisados (UFG e SECIMA 2017). Na sequência, a RMG teve sua estrutura alterada pela Lei Complementar 139/2018 (Governo do Estado de Goiás 2018) constituindo-se, a partir de então, por 20 municípios.
Em meio aos desafios da mobilidade metropolitana; à necessidade de planejamento integrado nas RM brasileiras; à determinação legal para elaboração e aprovação do PDI - instrumento recente, sobre o qual as RM estão em fase de elaboração e em processo de aprendizagem; e ao desafio de diagnosticar e definir diretrizes para uma mobilidade metropolitana sem uma pesquisa origem e destino - em diante OD atualizada, o objetivo geral do presente artigo é apresentar, como contribuição científica, o procedimento metodológico desenvolvido para a elaboração do Diagnóstico da Mobilidade na RMG. Complementam esse objetivo os seguintes objetivos específicos: i) apresentar o arcabouço teórico conceitual referente ao método desenvolvido; ii) atualizar o diagnóstico, a partir da Lei Complementar no 139/2018 (Governo do Estado de Goiás 2018) que alterou a composição da RMG, assim como a partir do processo de aprendizado empírico decorrente da aplicação do método e elaboração do diagnóstico do PDI. Cabe destacar que tanto o método aqui apresentado, quanto os demais itens constantes deste trabalho, têm grande potencial para ajudar as demais RM brasileiras, outras aglomerações ou mesmo a RIDE, principalmente as que não possuem pesquisas OD, na elaboração dos seus respectivos planos.
Como metodologia, adota-se: i) pesquisa bibliográfica, para dar base científica ao método desenvolvido e suas etapas; ii) pesquisa quantitativa, principalmente na fase de manipulação, espacialização e análise de dados em plataforma de Sistema de Informações Geográficas. E iii) pesquisa qualitativa, por trabalhar com a interpretação dos fenómenos e a atribuição de significados, na qual os pesquisadores tendem a analisar seus dados indutivamente, tendo o processo e seu significado como os focos principais de abordagem (Lakatos e Marconi 2007). Foi utilizada principalmente na fase de caracterização da mobilidade, no levantamento de informações, realização e análise dos dados das audiências e oficinas de trabalho.
Nos itens seguintes se apresenta um referencial que aborda o processo de metropolização e sua relação com a mobilidade nas regiões brasileiras. Na sequência, abor-da-se sobre o Plano de Desenvolvimento Integrado da RMG até se chegar ao item foco deste trabalho, o método desenvolvido para o diagnóstico da mobilidade.
Metropolização e mobilidade nas cidades brasileiras
A urbanização brasileira, principalmente a partir da década de 1970, tornou-se generalizada e foi difundida a partir de processos de expansão urbana (Santos 2018), voltados ao desenvolvimento do país (Marguti, Costa e Favarão 2018). Essa expansão urbana gerou a denominada "metropolização", que é caracterizada por um processo de integração do território a partir de uma cidade-núcleo, com destaque para a relação centro-periferia e processos de conurbação. Nessa relação, se por um lado as cidades querem se desenvolver, oferecer serviços de qualidade e promover oportunidades (Marguti, Costa e Favarão 2018), por outro lado, a cidade-núcleo passa a concentrar pessoas, investimentos, atividades e poder, levando grande parte da população a morar em áreas periféricas distantes e com condições inferiores às da metrópole (IPEA 2010). Já a conurbação pode ser entendida como um processo de fusão de áreas urbanas, mais ou menos contíguas, pertencentes a municípios diferentes (Villaça 2001).
Cunha et al. (2017) consideram a região metropolitana como uma estrutura territorial complexa, formada pela concentração de população e de atividades económicas em uma grande cidade, como consequência de decisões estratégicas.
Para Lacerda, Zancheti e Diniz (2000), a metrópole pode ser entendida como uma organização em que o núcleo, que é a cidade centro-regional, faz a articulação espacial, económica, política e cultural com outros núcleos urbanos que estão ligados ao centro-regional pela relação de dependência e/ou complementariedade.
Essas relações de articulação, dependência e complementaridade existentes na metrópole estão diretamente relacionadas à mobilidade em âmbito metropolitano, seja com relação aos deslocamentos, seja com relação à infraestrutura. Isso é perceptível na abordagem de Villaça (2001), que considera que o deslocamento das pessoas determina a estrutura territorial das metrópoles; na descrição de Romaneli e Abiko (2011), segundo os quais o grande número de deslocamentos pendulares ocorridos nas regiões metropolitanas está vinculado ao processo de ocupação e expansão da metrópole; ou ainda segundo Lacerda, Zancheti e Diniz (2000), para os quais os eixos viários são os grandes responsáveis pelas primeiras transformações urbanas ocorridas no Brasil durante processos de metropolização, uma vez que a periferia seguia tais eixos no seu processo de contínua expansão.
O Ministério das Cidades (2015) reforça tal afirmação, ao considerar que o intenso processo de urbanização nas últimas décadas, apesar de suas diferenças regionais, mostra a tendência para a concentração e para a metropolização. Assim, quanto maior a cidade ou a região, mais os seus habitantes dependem das redes de infraes-trutura de circulação e dos serviços de transporte para ter acesso às oportunidades de trabalho e de consumo.
Mesmo dependentes dos serviços de transporte, é fato que as cidades brasileiras vivem uma crise de mobilidade urbana, gerada pela valorização do transporte motorizado individual, por não proporcionarem a integração nem valorização do transporte coletivo e do não motorizado e ainda devido à ausência de articulação entre planejamento urbano e de transportes (Mello e Portugal 2017). Os autores destacam a necessidade de uma mudança de paradigma, aliada a instrumentos de gestão e planejamento integrado, como os planos de mobilidade.
