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Avances en Enfermería
Print version ISSN 0121-4500
av.enferm. vol.31 no.1 Bogotá Jan./June 2013
Artículos de reflexión no derivado de investigación
Discussões sobre o conceito de comunidade relacionado à atuação do enfermeiro: relato de experiência.
Discusiones sobre el concepto de comunidad relacionado a la actuación del enfermero: relato de experiencia.
Discussions about the concept of community related to the performance of the nurse: an experience report.
Stefanie Griebeler Oliveira1, Maria de Lourdes Denardin Budó2, Alberto Manuel Quintana3, Raquel Pötter Garcia4,Bruna Sodré Simon5, Simone Wünsch6, Mariangela Uhlmann Soares7
1Enfermeira. Mestre em Enfermagem. Doutoranda em Enfermagem pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Professora Assistente da Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL). E-mail: stefaniegriebeleroliveira@gmail.com. RS. Brasil.
2Enfermeira. Doutora em Enfermagem. Professora Associada do Departamento de Enfermagem e do Programa de Pós – Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). E-mail : lourdesdenardin@gmail.com, RS. Brasil.
3Psicólogo. Doutor em Ciências Sociais. Professor Associado do Departamento de Psicologia e dos Programas de Pós- Graduação em Psicologia e em Enfermagem (UFSM). E-mail : albertom.quintana@gmail.com, RS. Brasil.
4Enfermeira. Mestre em Enfermagem. Doutoranda em Enfermagem (UFPEL). Bolsista CAPES. Professora substituta da Faculdade de Enfermagem (UFPEL). E-mail : raquelpottergarcia@gmail.com, RS. Brasil.
5Enfermeira. Mestranda em Enfermagem (UFSM). Bolsista CAPES. Professora Substituta do Curso de Enfermagem (UFSM). E-mail : enf.brusimon@gmail.com, RS. Brasil.
6Enfermeira. Mestre em Enfermagem (UFSM). Enfermeira da Secretaria Municipal de Saúde de São Luiz Gonzaga. E-mail : simone.wunsch@gmail.com, RS. Brasil.
7Enfermeira. Mestre em Enfermagem (UFPEL). E-mail : mariangela.soares@gmail.com, RS. Brasil.
Recibido: 24/01/2011 Aprobado: 10/04/2013
Resumo
Este artigo busca relatar a experiência docente em que se discutiu o conceito de comunidade associado à atuação do enfermeiro nesse contexto. Essa experiência ocorreu durante a disciplina de Docência Orientada I do Mestrado em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Maria, a qual foi realizada na disciplina de Saúde Coletiva II no Curso de Graduação em Enfermagem dessa mesma instituição de ensino. Participaram da atividade 19 acadêmicos. A metodologia fundamentou- se na problematização das temáticas, sendo os encontros divididos em diversos momentos. A partir dos registros dos acadêmicos, foram organizadas duas categorias: conceitos e características da comunidade e a atuação do enfermeiro na comunidade. A comunidade deve ser visualizada como um espaço além do conceito geográfico, sendo caracterizada também pelas particularidades dos indivíduos que nela residem. O enfermeiro apresenta-se como um profissional relevante para trabalhar com as questões comunitárias, uma vez que ao estabelecer vínculos, pode permear suas atividades de acordo com o conhecimento dos aspectos da população. Assim, a utilização da metodologia problematizadora colaborou para um melhor desenvolvimento das temáticas propostas, possibilitando a transformação e a construção do conhecimento dos discentes.
