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Avances en Enfermería
Print version ISSN 0121-4500
av.enferm. vol.26 no.1 Bogotá Jan./june 2008
PATRICIA KLOCK1, ANNA CAROLINA RIBEIRO LOPES RODRIGUES2, DIRCE STEIN BACKES3 y ALACOQUE LORENZINI ERDMANN4
1Enfermeira da UTI neonatal do Hospital Universitário/UFSC. Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina. Membro do GEPADES, bolsista CNPq. E-mail: patynurse@hotmail.com Endereço: Rua Matias Kalbuch, 174 -Barreiros/São José/SC, CEP 88117-450.
2Acadêmica do curso de Graduação em Enfermagem da UFSC. Voluntária no projeto de pesquisa O Cuidado de Enfermagem como Produto de Múltiplas Interações Humanas e Sociais. Membro do GEPADES. E-mail: annafloripa@gmail.com Endereço: Rua Acelon Pacheco da Costa, nº 304, apartamento 305, Florianópolis – SC, CEP 88034-040.
3Mestre em enfermagem, doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da UFSC.Membrodo GEPADES, bolsista CNPq. E-mail: backesdirce@ig.com.br Endereço: Rua Antenor Mesquita N. 145, Apto 903B, Florianópolis SC, CEP: 88015-150.
4Enfermeira, doutora em Filosofia da Enfermagem, professora Titular da UFSC, Pesquisadora e Ex-representante da Área da Enfermagem no CNPq-Coord. CA-EF. Ex-coordinadora adjunta da Área da Enf na CAPES. Coordinadora da Área da Enfermagem na Capes 2008-10. Coordinadora do Grupo de Estudos e Pesquisas em Administração de Enfermagem e Saúde-GEPADES. E-mail:alacoque@newsite.com.br Endereço: Rua Frei Caneca 100/1001-A,Florianópolis-SC, CEP 88025-000.
Recibido: 13-07-07 Aprobado: 04-04-08
Resumo
Este artigo de investigação, de caráter qualitativo, teve como objetivo compreender o significado do cuidado de enfermagem como produto de múltiplas interações humanas à luz do pensamento complexo. Foi utilizado como referencial metodológico a teoria fundamentada nos dados (Grounded Theory). Estes foram coletados por meio de entrevistas realizadas com vinte informantes; sete enfermeiros, seis técnicos de enfermagem e sete usuários da saúde, divididos em três grupos amostrais. De codificação e a análise dos dados surgiu o tema central: Vislumbrando as conexões intersubjetivas do cuidado de enfermagem e o respectivo modelo de referência. Tal processo foi constituído pelos fenômenos Estabelecendo vínculos intersubjetivos e Fazendo a diferença no cuidado, que sinalizam a importânciadadinâmicaintersubjetivaeda interatividade possibilitada pelas relações de confiança e empatia entre aqueles que cuidam e aqueles que estão sob o cuidado.
Palavras-chave: enfermagem, prática profissional, cuidados de enfermagem.
Resumen
Este artículo de investigación es de carácter cualitativo, y tuvo como objetivo comprender el significado del cuidado de enfermería como producto de múltiples interacciones humanas a la luz del pensamiento complejo. Fue utilizado como referencial metodológico la teoría fundamentada en los datos (Grounded Theory). Los datos fueron recolectados por medio de entrevista estructurada realizada con veinte informantes: siete enfermeros, seis técnicos de enfermería y siete usuarios de la salud, divididos en tres grupos de muestras. Durante la codificación y el análisis de los datos, surgió el tema central Vislumbrando las conexiones intersubjetivas del cuidado de enfermería y el respectivo modelo de referencia. Tal proceso fue constituido por los fenómenos Estableciendo vínculos intersubjetivos y Haciendo la diferencia en el cuidado, que muestran la importancia de la dinámica intersubjetiva y de la interactividad posibilitada por las relaciones de confianza y empatía entre los que cuidan y los que son objeto de cuidado.
Palabras clave: enfermería, práctica profesional, atención de enfermería (fuente: DeCS, BIREME).
