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Avances en Enfermería

Print version ISSN 0121-4500

av.enferm. vol.33 no.1 Bogotá Jan./April 2015

https://doi.org/10.15446/av.enferm.v33n1.37379 

http://dx.doi.org/10.15446/av.enferm.v33n1.37379

Comportamento violento entre usuários de crack

Comportamiento violento entre consumidores de crack

Violent behavior among crack users

Nadja Cristiane Lappann Botti1, Jacqueline Simone de Almeida Machado2

1 Doutora em Enfermagem Psiquiátrica. Professora Adjunta II, Universidade Federal de São João Del Rei. Divinópolis/Minas Gerais, Brasil. e-mail: nadjaclb@terra.com.br

2 Doutoranda em Enfermagem. Professora Assistente, Universidade Federal de São João Del Rei. Divinópolis/Minas Gerais, Brasil.

Recibido: 07/03/2013 Aprobado: 15/12/2014


Resumo

Considerando a relevância do uso abusivo de crack na atualidade brasileira e sua relação com a violência, este estudo propõe-se a analisar a associação entre comportamento violento —delitivo, auto e hetero agressivo— entre os usuários de crack e variáveis sociodemográficas e de uso de drogas. Realizado estudo quantitativo, transversal, com amostra de conveniência, com 72 homens usuários de crack em tratamento nas Comunidades Terapêuticas de seis cidades da região Oeste do Estado de Minas Gerais (Brasil). Os dados foram analisados estatisticamente no Statistical Package for the Social Sciences Versão 17.0, utilizando-se teste qui-quadrado para verificação de diferenças estatisticamente significantes. Os resultados apontam associação do tráfico com número de pedras consumidas e de tratamentos realizados; de prisão ou detenção com baixa escolaridade, ser solteiro e idade de início do uso de droga ilícita; de tentativa de suicídio com o tempo máximo de abstinência e de heteroagressão com idade de início do uso de droga ilícita e frequência diária do uso de crack. O uso de crack pode contribuir para o desenvolvimento de comportamento violento —delitivo, auto e heteroagressivo.

Descritores: Cocaína Crack; Violência; Comportamento; Comportamento Perigoso (fonte: DeCS BIREME).


Resumen

Teniendo en cuenta la importancia del uso de crack en Brasil y su relación con la violencia, este estudio se propone analizar la asociación entre la conducta violenta —delictiva, auto y heteroagresiva— entre los consumidores de crack y las variables sociodemográficas y de consumo de drogas. Se realizó un estudio cuantitativo transversal. La muestra de conveniencia fue de 72 hombres consumidores de crack en tratamiento en comunidades terapéuticas en seis ciudades del Estado Occidental de Minas Gerais (Brasil). Los datos fueron analizados estadísticamente en el Statistical Package for the Social Sciences, Versión 17.0, mediante chi-cuadrado para comprobar si hubo diferencias significativas. Los resultados apuntaron a una asociación del tráfico con muchas piedras consumidas y realización de tratamientos; detención o prisión de los consumidores con bajo nivel de educación; ser solteros y con edad de inicio del consumo de drogas; intentos de suicidio con un tiempo máximo de abstinencia y con heteroagresión en edad del primer consumo de drogas ilícitas y la frecuencia diaria de consumo de crack. El consumo de crack puede contribuir al desarrollo de la conducta violenta —delictiva, auto y heteroagresiva.

Descriptores: Cocaína Crack; Violencia; Conducta; Conducta Peligrosa (fuente: DeCS BIREME).


Abstract

Considering the relevance of abusing crack in Brazilian and its relationship to violence, this study proposes to analyze the association between violent behavior —crime, auto and hetero aggressive— among crack users and socio-demographic variables and use drugs. It is a conducted quantitative study, cross-sectional with convenience sample of 72 men crack users in treatment in therapeutic communities in six cities of the Western State of Minas Gerais (Brazil). Data were statistically analyzed in the Statistical Package for the Social Sciences, Version 17.0, using chi-square test to check for significant differences. The results point to an association of trafficking with many stones consumed and treatments performed; arrest or detention with low education, being unmarried and age of onset of illicit drug use; suicide attempts with maximum time of abstinence and hetero aggression with age at first use of illicit drugs and daily frequency of crack use.