Se a mobilidade urbana, conforme já enfatizado, é definida pela Lei Federal de Mobilidade (Presidência da República de Brasil 2012) como condição em que se realizam os deslocamentos de pessoas e cargas no espaço urbano, a mobilidade em escala metropolitana precisa considerar que os limites municipais se tornaram uma mera formalidade, voltaram-se incompatíveis com as relações económicas e sociais que acontecem na metrópole (Ministério das Cidades 2015). Assim, "essa barreira invisível dos limites administrativos se manifesta com particular intensidade na gestão da mobilidade urbana" (Ministério das Cidades 2015, 120), majorando a complexidade e os desafios relativos à mobilidade nessa escala.
Apesar da exigência, pela legislação nacional, de planos diretores municipais (Presidência da República de Brasil 2001) e de planos mobilidade municipal (Presidência da República de Brasil 2012), no âmbito metropolitano a mobilidade tem problemas e soluções comuns aos municípios, que demandam respostas e soluções conjuntas e compartilhadas. Nesse contexto, para Neto e Filho (2015, 7) nas regiões metropolitanas, a mobilidade urbana se estrutura "pelo reconhecimento das funções públicas de interesse comum (Fpics), e pela atribuição constitucional aos estados de constituírem RMS para este fim".
Essa questão está clara no Estatuto da Metrópole, segundo o qual função pública de interesse comum consiste "na política pública ou ação nela inserida cuja realização por parte de um Município, isoladamente, seja inviável ou cause impacto em Municípios limítrofes" (Presidência da República de Brasil 2015, Art. 2o). É no sentido de planejamento e gestão dessas funções, visando o desenvolvimento territorial estratégico das regiões metropolitanas, que o PDI se apresenta na mesma lei. Nesse sentido, o próximo item traz a abordagem referente ao Plano de Desenvolvimento Urbano Integrado e sua aplicação na RMG.
O plano de desenvolvimento integrado da RMG
A necessidade de um processo de planejamento integrado das regiões metropolitanas brasileiras não é recente. Entretanto, é apenas com o Estatuto da Metrópole (Lei Federal no 13.089/2015), em 2015, que este passou a demandar das regiões metropolitanas, normativamente, um planejamento conexo, traduzido no Plano de Desenvolvimento Urbano Integrado (Presidência da República de Brasil 2015). O PDI, segundo a citada Lei, consiste em um instrumento de desenvolvimento urbano integrado e deve estabelecer, com base em processo permanente de planejamento, diretrizes gerais para o planejamento, gestão e execução das funções públicas de interesse comum em regiões metropolitanas e em aglomerações urbanas.
A RMG, objeto do presente trabalho, caracteriza-se por uma intensa urbanização e interdependência, com uma grande polarização em direção à Capital. Ou seja, a RMG é, para a população urbana, uma experiência dinâmica, na qual limites municipais passam muitas vezes despercebidos. Tal dinamismo provoca um número de viagens diárias entre os municípios que extrapola a capacidade de planejamento e de gestão da mobilidade e acessibilidade locais. Para o Ministério das Cidades (2015), tal situação exige um processo de planejamento e gestão metropolitanos que envolva o governo estadual e os municípios, para a provisão da mobilidade intramu-nicipal e intrametropolitana.
Institucionalizada pela Lei Complementar no 27, de 30 de dezembro de 1999, a RMG foi alterada pelas Leis Complementares no 78, de 25 de março de 2010; no 87, de 7 de julho de 2011 (UFG e SECIMA 2017); e no 139/2018 (Governo do Estado de Goiás 2018). Na época de elaboração do Diagnóstico do PDI, a RMG era constituída pelos seguintes Municípios: Abadia de Goiás, Aparecida de Goiânia, Aragoiânia, Bela Vista de Goiás, Bonfinópolis, Brazabrantes, Caldazinha, Caturaí, Goianápolis, Goiânia, Goianira, Guapó, Hidrolândia, Inhumas, Nerópolis, Nova Veneza, Santo António de Goiás, Senador Canedo, Terezópolis de Goiás e Trindade. Em 2018, a Lei Complementar no 139 (Governo do Estado de Goiás 2018) contemplou a saída de Inhumas e a entrada de Santa Bárbara de Goiás.
O Plano de Desenvolvimento Integrado da Região Metropolitana de Goiânia - em diante PDI_RMG, foi desenvolvido a partir de 09 eixos: gestão do projeto, gestão da informação, condições humanas, governança, condições ambientais, mobilidade metropolitana, desenvolvimento económico e inovação, desenvolvimento urbanístico e territorial e macrozoneamento. Cada um desses eixos contou com uma equipe multidisciplinar que trabalhou com um tema em específico, mas sempre integrado aos demais. Para tal, foi seguida uma série de etapas e fases, com a elaboração dos respectivos produtos, em consonância com o processo participativo, envolvendo os segmentos sociais, administrativos, técnicos e políticos na elaboração do PDI, de modo a encontrar as melhores soluções para a RMG, com foco no bem coletivo e na função social (UFG e SECIMA 2017). Para exemplificar tais etapas, apresenta-se a Figura 2, que as expõe de forma sintética, com destaque para 5 grandes etapas (diagnóstico, prognóstico, diretrizes, zoneamento e estratégias, e minuta do plano), e permite relacioná-las com seus respectivos conteúdos e produtos.