Abstract
This research article had a qualitative character, and its objective was to understand the meaning of nursing care as a product of multiple human interactions in the light of complex thinking. The Grounded Theory was used as methodological referential. The data was collected by means of a structured interview carried out with twenty informers: seven nurses, six nursing technicians and seven health system users, divided in three sample groups. During the coding and analysis of data, the central subject emerged viewing the intersubjective connections of nursing care and the relevant reference model. Such process was formed by the phenomena establishing intersubjective links and making the difference in the care, that show the importance of the intersubjective dynamics and the interactivity made possible by the relations of trust and empathybetween thosewho supplycareand thosewho arethe object of the care.Key words: Nursing, professional practice, nursing care.
INTRODUÇÃO
O ser humano, enquanto um ser multidimensional, é impulsionado incessantemente pelo desejo de conhecer mais, de ser mais, de viver mais e de ter uma melhor qualidade de vida.
O homem é incentivado pelo desejo de explorar a própria existência e o mundo que o rodea por meio das múltiplas interações mesmo que com conotações, significados, valores e ideais marcados pela singularidade dos diferentes modos de ser, viver e coexistir. No emaranhado destes diferentes olhares nos perguntamos: afinal em que mundo vivemos e nos movemos enquanto seres humanos? Por vezes, nos sentimos perdidos no próprio mundo "dos humanos"; outras, nos questionamos: que mundo é este? o Que significa viver no mundo dos humanos hoje? Ainda existe espaço para os humanos no mundo dos homens? Como ocorrem as relações e interações entre os humanos?
Estas questões não se colocam por mero acaso. O mundo dos humanos assumiu contornos que vão de o complexo ao muito simples e banal, do supervalorizado ao descartável, das teorias altamente cientificadas aos ensinamentos empíricos, do novo ao velho e assim por diante. O mundo dos humanos, em outras palavras, assumiu um distanciamento antes jamais visto entre o ser e o fazer, o ser e o poder, entre o simplesmente ser humano e o homem tecnológico, intelectual movido pelas certezas científicas.
Tantas outras questões além dessas dizem, também, respeito às práticas profissionais, para umas, em maior grau, para outras, em menor. O julgamento sobre a realidade em si não é pertinente ao exposto, mas a compreensão de que o processo de viver humano se reveste de uma dinâmica que pressupõe ordem, desordem, organização como bem o descreve e sustenta Morin no seu grande tratado Ciência com consciência (1).
A técnica produzida pelas ciências transformou a sociedade; esta, tecnologizada, transformou a própria ciência, o mundo dos humanos, ou seja, a dinâmica intersubjetiva das diferentes relações, interações e associações estabelecidas no processo de viver em sociedade (1, 2). Logo, o mundo dos humanos é produto da sociedade tecnologizada que, influenciada pelos interesses econômicos, políticos e ideológicos, desempenha um papel ativo nesse circuito de acordo com as suas finalidades, programas e subvenções. Nessa perspectiva é possível afirmar que a ciência, por estar no âmago da sociedade, determina, em parte, as interações, os valores e o modo de ser e portarse no coletivo.
Além do desenvolvimento da ciência propriamente dito, o método científico se impôs pela disjunção do sujeito e do objeto, do coletivo e do individual, da reflexão distanciada da ação, ou viceversa. Como promover, sob essa lógica, o retorno reflexivo do sujeito científico sobre si mesmo? Como produzir ciência de forma crítica e responsável socialmente, tendo no cerne dos interesses investigativos à pessoa humana e com tudo o que ela abarca? Como promover uma nova organizaçãoreorganização das práticas profissionais, engessadas pelo fazer inflexível, unidimensional e dogmatizado pelas teorias científicas?
Na posição de estudantes, pesquisadoras ou profissionais da enfermagem, estas e outras inquietações nos conduziram a indagações mais aprofundadas sobre o fenômeno cuidado, consagrado e identificado como objeto do ser e fazer da enfermagem. As questões nos conduzem a indagar as verdades subjacentes ao cuidado de enfermagem enquanto um fenômeno existencial e multidimensional.
