Introdução
O planejamento urbano se constitui em um elemento norteador para a ocupação adequada dos espaços citadinos, mitigando efeitos antrópicos e consequências indesejadas ao bem-estar das comunidades. Muitas vezes o planejamento urbano realizado pelos gestores públicos é compreendido apenas como um elemento estético das cidades, entretanto, trata-se de uma área de estudo que visa identificar fatores de risco para qualidade de vida das comunidades em geral, envolvendo desde o ordenamento das construções, das residências, dos espaços de convivência, e também as atividades socioeconômicas e suas interações espaciais, conforme salientam Harouel (1990), Del Rio (1990), Lamas (2000) e Choay ([1965] 2011). Na história da formação dos espaços urbanos no Brasil, o surgimento não planejado de inúmeras comunidades implicou em problemas ambientais e de saúde para as pessoas. Segundo Santos Júnior:
[...] a urbanização desordenada é repleta de segregação espacial, onde se misturam: áreas centrais, periféricas e vazias com grandes diferenças em sua paisagem. Os bairros vão surgindo, sem nenhum controle e sem nenhum planejamento por parte das prefeituras e dos órgãos públicos. (Santos Júnior 2017, 18)
Esse crescimento desordenado é uma realidade em muitos municípios brasileiros, especialmente naqueles em que a migração rural-urbana ocorreu de forma acelerada e sem capacidade de suporte nas cidades que acolheram esses migrantes. Sob condições inadequadas nas cidades para absorver-lhes, essa população passa a ocupar espaços urbanos impróprios para construção de moradias, os quais afetam a qualidade de vida do ser humano e geram também impactos ambientais.
Huffner e Oliveira (2017), no estudo sobre o município Ponta de Pedras, localizado a leste da Ilha de Marajó, no estado do Pará, apontam à periferização e à degradação socioambiental do município estudado, sobretudo decorrente da migração rural-urbana, gerando crescimento desordenado e bolsões de pobreza, miséria e aglomerados subnormais.
Santos Júnior (2017) acrescenta ainda, que o processo de urbanização da cidade de Guarabira, na Paraíba, também de maneira desordenada, implicou em problemas de saúde, poluição, falta de oferta de serviços de saneamento básico, além de transtornos no trânsito, inundações, destruição de áreas verdes dentre outros inconvenientes.
No trabalho de Carvalho e Pereira (2008) sobre a Região Metropolitana de Salvador, retrata-se a forma inadequada do processo de urbanização, com a presença de invasões e habitações precárias, e ausência do poder público no planejamento e ordenamento urbano. Dessa situação, surgiram áreas de extrema pobreza em Salvador como os bairros da Paz, Novos Alagados e Nova Constituinte, de alta densidade demográfica como os bairros Cosme de Farias, Pernambués, Engenho Velho da Federação, e também de população muito vulnerável como o Nordeste de Amaralina, com renda muito baixa, alto índice de desemprego e pouco nível de instrução.
Resultados semelhantes foram observados em Lisboa (2004), para o município de Itajuípe no Estado da Bahia, em que aponta a crise da monocultura do cacau como elemento gerador do deslocamento de inúmeras famílias para a área urbana do município, contribuindo para o surgimento de bairros não planejados e sem infraes-trutura de saneamento ambiental.
Esses elementos associados à falta de planejamento urbano foram fundamentais para delinear a temática deste trabalho. Dessa forma, objetiva-se analisar os efeitos das ações mitigadoras no processo de desocupação de uma Área de Preservação Permanente - em diante APP, do município de Itajuípe, Bahia, no âmbito das políticas públicas, no sentido de reverter danos socioambientais oriundos de ocupações desordenadas.
