Introdução
A intervenção humana na cobertura pedológica por meio do uso e manejo dos solos pode produzir alterações na sua dinâmica natural, ocasionando desequilíbrios que implicam em modificações nos atributos dos solos, principalmente aqueles relacionados à dinâmica hídrica, refletindo sobre a pedogênese e evolução dos sistemas pedológicos e sobre a instalação e evolução de processos erosivos.
No estado do Paraná, durante o processo de colonização, iniciado no século XVIL, a retirada da vegetação original para a incorporação de atividades agropecuárias e a utilização de práticas agrícolas que desconsideravam a fragilidade natural dos solos resultaram em extensas áreas degradadas. A degradação se tornou mais acentuada a partir de i960, quando o cultivo do café foi substituído pela soja, trigo e as pastagens e, mais recentemente, pela cana-de-açúcar, diversificando a paisagem rural e acelerando a degradação dos solos (Cunha, Nóbrega e Castro 2008). A instalação e evolução de processos erosivos, consequência do manejo inadequado dos solos e da sua degradação, persiste na paisagem paranaense até os dias atuais.
Atualmente, entre as causas de degradação dos solos e a ocorrência de processos erosivos no Paraná, Colozzi Filho, Telles e Mello (2015) mencionam a baixa cobertura do solo por resíduos culturais, práticas de controle do deflúvio superficial inadequadas ou incompletas, cultivo no sentido da vertente, falta de planejamento e manutenção de estradas rurais e a exploração agrícola sem considerar a capacidade de uso do solo.
O uso agrícola dos solos sem respeitar o seu limite de exploração pode resultar na degradação de sua estrutura, na compactação e na formação e intensificação das feições erosivas. Quando um solo é cultivado, a sua estrutura original é alterada devido à quebra dos agregados maiores em unidades menores, que consequentemente promove uma redução no volume dos macroporos e um aumento da densidade do solo. Essas alterações refletem na sua dinâmica hídrica, diminuindo a infiltração da água e aumentando o escoamento hídrico superficial (Bertol et al. 2001; Panachuki et al. 2011).
Nesse contexto insere-se a bacia hidrográfica do rio Pirapó, localizada no norte central do estado do Paraná, cujo setor inferior e parte do setor médio possui solos de textura média e arenosa oriundos dos arenitos das formações Caiuá, Santo Anastácio e Adamantina. Estes solos se organizam em sistemas pedológicos que se encontram em distintos estágios de evolução, sendo mais comum os sistemas compostos por Latossolos-Argissolos e Latossolos-Argissolos-Neossolos Quartzarênicos, semelhantemente aos observados nos estudos realizados no noroeste paranaense (Nakashima 1999; Gasparetto 1999; Calegari 2000; Cunha 2002). Eles se destacam por serem naturalmente muito suscetíveis à erosão, que tem início no terço inferior das vertentes, onde há aumento da declividade e a cobertura pedológica superficial é constituída por material arenoso, favorecendo o escoamento hídrico superficial (Nóbrega et al. 2015). Além disso, são cultivados predominantemente com a cana-de-açúcar, reconhecida por sua capacidade de alterar os atributos dos solos e deixá-los mais expostos aos riscos de erosão, conforme identificado em diversos estudos (Hunke et al. 2015; Cherubin et al. 2016; Jimenez et al. 2020).
Diante do exposto, são necessários estudos que possibilitem a compreensão da dinâmica dos processos naturais associados à interferência humana nos solos, visando entender o seu funcionamento e as consequências dessas intervenções, viabilizando a definição de estratégias que minimizem os impactos e garanta a sua sustentabilidade. Este trabalho tem por objetivo realizar o levantamento de uma vertente característica e de um sistema pedológico típico, no setor de ocorrência dos arenitos da Formação Santo Anastácio, na bacia hidrográfica do rio Pirapó (PR). Nesta vertente estudaram-se as transformações verticais e laterais dos horizontes pedológicos e o seu funcionamento físico-hídrico, associando-os ao manejo da cana-de-açúcar.
Materiais e métodos
A bacia hidrográfica do Pirapó está localizada no norte central do estado do Paraná, entre as latitudes de 22°32'30" e 23°36'18" s e longitudes de 51°22'42" e 52°12'30" w. A área de estudo da pesquisa limita-se a cobertura pedológica de textura média e arenosa, desenvolvida a partir da alteração dos arenitos da Formação Santo Anastácio, que se localiza em partes dos setores de baixa e média bacia (Figura 1).
A área pertence ao compartimento de paisagem 3, denominado de arenítico, conforme a proposta de Nóbrega et al. (2015). Esse compartimento é composto pelas rochas areníticas do Grupo Bauru representado pelas formações Caiuá, Santo Anastácio e Adamantina, conforme a proposta de divisão litoestratigráfica de Soares et al. (1980), e pelos basaltos da Formação Serra Geral pertencentes ao Grupo São Bento. Em relação aos solos, predominam os sistemas pedológicos formados por Latossolos Vermelhos nas áreas de topo e os Argissolos Vermelhos em média/ baixa vertente, ambos de textura média. Entretanto, nos sistemas pedológicos em estágio mais avançado de transformações laterais também são encontrados os Neossolos Quartzarênicos no sopé das vertentes.