Parte-se do princípio de que a evolução do conhecimento científico não pode ser entendida, unicamente, como extensão do saber e alargamento das verdades já instituídas sobre determinado fenômeno, mas deve constituirse, também, em um processo de transformações, de rupturas, de passagens de uma teoria para a outra (1).
O progresso das certezas científicas construídas em torno do cuidado vem se mostrando, gradativamente, insuficiente para atender e compreender a complexidade do ser humano na sociedade tecnologizada por esta mesma ciência. É compreensível que, por muito tempo, a idéia do cuidado como fenômeno determinístico impecável podia dar conta dos segredos mais profundos que envolviam o ser humano, ou seja, podia suprir as necessidades físicas, emocionais e espirituais.
No entanto, as práticas assistenciais, gerenciais e o próprio processo de viver humano sinalizam a necessidade de ampliar as concepções e interfaces do cuidado, além dos saberes instituídos e consagrados como verdades científicas. As chamadas doenças sociais vêm apontando, crescentemente, para a necessidade de um movimento dinamizado pelas associações solidárias, parcerias e redes de interações capazes de agregar e rejuntar as dimensões humanas multifacetadas pela lógica do saber disciplinar.
Com a compreensão de que a ciência não pode ser entendida e aceita somente enquanto um acumulado de verdades e, acreditando na possibilidade criadora e revolucionaria do cuidado como um fenômeno interativo e multidimensional, o estudo em questão visa, além da possibilidade de desvelar um novo conhecimento científico em torno do cuidado, proporcionar um espaço reflexivo sobre o próprio conhecimento já desenvolvido e consolidado sobre este importante fenômeno no processo de viver humano.
O estudo, de caráter investigatório, parte do projeto ampliado de pesquisa: Concepção de sistema organizacional de saúde de enfermagem pelo olhar da complexidade das práticas dos serviços de saúde em ambientes mais saudáveis, vinculado ao grupo de Grupos de Estudos e Pesquisas em Administração de Enfermagem e Saúde (GEPADES) do Programa de PósGraduação em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina. O objetivo deste estudo é apresentar um modelo teórico sobre o significado desvelado acerca do cuidado de enfermagem como produto de múltiplas interações humanas à luz do pensamento complexo. Com isso, procuraremos sustentar que o cuidado interativo representa uma novidade importante no processo de viver humano e demonstrar para quais direções aponta esse olhar.
Percurso metodológico
A Teoria fundamentada nos dados, também chamada Grounded. Theory, foi o método de escolha para este estudo porque possibilita explorar e desvelar em profundidade o significado do objeto do estudo, neste caso, o cuidado interativo enquanto fenômeno amplo e complexo.
Além da investigação dos processos nos quais ocorren os fenômenos, a Teoria fundamentada nos dados, enquanto método qualitativo, busca uma fundamentação detalhada para realizar a codificação e a análise sistemática dos dados e fazer comparações destes até que emerja a teoria (3, 4).
O conhecimento acerca do fenômeno é construído a partir das interações sociais, de informações pertinentes e da compreensão da atividade e da ação humana nos diferentes espaços. Os conceitos são a base de análise dessa metodologia. Os procedimentos utilizados visam identificar sistematicamente os dados, e relacionálos, para que haja relevância teórica e metodológica comprovada (5).
No processo de teorização, o conhecimento é gerado por um processo de indução cujas categorias analíticas emergem dos dados e são elaboradas no decorrer da pesquisa, tendocomoresultado aproduçãoeaapresentação de uma teoria substantiva, fundamentada e apoiada nos dados da investigação. O processo para compor a amostra denominase amostragem teórica. Os grupos amostras ou situações vão sendo selecionados, progressivamente, com o objetivo de integrarem a amostra. A saturação ocorre quando começa a repetição de informações. Vale salientar a importância da coleta de informações junto a grupo de sujeitos e situações com características diferentes, para enriquecer e fortalecer a base teórica (6).
O estudo foi realizado em um hospital escola de grande porte, vinculado a Universidade Federal de Santa Catarina.
