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Avances en Enfermería
Print version ISSN 0121-4500
av.enferm. vol.31 no.1 Bogotá Jan./June 2013
Artículo de investigación
Determinantes Sociais & Hipertensão Arterial: um desafio na saúde coletiva
Social Determinants & Hypertension: a challenge in public health
Determinantes Sociales & Hipertensión Arterial: un desafío en la Salud Colectiva
Dora Mariela Salcedo-Barrientos1, Elienai de Farias Gama Siqueira2, Emiko Yoshikawa Egry3
1Enfermeira. Psicodramatista – Sócio Educacional. Doutora em Enfermagem. Docente do Curso de Obstetrícia da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH- USP). E-mail: dorabarrientos@usp.br. SP. Brasil.
2Enfermeira. Especialista em Educação em Saúde e Enfermagem em Saúde Coletiva com ênfase em PSF-UNASP. Educação em Saúde e Enfermagem em Saúde Coletiva com ênfase em PSF- UNASP. Coordenadora do Centro de Atenção Psicossocial Social Boituva. E-mail : elienaifgama@gmail.com, SP. Brasil.
3Enfermeira. Doutora em Saúde Pública. Professora Titular do Departamento de Enfermagem em Saúde Coletiva da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. Pesquisadora CNPq1A. E-mail: emiyegry@usp.br, SP. Brasil.
Recibido: 24/01/2011 Aprobado:10/04/2013
Resumo
Objetivo: este estudo pretendeu identificar as necessidades em saúde relacionadas com a hipertensão arterial dos usuários de um restaurante popular em São Paulo.
Metodologia: realizou-se um estudo exploratório, descritivo, ancorado na Teoria de Intervenção Práxica da Enfermagem em Saúde Coletiva, com abordagem quantitativa mediante um estudo de corte-transversal, aplicando amostragem aleatória simples. Os dados empíricos foram coletados por meio de entrevistas com questões abertas e fechadas. Os critérios de elegibilidade dos entrevistados foram: adultos de ambos os sexos, com idade entre 18 a 80 anos e frequentar o restaurante.
Resultados: 166 pessoas foram entrevistadas dos quais 14,46% informaram ser hipertensos e 10,84% tomavam anti-hipertensivos. De uma maneira geral, seus hábitos de vida e de alimentação desfavorecem a manutenção dos índices pressóricos adequados, além de não promover a prevenção destas e de outras enfermidades crônicas.
Conclusão: é possível verificar que existem determinantes sociais que contribuem para o aparecimento e prevalência de enfermidades cardiovasculares nesta população que apresenta necessidades em saúde específicas, retratadas pelo alto potencial de desgaste na reprodução social, consequente à precária inserção na produção.
Palavras-chave: hipertensão; perfil de saúde; saúde coletiva; necessidades e demandas de serviços de saúde. (Fonte: DeCS, BIREME)
Abstract
Objective: The study goals to identify the health needs related to arterial hypertension of consumers of a popular restaurant in São Paulo..
Methodology: An exploratory descriptive study was carried out, based on the Theory of Praxis Intervention in Public Health Nursing, with quantitative approach through a study of cross-section was applied a simple random simpling. Empirical data were collected through interviews with open and closed questions. The eligibility criteria for respondents were: adult of either gender, aged 18-80 years old.
Results: 166 people were interviewed of which 14.46% reported being hypertensive and 10.84% currently taking antihypertensive medication. In general, their life styles and eating habits impoverished the maintenance of an adequate arterial pressure rate, and haven’t prevented these and other chronic ailments.
Conclusion: There are social determinants that contribute to the outbreak and prevalence of cardiovascular diseases in this population with specific health needs, portrayed by the high potential of weariness in social reproduction as a consequence of poor integration into production.
Key words: hypertension; profile of health; collective health; health services needs and demand. (Source: DeCS, BIREME)
Resumen
Objetivo: El objetivo del estudio fue identificar las necesidades en salud relacionadas con la hipertensión arterial de los usuarios que frecuentan un restaurante popular en Sao Paulo.
Metodología: Se realizó un estudio exploratorio, descriptivo, basado en la Teoría de Intervención Práxica de Enfermería en Salud Colectiva, con un abordaje cuantitativo transversal, se aplicó muestreo aleatorio simple. Los datos empíricos fueron recolectados por medio de entrevistas con preguntas abiertas y cerradas. Los criterios de inclusión fueron: tener edades entre 18 y 80 años.