Descriptors: Crack Cocaine; Violence; Behavior; Dangerous Behavior (source: DeCS BIREME).


Introdução

O uso de drogas é, atualmente, um significativo problema de saúde pública mundial, em virtude da magnitude e diversidade de aspectos envolvidos. Em geral, o uso abusivo de drogas exerce considerável impacto sobre os usuários, suas famílias e a comunidade, determinando, na maioria das vezes, prejuízo à saúde física e mental, comprometimento das relações, perdas econômicas e problemas legais. Este último aspecto tem, particularmente, gerado importante interesse de diversas áreas no estudo da relação entre uso de drogas e violência, considerando que esta relação ocorre em diferentes níveis, como individual, familiar e comunitário e é afetada pelo tipo de droga e natureza do comportamento violento.

Em especial, o uso do crack caracteriza-se por alto potencial de dependência devido à intensa fissura, por conseguinte, estimula o uso repetitivo e exacerbado. Assim, a compulsão pelo crack incita o usuário a buscar a droga por meio de comportamentos de riscos, que resultam em impactos sociais e pessoais (1). Neste sentido, reconhece-se que os índices de criminalidade e violência por dependentes químicos, em geral, estão relacionados ao uso de crack e suas consequências (1, 2).

A relação entre drogas e violência é classificada em psicofarmacológica onde os atos violentos são produzidos pelos efeitos da droga; a violência que decorre da compulsão pelo uso, sobretudo crimes contra o patrimônio, a fim de viabilizar a aquisição da droga e a violência sistêmica, intrínseca ao envolvimento com a droga ilícita e consequentemente com a lógica do mercado ilegal (3, 4). Estudo de revisão da literatura identificou que a maior parte das pesquisas aponta associação entre uso de drogas e violência doméstica, acidente de trânsito e/ou criminalidade (5). A relação entre drogas e criminalidade é assinalada por uma tríade de fatores que envolve o contexto relacionado ao narcotráfico, variáveis socioculturais e o efeito da droga sobre o comportamento (6, 7).

Os modelos econômico-compulsivos e os sistêmicos sustentam a criminalização da droga, e consequentemente do usuário. No modelo econômico-compulsivo, a dependência e a dificuldade econômica de acesso à droga pode gerar comportamentos violentos como roubo, furto, prostituição. No modelo sistêmico, o usuário encontra-se inserido em um estilo de vida de natureza violenta, principalmente associado à venda da droga. Estas concepções permitem identificar associação entre droga, violência e criminalidade, entretanto, é importante ressaltar que não trata-se de uma relação causal, pois variáveis como biografia, cultura, personalidade, perspectivas ocupacionais também influenciam o comportamento violento (8).

A variabilidade dos efeitos das drogas em diferentes indivíduos sugere a contribuição de fatores orgânicos, socioculturais e de personalidade. Estudo nacional mostra que entre os fatores associados do uso de drogas e atos infracionais estão os comportamentos dos adolescentes que cometem delito para usar drogas, o delito como decorrente dos efeitos das drogas e também que usam as drogas, devido às representações sociais e crenças de seus efeitos, como justificativa do ato infracional (9).

A incidência de violência doméstica tem sido considerada maior em abusadores de drogas na maioria das sociedades, culturas e diferentes grupos econômicos (10). Estudo nacional com vítimas de violência intrafamiliar constata a predominância de mulheres cujo agressor costuma ser o/a companheiro/a. Na maioria dos casos a agressão ocorreu pela primeira vez e as vítimas não pretendem seguir convivendo com o agressor. De acordo com o estudo, em 27,7% dos casos o agressor ingeriu somente álcool, 10,2% ingeriu álcool e usou outra droga, 7,8% apenas usou outra droga, e 54,2% dos casos o agressor não havia usado nenhuma substância. O desequilíbrio familiar em virtude do uso de álcool ou demais drogas, associado a pressões socioeconômicas, pode gerar conflitos e agressões domésticas, havendo necessidade de medidas urgentes na prevenção e interseção da violência intrafamiliar (11).