Cabe destacar que a mobilidade metropolitana está diretamente relacionada a outros eixos, como é o caso, principalmente, do eixo de desenvolvimento urbanístico e territorial, que vai contemplar as questões de uso e ocupação do solo. Apenas para efeito de coleta de dados e sistematização de informações, realizaram-se separadamente os diagnósticos do eixo de mobilidade e do eixo de desenvolvimento urbanístico e territorial. A integração entre esses dois eixos entre si e com os demais, indispensável para o plano, foi planejada para acontecer na etapa de prognóstico, mas essa etapa não se contempla neste artigo.
Com relação aos impactos sociais e económicos da mobilidade na RMG, os estudos mostram que aproximadamente 400.000 pessoas gastaram mais de 120 minutos em seus deslocamentos pendulares em 2012. Isso corresponde a um custo de $1,5 bilhão de reais ao ano (FIRJAN 2015). Tais números ilustram os elevados custos do modelo adotado, modelo com base na predominância do veículo motorizado individual que não mais se sustenta, assim como corrobora a necessidade da busca de um novo padrão de mobilidade para a RMG.
A partir dos desafios expostos sobre a questão da mobilidade na RMG, como a ausência de uma base de dados consolidada ou mesmo uma pesquisa metropolitana origem e destino, o item seguinte apresenta o método desenvolvido e utilizado para a primeira etapa do PDI, ou seja, o para conformação do diagnóstico da mobilidade na RMG.
Método desenvolvido para diagnóstico da mobilidade na RMG
Por mais experiência que as entidades brasileiras tenham na elaboração de planos relacionados ao território, os PDI são instrumentos ultimamente instituídos pela legislação federal e observam-se ainda poucos produtos recentes desenvolvidos para regiões metropolitanas brasileiras, a exemplo do Plano da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH 2011) e o Plano da Região Metropolitana do Rio de Janeiro (Câmara Metropolitana do Rio de Janeiro 2016). Cabe lembrar que, segundo o IBGE (2020), o Brasil hoje conta com 74 regiões metropolitanas.
Sobre o tema mobilidade, existe uma ampla base de literatura que sugere metodologias e procedimentos para seu diagnóstico, principalmente relacionado aos planos de mobilidade (Ministério das Cidades 2015). Contudo, cabe enfatizar que o PDI não é um plano de mobilidade. Portanto, o referencial relacionado aos planos de mobilidade deve passar por uma adaptação, pois constitui uma base de suma importância e pode ser amplamente aproveitado. Dessa forma, como o diagnóstico sobre a mobilidade necessita ser adaptado às aspirações do PDI, adotam-se os três princípios citados pelo IMTT (2011): seu conteúdo no tema mobilidade deve ser adaptado aos objetivos e caráter do Plano (mais estratégico); às especificidades da área em estudo (conformada pelos 20 municípios que integram a RMG); e aos recursos financeiros disponíveis para tal, que não contemplaram a realização de uma pesquisa origem e destino.
Neste trabalho, adota-se por método o conceito trabalhado por Lakatos e Marconi (2007), que o definem como o conjunto das atividades sistemáticas e racionais que permite alcançar o objetivo, traçando o caminho a ser seguido. Para tal, a Figura 3 apresenta um esquema sintético das 4 principais etapas e respectivos conteúdos que conformam o método para o diagnóstico da mobilidade metropolitana para o PDI_RMG. Em complemento, considera-se que cada etapa que conforma o método utiliza-se de técnicas, consideradas como um conjunto de preceitos ou processos, assim como a habilidade de utilizá-los para a obtenção de seus propósitos (Lakatos e Marconi 2007). Logo, relacio-nam-se à parte prática de coleta de dados e manipulação de informações para atingir o objetivo da etapa.
O referencial utilizado para embasamento do método aqui desenvolvido contemplou uma série de trabalhos e documentos nacionais e internacionais, relacionados a planos e planos de mobilidade, dentre os internacionais podem ser citados Câmara Municipal de Lisboa (2005) e IMTT (2011). Dos nacionais, merecem destaque a Lei Federal de Mobilidade, uma vez que em seu artigo 24 descreve os itens a serem contemplados pelo Plano de Mobilidade, assim como o sistema de mobilidade urbana, em seu artigo 3o. (Presidência da República de Brasil 2012); e os Cadernos de referência para elaboração de planos de mobilidade urbana publicados pelo Ministério das Cidades (2007; 2015).
Segundo a Wefering et al. (2014) o diagnóstico, ao revelar a situação em uma região se encontra atualmente, torna-se fundamental para a tomada de decisões sobre políticas futuras. E no caso da mobilidade, geralmente este conhecimento se encontra fragmentado e incompleto, como em um quebra-cabeças, no qual dados e informações devem ser reunidos e organizados para se descobrir a situação atual e identificar os problemas e potenciais relacionados. Sendo assim, o levantamento e aquisição de bases de dados existentes e confiáveis é de suma importância para viabilizar o estudo, assim como para o levantamento e entendimento da situação atual e da identificação dos problemas e potenciais relacionados.
Segundo Ministerio del Interior, Obras Públicas y Vivienda da Argentina (2016), o objetivo do diagnóstico é conhecer o tema, contemplando do ponto de vista descritivo ao explicativo, pois constitui uma síntese interpretativa da realidade em análise. O material destaca a importância de se analisar planos e estudos anteriormente realizados, entendendo sua possibilidade de interagir com o plano que se pretende formular; levantar e conhecer o que denomina de informantes chave, seja para atuarem como fontes das informações não documentadas, para verificar a pertinência das fontes documentadas, isto é, para garantir os instrumentos de participação; de levantar informações estatísticas; e, para completar o mapeamento da informação.