Resultados: 166 usuarios fueron entrevistados, de los cuales 14,46% se declararon hipertensos y 10,84% hacían uso de anti-hipertensivos. De forma general, los hábitos de vida y alimentación, son desfavorables para el mantenimiento de los niveles presóricos adecuados y para la prevención de esta u otras enfermedades crónicas.
Conclusión: Existen determinantes sociales, que contribuyen al aumento de casos y de la prevalencia de enfermedades cardiovasculares en esta población, que presentan necesidades específicas de salud, manifestadas por el alto potencial de desgaste en la reproducción social, como consecuencia de la precaria inserción en los procesos de producción.
Palabras clave:hipertensión; perfil de salud; salud pública, necesidades y demandas de servicios de salud. (Fuente: DeCS, BIREME)
Introdução
A hipertensão arterial, também chamada de hipertensão arterial sistêmica (HAS), está diretamente relacionada a hábitos de vida(1).
A prevalência de hipertensão arterial no estado de São Paulo foi de 26,5% em 2009 (2). Atualmente, 63,2% das pessoas com 65 anos ou mais de idade sofrem do problema. Mesmo sendo assintomática, a hipertensão arterial é responsável por complicações cardiovasculares, encefálicas, coronarianas, renais e vasculares periféricas. Estima-se que 40% dos acidentes vasculares encefálicos e em torno de 25% dos infartos ocorridos em pacientes hipertensos poderiam ser prevenidos com terapia anti-hipertensiva adequada(3).
A falta de adesão ao tratamento constitui-se em um dos maiores problemas no controle da hipertensão arterial, ocorrendo em até 40% dos pacientes, por diversos motivos(4).
O reconhecimento das necessidades de saúde é um aspecto importante para a organização das ações de saúde, especialmente no âmbito da atenção primária. Para tanto, é necessário desenvolver estratégias, tanto voltadas para a recuperação e o tratamento da saúde, quanto voltadas para a prevenção e a promoção da saúde. Assim, uma primeira aproximação dessas necessidades pode ser alcançada, observando-se o perfil epidemiológico da população com o intuito de propor ações efetivas de prevenção(5).
Acredita-se que os serviços de saúde, quando se organizam com foco nas necessidades da população, podem ou tendem a serem mais eficientes, no sentido de apresentar maior capacidade de escutar e atender as necessidades em saúde (6).
Com o objetivo de oferecer à população alimentação a preços acessíveis e com qualidade, o governo do Estado de São Paulo, por meio do Decreto nº 45.547, de 26 de Dezembro de 2000, instituiu o Restaurante Popular dentro do Programa Estadual de Alimentação e Nutrição para populações carentes(7).
A iniciativa prevê a participação de entidades da sociedade civil por meio de convênio com a Secretaria de Agricultura e Abastecimento. Fornecem, em sua rede de restaurantes populares, refeições balanceadas com qualidade e cardápio variado. Atualmente, o Estado de São Paulo conta com 39 restaurantes que seguintes regioTÍFICA, 2005a luta pela integralidade e equidade na atençfornecem em conjunto cerca de 65.000 refeições por dia, no valor de R$ 1(8).
O objetivo deste estudo é identificar o perfil de necessidades em saúde relacionadas à hipertensão arterial dos usuários do restaurante popular em Santo Amaro, município de São Paulo. A finalidade do estudo é visibilizar as intervenções possíveis da enfermagem em saúde coletiva junto a este público.
Metodologia
Trata-se de um estudo sustentado pela Teoria de Intervenção Práxica da Enfermagem em Saúde Coletiva (Tipesc)( 9) que propõe, em sua vertente metodológica, uma sistematização dinâmica de intervenção no processo saúde-doença de uma coletividade. O estudo é de corte transversal, descritivo e exploratório, de abordagem quantitativa.
Como parte do marco de referência da Tipesc, foi adotada a Teoria da Determinação Social, que sustenta que os processos de saúde-doença são determinados pela forma com que as pessoas se inserem na sociedade, e decorrente disto há distinções dos processos de fortalecimento e de desgaste dos sujeitos, isto é, os processos de integração do homem no trabalho (formas de trabalhar) e na vida (formas de viver)(10).