Ainda neste tocante também verifica-se associação entre uso de drogas e violência autoinfligida. A literatura científica considera o uso/abuso/dependência de drogas como importante fator de risco para ocorrência de comportamentos suicidas (12). Estudo nacional com dependentes químicos em tratamento identificou entre os usuários de cocaína/crack frequência de 41,2% de risco de suicídio (13).

A questão entre uso de drogas e atos violentos é complexa e, ultimamente, tem se inserido no âmbito das diversas problemáticas impostas à sociedade moderna e afligindo famílias, comunidades locais, nacionais e internacionais e desafiando autoridades e pesquisadores a apresentar respostas efetivas e eficazes (14). Considerando a relevância do uso abusivo de crack na atualidade brasileira e suas imbricadas relações com a violência, este estudo propõe-se a analisar a associação entre comportamento violento —delitivo, auto e hetero agressivo— dos usuários de crack e variáveis sociodemográficas e de uso de drogas.

Material e Método

Estudo quantitativo de corte transversal, com amostra de conveniência, constituída por 72 homens em tratamento nas Comunidades Terapêuticas (CT's) por problemas de saúde, econômico e/ou social decorrentes do uso de cocaína fumada (crack). A coleta de dados foi realizada nas CT's localizadas nas cidades polo da macrorregião Oeste de Minas Gerais —Itaúna, Pará de Minas, Formiga, Bom Despacho, Campo Belo e Divinópolis— e filiadas à Federação Brasileira de Comunidades Terapêuticas (febract). O período de coleta dos dados foi de outubro a dezembro de 2011.

Após a aprovação da pesquisa pelo Comitê de Ética do Hospital São João de Deus (parecer n° 37/2011), realizou-se o contato com os coordenadores da CT's referidas para a autorização da coleta de dados. A coleta de dados iniciou-se após a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Em seguida, foi realizada a entrevista estruturada, através de questionário. As questões das entrevistas foram adaptadas de Dunn & Laranjeira (15). A entrevista foi realizada individualmente em única vez, em salas reservadas e com duração entre 25 e 45 minutos.

Os dados foram registrados no Personal Digital Assistant e transferidos para Microsoft Excel® 2007 para verificação de possíveis erros. Os dados foram analisados estatisticamente utilizando-se o software Statistical Package for the Social Sciences, SPSS Versão 17.0. As variáveis estudadas foram agrupadas segundo as características sociodemográficas dos usuários de crack e do uso de drogas. Para análise dos resultados utilizou-se teste qui-quadrado (χ2) para verificação de diferenças estatisticamente significantes. Foi estabelecido um nível de significância mínimo de 5% (p ≤ 0,05), porém, como se trata de estudo exploratório, optou-se por incluir, na apresentação e discussão dos resultados, os resultados marginalmente significantes (0,1 ≥ p ≥ 0,05).

Resultados

No que se refere a caracterização da amostra, verifica-se que a idade média dos usuários entrevistados foi de 30,28 anos (DP = 7,63), 52,78% eram solteiros, 59,73% residiam com pais ou familiares e 51,39% declararam ter filhos. Apresentaram, em média, 7,43 anos de estudo (DP = 3,41) e 51,39% com menos de 8 anos de estudo. A renda nominal mensal média encontrada foi de r $1.158,75 (DP = 971,08), sendo que 44,44% relataram vínculo formal de trabalho e 69,44% ganhavam mais de 1 Salário Mínimo (sm) antes da internação na CT.