Palavras-chave: saúde pública. enfermagem em saúde comunitária. enfermagem. (Fonte: DeCS, BIREME)
Resumen
Este artículo relata una reflexión académica en la cual se discutió el concepto de comunidad asociado a la actuación del enfermero en ese contexto. Esa experiencia se desarrolló durante la asignatura “Docencia Orientada I”, de la Maestría en Enfermería de la Universidad Federal de Santa Maria, y fue plasmada en la materia de Salud Colectiva II del curso de graduación en enfermería de la misma institución. Participaron en la actividad 19 académicos. La metodología se centró en la problematización de las temáticas, mediante encuentros realizados en momentos diferentes. La información registrada por los académicos se organizó en dos categorías: a.) conceptos y características de la comunidad y b.) La actuación del enfermero en la comunidad. Donde la comunidad debe ser vista como un espacio más allá del concepto geográfico, caracterizada también por las particularidades de los individuos que de ella hacen parte. El enfermero se presenta como un profesional relevante para trabajar con las necesidades comunitarias, una vez se establecen vínculos, puede permear sus actividades de acuerdo con el conocimiento de los aspectos de la población. Así, la utilización de la metodología problematizadora colaboró para un mejor desarrollo de las temáticas propuestas, posibilitando la transformación y la construcción del conocimiento discente.
Palabras Clave: salud pública. enfermería en salud comunitaria. enfermería. (Fuente: DeCS, BIREME)
Abstract
This article aims to report a teaching experience in which the concept of community was discussed, articulated to the performance of the nurse in such context. This experience occurred during the subject of Oriented Teaching II, of the Master’s Course in Nursing of Universidade Federal de Santa Maria and it was carried out in the subject of Collective Health II of the Nursing Undergraduate course of the same institution. Nineteen undergraduate students participated on the activity. The methodology was founded on the problematization of themes and the classes were divided into two moments. The undergraduate students’ reports gave rise to two categories: concepts and characteristics of community and the performance of the nurse in the community. Community should be perceived as a space beyond its geographical concept, also being characterized by the specificities of the subjects who live in it. The nurse is considered a relevant professional to work with community questions, once he establishes bonds that are entangled his activities according to the knowledge of aspects of the population. Thus, the problematizing methodology collaborated for a better development of the proposed themes, enabling knowledge transformation and construction concerning students.
Keywords: public health. community health nursing. nursing. (Source: DeCS, BIREME)
Introdução
O conceito de comunidade apresenta-se desafiante na sociedade atual, devido à sua polissemia, pois comporta uma diversidade de sentidos. Ele pode ser usado para descrever desde aldeias, clubes e bairros, até grupos étnicos e nações. Devido ao amplo espectro conceitual, a definição de comunidade tem sido permeada pela sua dimensão subjetiva, ou seja, estrutura-se a partir de um sentimento de união, de um senso de pertencer a uma determinada coletividade. Essa dimensão tem uma magnitude mais significativa do que outras, como a da espacialidade, isto é, um mero espaço geográfico, também muito associado à imagem de comunidade (1). Assim, a comunidade abarca uma estrutura geográfica, bem como as interações sociais contidas no interior desse espaço (2).
Comumente relacionada a algo positivo, a comunidade lembra relações de pessoas em um grupo, com segurança, confiança, amizade, conforto, apoio. Na verdade, pode haver discussões, devido à diversidade de seus integrantes, no entanto, permanece a ideia do que é benéfico para o coletivo. Nesse cenário, um indivíduo não deseja mal ao outro, pois há certeza de que os outros também o querem bem. Entretanto, a comunidade com essas características soa como utopia, já que a sociedade atual, com modo de produção capitalista, fortalece a convivência competitiva, primando o individualismo entre os seres humanos (3).
Nesta polissemia do termo “comunidade”, o enfermeiro e outros membros da equipe de saúde inserem-se junto a um espaço geográfico, para atuar com os indivíduos moradores frente às questões de saúde. As atividades da saúde devem envolver processos políticos e sociais, os quais necessitam desenvolver alternativas que fortaleçam tanto as habilidades dos sujeitos, como também ações que alterem as condições ambientais e sociais da comunidade (4).
Todavia, conforme já abordado, a comunidade não se restringe ao espaço geográfico, mas reside, sobretudo, na interação das pessoas que estão no local e que normalmente apresentam necessidades coletivas, comuns a todos, além de outras específicas que, por meio da solidariedade e do movimento de todos os envolvidos, poderiam ser mais bem resolvidas. O enfermeiro tem papel relevante frente às demandas que emergem nesse espaço e, ao apresentar-se dinâmico e perceptivo, possivelmente conseguirá melhor produção de vínculos e de resolutividade nas questões de saúde da população.