O cenário foi o restaurante Bom Prato, no bairro de Santo Amaro, no município de São Paulo, motivado pela atuação do Centro Universitário Adventista de São Paulo (Unasp). O Unasp é um dos parceiros que atuam no restaurante Bom Prato de Santo Amaro, realizando atividades filantrópicas e assistenciais, encarregando-se da organização das atividades de caráter educativo com vistas ao atendimento às necessidades da população, por meio das atividades de campo dos alunos e professores dos cursos de graduação de Enfermagem e Nutrição.
A coleta dos dados ocorreu nos meses de agosto e setembro de 2006 junto aos usuários do restaurante no período compreendido de 10h30 às 12h. Para uma população de 1500 consumidores diários no restaurante, foi considerado um nível de confiança de 95%, um erro amostral de 6,35% e uma taxa de prevalência de hipertensão arterial em São Paulo de 26,5%. Aplicando a amostragem aleatória simples(11)(12), o tamanho da amostra foi de 166 clientes escolhidos aleatoriamente e que aceitaram participar do estudo. Os critérios de inclusão a esta pesquisa foram: ser usuário do restaurante, ser adulto de ambos os sexos, com idade mínima de 18 anos e máxima de 80 anos. Como critério de exclusão: deficiência comunicacional por parte do usuário, com barreiraas tais como não compreender a língua portuguesa ou deficiências cognitivas ou auditivas.
Foi utilizado um questionário que segue em anexo, contendo questões abertas e fechadas, abordando os seguintes tópicos: a) perfil dos frequentadores do Bom Prato relacionado a sexo, idade e escolaridade; b) algumas características das formas de trabalho: profissão, salário e carga horária semanal; c) algumas características relacionadas às formas de viver: alimentação, condições de moradia, horas de sono, lazer, consumo de água, uso de medicamentos, acesso aos serviços de saúde e hábitos em relação à verificação periódica da pressão arterial (PA).
Para a análise dos dados foi utilizada a estatística descritiva com o auxílio do software Microsoft® Office Excel®.
Esta pesquisa encontra-se em consonância com o estabelecido na Resolução 196/96 do Ministério da Saúde e foi autorizada mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido por cada entrevistado. A pesquisa teve inicio após autorização da direção do restaurante e do Comitê de Ética em Pesquisa do Unasp.
Resultados
Nos últimos tempos, na área de saúde coletiva, a Enfermagem vem ampliando cada vez mais ações de vigilância epidemiológica, tanto no contexto do trabalho multiprofissional, como dentro do âmbito de suas ações específicas (10)(9).
Foram entrevistados 166 usuários, sendo 91 (54,8%) homens e 75 (45,1%) mulheres, com predomínio da faixa etária entre 20 a 39 anos. Quanto ao número de filhos, 46,9% relataram ter entre um e dois filhos; 21,6% tinham três filhos ou mais e apenas 33% não tinham filhos. Aproximadamente 49% referiram ser de cor branca, 33% consideraram-se pardos e 18% relataram ser negros.
A inserção dos sujeitos da pesquisa no mundo do trabalho mostra uma diversidade de ocupações, divididos entre empresas do setor privado, público e outros locais (incluindo aposentados, estudantes e trabalhadores informais, sem vínculo empregatício). A carga horária de trabalho predominante foi de seis a oito horas para 35,5%, seguida pela jornada de oito a dez horas para 24,7% dos entrevistados.
Com relação à faixa salarial mensal, 43,3% dos entrevistados recebiam até R$ 399,00*, 37,3% recebiam entre R$ 400,00 e R$799,00 e 30% mais de R$ 800,00. Dentre os entrevistados de menor renda, encontram-se os desempregados que realizam atividades esporádicas, os que exercem atividades informais, os aposentados e os estudantes.
Verificou-se que 99,4% dos entrevistados possuíam acesso à água encanada, 95,7% possuíam acesso a esgoto e 93,3% tinham acesso ao serviço de coleta de lixo no domicílio; 76,5% alegaram ter boas condições de moradia e apenas 4,8% alegaram ter condição de moradia ruim.
