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Avances en Enfermería

On-line version ISSN 0121-4500

av.enferm. vol.34 no.1 Bogotá Jan./Apr. 2016

https://doi.org/10.15446/av.enferm.v34n1.37390 

Doi: http://dx.doi.org/10.15446/av.enferm.v34n1.37390

Artículo de Investigación

Os caminhos de cuidado das mulheres com diagnóstico de câncer de mama1

Los caminos del cuidado de las mujeres con diagnóstico de cáncer de mama

The pathways of care for women diagnosed with breast cancer

Aline Machado Feijó2, Caroline de Leon Linck3, Aline da Costa Viegas4, Bianca Pozza dos Santos5

1 Recorte do Trabalho de Conclusão de Curso Os caminhos de cuidado das mulheres com câncer de mama em tratamento radioterápico, apresentado à Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Pelotas (UFPeL), em 2008.
2 Doutora em Enfermagem. Enfermeira do Hemocentro Regional de Pelotas. Rio Grande do Sul, Brasil. E-mail: aline_feijo@yahoo.com.br
3 Doutora em Enfermagem. Docente da Faculdade de Enfermagem da UFPeL. Rio Grande do Sul, Brasil.
4 Doutoranda em Enfermagem. Integrante do NUCCRIN. Rio Grande do Sul, Brasil.
5 Doutoranda em Enfermagem da UFPeL. Integrante do NUCCRIN. Rio Grande do Sul, Brasil.

Recibido: 08/03/2013 Aprobado: 14/03/2016


Resumo

Objetivo: Descrever os caminhos de cuidado percorridos por mulheres com câncer de mama em tratamento radioterápico.

Metodologia: Trata-se de um estudo descritivo e exploratório de caráter qualitativo, realizado com mulheres atendidas no Ambulatório de Radioterapia de uma Universidade Federal do Sul do Brasil. Participaram seis mulheres acometidas por câncer de mama em tratamento radioterápico. Os dados foram coletados de março de 2006 a dezembro de 2007, por meio de entrevista semiestruturada.

Resultados: Os dados foram analisados conforme a operacionalização da análise temática, emergindo dois núcleos: Os enredos dos caminhos de cuidado e A superação frente ao diagnóstico.

Conclusões: Percebeu-se que os caminhos que a mulher acometida por câncer de mama percorre envolvem tanto facilidades quanto dificuldades, relacionadas ao acesso aos serviços de saúde, a relação com os profissionais e a capacidade de superação. Também considera-se importante ter o conhecimento de seu diagnóstico, a fim de ser uma pessoa ativa neste processo. Ressalta-se a importância dos profissionais e dos serviços de saúde estarem preparados para acolher as mulheres em situação de enfermidade, pois o apoio e a orientação são imprescindíveis para a sua reabilitação.

Descritores: Neoplasias da Mama; Mulheres; Enfermagem; Radioterapia (fonte: DeCS BIREME).


Resumen

Objetivo: Describir los caminos del cuidado recorridos por mujeres con cáncer de mama en tratamiento radioterápico.

Metodología: Se trata de un estudio descriptivo y exploratorio de carácter cualitativo, realizado en mujeres atendidas en el Ambulatorio de Radioterapia de una Universidad Federal del Sur de Brasil. Participaron seis mujeres afectadas por cáncer de mama en tratamiento radioterápico. Los datos fueron recolectados desde marzo de 2006 hasta diciembre de 2007 por medio de una entrevista semiestructurada.

Resultados: Los datos fueron analizados de acuerdo con la funcionalidad del análisis temático, a partir del cual emergieron dos núcleos: Las dificultades de los caminos del cuidado y La superación frente al diagnóstico.

Conclusiones: Se percibió que los caminos que recorre la mujer sometida por el cáncer de mama involucran tanto facilidades como dificultades, relacionadas con el acceso a los servicios de salud, la relación con los profesionales y la capacidad de superación. También se considera fundamental el conocimiento de su diagnóstico, de manera que ella pueda ser una persona activa en este proceso. Se debe señalar cuán importante es que los profesionales de los servicios de salud estén preparados para atender a las mujeres en situación de enfermedad, pues el apoyo y la orientación son imprescindibles para su rehabilitación.

Descriptores: Neoplasias de la Mama; Mujeres; Enfermería; Radioterapia (fuente: DeCS BIREME).


Abstract

Objective: To describe the pathways of care experienced by women with breast cancer receiving radiotherapy.

Methodology: It is a descriptive, exploratory and qualitative study, conducted among women in the Radiotherapy Clinic of a Federal University in the South of Brazil. The participants were six women affected by breast cancer who were receiving radiotherapy. Data were collected through semi-structured interviews from March 2006 to December 2007.

Results: The data were analyzed according to the operationalization of thematic analysis, emerging two categories: The plots of the pathways of care, and Overcoming the cancer diagnosis.