A temática da atuação do enfermeiro na comunidade está inserida, sobretudo, no programa da disciplina de Saúde Coletiva II (SCII), no segundo semestre do curso de graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), o que viabiliza aos estudantes a ampliação dos conceitos de comunidade, bem como das redes sociais que a compõem. Além disso, a discussão desse tema possibilita visualizar a função do enfermeiro nos espaços comunitários, contribuindo para melhor construção acadêmica e, futuramente, profissional. É necessário contextualizar que os acadêmicos de enfermagem dessa Universidade experimentam também, em outros semestres do curso, visitas domiciliares às famílias de diversas regiões do município, as quais têm por objetivo observar a dinâmica e a maneira de construção das relações no domicílio e comunidade. Essa perspectiva permite que o aluno tenha maiores possibilidades de associar os conteúdos discutidos em sala de aula frente às diversas realidades, as quais lhes são apresentadas.
Assim, a proposta de problematização dessa temática atende ao Projeto Político Pedagógico (PPC) de Enfermagem da UFSM (5), e demonstra-se relevante, pois, no decorrer dos últimos anos, a comunidade vem adquirindo novas características, significados, composição e peculiaridades, justificado a necessidade da constante, contínua, construtiva e transformadora reflexão. Nesse sentido, entende-se que a discussão acerca do significado de comunidade objetiva, ao longo do curso, ampliar as dimensões que abrangem o termo e realizar uma caracterização complexa da formação comunitária. Assim, para que esse processo ocorra, torna-se fundamental o posicionamento de um educador democrático, o qual, no decorrer de sua prática docente, instigue a capacidade crítica e a curiosidade de seus discentes (6). Tendo em vista a relevância da experiência, pretende-se, neste artigo, relatar a experiência da discussão do conceito de comunidade e a atuação do enfermeiro nesse contexto.
Métodos
Este relato de experiência resultou de atividades educativas desenvolvidas com discentes da graduação em Enfermagem da UFSM, na disciplina de SCII, a partir de uma docência orientada realizada durante o mestrado em Enfermagem da mesma instituição. Essas atividades foram organizadas e coordenadas por uma mestranda do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem e ocorreram no mês de setembro de 2009, durante dois encontros, totalizando seis horas. Um dos encontros foi de duas horas e o outro de quatro horas.
Durante esses encontros foram propostos diversos momentos, sendo amparados pela metodologia problematizadora, a qual se caracteriza por ser uma ferramenta fundamental para a ação-reflexão (7), inspirada no método do arco de Maguerez(8). A proposta problematizadora atende ao PPC de Enfermagem da UFSM, o qual considera que a aprendizagem deve ser desenvolvida a partir da realidade do aluno, no intuito de proporcionar a sua compreensão, a construção do conhecimento e a possibilidade de transformação. Além disso, acredita-se que a realidade não deve ser apreciada como tendo um fim em si mesma, mas como um auxílio para descobrir novas verdades e novas soluções. Dessa forma, os discentes são atores neste processo, cabendo-lhes a descoberta, a participação, a autonomia e a iniciativa, no princípio da corresponsabilidade do ensino-aprendizagem. Nessa perspectiva, acredita-se na possibilidade da formação profissional com a capacidade de questionamentos, experimentações e avaliações, que auxiliem no pensar e agir críticos e, sobretudo, estimulem os sujeitos na visualização da saúde como um direito de cidadania (5).
Essa metodologia é uma ferramenta fundamental para a ação-reflexão (7), o que contribui para o desenvolvimento do diálogo entre docentes e discentes. Com isso, podem-se estabelecer práticas essenciais para o processo de formação profissional, perpassando pela realidade de cada um dos sujeitos e também colaborando para a aquisição de uma consciência crítica individual e coletiva (5). Ressalta-se que, desde o início da formação, é necessário que o graduando seja um sujeito ativo em sua construção de saberes, pois, por meio disso, ele poderá refletir e tornar-se crítico e criativo na produção do conhecimento (6).