Quanto ao uso de drogas, observa-se que o primeiro uso ocorreu na adolescência, sendo que a idade de início de uso de drogas lícitas antecede as ilícitas. As lícitas ocorrem, em média, aos 13,97 anos (DP = 4,72) e as ilícitas aos 15,61 anos (DP = 4,08). Nota-se que 45,83% começaram o uso de droga ilícita com < 15 anos e 41,67% iniciaram o uso de crack com ≤ 18 anos. O tempo médio de uso de crack foi de 12,86 anos (DP = 5,73). Antes da internação na CT observa-se que 72,22% faziam uso diário de crack e 47,22% consumiam ≥ 10 pedras por episódio. Os entrevistados já fizeram, em média, 2,26 tratamentos para dependência química (DP = 0,77), sendo que 69,44% realizaram ≤ 2 tratamentos e 76,39% relataram tempo máximo de abstinência de crack de ≤ 1 ano.

A Tabela 1 mostra a associação entre comportamento delitivo —tráfico, prisão ou detenção— e variáveis sociodemográficas e de uso de drogas. As características dos usuários de crack que significativamente se associaram a maior cometimento de tráfico foram consumirem ≥ 10 pedras por episódio (χ2 = 0,03; p ≤ 0,05) e terem realizado ≤ 2 tratamentos para dependência química (χ2 = 0,04, p ≤ 0,05). Em relação a prisão ou detenção, verifica-se associação significativa com escolaridade inferior a 8 anos de estudo (χ2 = 0,01; p ≤ 0,05), ser solteiro (χ2 = 0,00; p ≤ 0,05), iniciar o uso de droga ilícita com < 15 anos (χ2 = 0,04; p ≤ 0,05) e de crack com ≤ 18 anos (χ2 = 0,01; p ≤ 0,05).

A Tabela 2 mostra a associação entre comportamento auto e hetero agressivo dos usuários de crack e variáveis sociodemográficas e de uso de drogas. No tocante às características dos usuários de crack que se associaram a tentativa de suicídio, observa-se que o tempo máximo de abstinência de crack de ≤ 1 ano foi marginalmente significativa (χ2 = 0,09; 0,1 ≥ p ≥ 0,05). Em relação a agressão de amigo ou familiar, verifica-se associação significativa com início de droga ilícita com < 15 anos (χ2 = 0,01; p ≤ 0,05) e de crack com ≤ 18 anos (χ2 = 0,03; p ≤ 0,05). A frequência diária do uso de crack foi marginalmente significativa (χ2 = 0,10; 0,1 ≥ p ≥ 0,05).

Discussão

As características sociodemográficas dos usuários de crack em relação a idade, situação conjugal e escolaridade foram semelhantes às descritas em estudos anteriores sobre o perfil do sujeito que faz uso abusivo de crack, ou seja, homem jovem, solteiro e com baixa escolaridade (16, 17, 18, 19). Verificou-se, também, que a maior parte da amostra é solteira, reside com pais ou familiares e declara ter filhos. Estas características podem ser explicadas pela dificuldade que esta população parece ter para conservar relacionamentos, uma vez que, em geral, passa a reduzir as atividades com a família em favor do uso da droga (20) ou em função das separações decorrentes de violência familiar (21).

No tocante ao uso de drogas verifica-se o primeiro uso na adolescência, sendo que a idade de início do uso das drogas lícitas antecede as ilícitas. Corroborando este dado, levantamento nacional aponta que a experimentação de drogas ocorre principalmente na adolescência (22). O padrão de comportamento com uso inicial de drogas lícitas migrando para o uso de drogas ilícitas é coerente com o que tem sido identificado na literatura (23). Também verifica-se que a idade média de início do uso de cocaína antecede a do crack. Dado semelhante é encontrado em estudo nacional onde constata-se que 45% dos usuários experimentaram cocaína pela primeira vez com menos de 18 anos (24).

Evidências apontam que mudanças na cultura de crack podem contribuir, em alguns casos, para aumentar a expectativa de vida dos consumidores. Atualmente, é corrente encontrar usuários com mais de cinco anos de uso (17, 25). Neste estudo verifica-se que o tempo médio de uso de crack foi de 12,86 anos (DP = 5,73), mostrando paralelo a estudo nacional e internacional que também evidenciaram uso de crack por vários anos (25, 26).