Para a escolha da vertente e de um sistema pedológico representativo, cujos solos evoluíram da alteração dos arenitos da Formação Santo Anastácio, foi realizada uma análise prévia dos documentos cartográficos e bibliográficos. Além disso, foram consultadas a carta de declividade e de uso da terra e foram realizados trabalhos de campo para o reconhecimento da área.
No levantamento da área de estudo considerou-se ainda o tipo de uso da terra, sendo definido o uso com cana-de-açúcar devido à representatividade que possui (ocupa cerca de 42 % da área total cultivada) e as alterações que promove nos atributos dos solos. A partir das informações levantadas e da definição das características da vertente foi realizado o levantamento de uma toposse-quência capaz de representar a organização da cobertura pedológica e suas variações verticais e laterais.
O reconhecimento da cobertura pedológica foi realizado por meio de sondagens à trado e pela abertura de três trincheiras, uma em cada classe de solo identificado ao longo da vertente. O levantamento topográfico da vertente e a identificação das transições verticais e laterais dos horizontes pedológicos seguiu a metodologia da Análise Bidimensional da Cobertura Pedológica, conforme descrita por Boulet et al. (1982).
Durante o levantamento da topossequência, procedeu-se a coleta de amostras das sondagens à trado a cada 10 cm de profundidade, até a profundidade de dois metros. Posteriormente foram abertas trincheiras onde foram feitas a descrição morfológica dos perfis, obedecendo à terminologia e critérios propostos por Santos et al. (2013). Após a descrição foi realizada a coleta de amostras para as análises laboratoriais e os ensaios hídricos de condutividade hidráulica saturada.
A permeabilidade do solo foi determinada em campo, em três repetições, com a utilização do permeâmetro de Guelph, aplicando a metodologia de carga hidráulica constante e o uso do reservatório combinado, conforme descrito por Elrick, Reynolds e Tan (1989). Os resultados obtidos com a condutividade hidráulica saturada foram separados em classes de infiltração, conforme proposto por Beutler et al. (2001), adaptada da Soil Survey Staff.
Foram realizadas análises físicas de granulometria, argila dispersa em água, densidade do solo, porosidade total, macroporosidade e microporosidade. A granulo-metria e a argila dispersa em água foram determinadas pelo método da pipeta (EMBRAPA 2017), sendo que a granulometria foi procedida nas amostras de todos os horizontes pedológicos coletados nas trincheiras e a cada 20 cm nas amostras coletadas nas sondagens à trado. A densidade do solo, porosidade total, macroporosidade e microporosidade também foram determinadas com base nos procedimentos descritos pela EMBRAPA (2017), com a coleta de amostras em anéis volumétricos em todos os horizontes pedológicos descritos nas trincheiras e a determinação dos atributos em três repetições. A determinação do volume de macroporos e microporos seguiu a metodologia da mesa de tensão.
As análises químicas de cátions trocáveis do solo, pH em água e KCl, óxidos de ferro, alumínio e titânio foram determinadas de acordo com a EMBRAPA (2017) e utilizadas para a obtenção da soma de bases, capacidade de troca catiônica e atividade da fração argila. O carbono orgânico do solo foi determinado com base na metodologia de Walkley e Black (1934).
O cultivo da cana-de-açúcar foi implantado na área de estudo em 2013, utilizando como sistema de preparo pré-plantio uma subsolagem até 50 cm de profundidade e uma gradagem aradora. A colheita foi mecanizada, sem queima prévia.
Resultados e discussões
A topossequência Água do Guarujá é composta por solos derivados dos arenitos da Formação Santo Anastácio, o que lhes confere textura média e arenosa e elevada sus-cetibilidade à erosão. Atualmente encontra-se ocupada com cana-de-açúcar em toda a sua extensão, exceto nos últimos 20 m, onde é mantida a vegetação natural por tratar-se de uma área de preservação permanente. A vertente possui 990 metros de extensão, desnível topográfico de 40 m e se caracteriza por declividades inferiores a 3 % no topo e alta vertente, passando para declividades entre 5 % e 9 % na baixa vertente e no sopé.
Foram identificadas três classes de solos ao longo da topossequência, diferenciando-se quanto a organização dos horizontes pedológicos e sua caracterização macro-morfológica. No topo da vertente ocorre a sequência de horizontes Ap, AB e Bw, o que possibilita classificar o solo na ordem dos Latossolos, conforme identificado na TRI. No segmento convexo e retilíneo entre a média e a baixa vertente, observou-se uma sequência de horizontes Ap, AB, Bt e Bw, cujas características macromorfológicas evidenciam a existência de um Argissolo. A partir da sondagem 7 ocorre uma nova organização dos horizontes pedológicos, com sequência Ap, E, Bt e BC, identificado como um Luvissolo, descrito na TRII. No segmento côncavo do sopé da vertente o Argissolo reaparece e se caracteriza pela formação de um pacote arenoso espesso que ocorre logo abaixo do horizonte A, sendo composto pelos horizontes A, E e Bt, conforme descrito na TRIII (Figura 2).