No primeiro encontro, foi solicitado aos discentes que registrassem de maneira anônima sua percepção acerca do conceito de comunidade, da atuação do enfermeiro nesse espaço, bem como das respectivas vivências e experiências frente à temática. Destaca-se que o tema foi pensado a partir da realidade dos discentes, e posto em reflexão e discussão para, consequentemente, proporcionar a construção do conhecimento, bem como sua transformação, a fim de caracterizar dessa forma a metodologia da problematização.
Esses registros foram devolvidos à professora, e logo redistribuídos aos alunos, de maneira que cada um deles ficasse com um conceito diferente do seu. Assim, solicitou- se que fossem realizadas argumentações de concordância ou discordância perante a escrita do colega, a fim de possibilitar uma interação de ideias e auxiliar no desenvolvimento de questionamentos e opiniões. No terceiro momento, foram recolhidos novamente os registros e, posteriormente, a turma foi dividida em quatro grupos, aos quais foram disponibilizados quatro artigos científicos distintos (9-10-11-12), que abordassem a temática da atuação do enfermeiro na comunidade.
O momento de leitura e discussão entre os grupos foi uma etapa de teorização referente às questões (pontos-chave) (8), levantadas inicialmente, a partir das vivências e experiências. Em seguida, foram redistribuídos os registros, para a associação da teoria abordada nos artigos com a realidade percebida pelos graduandos. Assim, iniciou-se uma discussão com o grande grupo, na qual foram abordados os conceitos e tipos de comunidades, bem como a atuação do enfermeiro nesse espaço, contribuindo para com as hipóteses de solução (8), da problematização inicial, bem como a sua aplicabilidade na realidade (8).
No segundo e último encontro proporcionou-se uma avaliação teórica, na qual cada discente expressou a construção e transformação de seu conhecimento acerca da temática. Essa avaliação teve por finalidade verificar se houve a ampliação das concepções e dos conhecimentos abordados durante o desenvolvimento das atividades educativas.
Para orientação na etapa da análise dos dados (registros) utilizou-se Minayo (13) e Turato (14), sendo embasada pela análise temática que se constitui em descobrir os núcleos de sentido que compõem uma comunicação, em que a presença ou frequência tenham algum significado para o objeto que está sendo analisado. A análise temática é dividida em três etapas: a pré-análise; a exploração do material e o tratamento dos resultados obtidos e interpretação. Na primeira etapa, de pré-análise, elabora-se indicadores que orientam a compreensão do material e interpretação final por meio da leitura flutuante, constituição do corpus (13). Essa parte inicial consistiu no agrupamento dos registros feitos pelos alunos sobre o tema da atuação do enfermeiro na comunidade.
A exploração do material visa alcançar o núcleo de compreensão do texto por meio da formulação de categorias. Nesta etapa, busca-se encontrar nas falas expressões ou palavras que constituem as ideias centrais do texto (13), levando-se em conta a frequência da repetição dos termos (14). Na última etapa, de tratamento dos resultados obtidos e interpretação, realiza-se inferências com os dados obtidos pelos registros, inter-relacionando com a revisão bibliográfica (13).
Resultados e discussão
Conforme as leituras dos registros dos acadêmicos e as discussões e reflexões emergidas a partir da experiência aqui relatada, foram organizadas categorias por aproximação de ideias, para melhor apresentação dos dados. Inicialmente, são expostos o conceito e características de comunidade e, a seguir, a atuação do enfermeiro nesses cenários, na perspectiva dos discentes.
Conceitos e características de comunidade
Ao iniciar a discussão sobre o conceito de comunidade, observou-se que grande parte dos alunos definiu o termo como um espaço geográfico onde se localizam e moram pessoas em um bairro ou vila, ou seja, apenas com uma delimitação espacial. Essa perspectiva reduz a comucomunidade a uma única dimensão, podendo dificultar a visualização de conceitos mais complexos, como o das interações sociais.