Conclusions: It was perceived that pathways experienced by women affected by breast cancer involve both barriers and facilitators regarding access to health services, their relationship with professionals, and their ability to overcome. It is also considered important to have knowledge about the diagnosis of the disease in order to be an active person in this process. It is important to have well prepared health professionals and services, in order to accept women in ill situations, since support and guidance are essential to their recovery.

Descriptors: Breast Neoplasms; Women; Nursing; Radiotherapy (source: DeCS BIREME).


Introdução

O câncer da mama feminina é considerado um problema de saúde pública, tanto nos países em desenvolvimento quanto nos países desenvolvidos. É o tipo de câncer que mais acomete as mulheres em todo o mundo, sendo que a sobrevida média após cinco anos na população de países desenvolvidos é de aproximadamente 85% e nos países em desenvolvimento entre 50% e 60%. Em torno de 1,67 milhões de casos novos desta neoplasia foram esperados para o ano de 2012 no mundo, representando 25% de todos os tipos de câncer nas mulheres. No Brasil, o Instituto Nacional de Câncer (inca) publicou que a estimativa dessa neoplasia para o ano de 2014 foi de 57120 casos novos (1).

Reforça-se que, embora este seja um câncer com bom prognóstico, a mortalidade ainda continua elevada no Brasil, principalmente por seu diagnóstico tardio (1), que pode estar associado ao difícil acesso no atendimento. Por isso, considera-se de suma importância uma melhor mobilização da rede de atenção à saúde, para a detecção precoce e monitoramento mais efetivo do câncer de mama na população feminina.

Muitas das mulheres acometidas por câncer de mama se deparam com uma gama de sentimentos na descoberta do diagnóstico (2), que podem estar associados à autoimagem, à sexualidade, à maternidade e à feminilidade, o que é muito valorizado na sociedade capitalista pós-moderna. Portanto, ter conhecimento sobre esses aspectos possibilita melhorar a qualidade do atendimento prestado a essas mulheres, reforçando a possibilidade de caminhos a serem escolhidos durante o percurso da doença. Isso refletirá na aceitação da patologia, adesão ao tratamento e melhora da qualidade de vida.

Pode-se dizer que existem muitos fatores determinantes para a escolha do caminho a ser trilhado por estas mulheres, como as representações sobre o que é doença e saúde, as formas de cura e de conservar o bem-estar tanto físico como psíquico, os papéis desenvolvidos socialmente, o modo como elas relacionam-se com o próprio eu e com os outros, o contexto cultural e a resposta as suas condições socioeconômicas.

Sendo assim, a escolha por trabalhar com os caminhos de cuidado das mulheres com câncer de mama emergiu por considerá-los importantes na evolução da doença e tratamento dos pacientes oncológicos, uma vez que influenciam o processo saúde-doença, pois deixam marcas positivas e/ou negativas na vida das pessoas, afetando também a visão que elas têm dos serviços de saúde.

Entende-se por caminho o espaço percorrido ou por percorrer, direção, rumo, maneira de agir, meio (3). Acredita-se que o caminho seguido pelas pessoas está de acordo com o contexto em que estão inseridas, ou seja, suas práticas derivam de sua visão sociocultural, de sua visão de mundo, crenças, valores e da relação que possuem com sua família, amigos, profissionais e serviços de saúde, inclusive o acesso a estes.

Frente a esses aspectos, objetiva-se descrever os caminhos de cuidado percorridos por mulheres com câncer de mama em tratamento radioterápico.

Metodologia

Trata-se de um estudo descritivo e exploratório de caráter qualitativo, realizado com mulheres atendidas no Ambulatório de Radioterapia de uma Universidade Federal do Sul do Brasil, sendo esse serviço referência para o tratamento do câncer nesta região. O estudo é um recorte da pesquisa Intervenções de Enfermagem com clientes oncológicos e famílias em um Ambulatório de Radioterapia, financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (FAPERGS), sob o número 05/2279.2 PROADE 3.

Participaram deste estudo seis mulheres que tinham diagnóstico de câncer de mama, com idade superior a 18 anos, que estavam em tratamento radioterápico e que conseguiam comunicar-se verbalmente durante o período da coleta. A escolha dessas participantes foi em virtude de portarem a doença e estarem em radioterapia no momento da coleta de dados. Ainda, o reduzido número de participantes deu-se em decorrência do enfoque qualitativo, em que se evidenciou o aprofundamento dos dados e a descoberta das particularidades vivenciadas pelas mulheres, e não o estabelecimento de generalizações para o grupo estudado.

Todas as participantes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido E, a fim de manter o anonimato, foram identificadas por algarismos arábicos, conforme a sequência das entrevistas, seguido da idade. Os dados foram coletados entre os meses de março de 2006 e dezembro de 2007, por meio de entrevistas semiestruturadas, as quais foram gravadas e transcritas na íntegra.