As investigações foram realizadas em grupos amostra conforme prevê o método de pesquisa. (Quadro 1) O primeiro grupo amostra foi composto por sete enfermeiros pertencentes às unidades de clínica médica e clínica cirúrgica. Os profissionais, selecionados aleatoriamente, foram consultados, previamente, acerca da disponibilidade e possibilidade de participarem da pesquisa. A técnica de investigação dos dados constituiuse de uma entrevista semiestruturada que teve como questão norteadora: "O que significa para você o cuidado como produto de múltiplas interações humanas?" As entrevistas tiveram uma duração, em média, de cinqüenta minutos cada uma.
Quadro 1: Integrantes dos grupos amostra.
Na tentativa de compreender o significado do cuidado interativo e as relações que se estabelecem em uma Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTI Neo), optouse, para a composição do segundo grupo amostra, por profissionais de nível técnico em enfermagem que atuam diretamente na assistência. A entrevista deste grupo, que contou com a participação de seis profissionais, foi coletiva no intuito de apreender, em profundidade, o significado do cuidado interativo entre os profissionais e destes com os recémnascidos (RN) e seus familiares.
O terceiro grupo amostra foi composto por familiares dos RN internados na UTI Neo, pelo fato de os resultados do grupo anterior terem sinalizados, fortemente, para a importância do cuidado interativo entre profissionais e familiares dos pacientes internados na UTI Neo.
Por várias vezes, os membros do segundo grupo utilizaram falas, tais como: "a gente precisa se colocar no lugar dos pais"; "a gente precisa sentir o que os pais podem estar sentindo ao deixarem seus filhos nas mãos de estranhos"; "tentamos fazer o melhor sempre, como se fossem os nossos filhos". A partir dessas e de outras colocações, fomos motivadas, enquanto pesquisadoras, a querer compreender o significado dessas interações na perspectiva dos familiares dos RN internados. Desse modo, optouse pela realização de uma entrevista coletiva com sete pais, que no dia agendado encontraramse na sala de reuniões do setor. Entre os participantes, encontravase um casal e as demais mães. A entrevista deste grupo foi norteada pelas seguintes questões: "Como percebem vocês o cuidado dispensado aos filhos? O que significa o cuidado interativo dos profissionais com os vossos pais?"
Na amostragem teórica, procuramos coletar dados que pudessem subsidiar a teoria, de forma que, ao coletálos, codificálos e analisálos de maneira simultânea, tivéssemos condições de decidir se havia ou não a necessidade de ampliar a coleta até alcançarmos a saturação teórica, a qual ocorreu quando nenhum dado adicional foi capaz de acrescentar algo novo. A saturação, nesse caso, foi alcançada com vinte entrevistas, realizadas entre setembro de 2006 e abril de 2007.
Os dados de cada entrevista foram transcritos e foi realizada uma revisão minuciosa do texto com a audição da fita cassete, comparando a fala com o texto. Na seqüência, se iníciou a identificação das unidades conceituais. Os dados foram codificados linha por linha, comparados entre si e agrupados em categorias. Na etapa seguinte, as pesquisadoras escolheram uma categoria da codificação aberta –primeira etapa da codificação–, colocaramna como fenômeno central, e a compararam com as demais categorias. Na fase a seguir, também chamada de codificação axial, os dados foram agrupados em novas formas na tentativa de expandir e compactar a teoria emergente a partir das conexões teóricas. Buscouse, nessa fase, realizar o desvelamento teórico do fenômeno, nesse caso, do cuidado interativo, a partir do contexto causal, das intervencões, das conseqüências e das estratégias, procurando captar ao máximo as relações e interações subjacentes aos dados. Com a análise aprofundada e a redução subseqüente das categorias, a teoria foi delimitada e alcançado tema central sendo considerado o cimento condutor que coloca e mantêm juntos todos os componentes da teoria.
É importante salientar que o processo de coleta, codificação e análise dos dados constituiuse em um percurso circular bastante longo e exaustivo pela necessidade permanente de ir e vir aos mesmos, possibilitado pela capacidade criativa, intuitiva e persistente das pesquisadoras envolvidas.