A comunidade até pode ser considerada um grupo de pessoas que compartilham o mesmo espaço geográfico, porém, além disso, esses indivíduos podem ter características sociais e culturais determinadas, possuindo uma diversidade de valores e interesses comuns (15). Assim, a comunidade caracteriza-se como um ambiente complexo, podendo ser também definida pelas interações sociais presentes no seio de sua unidade geográfica (2).
A complexidade da comunidade encontra-se justamente na constante negociação entre preferências individuais dos seres que a constituem. Nessa linha de pensamento, as relações entre as pessoas podem gerar confrontos que, de algum modo, direcionam as interações dos indivíduos. Esses movimentos compõem a própria dinâmica do grupo, da comunidade e da sociedade (16). Ressalta-se ainda que a comunidade identifica- se de diversas maneiras, tendo sua organização pautada em aspectos históricos, os quais são alicerçados em sua estrutura, fatores econômicos, ideológicos, dentre outros (9).
Durante um estudo realizado com acadêmicos de enfermagem, revelaram-se muitos anseios dos alunos ao atuarem na comunidade, principalmente relacionados à complexidade que ela apresenta, diferentemente da realidade “objetiva” do hospital. Em outras palavras, na comunidade existem aspectos culturais, econômicos e sociais, muitas vezes distintos dos contextos nos quais os acadêmicos vivem, fortalecendo a formação de preconceitos e de angústias frente às demandas desses locais (11). Ressalta-se que, apesar dos indivíduos hospitalizados também apresentarem seus aspectos socioculturais, estes ficam um tanto ocultados frente às rotinas e normativas impostas pela dinâmica hospitalar, o que dificulta o seu real conhecimento.
Acredita-se que, tanto os estudantes quanto os enfermeiros necessitam refletir acerca do entendimento de comunidade, visibilizando-a como um espaço complexo de indivíduos, os quais apresentam diferentes ou semelhantes aspectos sociais, culturais, econômicos, históricos, políticos. Nesse contexto, para a realização de uma atividade comunitária eficaz, torna-se necessário o conhecimento das características da comunidade, bem como de sua estrutura (15).
De forma mais discreta, na compressão inicial da temática, uma pequena parte dos discentes caracterizou a comunidade como um local que envolve diferentes relações pessoais, nas quais as ações de uns podem influenciar nas atitudes dos outros. Percebe-se, nessa concepção, a aproximação de um conceito mais amplo de comunidade, o qual envolve as interações sociais (3-2); e estas, quando estabelecidas, possibilitam o compartilhamento de experiências e conhFecimentos (17). Consequentemente, esta coletividade movida pelo inter-relacionamento de indivíduos permite a convivência entre os diferentes, já que a unicidade é pautada na pluralidade desses sujeitos. Desse modo, os laços comunitários são reforçados e funcionam como norteadores das relações na sociedade, colaborando para que o indivíduo não seja pensado isoladamente das condições históricas, culturais e sociais que lhe conferem existência pela presença do outro (18).
Nesse contexto, pode-se visualizar que a compreensão do conceito de comunidade atenta para o surgimento de novas formas de organização comunitária, as quais vão além das relações de vizinhança e solidariedade, sendo mais complexas devido às interações que estão inseridas em seu meio. Assim, as redes sociais apresentam-se em diversas dimensões, mobilizando o fluxo de pessoas e de outros fatores dentro de uma comunidade (16).
Nesse sentido, por meio da metodologia da problematização permite-se a reflexão e o entendimento das interações sociais, bem como das redes sociais que envolvem dinamicamente a comunidade. Acredita-se que, assim, a enfermagem estará instrumentalizada para o conhecimento de sua área de atuação e do território em que age e interage profissionalmente com os indivíduos. Além disso, esse território não pode ser visto somente como um espaço geográfico, mas como um local que possui vida, movimento, relações, conflitos, entre outros.