Este trabalho é composto de seis seções, incluindo esta introdução. Na seção dois se apresenta o problema da ocupação desordenada em uma APP. A seção três se refere ao referencial teórico e uma breve revisão de literatura sobre ocupação e uso dos solos urbanos e dispositivos legais sobre o tema. Na seção quatro estão elencados os aspectos metodológicos da pesquisa. A seção cinco concentra os principais esforços da pesquisa no sentido de apresentar os resultados do processo de ocupação da área urbana, elencando os principais destaques relativos à agenda política e à execução de ações mitigadoras. Na última seção, infere-se sobre os principais destaques concernentes ao problema da pesquisa.
O processo de ocupação do solo urbano em Itajuípe
Em 1918, surgia o povoado de Pirangi, pertencente ao município de Ilhéus, que viria a se constituir em 1952, pela Lei Estadual n° 507, no município de Itajuípe, o qual faz parte da microrregião Ilhéus-Itabuna (Leis Estaduais, 1952).
A atividade cacaueira era a principal fonte de divisas do município, cuja taxa média de crescimento da produção anual foi de 2,2% entre 1979 e 1991 (IBGE 2016a). Entretanto, a produção sofreu forte redução na década de 1990 e a taxa de crescimento anual da produção passou a ser negativa (-11,5%) de 1991 a 1997 (Lisboa e Midlej 1999). Essa drástica redução da produção afeta substancialmente a mão de obra rural do município, fazendo com que essa migre para outras localidades, inclusive para as zonas urbanas de Itajuípe. Conforme assevera Lisboa:
Na medida em que a crise do cacau afetou diretamente as unidades produtivas, a população rural desempregada, sem alternativas para continuar no campo, migrou para a sede do município. Como consequência, houve o aumento da população residente nas periferias da cidade. Paralelo a isso, os recursos municipais foram reduzidos. Esses fatos implicaram na deterioração da qualidade de vida dos núcleos urbanos. Assim, o contexto urbano atual de Itajuípe é resultado, dentre outros fatores, da falta de planejamento municipal ao longo do tempo, principalmente nos últimos anos, quando a migração rural-urbana tornou-se mais acentuada. (Lisboa 2004, 17)
Nesse percurso, o espaço urbano de Itajuípe vai se transformando, em razão da migração rural-urbana, evidenciada pelos dados dos Censos Demográficos do IBGE, em que a população rural do município em 1996 que era de 8.961, passa para 4.242 em 2010 (último Censo Demográfico do IBGE), uma redução de quase 50%. Assim, surgem novos bairros como o Bairro Novo, Avenida Itabuna, Avenida Beira Rio, Novo Itajuípe, Santa Edwirgens e Acácio Almeida, os quais passam abrigar essa população que vinha do meio rural do município. No ápice da crise da cacauicultura1, por volta do ano 2002, a ocupação se espalha sobre uma área de nascentes, a qual é objeto deste estudo, e que mais tarde originaria o bairro Sagrado Coração de Jesus. Com a Lei Municipal 740/2006 (Prefeitura Municipal de Itajuípe 2006a), que instituiu o Plano Diretor Urbano de Itajuípe, essa localidade passou a integrar uma zona urbana de uso específico, denominada Polo Eco-industrial, na qual se insere também a Lagoa Humberto Badaró e suas nascentes (Figura 1). Dessa forma, a ocupação se encontrava em local legalmente inapropriado para tal finalidade, e as moradias existentes não se enquadravam em qualquer tipo de planejamento urbano.
Nota-se, na Figura 1, a presença de inúmeras habitações na APP2 no ano de 2002. Não obstante, sem que houvesse qualquer ação pública para realocação das famílias, o processo de ocupação continuou, e por volta de 2005, o Conselho Municipal de Meio Ambiente - em diante COMMAM, realizou uma denúncia junto ao Ministério Público da Bahia - em diante MP-BA, com o intuito de verificar alternativas para esse processo. Assim, o MP-BA instituiu o inquérito civil público n° 03/2005, para apurar irregularidades na APP, no entorno das nascentes da Lagoa Humberto Badaró e expediu ao Poder Público Municipal recomendação de medidas legais cabíveis para sanar esse problema.