No que tange aos hábitos de vida e alimentação, embora o consumo de bebidas alcoólicas, o fumo e o uso de drogas seja um problema social, grande parte dessa população não referiu seu uso. Assim, 81,3% não têm o hábito de fumar, 92,1% não usam bebidas alcoólicas e 94,5% nunca utilizaram nenhum tipo de droga como maconha, cocaína ou crack. Observou-se que 64,4% dos frequentadores do restaurante não praticavam nenhum tipo de atividade física e cerca de 16% praticam caminhada. Dentre os entrevistados que praticam exercícios físicos, 57,6% o fazem sete vezes na semana, 15,2% duas vezes na semana e 10,1% três vezes por semana;
Quando indagados com relação ao uso de medicamentos, 67,4% não usam nenhum tipo de medicação, mas 32,5% informaram que tomam medicamentos diariamente. A medicação anti-hipertensiva é utilizada por 10,84% dos entrevistados.
Com relação aos hábitos alimentares, foi possível identificar que um pouco mais da metade dos entrevistados referiram consumir todos os dias alimentos considerados saudáveis e protetores para a prevenção da Hipertensão Arterial como frutas, verduras, cereais integrais (aveia, milho trigo), leite, ovos e carnes magras (frango, peixe), como mostra a Figura 1.
Na Tabela 1, é possível verificar o consumo de alimentos considerados não saudáveis, como carnes gordurosas, frituras e guloseimas determinantes para o desenvolvimento da Hipertensão Arterial e ocorrência de doenças cardiovasculares, aterosclerótica e hipertensão (1) . Vale destacar que 59,6% dos entrevistados referiram fazer uso diário de bolos, doces e frituras, 50,6 também referiram fazer uso de frituras diariamente.
Verificou-se também que 46,3% dos entrevistados utilizavam condimentos diariamente, 28,3% usavam sal em grande quantidade, e apenas uma minoria (7,2%) não adicionavam sal no preparo da alimentação.
O consumo de água para 44,5% dos entrevistados era de um a quatro copos de água por dia e 39,7% referiram ingerir de cinco a oito copos por dia.
Quanto ao acesso a serviços de saúde, 37,9% dessa população utilizava como primeira escolha as Unidades Básicas de Saúde, 28,3% recorriam ao hospital e 19,2% possuíam plano de saúde privado. Os principais motivos para recorrerem a esses serviços foram: dor, mal-estar ou febre. Apenas um grupo de 7,2% dos entrevistados recorria a esses serviços para exames de rotinas e ainda, 7,2% dos entrevistados participavam de grupos de hipertensos ou recorriam aos serviços de saúde por outros motivos.
Do total de entrevistados, 67,4% não conseguiram lembrar a data da última aferição da Pressão Arterial (PA) nem o valor da mesma e 23,4% alegaram ter valor normal (120 mmHg X 80 mmHg) na última aferição. Muitos admitiram não ter o hábito de ir ao posto de saúde ou hospital para verificar a PA. Quase 15% (n=24) dos entrevistados relataram ser hipertensos e metade deles descobriu a doença no momento em que se sentiram mal e procuraram o serviço de saúde.
Da parcela dos entrevistados que referiu ser hipertenso, 37,5% frequentam o restaurante cinco vezes na semana. Esse grupo apresentou as seguintes características: 83,3% deles têm mais de 50 anos, cerca de 58% são mulheres, 70,8% têm a cor da pele parda e negra, 25 % referiram o uso de cigarros diariamente, 70,8% não praticam qualquer atividade física, 83,3% fazem uso de medicação diariamente, sendo que destes, 85% usam anti-hipertensivos. Cerca de 67% referiram o consumo de verduras, frutas e cereais diariamente ao passo que o consumo de gordura é raro para apenas 29,1% dos entrevistados; quase 46% consomem frituras diariamente e o consumo de açúcares e refrigerantes ocorre no mínimo três vezes por semana para 83,3% dos entrevistados hipertensos. O uso de condimentos ricos em sódio (caldos em tablete, molhos e glutamato monossódico) é frequente para 37,5% dos hipertensos e o mesmo percentual considera que seu uso de sal varia entre média e grande quantidade.
Discussão
No trabalho e na vida, processos construtores e destrutivos explicam o fortalecimento e o desgaste como um produto das redes de determinações que são construídas nas diversas formas de produção da vida social, nas diferentes classes ou grupos sociais (9).
Para entender as morbidades que afligem uma população, deve-se levar em conta seu perfil socioeconômico, pois existem patologias que só podem ser explicadas levando em consideração as formas de viver, adoecer e morrer de uma população (13).
A manifestação da Hipertensão Arterial Sistêmica não pode ser explicada apenas por relação de causa e efeito, mas pelo contexto social e pelo estilo de vida que o indivíduo, como ser biológico e psicológico, encontrase inserido (14).