O horizonte Ap, que se transforma em A no sopé da vertente devido à ausência de manejo, possui textura que varia de franco-arenosa a arenosa, com maior percentual de argila no topo, associado ao Latossolo. A cor se torna mais clara em direção à jusante, variando dos matizes mais avermelhados (2,5YR 4/6) no topo, para os mais brunos e amarelados (5YR 5/4 e 10YR 6/6) em direção ao sopé, onde se localiza o Luvissolo e o Argissolo. Quanto à estrutura, é granular com grau de desenvolvimento forte e tamanho pequeno na cobertura latossólica (TRI) e possui aspecto maciço que se desfaz em grãos simples na cobertura luvissólica e argissólica (TRII e TRIII) (Tabela 1).
Nota: 1Hor. = horizonte; 2Estruturas: gran. = granular, gs = grãos simples, mac. = maciça, blocos subang. = blocos subangulares, bl. ang. = blocos angulares, pris. = prismática; 3Consistência: não plást. = não plástica, não peg. = não pegajosa, lig.plást. = ligeiramente plástica; lig.peg. = ligeiramente pegajosa.
Observou-se ainda que o horizonte Ap possui espessura associada à morfologia e topografia da vertente, sendo mais espesso no setor retilíneo de menor declividade e no setor côncavo (no sopé) e diminuindo de espessura após a ruptura côncava no setor médio, onde há um aumento da declividade. Desse modo, a atuação erosiva da água da chuva pode ter decapitado parcialmente este horizonte nos locais de maior declividade. A variação da espessura dos horizontes superficiais como indicativo de erosão em diferentes formas da vertente foi citada por Bertolani e Vieira (2001) e Sanchez et al. (2009).
Abaixo do Ap se forma um horizonte de transição denominado de AB, que se inicia no topo e se estende até a baixa vertente, descrito na TRI. Possui textura franco-arenosa, cor bruno avermelhada e a estrutura é formada por blocos subangulares e granulares, moderadamente desenvolvidos e tamanho pequeno a médio.
Em profundidade, na alta vertente, o AB desaparece e surge um horizonte com cor avermelhada escura e textura franco-argilo-arenosa, denominado de Bw, que se diferencia em Bw1 e Bw2 devido mudanças na cor e no tamanho da estrutura. A estrutura é formada por blocos subangulares e granulares, fracamente desenvolvidos e de tamanho médio no Bw1 e tamanho pequeno a médio no Bw2. A cor varia do matiz 2,5YR 3/6 para o Bw1 e 2,5YR 3/4 a 3/6 no Bw2, definidas como vermelho escuro e bruno avermelhado escuro.
Lateralmente, o desaparecimento do AB na baixa vertente cede lugar ao horizonte E, alterando a organização dos horizontes pedológicos da cobertura argissólica e a formação da cobertura luvissólica. Esse horizonte, conforme descrito na TRII, não exibe grandes variações quando associado a cobertura luvissólica, exceto por manchas avermelhadas de textura arenosa que contrastam com o fundo mais claro. Assim, predomina a cor de fundo bruno muito claro-acinzentado e manchas com coloração amarelo-avermelhada. O predomínio da fração areia proporciona uma textura classificada como arenosa, contribuindo também para a ausência de estrutura definida, formada por grãos simples.
Em direção à jusante, o horizonte E torna-se mais espesso e apresenta características distintas ao longo do perfil, sendo diferenciado em E1, E2 e E3. Os horizontes arenosos E1 e E2 possuem estrutura formada por grãos simples e se diferenciam em relação à cor, que varia do bruno amarelado claro ao bruno amarelado. A cor de fundo contrasta com bandas onduladas avermelhadas no primeiro (E1) e bandas amareladas mais escuras no segundo (E2), sendo que a sua ocorrência corresponde a vestígios da perda de argila e arenização do perfil. Essas bandas ocorrem de forma pontual, são mais argilosas do que o horizonte E, mas permanecem na classe de textura arenosa.
O horizonte E3 apresenta diferenças mais significativas em relação aos sobrejacentes, com maior teor de argila em sua composição e estrutura formada por blocos subangulares e por grãos simples, sendo que os blocos são pequenos e fracamente desenvolvidos, com coloração bruno amarelada. Os horizontes E1, E2 e E3 formam um pacote arenoso com aproximadamente 150 cm de espessura, marcando a transição da cobertura luvissólica para a argissólica.
Entre a média vertente e o sopé surge um horizonte de acúmulo de argila denominado de Bt, que aparece na média vertente próximo à superfície e em direção à jusante surge a partir dos 180 cm de profundidade. O Bt foi descrito nos perfis da TRII e TRIII, associado à cobertura luvissólica e argissólica, respectivamente. Na cobertura luvissólica possui coloração bruno-avermelhada, textura franco arenosa e estrutura fortemente desenvolvida, formada por blocos angulares e subangulares de tamanho grande.
Em profundidade, próximo da rocha surge um horizonte de transição denominado de BC, apresentando fragmentos rochosos pouco intemperizados. O BC é mais argiloso que o Bt, possui textura franco-argilo-arenosa e estrutura formada por blocos angulares, subangulares e prismáticos, todos fortemente desenvolvidos. A coloração de fundo é avermelhada, com matiz 2,5YR 5/6 e ocorrem pequenas machas de cor bruno avermelhada clara.
No sopé da vertente, associado ao Argissolo, o horizonte Bt surge mais profundo no perfil e apresenta características texturais e estruturais semelhantes ao Bt encontrado na TRII. Possui textura franco arenosa e estrutura em blocos angulares e subangulares, fortemente desenvolvidos, tamanho médio a grande. A perda de óxidos de ferro alterou a cor desse horizonte, passando dos matizes mais avermelhados na TRII para matizes mais amarelados, com cor vermelho-amarela.