Fundamentando-se nesses aspectos e aproximando- se da realidade local e das relações e redes sociais nela existentes, torna-se possível um melhor planejamento em saúde, o que pode auxiliar também para a efetividade das ações preconizadas em cada localidade de atuação. No entanto, ressalta-se ainda que, para um maior sucesso das estratégias em saúde, é importante estimular uma integração entre profissionais e comunidade, os quais devem cultivar e fortalecer os laços de maneira contínua e mútua (15).
Alguns discentes apontaram também, em seus relatos, concepções relacionadas às questões de semelhança entre os indivíduos de uma comunidade e objetivos em comum entre os moradores, o que amplia de certa forma a visão do que significa a comunidade. Esse entendimento converge com o que Bauman (3) propõe para a comunidade, ou seja, um local de segurança, solidariedade, com objetivos comuns, apoio mútuo, e no qual a estrutura é construída a partir de um sentimento de entendimento entre os indivíduos. Para a comunidade obter uma semelhança em seu convívio social, é preciso que haja ainda um fluxo de comunicação entre seus membros (1). Todavia, ressalta-se que nem sempre haverá esta coletividade no mesmo espaço geográfico, pois, na sociedade atual, há predominância do individualismo e da concorrência, os quais desconfiguram a solidariedade entre os membros que vivem na comunidade (3).
Compreender os diversos fenômenos de uma comunidade, bem como a sua maneira de organização e formação poderá incitar nos enfermeiros a reflexão acerca de estratégias de intervenção, e também o desenvolvimento de ações específicas que possam auxiliar na percepção da situação vivida de cada indivíduo.
Atuação do enfermeiro na comunidade
Durante a atividade de problematização proposta aos discentes, foi também instigado que esses refletissem acerca da atuação do enfermeiro nas comunidades. Em seus relatos podem-se perceber divergências de opiniões, além de perspectivas e posicionamentos variados frente à temática. Diante disso e de acordo com os alunos, o papel do enfermeiro, na atenção básica, perpassa, sobretudo, pelo foco na saúde das pessoas e na assistência às famílias que residem na comunidade, por meio dos cuidados primários de saúde que as unidades básicas devem oferecer.
O enfermeiro que atua na rede básica permanece muito tempo próximo à comunidade, o que permite que ele tenha uma visão melhor desta, favorecendo, assim, o planejamento e efetivação das ações de saúde, atendendo as demandas e amenizando os problemas (9). Para se obter o controle das necessidades de saúde dos diferentes grupos sociais da comunidade, é necessário considerar os perfis de saúde/doença desses grupos e as condições que podem desencadear agravos de saúde. Nessa direção, o desempenho do enfermeiro deve ter por finalidade o cuidado e a correta articulação entre a clínica e a epidemiologia (19).
Frente a essa articulação, cabe destacar a relevância da Clínica Ampliada1, a qual deve ser desenvolvida por equipes multiprofissionais, caracterizando-se como uma prática que visualiza os sujeitos de maneira singular e individualizada, a fim de elaborar projetos terapêuticos singulares (20). No entanto, desenvolver a Clínica Ampliada torna-se um desafio para os profissionais de saúde, uma vez que se faz necessário modificar os hábitos do modelo biomédico, no qual os indivíduos são vistos apenas por sua patologia, e não como sujeitos ativos e pertencentes a uma comunidade que possui relações histórico-sociais (21).
O trabalho em equipe possibilita uma melhor adequação dos profissionais frente à realidade e as características locais (19), uma vez que são elaboradas e expostas diversas visões acerca de cada família. A participação dos usuários na tomada de decisões proporciona ainda a resolução de muitas necessidades coletivas, sendo o enfermeiro intermediador dessas reivindicações no âmbito do sistema de saúde, pois é referência para os indivíduos e promove a integração e articulação com as forças da comunidade, para efetivar o seu trabalho (10).
Nesse contexto e de acordo com os relatos dos alunos, pode-se perceber que o enfermeiro aparece como um profissional relevante para o desenvolvimento das atividades prestadas aos usuários, atuando em diversas questões que preconizem o bem-estar da população. Diante disso, a abordagem dessa temática com os graduandos dos semestres iniciais apresenta-se como uma estratégia que permite a reflexão da função do enfermeiro, no intuito de auxiliar também para a construção identitária profissional.