Face à demora no atendimento a tal recomendação, foi iniciada negociação entre o Ministério Público, o Poder Público Municipal e o Conselho Municipal de Meio Ambiente, que resultou no Termo de Ajustamento de Conduta - em diante TAC, assinado em 28 de julho de 2009 (Estado da Bahia 2009). Como a invasão se encontrava em área pública municipal, cabia ao município a adoção de medidas para impedir a degradação ambiental decorrente da ocupação irregular da APP.
O TAC envolveu esforços na busca de alternativas adequadas à solução do impasse social e ao conflito de interesses públicos e privados. Nesse contexto, este trabalho é relevante ao buscar discutir e apresentar os instrumentos adotados de política pública para inibir e/ou mitigar processos desordenados de ocupação urbana. Ademais, a experiência no município de Itajuípe expõe desenhos alternativos de política pública que geram efeitos diretos sobre a qualidade do meio ambiente e da vida das pessoas.
Organização das cidades e dispositivos legais
Esta seção se dedica a entender o funcionamento orgânico das cidades, suas aglomerações e sua estrutura funcional. Além disso, são apresentados os principais dispositivos jurídicos desenvolvidos no Brasil desde a Constituição Federal de 1988 (Presidência da República de Brasil 1988), sobretudo no que tange ao ordenamento urbano.
No Brasil o processo de urbanização aconteceu de forma acelerada, iniciando-se a partir do século XX a ocupação de terras urbanas, conforme salienta Abramo (2007). Esse processo associado a um quadro de elevado déficit habitacional, especialmente nas famílias com renda inferior a três salários mínimos contribuiu para que parte dessa população passasse a construir moradias em locais irregulares e/ou invasões.
Assim, o processo de industrialização do país a partir dos anos 1950, gerou grandes migrações da população rural para as zonas urbanas, delineando a construção do espaço urbano no Brasil. No entanto, boa parte das cidades não estava preparada para receber esse contingente populacional, mesmo assim esse processo de urbanização continuou de maneira acelerada pari passu uma forte segregação de parcela da população que não conseguia acessar condições adequadas de vida. Assim, aglomerase nas cidades uma população sem acesso a serviços de saneamento básico e infraestrutura adequada, apontado em Souza (2002).
Dessa forma, entender o uso e ocupação do solo urbano, mostra-se relevante, pois envolve diversos elementos, especialmente da ciência regional, na qual (Christaller 1933) com a teoria dos lugares centrais, expõe-se o uso e a organização do espaço em uma concepção de hierarquia, revelando a necessidade de um planejamento adequado na conformação urbana de uma cidade.
O crescimento urbano gera economias de aglomeração e propicia assim a diversificação produtiva local. As cidades são, portanto, lugares onde se adicionam grande quantidade de trabalho novo ao antigo, o qual se multiplica e diversifica a partir das divisões de tarefas (Jacobs 1969).
Nesse contexto, a teoria dos circuitos alicerça-se na compreensão da heterogeneidade do espaço urbano, quando se refere "a existência, nas cidades de países subdesenvolvidos, de dois sistemas de fluxo económico, cada um como um subsistema do sistema global que a cidade em si representa" (Santos 1977, 36). Tal dualidade, na percepção de Milton Santos, ocorre, dentre outros fatores pela:
[...] presença de uma massa populacional com salários muito baixos, dependendo de trabalho ocasional para viver, ao lado de uma minoria com altos salários, cria na sociedade urbana uma distinção entre os que têm permanente acesso aos bens e serviços oferecidos e os que, mesmo apresentando necessidades similares, não podem satisfazê-las. Isto cria ao mesmo tempo diferenças qualitativas e quantitativas de consumo. Estas diferenças são, ambas, causa e efeito da existência, isto é, da criação ou manutenção, nestas cidades, de dois sistemas de fluxo que afetam a fabricação, a distribuição e o consumo de bens e serviços. (Santos 1977, 36)
Essas teorias corroboram com o modelo atual de segregação espacial no qual as cidades, especialmente dos países em desenvolvimento, apresentam uma realidade de urbanização não planejada, formando periferias compostas por populações carentes de equipamentos urbanos que proporcionem condições dignas de vida.