Verificando a natureza da atividade laboral dos entrevistados, destacam-se aspectos em relação aos processos destrutivos e construtores desses trabalhadores. Eles sofrem com o desgaste físico relacionado a uma jornada de trabalho intensa, desgaste auditivo devido ao barulho das máquinas, estresse diário causado pelo trânsito e pela competitividade no ambiente profissional, medo da violência, problemas relacionados à mecânica postural, propensão para desenvolver doenças crônicas, como tendinite e lesões por esforços repetitivos, e o cansaço físico. Em contrapartida, os mesmos trabalhadores podem contar com processos de fortalecimento na relação com o trabalho, tais como estabilidade do emprego garantida pelo registro em carteira, direitos trabalhistas, jornada fixa de trabalho e salário a ser recebido em data certa. Entretanto, quase metade dos entrevistados mantém vínculo precário de trabalho, não usufruindo desses potenciais de fortalecimento e estando sujeitos a outros desgastes.
Majoritariamente, o restaurante atende trabalhadores assalariados ou informais, e não somente a população carente, como prevê o decreto que criou o projeto dos restaurantes Bom Prato (5). Parte dos entrevistados é formada por trabalhadores, mas a renda deles é baixa se considerarmos que a maioria possui família com filhos. Isso permite inferir na necessidade de utilização do salário para outras despesas, o que justifica a utilização do restaurante com refeições de baixo preço.
A população estudada era formada, em sua maioria, por homens economicamente ativos e que trabalhavam ao redor da instituição pesquisada.
Existe uma idéia de que as unidades básicas de saúde são serviços para mulheres, crianças e idosos. Assim, a identidade masculina está associada à desvalorização do autocuidado. Isso faz com que os homens sitam que não pertencem àquele local. Acredita-se que os homens não procuram a UBS porque não disponibilizam programas ou atividades direcionadas especificamente para a população masculina. Os serviços de saúde devem construir estratégias assistenciais para contemplar as diferentes necessidades de saúde dos homens (15).
Em 27 de agosto de 2009, foi instituída, pela Portaria GM 1944, a “Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem”, que traduz um longo anseio da sociedade ao reconhecer que os agravos do sexo masculino constituem verdadeiros problemas de saúde pública. Com esta política, o ministério da saúde busca contribuir para o aumento do número de homens que demandam os serviços de saúde da atenção primária. Este programa busca fortalecer a assistência básica no cuidado com o homem, garantindo o acesso e a qualidade da atenção necessária ao enfrentamento dos fatores de risco das doenças e dos agravos à saúde. Em outras palavras, busca incentivar as unidades básicas de saúde a atender os homens de acordo com as Diretrizes de Atenção (16).
Visando um fortalecimento maior desta política, em 2012 o ministério da saúde liberou recursos financeiros para serem utilizados no monitoramento das ações em desenvolvimento, sensibilização do público masculino e da população em geral sobre cuidados, material de conscientização sobre agravos e riscos à saúde do homem, capacitação de profissionais do Sistema Único de Saúde (SUS), implantação do pré-natal masculino, entre outras ações (17).
Embora estudos norte-americanos mostrem que os homens têm em grande parte doenças crônicas fatais, e as mulheres adoecem com patologias de curta duração (18), a parcela de entrevistados que sofre com hipertensão arterial é predominantemente feminina. Esse dado, combinado com outras características desse subgrupo como pouca prática de atividade física e alimentação rica em gordura saturada, açúcar (bolos, doces, refrigerantes) sal e condimentos, pode justificar essa diferença. Além disso, a dupla jornada das mulheres dificulta a prática de atividades físicas e o cuidado com a saúde. De qualquer forma, esse dado é importante para o planejamento de ações e chama a atenção para possíveis mudanças em relação ao sexo predominante da doença.
O estudo realizado em 2003 na cidade de São Paulo identificou que a população feminina apresenta maior frequência de consumo de frutas, legumes e verduras, além dos indivíduos de mais idade e maior escolaridade. Ainda assim, o estudo concluiu que a frequência do consumo de frutas, legumes e verduras na população adulta residente no município de São Paulo não alcança os índices recomendados (19). As características da parcela feminina dentre os entrevistados confirma o estudo em relação ao maior consumo de frutas, legumes e verduras. Entretanto, essa característica não impede que o consumo de alimentos prejudiciais à saúde também seja alto entre as mulheres.