Neste estudo foi possível identificar associação entre comportamento delitivo —tráfico, prisão ou detenção— e uso de ≥ 10 pedras por episódio, realização de ≤ 2 tratamentos para dependência química, escolaridade inferior a 8 anos de estudo, ser solteiro, ter iniciado o uso de droga ilícita com < 15 anos e de crack com ≤ 18 anos.

A respeito do delito praticado, 54,17% dos usuários de crack relataram envolvimento com tráfico de drogas. A associação entre o uso de crack e a criminalidade pode ser explicada pelo próprio efeito da droga sobre o comportamento do usuário (27). Tanto a intoxicação quanto a abstinência causam alterações comportamentais como prejuízo cognitivo, irritabilidade e aumento da impulsividade podendo culminar em condutas ilegais (28).

Como visto, a presença de antecedentes criminais relacionados ao tráfico encontra-se associada ao uso de ≥ 10 pedras por episódio. Este resultado pode ser explicado pela fissura produzida pela droga. A fissura de cocaína/crack, de acordo com outros estudos, apresenta-se acompanhada de sintomas como impaciência, irritabilidade, paranoia e comportamento violento (27). Outra explicação decorre da própria ilegalidade da droga e consequentemente da vivência do tráfico (25). Tomando a frequência de uso diário de ≥ 10 pedras por episódio como medida do padrão grave de dependência pode-se concluir que a gravidade aumenta o risco de comportamento delitivo.

Neste estudo 69,44% dos usuários já realizaram pelo menos duas vezes tratamento para dependência química. Também verifica-se associação entre tráfico e a realização de ≤ 2 tratamentos. Neste sentido, a literatura aponta que grande parte dos usuários de crack não conseguem se manter em abstinência após a alta do tratamento, elevando as estatísticas de mortalidade, prisão e utilização de recursos em saúde (18).

Importante ressaltar que o uso de drogas encontra-se mais associado à criminalidade quando o indivíduo está inserido em contexto socioeconômico carente, com vizinhança violenta, estrutura familiar frágil, tem baixa escolaridade, está desempregado e tem poucos recursos que possibilitem o uso da droga sem o cometimento de delito para adquiri-la (29). Neste estudo observa-se que 41,67% dos usuários de crack já estiveram presos ou detidos em decorrência do uso de crack. Em relação a prisão ou detenção, as características dos usuários de crack que, significativamente, se associaram foram escolaridade inferior a 8 anos de estudo, ser solteiro, iniciar o uso de droga ilícita com < 15 anos e crack com ≤ 18 anos.

Garcia, Zacharias, Winter, Sontag (30) e Schifano, Corkery (31) afirmam que usuários de crack apresentam problemas com relação à criminalidade. Estudo nacional sobre o perfil sociodemográfico e de padrões de uso entre dependentes de cocaína hospitalizados aponta que usuários de crack têm 57,4% mais chances de detenção (2).

Em relação à história do uso de drogas, os resultados confirmam que quando o uso ocorre precocemente existe maior chance do envolvimento com delitos. Isto ocorre porque, em geral no caso de adolescentes, este consumo torna o usuário mais vulnerável aos comportamentos de risco, entre eles a prática de infrações (32, 33, 34). Estudos com adolescentes usuários de drogas apontam que o uso de drogas, especialmente álcool, tabaco e maconha, precedem o uso de outras drogas e a prática de infrações (35) e a possível relação entre este consumo e comportamento delinquente (36).

Na literatura encontra-se que as ações ilícitas cometidas pelos usuários de crack ocorrem motivadas ou não pelo uso de drogas, o que faz com que se pense na possibilidade de comorbidade com o transtorno de personalidade antissocial. Esta ideia é corroborada pelos estudos de Falck, Wang, Carlson (37) e Herrero, Domingo-Salvany, Torrens, Brugal (38). Deve se destacar, porém, o estudo de Compton, Thomas, Stinson, Grant (39) que sugere não haver correlação entre o uso de drogas e transtorno de personalidade antissocial sem a existência concomitante de outra comorbidade psiquiátrica.