Já no âmbito da legislação, a Constituição Federal do Brasil de 1988 foi um elemento de considerável importância para o ordenamento do uso do solo. A partir da sua promulgação, os instrumentos urbanos passaram a nortear os gestores na atuação nos municípios e também na aplicabilidade dos dispositivos legais. Nesse contexto, cita-se a Lei que instituiu o Estatuto das Cidades (Presidência da República de Brasil 2001) e, a partir daí os planos diretores urbanos, que passaram a desempenhar um papel importante no modelo de planejamento urbano no país. Por conseguinte, tornou obrigatório o planejamento e ordenamento do espaço territorial urbano para os municípios brasileiros com população acima de 20 mil habitantes, integrantes de regiões metropolitanas e aglomerações urbanas, estejam em áreas de especial interesse turístico; venham a receber empreendimentos de grande impacto e aqueles que declararam emergências ambientais (Política Nacional de Proteção e Defesa Civil - Lei Federal no 12.608, de 10 de abril de 2012) e estejam no Cadastro Nacional de Municípios.
O Art. 182 da Constituição Federal de 1988 conferiu aos municípios a responsabilidade de ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes. O Art. 183, segundo Carvalho e Rossbach, trata da aquisição da propriedade pelo ocupante do imóvel urbano que o utiliza para sua moradia e de sua família:
A política urbana é responsabilidade dos Municípios e deve garantir as funções sociais da cidade e o desenvolvimento dos cidadãos. Estabelece ainda, que o Plano Diretor Municipal, é o instrumento básico do ordenamento do territorial urbano, devendo definir qual deve ser o uso e as características de ocupação de cada porção do território, fazendo com que todos os imóveis cumpram sua função social. (Carvalho e Rossbach 2010 113)
O Estatuto das Cidades (Lei Federal n° 10.257/2001), reforçou o papel do Plano Diretor Urbano como instrumento para o Planejamento das cidades. No Estatuto estão as diretrizes que orientam os municípios para elaboração de sua política urbana, para que as cidades se tornem mais justas, diminuindo as desigualdades, proporcionando sua sustentabilidade, planejamento urbano, oferta e manutenção de equipamentos e espaços urbanos comunitários, gestão transparente e democrática, dentre outros. No artigo 39 do Estatuto das Cidades, o Plano Diretor é o principal instrumento de ordenamento do solo, reunindo instrumentos e estabelecendo como cada porção do território municipal cumpre sua função social, conforme apontam Carvalho e Rossbach (2010). A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências expressas de ordenação da cidade no Plano Diretor, assegurando o atendimento das necessidades dos cidadãos quanto à qualidade de vida (Carvalho e Rossbach 2010, 113).
Outro elemento importante é a Política Nacional de Habitação instituída pelo Ministério das Cidades do Brasil, em 2004, que definiu diretrizes no sentido da garantia do acesso a uma habitação digna, sobretudo às pessoas mais carentes, a fim de viabilizar a integração das políticas nacionais de habitação e de desenvolvimento urbano. Essa macropolítica habitacional ensejou debates no Congresso de modo a apreciação, votação e aprovação de projeto de lei que resultou na sanção da Lei Federal n° 11.124/2005 (Presidência da República de Brasil 2005), instituindo o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social - em diante SNHIS, o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social - em diante FNHIS e o Conselho Gestor do FNHIS.