Além disso, alguns discentes apontaram a necessidade de respeito aos aspectos culturais no âmbito individual e coletivo da comunidade. Essa perspectiva já demonstra uma postura ética profissional frente às diversidades encontradas no cotidiano acadêmico e profissional. A prática de enfermagem no interior das comunidades pode ser desenvolvida como uma prática social que busque atender às exigências sociais e de saúde de uma determinada época e de um determinado espaço. E tornam-se necessários, ainda, o respeito e o comprometimento com as características de cada contexto (19). O profissional deve utilizar a prática como um espaço de horizontalização das relações, com questionamentos e rupturas de preconceitos, produzindo movimentos para a integração de todos os envolvidos, como os próprios profissionais, o usuário, e a comunidade (23).
Tais características podem ser mais bem visualizadas em um estudo realizado a partir do desenvolvimento de um projeto de extensão pela enfermagem, em uma comunidade de assentamento rural. Ele foi elaborado frente às demandas existentes, buscando a realização de ações educativas, assistenciais e preventivas, as quais fortaleceram a comunidade para inúmeras reivindicações e, consequentemente, melhorias locais (12). Isso implica, para o enfermeiro, realizar ações fora da estrutura da unidade de saúde, exigindo que ele conheça a comunidade e envolva-se com os movimentos sociais inseridos no interior dela (24). Nesse sentido, por meio do respeito à cultura local e do desenvolvimento de atividades que preconizem as peculiaridades existentes, o profissional enfermeiro poderá conseguir uma aproximação maior com os indivíduos, e dessa forma pactuar e elaborar ações mais resolutivas, conforme as necessidades deles.
Portanto, acredita-se que estas perspectivas apontadas pelos discentes são funções integrantes da prática cotidiana da enfermagem, pois promover e produzir saúde requer uma construção coletiva que envolva esforços de todos os segmentos, como o enfermeiro, os demais profissionais de saúde e a população pertencente a cada comunidade.
Considerações finais
Diante da discussão acerca do conceito de comunidade, observou-se que, além de um espaço geográfico, esses locais apresentam em seu interior características peculiares, as quais são estabelecidas de acordo com os aspectos da população local. Dessa forma, o enfermeiro tem posição privilegiada nesses cenários, uma vez que seu convívio com os indivíduos ocorre de maneira bastante próxima, o que fortalece os laços e vínculos e contribui para um melhor conhecimento do contexto.
A partir do levantamento das características da comunidade, esse profissional tem a possibilidade de planejar e estabelecer estratégias e ações específicas de acordo com as necessidades locais. Assim, o papel do enfermeiro torna-se relevante para a promoção, prevenção e recuperação dos agravos à saúde de uma comunidade, uma vez que ele possui uma visão ampla dos aspectos psicossocioculturais dos indivíduos.
Durante o desenvolvimento da metodologia problematizadora foi possível observar que, dentre os vários aspectos que emergiram nos encontros, os acadêmicos de enfermagem e o educador obtiveram a oportunidade de trocar informações e experiências, construir e transformar o conhecimento acerca da comunidade e sua complexidade. Além disso, a discussão sobre essa temática foi avaliada como necessária pelos graduandos, já que o assunto permeia um grande campo de atuação da enfermagem, sobretudo no âmbito da saúde coletiva.
Diante disso, discutir a polissemia do termo “comunidade” e a atuação do enfermeiro nesse espaço, por meio da problematização, permitiu que fosse ampliada a visão acerca do papel desse profissional no cenário comunitário, o que auxiliou para a construção acadêmica dos alunos, estabelecendo relevantes aspectos para o conhecimento da comunidade.
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1A clínica ampliada é uma forma de alteração do objeto e objetivo do trabalho em saúde. Nesse sentido, desloca-se o olhar centrado na doença para o sujeito, e agrega-se nas relações, a dimensão social e subjetiva e, não somente na biológica. Não há problema de saúde ou doença sem que estejam encarnados em sujeitos, em pessoas (22).