Para atender os critérios éticos, foram seguidas as recomendações da Resolução 196 de 1996, do Conselho Nacional de Saúde, que prescreve a ética na pesquisa com seres humanos. Observaramse aspectos tais como: a solicitação de autorização à direção da instituição para a realização da pesquisa; a solicitação de autorização ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Santa Catarina, sendo aprovado sob o número 167 de 2006. Aos sujeitos da pesquisa, foram esclarecidos os objetivos e a metodologia do estudo, assegurado o direito de acesso aos dados, garantido que a identidade de todos os participantes seria mantida em sigilo e, por fim, solicitado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido por escrito, com o propósito de utilizar as informações.
As contribuições significativas dos participantes, utilizadas no corpo do texto, são identificadas com uma letra seguida de um algarismo (P1, P2, P3...).
Análise e discussão dos resultados
A análise e comparação constante dos dados, somada à sensibilidade teórica, possibilitaram a compreensão do significado do cuidado de enfermagem como produto de múltiplas interações humanas, tornando possível a delimitação do tema central: Vislumbrando as conexões intersubjetivas do cuidado de enfermagem.
Constituindo-se no âmago do processo, o tema Vislumbrando as conexões intersubjetivas do cuidado de enfermagem remete para as relações e associações que envolvem a essência do ser humano, visto que temos a contínua necessidade de captar o sentido dos nossos mundos exterior e interior, de encontrar significados no ambiente em que nos movemos e de sincronizar os movimentos subjetivos pelo ritmo das interações, buscando a prestação de uma assistência de enfermagem humanizada (7, 8).
O tema Vislumbrando as conexões intersubjetivas do cuidado de enfermagem é permeado por dois fenômenos: Estabelecendo vínculos intersubjetivos e Fazendo a diferença no cuidado. Estes demonstram o processo experimentado pelos profissionais e usuários ao perceberemse sob e no cuidado, traduzido por sentimentos de solidariedade, de empatia, de confiança e de reciprocidade. Os fenômenos sinalizam para a complexidade circular e subjetiva que envolve o sistema de cuidados como produto das múltiplas interações humanas.
O fenômeno Estabelecendo vínculos intersubjetivos é composto pelas categorias: Indo além do cuidado técnico; Percebendo melhora do processo terapêutico, Colocandose no lugar do outro, Importandose com o outro e Criando um cenário de acolhimento. Cada categoria possui as suas respectivas subcategorias que permearão as reflexões e falas dos participantes.
O segundo fenômeno, Fazendo a diferença no cuidado, é composto pelas categorias: Atentando para o cuidado humano, Flexibilizando as normas e rotinas, Investindo na formação humana e Percebendo o suporte estrutural. Fazer a diferença por meio do cuidado envolve, no entender dos profissionais, um conjunto de fatores que precisam estar interligados.
...tudo é importante, tudo deve estar interligado, mas você vê a diferença no cuidado e na recuperação de um paciente, mesmo sabendo que ele é terminal, que não vai sair. Você vê uma grande diferença, se você observar, se você interagir, se você tem uma estrutura adequada para o paciente e os familiares e quando você se permite ser um mais flexível (P9).
As categorias Indo além do cuidado técnico e Atentando para o cuidado multidimensional, resultantes das subcategorias: Identificando a necessidade do cuidado como um todo, Percebendo que o cuidado técnico não dá conta da multidimensionalidade humana e Verificando que o cuidado ascende o ato técnico e mecanizado, constituemse nas condições causais para o desencadeamento do processo: Vislumbrando as conexões intersubjetivas do cuidado de enfermagem. Ir além do cuidado técnico é, no entender dos profissionais, importarse, ver o outro, admitir falhas, reconhecer deficiências:
... eu acho que isto é essencial, você, é, lógico, humano, tem falhas, tem falhas no decorrer, é muita coisa, normalmente nós somos poucos para o número de pacientes. A gente não tem condições de dar um cuidado como a gente sabe que seria o necessário, este tipo de falhas, de não ver, ou aquela coisa que você vê, mas faz de conta que não enxerga... como é que eu vou dizer, é o que mais prejudica, eu acredito até mais do que aquela medicação que você se passou, então isso pra mim cuidado (P5).
A vanguarda tecnológica não pode sobreporse ao ser humano, mas deve estar a seu serviço, auxiliandoo para cuidar ainda mais e melhor ao invés de intensificar o trabalho do profissional da enfermagem (911).