Segundo o Ministério das Cidades (2015), o objetivo da elaboração do diagnóstico da mobilidade urbana é identificar claramente os problemas enfrentados pelas pessoas para acessar as oportunidades que a cidade oferece e as suas causas (Ministério das Cidades 2015). Mesmo não se tratando de um Plano de Mobilidade, o procedimento proposto para o diagnóstico da mobilidade metropolitana nesse PDI entende ser necessário corroborar tal objetivo, levantando-se o que foi denominado de fragilidades e potencialidades de cada tema.
O material do Ministério das Cidades (2015) traz no capítulo referente ao sistema de mobilidade e seus componentes os diferentes modos de transporte, com destaque para os modos não motorizados (pedestres e bicicleta); o modo motorizado privado (automóvel e motos); o modo motorizado coletivo; e o papel do sistema viário. Os principais componentes do sistema de mobilidade trazidos na Lei 12.587/2012, assim como no material do Ministério das Cidades (2015), foram os elementos basilares utilizados no item 3 do método adotado (ver Figura 2), considerados os elementos base dessa caracterização.
No contexto do planejamento metropolitano, a questão escalar é considerada um tema importante. Segundo Silva et al. (2018), verificam-se avanços relativos à normatização, contudo, não se verificam ações mais específicas no tratamento escalar do território metropolitano ou urbano.
Se a abordagem multiescala que envolve a questão metropolitana é importante e demanda avanços, o mesmo se aplica aos temas relacionados à mobilidade metropolitana. Recorrendo-se as referências que tratam do desafio da escala, para Lacoste (2004) escalas diferenciadas permitem diferentes níveis de análise, possibilitados pelos diferentes recortes espaciais.
Segundo Kneib e Portugal (2017), as escalas espaciais relacionadas à mobilidade se traduzem em três principais: i) escala micro, incluindo deslocamentos predominantes a pé e por bicicleta, com grande sensibilidade ao ambiente construído; ii) escala meso, refere-se a uma centralidade, bairro ou município periférico. Deve incluir, além da caminhada e da bicicleta, uma oferta de transporte público de menor capacidade, integrada à rede estruturante; iii) macro, que abrange toda a RM e requer uma rede estruturante de transporte público de maior capacidade e qualificada, objetivando promover acesso a todo o território.
Nesse sentido, a mobilidade na escala metropolitana pressupõe uma investigação primaz das escalas macro e meso, considerando-se, quando necessário a escala micro. Seu foco abrange os deslocamentos motorizados, devido às especificidades dos deslocamentos intrametropolita-nos e intermunicipais, que conferem uma dimensão da dinâmica metropolitana. São esses deslocamentos, na escala classificada como macro, os prioritariamente investigados. Já as escalas meso e micro, relativas aos deslocamentos por modos não motorizados (a pé e bicicleta) e transporte coletivo de menor capacidade também são investigadas, pois, é fundamental e necessário entender o potencial dos deslocamentos a pé e por bicicleta, e sua integração como transporte público.
O Estatuto da Metrópole é claro ao exigir que no processo de elaboração do PDI devem ser promovidas as audiências públicas e os debates com a participação de representantes da sociedade civil e da população, em todos os Municípios integrantes da unidade territorial urbana (Presidência da República de Brasil 2015). Destarte, cabe destacar a importância da participação social e da necessidade de complementar a leitura técnica com a leitura comunitária, de forma a adicionar o conhecimento social ao técnico e científico, possibilitando, muitas vezes, atua-lizar e confirmar dados coletados e compreender melhor as especificidades e necessidades locais.
A partir das referências citadas anteriormente, que procuram resumir os elementos e características considerados na elaboração do método para diagnóstico da mobilidade para o PDI_RMG, apresenta-se a Tabela 1, que procura sistematizar tais itens.
Dados: UFG e SECIMA (2017).
Nota: o item seguinte traz a aplicação deste método na RMG, procurando validar a sua viabilidade e potencial de aplicação.
Resultados: uma síntese da aplicação do método desenvolvido na RMG
A partir das características e elementos apresentados, referenciados e brevemente descritos anteriormente, apresenta-se a Figura 3 que traz um esquema representativo do método desenvolvido para diagnóstico da mobilidade no PDI_RMG, formado por 4 grupos de conteúdo (legislação, histórico dos deslocamentos, caracterização da mobilidade, fragilidades e potencialidades). Na sequência, apresenta-se uma síntese dos principais resultados da aplicação do método desenvolvido na Região Metropolitana de Goiânia, como etapa da elaboração do seu Plano de Desenvolvimento Integrado.
Base legal relacionada à mobilidade
Para desenvolver um arcabouço legal relacionado à mobilidade, foram pesquisadas e analisadas legislações correlatas no âmbito federal, estadual e municipal. No âmbito federal destacaram-se a própria Constituição Federal (Presidência da República de Brasil 1988), assim como o Código de Trânsito Brasileiro (Presidência da República de Brasil 1997), o Estatuto das Cidades (Brasil 2001), a Lei Federal de Mobilidade (Presidência da República de Brasil 2012) e o Estatuto da Metrópole (Presidência da República de Brasil 2015). No âmbito estadual, mereceram destaque as Leis de criação e alteração da RMG e de criação da Rede Metropolitana de Transportes Coletivos - em diante RMTC (Governo do Estado de Goiás 1999, 2004). Com relação à legislação Municipal, foram analisados os Planos Diretores dos municípios componentes da RM. Mesmo a partir da obrigação legal de elaboração, constatou-se que apenas 16 dos 20 municípios da RM possuem seus planos diretores.