Os dados granulométricos dos perfis pedológicos apontam, de forma geral, para o predomínio da fração areia em todos os horizontes, entre as quais destacase a fração areia fina, que apresentou valores muito superiores em relação às demais frações (Tabela 2). Outra observação relevante é o aumento da argila em profundidade em todos os solos analisados, sobretudo na cobertura luvissólica e argissólica, que possui horizonte de acúmulo de argila (Bt).
Nota: AMG: areia muito grossa, AG: areia grossa, AM: areia média, AF: areia fina, AMF: areia muito fina, AT: areia total, GD: grau de dispersão, GF: grau de floculação, S/A: relação silte/argila.
Entre os resultados obtidos com a análise granulométrica, merece destaque a variação da fração argila ao longo da vertente, representada espacialmente pelas curvas de isovalores de argila, conforme apresentado na Figura 3. Nesta figura, nota-se que no topo da vertente os valores de argila possuem reduzida variação vertical e lateral, com teores entre 150 e 250 g kg-1. Em direção à jusante, o aumento gradativo da declividade correlaciona-se com a distribuição da fração argila. Entre as sondagens 3 e 5 verifica-se a presença de horizontes superficiais menos argilosos, sugerindo a perda de material fino (eluviação) e horizontes subsuperficiais com o acúmulo de argila.
A partir da sondagem 8 em direção ao sopé da vertente, os horizontes superficiais perdem argila formando um pacote arenoso espesso. Ao contrário, em profundidade ocorre uma concentração da argila, que é mais significativa na sondagem 10, chegando a 350 g kg-1 a partir dos 190 cm de profundidade, contra valores inferiores a 5 g kg-1 em superfície.
Em relação ao grau de dispersão da fração argila, verificou-se que é maior nos primeiros 120 cm de profundidade da cobertura latossólica e luvissólica, com valores variando entre 50,9 % e 72,8 % (Tabela 2). A mobilidade da argila pode estar associada ao manejo da cana-de-açúcar, seja pelo revolvimiento do solo ou pela adição de fertilizantes e corretivos químicos, que podem causar desequilíbrios no complexo sortivo do solo, conforme observado nos estudos de Carvalho Junior, Fontes e Costa (1998). A cobertura argissólica do sopé da vertente, mesmo sem a influência do manejo da cana-de-açúcar, também se encontra em desequilíbrio, com grau de dispersão superior a 90 % nos horizontes mais profundos.
Atributos físicos, hídricos e químicos dos solos
A densidade do solo (Ds) e a porosidade total (Pt) foram utilizadas para avaliar a qualidade dos solos encontrados ao longo da topossequência estudada, inferindo sobre os aspectos ligados à compactação. Estes atributos se relacionaram diretamente, onde o aumento da densidade significou uma redução do volume de poros totais, com correlação negativa e significativa (r = - 0,92*) (Tabela 3).
Nota: Ds: densidade do solo, Ma: macroporosidade, Mi: microporosidade, Pt: porosidade total, Kfs: condutividade hidráulica, DMPa: diâmetro médio ponderado dos agregados, CO: carbono orgânico, AMF: areia muito fina, AF: areia fina, AM: areia média, AD: argila dispersa. * Correlações significativas (p<0,05).
Na cobertura latossólica, a densidade do solo é maior nos horizontes superficiais, diminuindo progressivamente em profundidade. Nos horizontes Ap e AB é superior a 1,80 g.cm3 e nos horizontes Bw1 e Bw2 é inferior a 1,60 g.cm3.
Os indícios de compactação apontados pela densidade do solo também foram observados na porosidade total, cujos resultados indicaram valores inferiores a 31 % no Ap e AB e superiores a 44 % nos horizontes Bw1 e Bw2 (Tabela 4).
Nota: Ma: macroporosidade, Mi: microporosidade, Pt: porosidade total, Ds: densidade do solo, Kfs: condutividade hidráulica saturada, CV: Coeficiente de variação.
Na cobertura luvissólica, os valores de densidade ficaram compreendidos entre 1,61 e 1,69 g.cm3 nos horizontes Ap e E, passando a 1,77 e 178 g.cm3 no Bt e BC, respectivamente. Em relação a porosidade total, o Ap e E são mais porosos do que os horizontes subjacentes, com resultados superiores 38,2 % (veja Tabela 4).
Na cobertura argissólica do sopé da vertente, a densidade foi menor em superfície (1,31 g.cm3) e maior no Bt (1,74 g.cm3). Nos horizontes intermediários os valores variaram aleatoriamente. Os dados obtidos com a análise da porosidade total concordam com a densidade do solo, revelando a presença de um horizonte superficial menos adensado, cuja porosidade foi igual a 47 % e um horizonte subsuperficial (Bt) menos poroso e compactado, com valor igual a 30,6 %.
A análise da densidade do solo nos horizontes superficiais, que apresentam interferência direta do manejo agrícola, indicou uma redução dos valores em direção à jusante. Esse resultado é acompanhado de uma redução da fração argila, que é igual a 191 g kg-1 no topo e passa a 59 g kg-1 na baixa vertente, demonstrando a interferência da textura na variação desse atributo. Holthusen et al. (2018) obtiveram resultados semelhantes, atribuindo-lhes ao maior atrito entre as partículas de areia, que reduz o seu rearranjo quando submetido a estresses mecânicos, tornando-os menos suscetíveis à compactação do que os solos com textura mais fina.