Existem evidências que apontam para a prevalência de hipertensão arterial maior em negros que em brancos. As diferenças mostram-se maiores para as formas mais graves e as complicações relacionadas à doença, particularmente insuficiência renal crônica, acidente vascular cerebral e hipertrofia ventricular esquerda. No Brasil, os índices de hipertensão arterial são mais altos na população de pele negra do que nos brancos, assim como as formas mais graves da doença (20). Os frequentadores do restaurante popular referiram sua cor de pele na proporção de aproximadamente 50% brancos e 50% pardos e negros. Mas a ocorrência de hipertensão é de quase 2,5 vezes maior entre os negros e pardos participantes do estudo.
Os hábitos alimentares e de vida são importantes determinantes para a ocorrência da hipertensão arterial (6). Os entrevistados apontaram pouca prática de exercícios físicos e consumo de alimentos prejudiciais para a manutenção da saúde, controle dos níveis de pressão arterial ou mesmo prevenção de outras doenças crônicas. O uso excessivo de sal de cozinha e condimentos ricos em sódio aparece em destaque, juntamente com o consumo de carnes gordurosas, frituras e açúcares. Para o subgrupo dos hipertensos, esses indicadores são ainda mais preocupantes, pois, tendo diagnosticado a doença, e mesmo fazendo uso de medicação, verificou-se que os hábitos de vida não foram alterados em favor da prevenção de complicações e outros agravos.
A quantidade de sódio disponível para consumo nos domicílios brasileiros excede em mais de duas vezes a ingestão máxima recomendada, em todas as classes de renda e em todas as regiões brasileiras. Essa quantidade excessiva vem dos alimentos que utilizam sal em seu preparo e ainda de alimentos processados. Embora não existam estudos que comparem o teor de sal dos alimentos preparados no domicílio ou fora dele, acredita-se que, nos estabelecimentos, os alimentos sejam preparados com maior teor se sódio, o que elevaria ainda mais a proporção excessiva no consumo pelos brasileiros (21).
A orientação quanto ao consumo da quantidade ideal de sal é extremamente importante, pois a dieta hipersódica pode elevar a pressão arterial, oferecendo riscos à saúde. Todavia, faz-se necessário encontrar formas criativas e prazerosas na alimentação, pois o gosto e o bem-estar são importantes para a saúde (14).
Outro aspecto que se deve destacar é o de que a maior parte dos entrevistados descobriu a doença quando se sentiu mal e, só então, procurou um serviço de saúde. Disso decorrem várias implicações: dificuldade de acesso aos serviços de saúde para realização de exames de rotina, principalmente pela população adulta e que trabalha no mesmo horário de funcionamento das unidades de saúde; pouco esclarecimento em relação aos hábitos de vida e alimentação, o que poderia impactar na melhora da saúde dessa população; possibilidade de agravamento da doença quando diagnosticada em níveis avançados, podendo causar lesões secundárias, como problemas renais e cardíacos; ônus à sociedade com o aumento de doentes crônicos e perda da força de trabalho, com afastamentos e aposentadorias motivadas pela incapacidade gerada pela doença, além dos gastos com serviços de saúde e medicação; entre outras.
Os serviços de saúde têm sido estruturados no Brasil, de modo geral, de acordo com o paradigma médico- biológico da doença. Assim, o atendimento daqueles doentes com hipertensão arterial que têm acesso aos serviços públicos de saúde é realizado consoante o modelo clínico individual, de maneira geral, hipervalorizando a ação do profissional médico. Nesses serviços a enfermagem desenvolve atividades tais como a pré e a pós consulta médica e outras ações ditas educativas, no sentido de orientar o doente para o tratamento médico estabelecido, configurando o atrelamento de suas ações ao mesmo paradigma (22).
Na população estudada, a maioria dos entrevistados não lembra quando e nem o valor da última aferição de pressão arterial. Esse dado pode nos revelar uma defasagem no que diz respeito ao trabalho de prevenção e educação em saúde junto a essa população sobre a importância de verificar e ter o controle dos valores aferidos da Pressão Arterial.
Dentre os entrevistados hipertensos que não lembram quando fizeram a última aferição, três são homens e apenas uma mulher.