Na vivência dos profissionais, o cuidado de enfermagem está relacionado ao processo de informações, ao trabalho de equipe, ao envolvimento humano e, principalmente, à adoção de posturas profissionais responsáveis e comprometidas, como reflete uma das falas:
O cuidado é tu conseguir responder não somente a parte técnica que está em questão, mas conseguir dar respostas para os familiares, para a equipe com quem você trabalha.
O cuidado é muito abrangente... não é só tu fazer, aquela coisa de executar uma atividade... mas o cuidado ele é abrangente porque tu vai ter posturas, mecanismos para fazer todo um atendimento com a equipe multidisciplinar, com o acompanhante, com o paciente, então por isso que eu acho que o cuidado é muito abrangente, ele não se reduz a uma técnica... mecânica de fazer algo. Então o cuidado é isso (P2).
As categorias Percebendo melhora no processo terapêutico e Flexibilizando as normas e rotinas, identificadas pelas subcategorias: Inserindo os significantes no cuidado, Sentindo apoio estrutural e Percebendo a continuidade do processo, resultam como conseqüências do processo Vislumbrando as conexões intersubjetivas do cuidado de enfermagem.
É interessante observar, na fala dos profissionais, a abrangência e as diferentes conotações que estes atribuem ao cuidado de enfermagem como produto de múltiplas interações humanas. "Eu acho que o cuidado é bem mais abrangente, é a satisfação de todos, acompanhantes, instituição levando em conta a cultura institucional..." (P4); "É perceber a melhora do paciente como um todo... é você não se limitar ao estritamente ordenado... é você ter uma nova visão mais ampliada" (P7). Além do sistema de cuidados institucionalizado, o cuidado é também entendido como "um processo que envolve as unidades de saúde, hospitais, familiares e pacientes assim, sendo esta visão importante para diminuir a permanência do paciente no hospital, diminuir os custos e nem se fala em todos os sentidos... na contaminação, enfim, e isso tinha tudo a ver com a interação..." (P9).
O paciente e os significantes experienciam várias situações e sentimentos não sempre confortáveis durante o processo de internação hospitalar. Essas, contudo, podem ser minimizadas, na concepção dos entrevistados, à medida que os significantes são inseridos no cuidado e, ainda, quando é proporcionada uma maior flexibilização das normas e rotinas excessivamente burocratizadas. Assim como a melhora do processo terapêutico é, freqüentemente, resultado das interações e vínculos entre profissionais e usuários, o contrário, também, muitas vezes é verdadeiro, como reflete uma das falas: "...toda a falha da enfermagem e dos médicos foi pelo não importarse, pelo não interagirem... o que me chamou a atenção era assim: eu fui... eu fui até onde eu podia, até onde o meu COREN deixa. Isso para mim não existe" (P6).
O cuidado de enfermagem na visão dos profissionais constituise, igualmente, num processo circular que não pode limitarse ao espaço hospitalar ou ser determinado por uma classe profissional, como retrata a fala:
Bem, para mim cuidado é um processo, que começa na unidade básica... quando você começa a atender o cliente lá, e que ao entrar no hospital... desse atendimento, dessa interação diária tu vai ter um produto, um paciente em melhores condições ou se sentindo melhor em relação aquilo com que ele entrou. Isso para mim... porque cuidado é um processo que envolve vários profissionais trabalhando junto... é um processo que vem desde a comunidade e esse produto vai voltar para aquele meio de onde ele veio, pode voltar a precisar novamente do cuidado (P4).
Sob esta perspectiva, o cuidado não pode limitarse a prescrições técnicas ou normativas, já que implica em fazer funcionar o tecido social e as dinâmicas intersubjetivas indispensáveis para a obtenção de resultados terapêuticos satisfatórios nos diferentes cenários de atuação profissional.