Na cobertura luvissólica e argissólica os resultados foram semelhantes, com aumento da densidade em profundidade associada à variação textural, com menores valores nos horizontes superficiais arenosos e os maiores nos horizontes de acúmulo de argila (Bt), uma vez que, a migração da argila para as camadas mais profundas pode resultar na sua densificação natural (Hickmann et al. 2012; Mazurana et al. 2013).
Em relação ao volume de macroporos e microporos dos solos, observou-se que a macroporosidade apresentou padrão semelhante ao que foi observado na porosidade total, com correlação positiva e significativa (r = 0,59*). A macroporosidade foi menor no horizonte superficial do Latossolo, coincidindo com a maior densidade e menor porosidade total, e aumentou progressivamente em profundidade. Os valores variaram entre 3,0 % e 13,2 % ao longo do perfil, sendo que o horizonte Bw2 foi o mais poroso. No Luvissolo, a macroporosidade foi maior em superfície e diminuiu em profundidade, passando de 15 % no Ap para 3,7 % no BC. No sopé da vertente, onde ocorre o Argissolo, a macroporosidade foi maior nos horizontes mais arenosos, sobretudo no E2 (15,2 %) e menor no Bt (4,5 %), onde há o acúmulo de argila (Tabela 4). A micro-porosidade predominou sobre a macroporosidade em todos os horizontes pedológicos e não houve correlação significativa entre as variáveis (r = 0,16). Os dados de microporosidade variaram aleatoriamente ao longo do perfil, sem relação direta com os demais atributos dos solos (Tabela 4).
As mudanças que ocorreram ao longo da vertente, tanto lateralmente quanto verticalmente, estão associadas à textura, organização estrutural e compactação dos solos, que comandaram o volume de macroporos. Os macroporos foram mais abundantes nos horizontes mais arenosos e com ausência de estrutura, como no Ap da cobertura luvissólica e no E da cobertura luvissó-lica e argissólica (E1, E2 e E3). Em profundidade há um incremento de argila (Bt e BC) e os agregados possuem estruturas em blocos angulares e subangulares, chegando à estrutura prismática. Essa mudança reflete sobre a macroporosidade, que é menor quando comparado aos horizontes superficiais arenosos, corroborando com os resultados de Albuquerque e Reinert (2001).
Além da estrutura e textura, o manejo agrícola interferiu no tamanho e distribuição dos poros, principalmente no Latossolo. Neste solo, apesar da ocorrência do mesmo tipo de estrutura e da reduzida variação textural entre o horizonte AB e o Bw, o manejo reduziu significativamente o número de poros grandes do horizonte mais próximo a superfície, passando de 7 % no AB para 13,2 % no Bw2 (Tabela 4). Essa informação é corroborada pelos valores de densidade do solo, que foram mais elevados nos horizontes próximos à superfície.
Desse modo, a análise conjunta dos dados de densidade e porosidade evidencia a ocorrência de horizontes compactados associados ao manejo agrícola da cana-de-açúcar, que atua negativamente, principalmente na cobertura latossólica, cujos valores de densidade dos horizontes superficiais foram superiores a 1,8 g.dm3, sendo considerados críticos (Reichert, Reinert e Braida 2003; Reinert et al. 2008). Além da densidade, Bertol et al. (2004) apontam que volume de macroporos inferiores a 10 % pode ocasionar problemas de infiltração de água e de circulação de oxigênio, confirmando o adensamento do horizonte superficial da cobertura latossólica. O aumento da densidade do solo e a diminuição do volume de poros em solos cultivados com cana-de-açúcar também foram identificados nos estudos de Cherubin et al. (2016) e Cavalcanti et al. (2020).
O reconhecimento da dinâmica hídrica da cobertura pedológica, fundamental para o estudo da evolução dos sistemas pedológicos e da ocorrência de processos erosivos superficiais e subsuperficiais foi realizado com base no ensaio de condutividade hidráulica saturada (Kfs). A condutividade hidráulica se relacionou diretamente com o volume de macroporos do solo, com correlação positiva e significativa entre os dados (r = 0,56*). A relação entre essas variáveis pode ser traduzida pela capacidade que o solo possui de conduzir água, nutrientes e gases, conforme relatado por Cavalli et al. (2020).
A permeabilidade do horizonte Ap foi menor no topo da vertente e aumentou em direção à jusante, passando de 4,1 mm/h-1 para 100,6 mm/h-1, variando entre as classes de permeabilidade muito lenta a moderada, conforme à classificação proposta por Beutler et al. (2001), adaptada da Soil Survey Staff. O aumento da condutividade hidráulica em direção ao sopé da vertente é justificado pela arenização do horizonte superficial e pelo aumento do volume de macroporos (Tabela 4 e Figura 4).
Na cobertura latossólica, a condutividade hidráulica aumentou em profundidade, com valores iguais a 4,1 mm/h-1 no Ap, passando a 26,6 mm/h-1 no Bw. Esse aumento foi acompanhado de um acréscimo dos macro-poros, resposta à redução da interferência do manejo em maiores profundidades. A reduzida declividade da vertente e o aumento da permeabilidade em profundidade sugere a atuação predominante de fluxos hídricos verticais subsuperficiais.