Sabe-se que a prática de alguns crimes, principalmente roubos e furtos, encontram-se relacionados aos sintomas de abstinência de determinadas drogas. No Brasil, as principais substâncias associadas a isso são as estimulantes do Sistema Nervoso Central (29). A abstinência do crack provoca sensação desagradável de ansiedade que pode ser difícil de suportar. A fissura muitas vezes leva ao cometimento de atos extremos, entre eles os crimes, que em outras circunstâncias talvez não ocorressem (40, 41) e, por conseguinte, as prisões ou detenções.

No tocante às características dos usuários de crack que se associaram a história de tentativa de suicídio observa-se que o tempo máximo de abstinência de ≤ 1 ano foi marginalmente significativa. Este achado é corroborado pelo estudo de Hess et al. (42) que verificou alta frequência do risco de suicídio entre dependentes químicos em abstinência de mais de uma substância ilícita em tratamento em comunidades terapêuticas. No que se refere às comorbidades psiquiátricas em dependentes químicos encontra-se na literatura evidências de que estão associadas ao aumento da agressividade, de recaídas e de suicídio (43).

Neste estudo observa-se que 69,44% dos usuários de crack relataram história de agressão a familiar ou amigo relacionada com o consumo da droga. Em relação a heteroagressão verifica-se associação significativa com o início de droga ilícita com < 15 anos e de crack com ≤ 18 anos, nesta associação a frequência diária do uso de crack foi marginalmente significativa. Estudo nacional aponta as lesões físicas entre os riscos decorrentes dos efeitos psíquicos do uso de crack. Este risco ocorre devido ao aumento da agressividade e as consequentes lesões. Em geral, o usuário, durante o consumo, pode tornar-se agressivo pelo medo de ser roubado ou de ficar sem a droga.

É comum a intensificação dos desentendimentos quando o suprimento da droga começa a escassear, e os usuários comumente julgam ser a fissura a responsável pelo aumento da agressividade em decorrência dos sintomas paranoides. Estes últimos, caracterizados principalmente por ideias e delírios persecutórios, eventualmente culminam em brigas por juízo prejudicado da realidade (25).

No que se referem ao aumento da agressividade, alguns estudos associam o uso de cocaína ao padrão de comportamento impulsivo e violento, independente de comorbidade com transtorno de personalidade antissocial (44).

Conclusão

Os resultados apontam associação do tráfico com número de pedras consumidas e de tratamentos realizados; de prisão ou detenção com baixa escolaridade, ser solteiro e idade de início do uso de droga ilícita; de tentativa de suicídio com o tempo máximo de abstinência e de heteroagressão com idade de início do uso de droga ilícita e frequência diária do uso de crack. Deste modo, o uso de crack pode contribuir para o desenvolvimento de comportamento violento —delitivo, auto e heteroagressivo.

Importante ressaltar que apesar desta associação, não significa que todos os usuários de drogas apresentarão comportamento violento, ou que toda forma de uso da droga implica violência. É preciso identificar a relação do sujeito com a droga sem excluir a subjetividade e singularidade de cada caso. Ainda neste sentido, cabe ressaltar que a criminalização da droga foi socialmente construída, através de uma percepção equivocada, que estabelece um nexo causal entre uso de droga e violência.

A complexidade deste tema exige uma visão multidisciplinar, não podendo se restringir a um problema de justiça ou segurança pública. Como problema de saúde pública, é preciso compreender a história de vida de cada usuário, identificar os riscos e criar estratégias de enfrentamento, considerando a dinâmica da sua relação com a droga, e as questões de violência que a permeiam. O uso da droga torna o sujeito vulnerável a situações de risco, o que contribui para o aumento da violência.


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