As categorias Colocandose no lugar do outro, Importandose com o outro e Investindo na formação humana constituemse em condições estratégicas para o desenvolvimento de um cuidado mais interativo e intersubjetivo. As subcategorias Percebendo e acolhendo o outro, Entendendo a situação do outro, Tendo empatia, Preocupandose com a formação humana refletem, no entendimento dos profissionais, a necessidade de perscrutar a singularidade de cada ser humano a fim de compreender a realidade subjetiva, como reforçam as falas:
É se colocar junto com o paciente, vivendo a situação (P3); ... essa coisa de você ouvir, de você falar, de você dar a mão, de você passar a mão na cabeça vale mais do que qualquer medicação... Tudo é importante, mas você vê a diferença na recuperação de um paciente... Então assim, cuidado interativo é isso, é você se importar, é você ver o outro e eu acho que isto é essencial (P1).
Ao reconhecerem deficiências na formação, os profissionais admitem e, ao mesmo tempo, chamam atenção para a educação formal e informal que deve ser da responsabilidade das escolas formadoras, dos responsáveis pelos serviços, mesmo que também é responsabilidade de cada profissional. Para os profissionais, o investimento permanente na formação é uma atitude necessária para o reconhecimento das próprias potencialidades e a superação das fragilidades que obscurecem as relações intersubjetivas. O investimento na formação humana, nesse sentido, é importante para compreender a complexidade que envolve o sistema de cuidados em saúde.
O cuidado de enfermagem como produto de múltiplas interações humanas e sociais, traduzido no âmago da questão Vislumbrando as conexões intersubjetivas do cuidado de enfermagem, pode ser considerado um fator impulsionador para o sistema de produção dos serviços de enfermagem, mesmo que apreendido na sua forma visívelinvisível, concretoabstrata, dinâmicoestática, singularplural, frágilforte ou navegando num claroescuro ou uma certezaincerteza (12).
Mesmo que o cuidado interativo seja, freqüentemente, relegado, para um segundo plano, os profissionais reconhecem a sua vital importância no processo de viver humano, quando mencionam:
... por conta do não se importar, de não ter essa interação, houve um óbito desnecessário, que pela situação como foi colocada poderia ter sido evitado. Mas não foi evitado porque todas as pessoas, por onde esta paciente passou, pelas mãos por onde ela passou, infelizmente nenhuma delas se importou, interagiu, nem com o familiar e nem com o próprio paciente... (P1).
A partir do exposto, o cuidado sinaliza, além do cuidado interativo e do importarse com o outro, para os aspectos éticos dos profissionais da saúde. Não basta fazer o minimamente necessário ou o fazer por fazer, já que o cuidado requer uma atitude ética e responsável para com a dignidade do ser humano.
Para vislumbrar as conexões intersubjetivas do cuidado de enfermagem é preciso que os contextos social, organizacional e institucional favoreçam a criação de vínculos intersubjetivos. Nessa perspectiva, as categorias Criando um cenário de acolhimento e Percebendo o suporte estrutural, permeadas pelas subcategorias Proporcionando conforto, Sendo acolhido, Tendo um local adequado, Sentido apoio por parte do hospital, Otimizando o cuidado interativo, fazem referência ao contexto em que o cuidado está inserido.
Para os entrevistados, o cuidado de enfermagem será tanto mais acolhedor, interativo e humano, à medida que estiver interligado e acompanhado por ambientes saudáveis, como retrata uma das falas:
Para ter uma cadeia de interações, é importante que todos os setores estejam interligados... pessoas de setores que não tinham nada a ver diretamente com o paciente, como a farmácia... para passarem o dia com a gente. Você não tem idéia de como mudou... quando a farmácia te nega uma urgência ou antibiótico naquele momento, que não está prescrito, mas que você precisa administrar ou... sabe, quando eles vieram, viram e ficaram um pouco e viram que é assim que acontece, que é assim que funciona, e a gente ta barrando lá por pura burocracia, sabe... é uma idéia que eu achei fantástica e que deu um resultado maravilhoso... até a parte financeira foi também. Então assim, tem que ter uma cadeia de interações... (P1).