Os gastos com saúde, muito menores do que nos países desenvolvidos, não têm correspondido ao aumento da expectativa de vida, embora os recursos concentremse em instituições de atividades curativas que empregam alta tecnologia, com altos custos. Esse investimento não tem tido resultados correspondentes em termos de melhoria dos níveis de saúde. Tal constatação corresponde à análise da esperança de vida e dos gastos com saúde em vários países, realizada pelo Banco Mundial, que demonstra que os sistemas de saúde que se dedicam a ações de promoção de saúde são avaliados como mais efetivos pelas populações assistidas (23).
Portanto, questiona-se como o Sistema Único de Saúde vem respondendo às necessidades da população à margem da assistência. É questionável o fato de os usuários procurarem o atendimento nas unidades de saúde apenas quando a doença já está instalada.
Tomando as necessidades de saúde como necessidades de reprodução social, ou seja, que devem corresponder às necessidades de manutenção e reprodução do modo de produção, é possível perceber o quanto essa população está exposta a desgastes que tendem a deixála cada vez mais vulnerável. Podem ir além da saúde e representar, como nesse caso, as necessidades dos trabalhadores (24).
O olhar dos usuários dos serviços de saúde procura uma assistência capaz de atender suas necessidades por meio da garantia de acesso e efetividade aos serviços de saúde, responsabilidade do Estado em atender necessidades sociais e de inserção no mundo do trabalho e organização da sociedade civil para suprir lacunas do Estado. Portanto, a saúde é vista pela população como possibilidade de viver e transformar a vida, e a doença, como o impedimento dessa realização. Entretanto, para os profissionais da área, necessidades de saúde resumem-se a sintomas e doenças que surgem com os usuários que procuram espontaneamente os serviços de saúde (6).
Além disso, deve-se considerar a responsabilidade dos serviços de saúde em responder às necessidades sociais, legitimar algumas e não outras e ainda criar novas necessidades. Consequentemente, para os serviços de saúde, o que se atende em muitas ocasiões são problemas de saúde que em algum grau alcançaram legitimidade. Para muitos trabalhadores, necessidades de saúde relacionam-se apenas com agravos à saúde e más condições de vida. Dessa forma, para os serviços, a atenção à saúde dos usuários nem sempre corresponde às reais necessidades do grupo social ao qual ele se insere (6).
Considerações finais
Conhecer as necessidades em saúde de grupos específicos pode contribuir para a intervenção da enfermagem em saúde coletiva, pois visibiliza os processos de desgaste e os contra-valores na forma de reprodução social.
A partir desta pesquisa foi possível identificar a necessidade de promoção e educação em saúde relacionada aos determinantes sociais associados à prevenção e tratamento da Hipertensão Arterial entre outros agravos. Uma das limitações deste estudo foi a impossibilidade de verificar a pressão arterial, no momento das entrevistas, para confirmar ou identificar novos hipertensos, devido ao alto número de clientes que não lembravam o valor da última aferição da pressão arterial.
Este estudo evidenciou também a urgente necessidade de interlocução entre a Unidade Básica de Saúde mais próxima para atuar com essa população, com vistas ao cumprimento dos princípios do SUS, uma vez que as estratégias direcionadas para a saúde dos trabalhadores não são priorizadas, e, mais ainda, efetivar os princípios da Saúde Coletiva.
Foi possível identificar que o grupo entrevistado não tem sido atendido em sua integralidade pelos serviços de saúde, quer seja para o acompanhamento da patologia já instalada e tampouco para a prevenção dessas ou de outras doenças relacionadas aos hábitos de vida e alimentação.
Fica evidente a necessidade de estratégias que promovam e facilitem o acesso da população masculina aos serviços de saúde, bem como de promoção e proteção a saúde. Esta pesquisa comprovou que é possível ir de encontro com as necessidades de saúde masculina trabalhando em ambientes, como o do restaurante popular, o qual auxiliou e foi de encontro com a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem.
Portanto, este estudo abre novos caminhos para trabalhar os processos destrutivos e as necessidades de saúde decorrentes das formas de trabalho desse grupo, questionando o acesso dos indivíduos aos serviços de saúde, seja para tratamento ou para atividades de educação em saúde, prevenção de doenças e reconhecimento de suas necessidades. Vale dizer que a intersetorialidade é fundamental para a assistência de qualidade e capaz de alcançar grupos que estão excluídos dos serviços de saúde, mas são, indiscutivelmente, portadores de necessidades.
Anexo I
Referências
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