Na cobertura luvissólica, a permeabilidade diminuiu expressivamente em profundidade. Ao comparar o horizonte Ap com o Bt, observa-se que a redução foi de aproximadamente 42 vezes. Já no horizonte E, a Kfs foi 148 vezes maior quando comparada ao Bt, passando de 118,3 mm/h-1 a 0,8 mm/h-1. No horizonte BC também foi observada condutividade hidráulica reduzida, com valor igual a 0,4 mm/h-1. Esses resultados apontam para a atuação de fluxos hídricos verticais e laterais, sendo que os fluxos verticais são mais atuantes próximo à superfície e os fluxos laterais tendem a se instalar na transição entre os horizontes E e Bt, devido a redução da permeabilidade.
Os resultados obtidos na cobertura luvissólica se justificam pela mudança estrutural, aumento do conteúdo de argila e redução da macroporosidade entre os horizontes superficiais e os mais profundos. Além disso, o grau de dispersão superior a 50 % observado nos horizontes superficiais arenosos pode ter ocasionado no bloqueio dos poros responsáveis pela circulação de água, conforme observado por Castro (1989). As condições descritas foram semelhantes aos resultados obtidos por Bertolani e Vieira (2001), aumentando a suscetibilidade à erosão dos solos.
Em relação à cobertura argissólica, seu comportamento se assemelhou ao da cobertura luvissólica, com a redução da Kfs quando atinge o horizonte Bt. No volume arenoso, a condutividade variou entre 289,8 mm/h-1 e 233,7 mm/h-1, com o maior valor próximo à superfície. A partir dos 180 cm de profundidade, no horizonte Bt, a Kfs é reduzida a 0,8 mm/h-1. Assim, atuam fluxos verticais nos horizontes superficiais mais arenosos e fluxos laterais no topo do Bt.
Os resultados obtidos apontam para valores reduzidos de infiltração na superfície da cobertura latossólica, devido à compactação promovida pelo manejo da cana-de-açúcar. Como a permeabilidade é reduzida, em eventos de precipitação pluviométrica intensa são favorecidos o escoamento hídrico superficial e a formação de processos erosivos. Na cobertura luvissólica e argissólica, a rápida infiltração em superfície e a redução em profundidade podem ocasionar na formação de fluxos laterais suspensos no topo do horizonte Bt, resultando em hidromorfia temporária na transição dos horizontes arenosos para o argiloso e, consequentemente, na desestabilização das ligações ferro e argila, facilitando a sua remoção. A formação de drenagens laterais no contato entre os horizontes E e Bt foram relatadas nos estudos de Santos (2000) e Cunha (2002), em Argissolos derivados dos arenitos das formações Adamantina e Caiuá, respectivamente.
Os resultados físicos e hídricos fornecem indícios de alteração nos atributos dos solos, evidenciados por processos erosivos identificados em campo. Foram identificadas erosões laminares nos Latossolos e, em direção à jusante, onde ocorrem os Argissolos e Luvissolos, foram encontradas às feições erosivas em sulcos, demonstrando a fragilidade natural desses solos, potencializada pelo cultivo da cana-de-açúcar.
Em relação às características químicas, elas variaram vertical e lateralmente em função do manejo e das características dos solos (Tabela 5). Os valores de pH em H2O variaram de 4,4 a 6,8 ao longo de toda a topossequência, enquadrando-se nas classes de reação fortemente ácidas a praticamente neutras, segundo a classificação da EMBRAPA (2018). Em geral, o pH é maior nos horizontes superficiais e diminui progressivamente em profundidade.
Nota: * As classes de infiltração foram propostas por Beutler et al. 2001, adaptada da Soil Survey Staff.
Nota: SB: soma de bases, CTC: capacidade de troca catiônica, V %: saturação por bases, CO: carbono orgânico.
A ocorrência de horizontes superficiais menos ácidos se associa ao manejo do solo, visto que a adição de corretivos químicos aumenta os íons de Ca2+ e Mg2+ perdidos pela lixiviação e erosão, resultando na diminuição da acidez potencial do solo (Maia e Ribeiro 2004).
O teor de carbono orgânico dos solos é maior nos horizontes superficiais e naqueles com maior teor de argila. No horizonte superficial variou de 7,0 a 3,7 g.dra3 na topossequência, com o menor valor na cobertura luvis-sólica, de textura mais arenosa. Nos demais horizontes pedológicos, verificou-se que independentemente da profundidade, o teor de argila foi um elemento importante para a manutenção do carbono no solo, demonstrando a relevância da argila na proteção da matéria orgânica, conforme relatado por Lepsch, Silva e Espironelo (1982) e Grohmann (1972).
Os teores de carbono orgânico foram reduzidos em todos os horizontes ao longo da topossequência, sobretudo naqueles mais próximos à superfície, onde se espera maior aporte devido ao fornecimento de matéria orgânica pelas plantas. Estes resultados são explicados pelo manejo da cana-de-açúcar, onde a mobilização do solo acelera a mineralização do carbono, diminuindo a sua quantidade. Essa afirmação é corroborada com os resultados obtidos por Marcatto e Silveira (2019) e Viana et al. (2011), que compararam a cana-de-açúcar com outros usos da terra.