O SNHIS visa melhorar as condições de vida da população de baixa renda no sentido de acesso ao solo urbano, habitação digna e sustentável, por meio de políticas públicas. Já o FNHIS objetiva a formação de um fundo para subsidiar a construção de residências visando reduzir o déficit habitacional. Os recursos devem ser aplicados de forma descentralizada (Estados, Distrito Federal e municípios), a partir das regulamentações do Conselho Gestor do FNHIS, tanto no âmbito federal, quanto no âmbito dos conselhos gestores locais, que se obrigam à elaboração do Plano Local de Habitação de Interesse Social (PLHIS).
A reboque da legislação federal, o município de Itajuípe sancionou duas importantes leis: a Lei Municipal n° 740/2006, que aprovou o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e Participativo e a Lei Municipal n° 743/2006 (Prefeitura Municipal de Itajuípe 2006b), que disciplinou a Política Municipal do Meio Ambiente - em diante PMMA. Tais dispositivos legais foram importantes porque passaram a normatizar as ações públicas e privadas em âmbito local. O Plano Diretor definiu a política urbana, por meio do art. 2°, normatizando-a:
Art 2° - O Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano, como instrumento básico de política urbana contém, na forma prescrita pela legislação pertinente:
I. Os usos, as zonas e subzonas de uso do solo, estabelecendo os respectivos parâmetros urbanísticos;
II. O sistema de gestão participativa para o acompanhamento e controle da implementação do Plano Diretor, com o acompanhamento da sociedade civil;
III. A delimitação das áreas urbanas onde poderão ser aplicados os instrumentos urbanísticos previstos na legislação federal.
A partir da aprovação da Lei Municipal n° 740/2006, o município passou a ser obrigado a incluir na agenda pública os temas relacionados à política urbana, sendo necessários esforços no sentido da formulação, implementação, execução, monitoramento e avaliação das políticas nessa área.
A PMMA, por sua vez, instituiu, em seu art. 15, os espaços protegidos, para fins de proteção ambiental e cultural, tais como as unidades de conservação, as áreas de preservação permanente, as áreas de valor ambiental urbano e as áreas de proteção histórico-cultural.
Além disso, a PMMA, no art. 16, implementa importantes dispositivos no tocante às unidades de conservação. Nesse particular, o COMMAM é órgão responsável por aprovar os planos de manejo de cada unidade com base em estudos técnicos que "indiquem regime de proteção, o zoneamento, quando for o caso, e as condições de uso, quando admitido, ouvida a comunidade, mediante audiência pública realizada especialmente para tal finalidade" (Prefeitura Municipal de Itajuípe 2006b).
Tais instrumentos são fundamentais e corroboram diretamente para o planejamento do uso dos espaços urbanos e sua regulação. Para o propósito do presente estudo, as leis municipais citadas serviram para o desenvolvimento das ações que sucederam à ocupação desordenada de uma APP.
Metodologia
Área de estudo
O presente estudo tem como área uma APP, localizada em na zona urbana de uso específico (ZUE1), denominada Polo Eco-industrial, onde se localiza atualmente o bairro Sagrado Coração de Jesus, na zona urbana do município de Itajuípe, inserido no Território de Identidades Litoral Sul, estado da Bahia. O município possui uma área territorial de 270.752 km2, apresentando, altitude de 82 metros acima do nível do mar, temperatura média anual variando entre 15 °C a 36 °C, relevo acidentado, coberto parcialmente por mata atlântica e banhado pelo rio Almada.
De acordo com estimativas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística para 2015, o município possuía uma população de 21.817 habitantes (IBGE 2015), com uma a população economicamente ativa correspondente a 58,25% em 2013, de acordo com o Atlas Brasil (PNUD, Fundação João Pinheiro e IPEA 2013). A extrema pobreza medida pela proporção de pessoas com renda domiciliar per capita inferior a R$70,00 de agosto de 2010, passou de 50,96% em 1991 para 29,76% em 2000 e para 10,53% em 2010 (PNUD, Fundação João Pinheiro e IPEA 2013).