Histórico dos deslocamentos
A caracterização do histórico de deslocamentos na RMG é de grande relevância para a compreensão da mobilidade na RMG, pois pode revelar sua relação com padrões de ocupação urbana, sua evolução, ou mesmo detectar tendências na dinâmica das viagens. Dessa forma, constitui parte essencial para a conformação do diagnóstico pretendido. Para a análise da evolução dos deslocamentos na região, foram utilizados como referências dois documentos precípuos: a pesquisa origem/destino de 2000 e o Plano Diretor Setorial de Transporte Coletivo (CMTC 2007), além de outras pesquisas e dados correlatos.
A Figura 4 mostra que, já no 2000, a população na RMG deslocava-se predominantemente pelo modo motorizado individual (36%), seguido do público coletivo (30%). Tal fato demandava, já à época, ações eficazes de priorização e incentivo à utilização do modo coleti-vo, acompanhadas de medidas de desencorajamento do modo motorizado individual.
Caracterização da mobilidade
A partir do referencial mencionado anteriormente, adicionado aos dados disponíveis para análise, a caracterização da mobilidade metropolitana é dividida nos subtemas dinâmica metropolitana, transporte coletivo, motorizado individual e cargas, modos não motorizados e sistema viário.
Mobilidade na RMG: dinâmica metropolitana
A dinâmica metropolitana pode ser compreendida a partir dos fluxos de pessoas entre os municípios. Para isso, é fundamental investigar os deslocamentos, com ênfase nas viagens pendulares. Deslocamentos pendulares, viagens pendulares ou mesmo mobilidade pendular, neste trabalho, segue a definição do IBGE (2001), segundo o qual essa pendularidade se refere ao movimento realizado por pessoas entre seus locais de residência e de trabalho ou estudo, quando estes se localizam em diferentes municípios.
As viagens pendulares, normalmente concentradas nos horários de pico, acabam por sobrecarregar os sistemas de transporte e constituem uma questão relevante no processo de planejamento. São derivadas da combinação de dois elementos: a distribuição das atividades no território e os sistemas de transporte. Assim sendo, uma estrutura territorial descentralizada, que busca uma policentralidade equilibrada, é uma das grandes respostas a tal questão (Kneib 2014, 2016). Destarte, um objetivo a ser perseguido pelas RM consiste na sua organização, em diferentes escalas, a partir de uma rede de centrali-dades planejadas, ativas e dinâmicas, que serão basilares para a organização dos fluxos de pessoas e bens (IMTT 2011; Kneib 2016). E ainda, como as centralidades são uma das grandes responsáveis por caracterizar os fluxos urbanos e metropolitanos, uma rede viária adequada e hierarquizada funcionalmente deve apoiar diretamente esta rede de centralidades.
Para ilustrar a distribuição das atividades na RMG, recorre-se às variáveis população e empregos. Os municípios com maior população são, segundo o IBGE (2019): Goiânia (1,495 milhão de habitantes); Aparecida de Goiânia (566.000 habitantes); Trindade (125.000 habitantes) e Senador Canedo (112.000 habitantes). Os demais municípios somam cerca de 219.000 habitantes.
Goiânia, cidade polo, possui a maior concentração de empregos (cerca de 75%). O município de Aparecida de Goiânia concentra quase 12% dos empregos da RMG; Trindade 2,4% e Senador Canedo 1,94%. Em relação ao número de estabelecimentos com oferta de postos de trabalho formal por município da RMG, a ordem se repete: identifica-se que as maiores concentrações estão em Goiânia (48.825), Aparecida de Goiânia (7.791), Trindade (1.578) e Senador Canedo (1.270) (UFG e SECIMA 2017). Tais números revelam uma estrutura territorial extremamente centralizada na capital, desequilibrada, que vai impactar diretamente os fluxos pendulares e os sistemas de transporte.
Conforme destacado anteriormente, não existe uma pesquisa origem e destino recente para a região. Assim, para a análise da mobilidade, tornou-se fundamental a base de dados da pesquisa que resultou na publicação Arranjos populacionais e concentrações urbanas no Brasil, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE 2015), a qual possibilitou verificar a integração entre os municípios, a partir da análise dos deslocamentos pendulares por motivo de trabalho e estudo na RMG.
Na Figura 5 é possível visualizar os fluxos dos deslocamentos pendulares (trabalho e estudo) entre os 20 municípios na nova estrutura da RMG, conformada pela Lei Complementar no 139/2018 (Governo do Estado de Goiás 2018). A legenda das linhas que representam os fluxos está organizada em classes. Tais classes correspondem à soma do número de pessoas que se deslocam entre os municípios, e fundamentam-se no conceito de ligação entre os municípios em função dos movimentos pendulares por motivo de trabalho e/ou estudo.
A Figura 5 mostra que os maiores fluxos existem entre Goiânia e os municípios com maior população; com maior destaque económico da RMG (concentração de empregos); e cuja mancha urbana mostra o processo de conurbação, que são Aparecida de Goiânia, Trindade e Senador Canedo, com cerca de 124.000, 21.000 e 25.000 pessoas respectivamente deslocando-se regularmente entre estes municípios e a Capital. Tais números revelam a marcada relação centro-periferia, a concentração na cidade núcleo, assim como uma grande relação de dependência e complementaridade entre os municípios.
Mobilidade na RMG: transporte coletivo
A caracterização do transporte coletivo na RMG, neste trabalho, é realizada destacando-se 4 aspectos principais: modelo de operação e seu regulamento; número de viagens e demanda; modelo tarifário; e distribuição espacial da oferta na RMG, conforme itens que seguem.