O cuidado centrado no usuário, seja no paciente, seja em seus familiares, significa nortear a política institucional no foco que representa a razão de ser e existir de um hospital. Favorecer a criação de vínculos intersubjetivos e focalizar a atenção no paciente significa reduzir ao mínimo a ruptura entre a vida normal do paciente e a que lhe impõe restrições. O paciente e a sua família precisam ser acolhidos com a sua história pessoal e social, os seus valores, os suas crenças e os seus sentimentos. Em outras palavras, significa tornar a permanência do paciente no hospital o menos traumática possível, tendo em vista que o hospital representa dor, sofrimento e perdas.
Vislumbrando as conexões intersubjetivas do cuidado de enfermagem faz referência de modo explícito às relações de confiança e interatividade entre todos aqueles que estão no cuidado sob on sob este. Mostra que o fator humano não pode ser estabelecido somente sobre a dimensão individual da relação sujeitotarefa, ou reduzido à dimensão científica ou técnica. Ela deve ser pensada a partir da intersubjetividade e das interações no coletivo de trabalho (13). Contudo, o coletivo deve ser pensado na dinâmica da confiança entre os diferentes atores
O tema central Vislumbrando as conexões intersubjetivas do cuidado de enfermagem sinaliza para o cuidado de enfermagem como um fenômeno complexo possibilitado pelas múltiplas interações, relações e associações, uma vez que o sistema de saúde e da profissão de enfermagem pode ser visto como sistemas complexos adaptativos que oferecen aos enfermeiros uma poderosa oportunidade para projetar investigação, a liderança decisões, política e prática clínica de novas formas (14). Apresentase o modelo de referência encontrado, constituído das categorias Criandoumcenário de acolhimentoePercebendoosuporte estrutural como condições contextuais; Colocandose no lugar do outro, Importandose com o outro e Investindo na formação humana como estratégias para o desenvolvimento de um cuidado intersubjetivo; Indo além do cuidado técnico e Atentando para o cuidado multidimensional, constituindo os possíveis determinantes causais, e Percebendo melhora no processo terapêutico e Flexibilizando normas e rotinas como categorias que fazem referência às conseqüências do cuidado motivado pelas múltiplas interações humanas.
Considerações finais
Mesmo constituindose em um método complexo e demorado, a teoria fundamentada nos dados foi imprescindível para a compreensão mais aprofundada do cuidado interativo, objeto deste estudo, a partir da realidade concreta dos informantes. Da mesma maneira, possibilitou às pesquisadoras a interação com a realidade e a formatação do modelo teórico de forma gradual, contínua e criativa. Além da idéia de trazer respostas prontas aos questionamentos levantados, o trabalho abre novos olhares acerca da vida, do homem, da saúde, do cuidado de enfermagem, entre outros.
O cuidado de enfermagem, visualizado a partir das conexões intersubjetivas, possibilita reconhecer o ser humano, seja ele profissional ou doente, superando o modelo biologicista. Em outras palavras, o cuidado se expressa a partir de uma dinâmica não linear que origina um número ilimitado de interações, relações e associações necessárias para alimentar o sistema de cuidados de enfermagem de forma ampla e complexa.
Vislumbrando as conexões intersubjetivas do cuidado de enfermagem sinaliza para a dimensão subjetiva das interações e relações de cuidado, freqüentemente invisível aos olhos viciados pelo fazer técnico e mecanizado. Nessa perspectiva, o cuidado interativo só pode ser entendido e assumido num contexto de confiança que decorre do respeito, da reciprocidade, da empatia, dos espaços de discussão e das próprias escolhas éticas dos indivíduos.
Vislumbrando as conexões interconexões do cuidado de enfermagem aponta para a necessidade de revisitar as práticas de saúde motivadas pelo fazer tradicional, pelas práticas inflexíveis, pela estaticidade das estruturas frias e sem vida e motivadas pelo fazer impensável e fragmentado.
Vislumbrando as conexões ocultas do cuidado de enfermagem intenta resgatar a essência do cuidado, presente em todas as coisas visíveis e invisíveis. Busca valorizar as questões simples do diaadia, subjugadas pela ordem mecanizada para um segundo plano. Em outras palavras, ressaltar e sobrepor a condição humana subjetiva a qualquer evidência científica e tecnológica e perscrutar o que há de mais secreto, singular e, ao mesmo tempo, complexo na essência humana.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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