Os dados relativos à economia municipal mostram que o salário médio mensal dos trabalhadores é de 1,8 salários mínimos (posicionando-o em 132° entre os 417 municípios da Bahia). A maior parte da renda é oriunda de atividades econômicas do setor de serviços, que representa 54,55%, enquanto a indústria responde por 29,53% e agropecuária por 15,92%. A população ocupada, formalmente, era de 9,6% do total da população economicamente ativa do município em 2016 (IBGE 2016a).
O município possuía um Índice de Desenvolvimento Humano Municipal - em diante IDHM, de 0,599 (abaixo do IDHM da Bahia que foi de 0,660) em 2010, esgotamento sanitário adequado atingia cerca de 60% das residências urbanas e a urbanização de vias públicas em torno de 43% (IBGE 2016b).
Fonte e análise dos dados
Os dados utilizados neste trabalho foram coletados em diversas fontes. Como os objetivos da pesquisa se assentam sobre questões acerca do processo de ocupação e suas ações mitigadoras, foram coletados dados no acervo público municipal da Prefeitura de Itajuípe, especialmente nas secretarias municipais de Desenvolvimento Urbano, Agricultura, Meio Ambiente e Planejamento, além do Departamento de Tributos, do COMMAM e do Ministério Público. Para analisar as mudanças ocorridas na área de estudo e o perfil epidemiológico da população residente nesse local, foram coletados dados do Sistema de Informação em Saúde.
Este trabalho se refere a um estudo de caso, sendo feitas análises descritivas a partir de ilustrações (tabelas, gráficos e figuras) e medidas estatísticas de tendência central. Inicialmente descreve-se a organização do bairro, a partir das características dos moradores, em seguida o TAC e os resultados alcançados. Por fim, apresenta-se a área de estudo, por meio de fotografia aérea e os efeitos iniciais das mudanças na paisagem.
Resultados e discussão
Os resultados são apresentados em duas seções. Faz-se uma descrição do processo de ocupação do bairro Sagrado Coração de Jesus e como o Poder Público Municipal, o COM-MAM e o Ministério Público sistematizaram suas ações no processo de legalização, desocupação e proteção da APP. Apresentam-se, ainda, elementos específicos a respeito do número de moradores e da infraestrutura existente no bairro (habitações, fornecimento de água, energia elétrica, pavimentação em ruas, saneamento básico, rede de esgoto, coleta de lixo e equipamentos urbanos disponíveis).
Origem do bairro Sagrado Coração de Jesus
A ocupação desordenada da área que deu origem ao bairro Sagrado Coração de Jesus iniciou-se por volta do ano 2002, a partir de uma invasão de terras, e conforme a Lei Municipal n° 743/2006, ocupava uma APP, nas nascentes da Lagoa Humberto Badaró. Tal ocupação do solo ocorreu de forma espontânea, sem qualquer planejamento do poder público para conter a expansão que se observava naquele local. A população que lá estava não tinha acesso à coleta de lixo, ao fornecimento de água tratada, à energia elétrica dentre outras infraestrutu-ras necessárias em áreas residenciais urbanas. Para ter acesso a esses equipamentos urbanos, muitos moradores abriram cisternas e ligação clandestina na rede elétrica do Complexo Turístico Jorge Amado3.
Com a Lei n° 743/2006 o espaço territorial urbano sobre o qual foram construídas aquelas habitações irregulares, passou a se constituir em uma APP. O art. 104, Inciso II da referida Lei definiu a APP:
[... ] ao redor das Lagoas Humberto Badaró, lagos ou reservatórios d'água, naturais ou artificiais e ao redor das nascentes, ainda que intermitentes e nos chamados "olhos d'água", qualquer que seja a sua situação topográfica, num raio mínimo de 50 (cinquenta) metros de largura.