O serviço de transporte público coletivo de passageiros da RMG se estrutura a partir de uma rede de serviços denominada Rede Metropolitana de Transportes Coletivos, cujo objetivo é a promoção da acessibilidade, da universalidade e da mobilidade da população de dezoito dos vinte municípios que conformam a RMG (RMTC 2017). Quatro concessionárias privadas prestam os serviços na RMTC por força dos Contratos de Concessão celebrados em 2008, derivados da Concorrência CMTC n° 01/2007 (RMTC 2017). Além das quatro empresas privadas, parte do serviço é operado pela estatal Metrobus.
O modelo operacional da RMTC é, em grande parte da rede, tronco-alimentado. Nesse tipo de modelo, as linhas alimentadoras fazem a ligação dos bairros com os locais de integração, e as linhas troncais (eixo) distribuem as viagens em áreas centrais, corredores e polos de atração de viagens (CMTC 2013). Dividida em quatro áreas operacionais, a rede opera com 302 linhas, 21 terminais de integração e quase 6.000 pontos de ônibus para embarque e desembarque de passageiros. As linhas de ônibus são divididas em linhas alimentadoras, diretas, linhas de eixo, semiurbanas, expressas e linhas do serviço complementar diferenciado Citybus (RMTC 2017). Em fevereiro de 2019, a RMTC passou a contar com um serviço complementar de transporte coletivo por aplicativo, denominado Citybus 2.0 (HP Transportes Coletivos 2019).
Com relação a dados de 2017, a RMTC se realizou em um dia útil, em média 584.000 viagens. No sábado este número foi de 234.000, e no domingo 123.000 (RMTC 2017). Porém, este cenário não se mostra otimista. A perda de competitividade do transporte coletivo em relação ao modo individual - provocada por fatores como ausência de priorização e investimento público no sistema de transporte coletivo, aliada à crescente dispersão das ocupações das cidades - tem se refletido em uma perda crescente da demanda (Kneib 2016).
Pires, Kneib e Ribeiro (2020) destacam que a expansão territorial na RMG é acompanhada pela extensão das linhas de ônibus. A expansão urbana de baixa densidade gera ainda uma diminuição na frequência das viagens e um aumento no tempo de viagem dos usuários de transporte coletivo. Segundo o estudo, a polaridade centro-periferia existente na RMG majora os deslocamentos pendulares, enquanto a expansão urbana interfere diretamente no tempo de espera, no tempo e distância das viagens pendulares por transporte coletivo, impactando diretamente o custo e a qualidade do sistema.
Com relação à tarifa, a mesma é definida como o preço que os usuários devem pagar para custear os serviços de transporte público e terem acesso ao uso da rede metropolitana de transportes coletivos (CMTC 2013). O sistema opera em uma tarifa única e integrada, a partir da qual o usuário pode percorrer qualquer distância ou acessar qualquer município da RMG, com o pagamento do mesmo valor (RMTC 2017), o que caracteriza um subsídio cruzado interno, no qual pessoas que utilizam menores distâncias contribuem para financiar os deslocamentos mais longos.
O modelo de financiamento do transporte coletivo na RMG, baseado exclusivamente na receita tarifária, apresenta dificuldades. Há um conjunto de fatores que agravam esta situação: i) aumento dos custos de operação (Leite e Villas - SET 2015); ii) aumento das distâncias a serem percorridas, em grande parte devido ao espraiamento urbano da região metropolitana, conforme abordagem de Kneib (2015) e de Pires, Kneib e Ribeiro (2020); iii) aumento do número de gratuidades garantidas por lei sem a respectiva fonte de custeio, a exemplo de idosos, deficientes e outras categorias (Leite e Villas - SET 2015); e iv) perda de demanda pagante no sistema (RMTC 2017).
Para identificar a distribuição espacial da oferta de transporte coletivo na RMG, foi considerada que a oferta de transporte coletivo pode ser obtida a partir da disponibilidade de linhas de ônibus e da frequência dessas linhas ao longo de determinados intervalos de tempo. Dessa forma, para a caracterização da oferta, em um Sistema de Informações Geográfica - em diante SIG, foi realizado o cálculo da densidade de linhas de ônibus e normalizaram-se os valores dividindo a densidade de linhas pelo número de viagens de cada linha de ônibus em um dia útil. Na Figura 5, as classes de oferta (de baixa a alta) foram estabelecidas utilizando o método estatístico denominado Otimização de Jenk para classificar os atributos. Este algoritmo agrupa os atributos baseados na distribuição dos dados e visa reduzir ou maximizar a variância nesses grupos (ESRI 2018). Assim, os valores da oferta são divididos em classes cujos limites são estabelecidos onde existem diferenças significativas nos valores dos dados.
A partir da Figura 6 observa-se, com relação à rede de transporte coletivo, que: i) atende à maior parte da mancha urbana, englobando 18 municípios da rede, apesar de uma ocupação urbana fragmentada, de baixa densidade e de longas distâncias, a exemplo dos municípios de Guapó, Aragoiânia, Hidrolândia e Bela Vista ao sul; Caldazinha a sudeste; Brazabrantes, Nova Veneza, Santo Antônio de Goiás, Nerópolis, Terezópolis de Goiás, Goianápolis e Bonfinópolis a norte e nordeste; ii) alta oferta concentrada na região central de Goiânia, principalmente a partir do Eixo Anhanguera, que se ramifica, a partir da estrutura viária intramunicipal, em direção à Trindade, Goianira e Senador Canedo (Vetor 1); e dois outros vetores (2 e 3) em direção ao sul, chegando à Aparecida de Goiânia, a segunda maior cidade da RMG.