Em relação às bases trocáveis dos solos, predominam o Ca2+ e o Mg2+, que variam de formas distintas entre os perfis. Na cobertura latossólica há uma diminuição progressiva das bases em profundidade, sendo que a soma das bases é maior em superfície (3,1 cmolc Kg-1) e diminui no horizonte Bw2 (0,64 cmolc Kg-1). Na cobertura luvissólica, os valores variaram entre 0,6 cmolc Kg-1 e 4,7 cmolc Kg-1, sendo maior nos horizontes mais profundos, que também possuem menor grau de desenvolvimento pedogenético. Já na cobertura argissólica, as variações foram aleatórias ao longo do perfil, sendo mais elevada no horizonte Bt (2,3 cmolc Kg-1).
O alumínio trocável apresentou teores reduzidos ao longo da topossequência, com maior concentração nos horizontes mais profundos da cobertura latossólica (1,1 cmolc Kg-1). Essa concentração no horizonte diagnóstico do Latossolo possibilitou classificá-lo como álico, conforme os critérios da EMBRAPA (2018).
O pH em água e a soma de bases trocáveis dos solos indicam a adição de corretivos químicos no horizonte superficial, visto que os seus valores foram superiores aos horizontes subjacentes. Os cátions Ca2+ e Mg2+, quando adicionados aos solos, substituem o Al3+ no complexo de troca, tendendo a aumentar a argila dispersa em água (Azevedo e Bonuma 2004), corroborando com os resultados obtidos nesta pesquisa.
A capacidade de troca catiônica total do solo foi reduzida, condizente com o teor de areia presente nos horizontes pedológicos e o reduzido teor de carbono orgânico. Os valores variaram entre 2,1 e 7,2 cmolc Kg-1 entre os perfis descritos na topossequência, sendo maior nos horizontes superficiais, onde há maior CO e nos horizontes com acúmulo de argila (Bt). É possível afirmar ainda que a presença de horizontes mais jovens (BC) possibilitou a formação de argilas mais ativas (Ta) que influenciaram em valores mais elevados de CTC, conforme citado por Souza et al. (2007).
A saturação por bases foi maior nos horizontes superficiais e nos horizontes com acúmulo de argila. Os valores variaram entre 13 % e 64,7 %, com menores teores no Bw1 e Bw2 da cobertura latossólica, indicando a perda de bases por lixiviação.
Em relação aos óxidos de ferro, alumínio e titânio presentes nos perfis descritos na topossequência, verificou-se que há o predomínio de óxidos de alumínio em relação aos demais, que variou entre 6 e 74 g Kg-1. O óxido de ferro apresentou maiores concentrações na cobertura latossólica e uma perda progressiva à jusante, com teores variando entre 4 e 35 g Kg-1. Já o óxido de titânio pouco se diferenciou entre os horizontes, com valores inferiores a 7 g Kg-1 (Tabela 5).
Os horizontes arenosos da cobertura luvissólica e argissólica foram os que apresentaram os menores teores de óxidos, acompanhados de reduzidos teores de argila. A diminuição do teor de óxido de ferro e da argila e a mudança na coloração dos horizontes mais arenosos à jusante, que adquirem matizes brunados, evidenciam a perda de argila e óxidos de montante para jusante, indicando a lixiviação crescente destes elementos.
Interpretação das transformações pedogenéticas e classificação dos solos
A caracterização morfológica, física, hídrica e química dos horizontes pedológicos apontam para características distintas, com a transformação do sistema pedológico devido à atuação dos fluxos hídricos verticais e laterais, que comandam o transporte de solutos e materiais na vertente, com maior ou menor intensidade conforme a topografia e o manejo agrícola empregado.
No topo e alta vertente foi identificado um Latossolo que possui um horizonte Bw com 130 cm de espessura. A sua cor é vermelha, com matiz 2,5YR 3/6 a 3/4 e saturação por bases igual a 15 %, o que lhe confere a característica distrófica. A ausência de outros atributos para classificá-lo atribuiu-lhe o nome de Latossolo Vermelho Distrófico típico. Neste Latossolo verifica-se um horizonte superficial mais arenoso e adensado em que ocorre mobilização de argila verticalmente, principalmente no horizonte Ap, conforme apontam os dados de dispersão da argila. Mesmo no horizonte Bw, o grau de dispersão foi igual a 41,9 %, indicando o desequilíbrio dessa cobertura pedológica e a atuação predominante de fluxos verticais. Valores de dispersão da fração argila no Bw, iguais ou superiores aos obtidos neste estudo, também foram observados por Silveira (2001) e Zago (2000) em Latossolos do noroeste do Paraná.
Entre a média e a baixa vertente se forma um Argissolo, cuja identificação macromorfológica de alguns atributos e a análise granulométrica das sondagens à trado sugerem a formação de um horizonte de acúmulo de argila em profundidade que contrasta com um horizonte superficial (Ap) arenoso. Abaixo do horizonte mais argiloso (Bt) foi identificado um horizonte muito semelhante ao observado no topo da vertente e descrito no perfil da TRI como Bw, sugerindo a sua continuidade neste setor da vertente. Apesar da ausência de horizonte E, foram observados indícios de arenização próximo à superfície (Ap e AB), com a formação inicial de um horizonte de natureza eluvial. Assim, a argila dos horizontes superficiais está sendo mobilizada vertical e lateralmente, podendo evoluir para o E.