Assim, de acordo com o exarado documento, a referida área de ocupação do solo se inseria em uma APP constituindo-se em uma irregularidade do ponto de vista de assentamento urbano e ambiental4, a qual já era questionada desde 2005, quando o MP-BA acolheu a denúncia formal feita pelo COMMAM. O processo gerado pelo MP-BA culminou com a assinatura em 2009 de um TAC junto à Prefeitura Municipal de Itajuípe, tendo como uma das ações a transferência, em 2012, da população para um novo local denominado de bairro Sagrado Coração de Jesus.
Com a assinatura do TAC em 28 de julho de 2009, foram propostas ações para impedir ou reverter danos socioambientais decorrentes das construções da ocupação irregular da APP Polo Eco industrial. As principais medidas estabelecidas para sanar esse problema estão sintetizadas no Tabela 1, delineadas em 13 ações mitigadoras (preventivas, corretivas, compensatórias ou potencializadoras)5, conforme proposição do MP-BA.
Percebe-se que as cláusulas de 1 a 6, referem-se a ações mitigadoras corretivas, e estão geralmente relacionadas ao reordenamento da área, a partir da demolição das casas e remoção das famílias para outra localidade. A cláusula 7, embora remeta à ideia de correção se alinha mais a uma ação mitigadora compensatória. A cláusula 8, por sua vez, é claramente uma ação mitigadora preventiva.
No geral, verificou-se que o governo municipal cumpriu 53,8% as ações do TAC. Além disso, aconteceram ações mitigadoras muito importantes, com maiores impactos socioambientais. Na maioria das vezes em que o TAC foi descumprido se observaram falhas no planejamento e na organização da política pública.
Em 14 de junho de 2012 houve a assinatura do termo de audiência, a qual contou com diversos atores sociais envolvidos no processo (Juiz de Direito, Ministério Público da Bahia, Poder Público Municipal e COMMAM).
A partir da assinatura do TAC, foram removidas cerca de 60 moradias e demolidos mais de 50 piquetes6, o que demonstrava o interesse na construção de novas moradias naquele local. Na Figura 2 se observam as áreas da nova ocupação e da remoção das famílias.
No processo de remoção das famílias, o governo municipal de Itajuípe não apresentou qualquer plano de remanejamento daqueles que ocupavam as áreas localizadas na APP para o Ministério Público, e tão pouco um cronograma de etapas e prazos para a desocupação. Assim, todas as famílias, que ocupavam irregularmente a área, foram realocadas para um terreno público7 ao lado da APP, sendo então criado o Bairro Sagrado Coração de Jesus. Entretanto, não foram realizadas ações infraestruturais adequadas para receber essa população como obras de terraplanagem, arruamento e colocação de rede de água, esgoto e iluminação pública na área quando da remoção das famílias carentes ou em situação de risco social.
Por outro lado, o governo municipal fez ressarcimento financeiro às famílias e doação de material de construção. Das 60 famílias, oito não aceitaram sair do local, sendo, porém, removidas, posteriormente, por ordem judicial. A recuperação da área degradada começou a ser feita após o remanejamento de todas as famílias, pelo Departamento de Meio Ambiente do Município e pelo COMMAM, com o plantio de árvores nativas da Mata Atlântica (Figura 3).
A Prefeitura Municipal de Itajuípe aumentou a fiscalização da APP, por meio do Departamento de Tributos e do COMMAM, com o apoio da Polícia Militar e do Ministério Público do Estado da Bahia, visando impedir o aumento da invasão no local, e evitar uma nova ocupação após o reassentamento das famílias. Assim, a fim de acompanhar melhor essa área de preservação, em dezembro de 2017 foi instalada, nas proximidades da APP, a sede do Conselho.
Mudanças no espaço a partir da desocupação da área
A partir do TAC, observaram-se alterações nos espaços urbanos onde se localizavam as habitações irregulares. Nota-se crescimento expressivo da população, especialmente com a instalação da rede de abastecimento de água em 2012 e da rede de energia elétrica em 2013. Entre 2012 e 2018, a população passou de 316 habitantes para 1.432 habitantes (Figura 4), um aumento superior a 350%, em nove anos.