Mobilidade na RMG: motorizado individual e cargas
Apesar da base legal existente, como foco na Lei no 12.587/2012, ou Lei de Mobilidade (Presidência da República de Brasil 2012), o sistema de mobilidade urbana dos grandes centros urbanos brasileiros ainda se caracteriza pelo intenso uso do transporte individual motorizado. São notórios todos os efeitos que isso representa na vida da população, acarretando uma série de externalidades negativas paras as cidades, como emissão de poluentes, acidentes de trânsito, degradação do transporte coletivo, dentre outras (IPEA 2011).
A RMG segue esta lógica nacional. O crescimento expressivo da frota veicular na RMG indica o reflexo da dinâmica econômica, associada à facilidade de uso e a prioridade conferida ao transporte individual motorizado sobre os demais modos na RMG. No ano de 2017, considerando-se a nova configuração espacial da RMG, constavam 1.630.089 veículos motorizados, dos quais 835.000 são automóveis e 462.000 são motocicletas e similares (Denatran 2018). Para uma população metropolitana de cerca de 2.500.000 de habitantes (IBGE 2019), o crescimento da frota ajuda a compreender o aumento do uso desse modo motorizado individual.
A RMG é cortada por eixos rodoviários de fundamental importância para o transporte de cargas, seja com relação ao nível metropolitano ou estadual, ou mesmo nacional, como a rodovia BR-153 que integra o Norte ao Sul do País, a BR-060 que liga Goiânia ao Distrito Federal e ao Estado do Mato Grosso. As rodovias mencionadas, assim como sua relação com a RMG, serão mostradas no que abrange o tema sistema viário metropolitano.
Mobilidade na RMG: modos não motorizados
Mesmo indicados para curtas e médias distâncias, os modos não motorizados merecem uma grande atenção no contexto dos PDI, principalmente quando relacionados a viagens complementares e à intermodalidade. Neste trabalho, destaca-se o potencial da bicicleta para a RMG.
A bicicleta é um modo de transporte recomendável para pequenas e médias distâncias, mas, quando integrada a outros modos, permite atingir vários destinos, inclusive os de escala metropolitana. O Ministério das Cidades (2007) descreve até 7,5 km como o raio adequado das viagens ciclísticas, que, para uma velocidade média de 15 km/h, corresponderia a uma viagem com duração de trinta minutos.
No contexto da intermodalidade, a bicicleta se apresenta com grande potencial de integração com o transporte coletivo. A RMG já contém uma infraestrutura inicial capaz de potencializar esta intermodalidade. Dos 21 terminais de transporte coletivo existentes, 16 já contam com bicicletários (Figura 6), sendo que a taxa de ocupação (média diária de bicicletas registradas no bicicletário do terminal) chega a 250 bicicletas no terminal de Senador Canedo. Com relação aos raios de 2,5 e 5 km, a Figura 7 mostra que grande parte da mancha urbana, principalmente nos municípios de pequeno porte, está contida nesses raios. Ou seja, grande parte da mancha urbana da RMG está acessível por bicicleta a partir dos terminais, em um percurso de até 20 minutos.
Mobilidade na RMG: sistema viário
Na RMG, o sistema viário de caráter metropolitano -que conecta os municípios- é o mesmo que permite os deslocamentos por transporte coletivo, bicicleta, carga e automóveis. Ou seja, o sistema viário metropolitano necessita ser organizado, gerido e fiscalizado de modo a buscar uma mobilidade metropolitana sustentável, na qual os preceitos da lei federal de mobilidade sejam respeitados. A Figura 8 apresenta as principais vias que compõem o sistema viário de interesse metropolitano da RMG, incluindo-se as vias existentes e o anel viário metropolitano, enquanto via projetada.
Assim como consta na Figura 3 (método desenvolvido para diagnóstico da mobilidade) este item sobre a caracterização da mobilidade, que é eminentemente técnico, foi complementado no PDI_RMG por informações e opiniões advindos da participação social. Dentre audiências públicas, debates, oficinas, seminários e workshops, foram realizados mais de 45 eventos, com participação de mais de 3.700 pessoas (UFG e SECIMA 2017).
Ainda como consta no método desenvolvido para diagnóstico da mobilidade, cabe destacar que os demais eixos do PDI que possuem relação com a mobilidade não foram descritos neste trabalho, mas foram contemplados nas análises e, principalmente, para a identificação das fragilidades e potencialidades, garantindo-se o atendimento à necessidade de integração efetiva nessa etapa de diagnóstico, prevista no plano "integrado".
Fragilidades e potencialidades
Atendendo-se ao elencado na metodologia desenvolvida, corroborado pelo Ministério das Cidades (2015) que assevera que o objetivo da elaboração do diagnóstico da mobilidade urbana é identificar com clareza os problemas enfrentados pelas pessoas para acessar as oportunidades que a cidade oferece e as suas causas, o método desenvolvido permitiu a identificação dos problemas e potencialidades relacionados a cada um dos subtemas abordados, possibilitando um panorama geral da situação na RMG.
A partir do conteúdo presente em UFG e SECIMA (2017), procurando validar a aplicação do método desenvolvido, a Figura 9 apresenta o número de fragilidades e potencialidades elencados para cada subtema (9A), assim como a normalização desses valores (9B), para comparação entre os subtemas. Na Figura 9A identifica-se que o tema transporte público coletivo ganha destaque com muitas fragilidades, mas também um grande potencial para a mobilidade da RMG; seguido do sistema viário metropolitano, com mais fragilidades do que potenciais. Já a Figura 9B permite visualizar que, no geral, foram detectadas muito mais fragilidades do que potenciais, mas que, por outro lado, apesar do grande número de fragilidades, todos os subtemas apresentam potenciais a serem trabalhados tanto no prognóstico quanto nas diretrizes do Plano.