Na baixa vertente, a maior proximidade do material parental com a superfície e a ocorrência de um horizonte diagnóstico saturado por bases, possibilita a formação de um Luvissolo, que ocorre de forma pontual na topossequência. Neste solo, a relação textural entre os horizontes Bt/A e Bt/E é superior a 3,7; a saturação por bases é superior a 50 %, lhe conferindo a característica eutrófica; possui argilas de atividade alta, o que o diferencia em relação ao grupo dos Argissolos; sua espessura é superior a 80 cm, possibilitando atribuir-lhe o termo pálico; além de possuir horizonte superficial arenoso até 94 cm de profundidade, sendo caracterizado como arênico. Tais características possibilitaram classificá-lo como um Luvissolo Crômico pálico arênico.
A formação do Luvissolo na baixa vertente está associada à transição entre a forma retilínea e a côncava, onde pode ocorrer a concentração de elementos químicos lixiviados de outros setores da vertente. A presença do horizonte de acúmulo de argila (Bt) logo abaixo do horizonte eluvial (E) indica a atuação dos processos de e-iluviação neste setor da vertente, cujos fluxos hídricos verticais e laterais promovem a translocação da fração argila e a formação/transformação dos horizontes pedológicos, comprovados pela elevada dispersão da argila, indicando a sua mobilização. Deve-se considerar ainda, que alterações nas condições atuais, relacionadas principalmente a mudanças na morfologia da vertente e a atuação mais intensiva dos mecanismos de e-iluviação poderia ocasionar na perda de bases e empobrecimento do horizonte diagnóstico do Luvissolo, resultando na sua evolução para um Argissolo.
No sopé da vertente, a perda de material fino resultou na formação de um pacote arenoso espesso, definido como os horizontes E1, E2 e E3, que possuem como característica a ocorrência de bandas onduladas de textura arenosa e colorações distintas. No E2, as bandas possuem textura arenosa e cor semelhante à observada nos horizontes E3 e Bt, indicando que possivelmente o Bt já esteve mais próximo à superfície e passou por uma perda progressiva da argila, deixando as bandas como vestígio do processo. Ao observar os dados granulométricos dos horizontes arenosos, nota-se que há um aumento progressivo da fração argila em profundidade, corroborando com a hipótese de que está ocorrendo a arenização do perfil, com a destruição progressiva do Bt. Condições semelhantes foram descritas por Cunha, Castro e Salomão (1999), em Neossolos Quartzarênicos localizados em Umuarama-PR, onde a presença de bandas onduladas no horizonte superficial arenoso (A) foi interpretada como testemunha da degradação do Bt. Santos e Castro (2006) também identificaram bandas onduladas no horizonte E de Argissolos localizados em um platô da região oeste de São Paulo, interpretando-as como testemunhas temporárias de que o Bt passou por eluviação.
Neste setor, abaixo do volume arenoso se forma o horizonte Bt, o que possibilitou classificar este solo no grupo dos Argissolos. A ocorrência de matizes verme-lho-amarelados atribui-lhe a cor vermelho-amarelo, a saturação por bases inferior a 50 % lhe garantiu o caráter distrófico e a presença de um horizonte arenoso com mais de 100 cm de espessura, denominado de es-pessarênico, permitiu classificá-lo como um Argissolo Vermelho-Amarelo Distrófico espessarênico.
A ocorrência de um pacote arenoso espesso com bandas onduladas e o horizonte Bt em profundidade indicam a atuação dos processos de e-iluviação e a transformação dos horizontes pedológicos, que podem ocasionar na evolução remontante da cobertura quartzarênica sobre a cobertura argissólica, conforme observado nos trabalhos de Nakashima (1999) e Gasparetto (1999), nos solos derivados de arenitos na região noroeste do Paraná.
Considerações finais
As análises demonstraram que o sistema pedológico composto por Latossolo-Argissolo-Luvissolo-Argissolo se encontra em desequilíbrio, com transformações pedoge-néticas associadas aos fluxos hídricos verticais e laterais. As transformações identificadas sugerem que o Argissolo localizado na base da vertente está em alteração e a atuação contínua dos mecanismos de e-iluviação pode resultar na sua transformação em Neossolo Quartzarênico. Para o Luvissolo, os mecanismos de translocação de partículas somado a mudanças na morfologia da vertente poderiam promover o empobrecimento dos horizontes pedológicos e a transformação do Luvissolo em Argissolo.
Além da dinâmica natural do sistema pedológico, as formas de uso e o manejo dos solos intensificaram as transformações. As principais causas das alterações estão associadas ao manejo da cana-de-açúcar, que promoveu: a reorganização das partículas dos solos, resultando no aumento da densidade e alteração do sistema poroso, interferindo na movimentação de água no solo; a compactação, que favoreceu o escoamento hídrico superficial e o carreamento de partículas, evidenciadas pela ocorrência de processos erosivos; a adição de fertilizantes químicos e o revolvimento do solo, contribuindo para o aumento da dispersão da fração argila e a arenização dos horizontes superficiais, e com a mineralização da matéria orgânica.
Os fatores descritos somados a dinâmica natural do sistema pedológico contribuem para a instalação de processos erosivos laminares e em sulcos, que são facilmente identificados na área de estudo.