Dados: Prefeitura Municipal de Itajuípe (2020). Nota: a estimativa foi feita a partir da quantidade de ligações de fornecimento de água nas residências do bairro, conforme cadastro do Departamento de Tributos da Prefeitura Municipal de Itajuípe, vinculado à Secretaria Municipal de Administração e Finanças do Município.
Na Figura 5 se apresenta o crescimento no número de ligações de água e energia elétrica a partir da criação legal do bairro. Entretanto, o número de ligações de água é superior ao de energia elétrica, isso pode ter ocorrido porque a água é vital no dia a dia das pessoas, e também porque o valor da tarifa mínima de água no município está em torno de R$15,00 (cerca de 1,63% do salário mínimo líquido de 2019), sendo um gasto economicamente mais viável e acessível às famílias de baixa renda.
Em 2012, 79 residências eram atendidas pelo fornecimento de água, e o bairro ainda não contava com rede de energia elétrica, a qual foi instalada em 2013. Até setembro de 2018, 358 residências passaram a ter acesso ao fornecimento de água e já existiam 306 moradias com energia elétrica. Esses números mostram o crescimento exponencial na demanda por serviços públicos ou de concessão pública, a partir da criação do bairro. Em 2017, iniciou-se a implantação da rede de esgoto, no entanto após um ano, apenas 25% do bairro possuía cobertura de esgotamento sanitário adequado. Como o bairro está próximo às nascentes da APP da Lagoa Humberto Badaró, isso revela um impacto ambiental a ser analisado, pois o restante das residências (75%) descarta inadequadamente os dejetos produzidos em seus domicílios.
Salienta-se, também, que outras infraestruturas básicas ainda não chegaram ao bairro, como pavimentação das ruas e coleta de lixo, as quais evitariam a ocorrência de alagamentos e prejuízos às famílias, dificuldades no tráfego de veículos, além de doenças como a dengue (transmitida pelo mosquito Aedes Aegipyt), a qual possui um índice de infestação no bairro de 4,85%, segundo dados da Secretaria Municipal de Saúde de Itajuípe no Levantamento Rápido do Índice de Infestação por Aedes Aegypti (LlRAa), para o último trimestre do ano de 2018 (outubro a dezembro), sendo um dos mais altos entre os bairros da cidade (Prefeitura Municipal de Itajuípe 2018).
No entanto, esses problemas devem ser minorados, pois segundo a Secretaria de Desenvolvimento Urbano de Itajuípe da Prefeitura Municipal de Itajuípe8, existem três projetos para pavimentação, duas emendas parlamentares no valor de R$500 mil cada uma, para a pavimentação do bairro, e outra no valor de R$250 mil para a ampliação da rede de esgoto.
Considerações finais
Este trabalho evidenciou as fases do processo de desocupação e ocupação em uma área urbana do município de Itajuípe na Bahia, a partir da intervenção de órgãos públicos em ações conjuntas, visando propiciar condições adequadas de moradia às famílias e à integridade da APP das nascentes das lagoas do município.
É importante destacar que nesse processo houve relevante papel do Conselho Municipal de Meio Ambiente por ter feito denúncia junto ao Ministério Público, salientando os riscos socioambientais decorrentes da ocupação irregular naquela área.
A intervenção permitiu uma melhor adequação das famílias às moradias, bem como a preservação e recuperação da APP ocupada. Diante disso, o TAC mostrou-se um instrumento eficiente de política, contribuindo para minimizar os efeitos de ocupação desordenada em área urbana.
Essa investigação mostra o quão importante é o planejamento urbano de uma cidade e o seu cumprimento, pois a partir daí podem ser evitados inúmeros problemas sociais, económicos e ambientais. Além de custos sociais, económicos e ambientais necessários para alterar-se uma configuração urbana inadequada em determinado espaço.