Considerações finais
A partir de problemas notórios enfrentados pelas metrópoles brasileiras, aliados à grande oportunidade de planejamento integrado, a partir da determinação do Estatuto da Metrópole de elaboração de Planos de Desenvolvimento Integrado, o presente trabalho apresentou o método desenvolvido para o diagnóstico da mobilidade na Região Metropolitana de Goiânia.
Como principais resultados, destaca-se que o método utilizado, além de efetivamente contribuir para conformar um diagnóstico para o PDI, permitiu elencar potencialidades e fragilidades relacionadas ao tema, elementos fundamentais para a compreensão da mobilidade metropolitana na RMG, assim como para inspirar regiões que estejam em fase de elaboração de seus PDI, atingindo-se os objetivos propostos.
Sobre o processo de metropolização e suas relações com a mobilidade na RMG, o diagnóstico permitiu concluir que a metrópole goiana segue o padrão das metrópoles brasileiras identificado por IPEA (2011), Villaça (2001) e Lacerda, Zancheti e Diniz (2000), ficando clara a relação centro-periferia, os processos de conurbação, a concentração na cidade núcleo, assim como uma grande relação de dependência e complementaridade entre os municípios.
Para a aplicação do método desenvolvido, a partir da pesquisa bibliográfica, quantitativa e qualitativa, foram utilizadas bases de dados diversas associadas a um SIG para as análises em questão. A divisão do tema mobilidade em subtemas-dinâmica metropolitana, transporte coletivo, motorizado individual e cargas, modos não motorizados e sistema viário - também se mostrou de grande utilidade para compreensão do tema.
Como principais desafios da proposta desenvolvida, podem ser destacados: i) enfrentou-se a ausência de bases de dados sistematizadas, que foram buscadas nos diversos órgãos competentes, visando seu tratamento e manipulação em SIG, além da ausência de uma pesquisa origem e destino atualizada, basilar para a análise metropolitana; ii) a necessidade de se formar uma governança metropolitana, seja nos diversos temas inerentes ao plano, seja no tema específico de mobilidade urbana, uma vez que os municípios ainda tratam suas políticas de forma individual. Como o tema mobilidade urbana pressupõe um tratamento em rede, a governança e integração metropolitanas são basilares, inclusive para o tratamento de temas que afetam diretamente a mobilidade metropolitana, como é o caso do uso e ocupação do solo e do processo de espraiamento metropolitano; iii) a participação da gestão pública municipal e popular nas discussões afetas ao PDI ainda constitui um desafio, pois ainda há resistência entre os gestores públicos, principalmente no âmbito político, assim como percebe-se que na maioria das audiências públicas há uma grande participação de segmentos específicos da sociedade, como instituições acadêmicas, profissionais, segmentos do setor imobiliário e construção civil, mas pouco observa-se a participação da população em geral, enquanto representante do cidadão metropolitano. Esse fato se torna relevante também, uma vez a lei federal brasileira (Estatuto da Metrópole) é clara ao destacar que no processo de elaboração do PDI deve haver a participação de representantes da sociedade civil e da população; iv) a dificuldade de mudança do paradigma atual, considerando-se os preceitos da Lei Federal de Mobilidade, pois a prioridade ao coletivo e ao não motorizado constitui um elemento bastante presente nas legislações e na retórica, mas que pouco se efetiva em ações e investimentos públicos. Na RMG, conforme apresentado anteriormente, tais fatos se refletem na perda de demanda do transporte coletivo e na perda de potencial para a realização dos deslocamentos a pé e de bicicleta.
Como conquistas do método de diagnóstico aplicado, podem ser elencadas: i) a conformação de uma base de dados sobre a mobilidade metropolitana, até então inexistente, que mesmo sem uma pesquisa origem e destino, constitui um passo importante para o entendimento e investigação das condições de mobilidade de 20 municípios, possibilitando que esta base seja futuramente atua-lizada, aprimorada e evoluída, segundo as necessidades e possibilidades; ii) a participação da sociedade e dos gestores de 20 municípios nas discussões metropolitanas, processo no qual foi possível iniciar a construção de uma identidade metropolitana e o entendimento das funções públicas metropolitanas de interesse comum; iii) o início do entendimento da necessidade de construir uma discussão metropolitana sobre mobilidade urbana, seja com relação ao sistema viário, seja com relação ao transporte público coletivo, entendendo-se que a solução para tais questões pressupõe um pacto metropolitano com divisão de responsabilidades entre os entes partícipes da rede.
Como contribuições do método e de seus resultados, enfatiza-se que tais informações, além de auxiliarem o diagnóstico do PDI, podem contribuir também para embasar diretrizes dos planos diretores municipais, assim como dos planos de mobilidade dos municípios da RMG, mas, principalmente, no contexto metropolitano, podem iniciar um primeiro e importante passo para fomentar um processo de planejamento metropolitano de mobilidade, conformado por um plano de mobilidade metropolitano, no qual esteja inserida uma pesquisa metropolitana origem e destino.
Por fim, cabe destacar que em maio de 2019 foi aprovada uma lei complementar que altera novamente a composição da RMG (Governo do Estado de Goiás 2019), inserindo-se agora o município de Inhumas, totalizando-se 21 municípios e não mais 20 como abordado no presente trabalho. Assim sendo, abre-se novamente a necessidade de atualização deste estudo, trazendo agora dados, informações e análises sobre Inhumas, e potencializando-se novas comparações com o presente diagnóstico. Tais fatos ratificam a dinamicidade das regiões metropolitanas e a importância dos métodos para a identificação, o acompanhamento e o monitoramento dessas mudanças.