Após, foram analisados conforme a operacionalização da análise temática, identificando os núcleos de sentido presentes nas falas das participantes. Para isso, foram desenvolvidas três etapas: pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados obtidos e interpretação (4).

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Pelotas, sob o ofício 028/06, e seguiu os princípios éticos do Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem Resolução COFEN nº 311/2007 (5) e a Resolução do Conselho Nacional de Saúde nº 196/96 (6).

Resultados e Discussão

Serão apresentados, neste momento, os caminhos percorridos pelas mulheres com câncer de mama, traçando sua trajetória desde a descoberta da doença. Para isso, agruparam-se as falas das entrevistadas em dois núcleos temáticos, que são: Os enredos dos caminhos de cuidado e A superação frente ao diagnóstico.

Os enredos dos caminhos de cuidado

A descoberta do câncer de mama

A forma como o câncer de mama foi descoberto pelas mulheres que fizeram parte do estudo reforça que muitas vezes essa descoberta pode ser realizada pela própria mulher ou por outros atores:

Passei a mão e percebi os carocinhos. Logo fiquei com aquela sensação de que era câncer [12, 64 anos].
Foi em casa, quando fui me passar um óleo para o corpo. Encontrei dois (caroços) e o meu marido encontrou o terceiro na axila [11, 58 anos].

Nestes relatos, nota-se que as mulheres percebem os nódulos ao palparem suas mamas, sendo que em uma delas o esposo participou da descoberta. Embora haja controvérsias acerca da realização do autoexame das mamas, uma vez que as mulheres podem não realizá-lo corretamente, ocorrendo um cuidado inadequado (7), reforça-se que este procedimento, quando bem orientado, pode auxiliar na identificação precoce do câncer mamário.

Destaca-se que o objetivo do autoexame das mamas não é diagnosticar um câncer, e sim, proporcionar à mulher e seu/sua companheiro(a) um maior conhecimento acerca de seu corpo, facilitando a identificação de alterações e promovendo a busca ativa do serviço de saúde com maior brevidade, a fim de ser avaliada por profissionais de saúde capacitados.

A realização do autoexame como método de rastreamento do câncer de mama não pode ser totalmente excluído, já que para as mulheres se constitui em uma forma de autocuidado e de redução dos casos avançados da doença. O autocuidado é considerado mais importante que o autoexame, uma vez que recebe um conceito mais amplo de saúde, ou seja, o conhecimento sobre a doença e seu corpo e a redução do seu risco. Assim, o processo educativo constitui-se em um componente essencial para o diagnóstico precoce do câncer de mama. Salienta-se, também, que as pacientes que realizam o autoexame frequentemente aderem mais aos programas de rastreamento mamográfico (8).

Além disso, emergiu em uma das falas a participação masculina na descoberta do nódulo, sendo oportuno salientar que o(a) companheiro(a) pode ser uma importante fonte de informação, colaborando nesta descoberta. E, ainda, acentua-se que a inserção do(a) companheiro(a) neste contexto pode amenizar a angústia e a ansiedade da mulher frente ao possível diagnóstico de câncer.

A presença e a participação do companheiro(a) nesse processo é importante para a mulher, pois a auxilia no favorecimento de um conceito mais elevado de si, na elaboração de sua nova realidade, reabilitação e qualidade da vida matrimonial (9).

Após a descoberta realizada pelas mulheres em seu domicílio, procuraram auxílio dos serviços de saúde para ter um diagnóstico ou confirmar a suspeita de câncer de mama. Para isso, realizaram, também, alguns procedimentos diagnósticos:

[...] Então consultei e ele logo fez a biópsia e em seguida já me operou, ele não retirou toda a mama. [...] Quem retirou o exame depois de um mês fui eu, levei para o médico e ele confirmou que era câncer e que estava no segundo estágio de desenvolvimento, ainda continua no segundo estágio [12, 64 anos].
[...] Fui no inss fazer uma consulta, a médica mandou que eu fizesse uma mamografia urgente. Depois de dois dias a médica me encaminhou para o hospital, lá pediram uma ultrassonografia. Depois de uma semana fui operada para fazer a biópsia [...]. Eu sabia que era câncer [02, 74 anos].
O bico do meu seio começou a entrar para dentro. Procurei um médico, fiz mamografia [05, 38 anos].
[...] fiz todos os exames de novo, aí a médica do postinho disse que ia me passar para um mastologista porque viu alguma coisa na minha mamografia [01, 52 anos].

Percebe-se nos relatos que os procedimentos mais utilizados para o estabelecimento do diagnóstico foram a mamografia, seguida pela biópsia e por último a ultrassonografia, que foi referida por apenas uma das entrevistadas.

A mamografia é considerada o principal exame para detecção precoce do câncer de mama nos programas de rastreamento desta enfermidade (10). Esse exame permite rastrear e identificar tumores cada vez menores (11). Por conseguinte, a ultrassonografia também é um método importante de avaliação adicional para um diagnóstico clínico das mamas (12).

Com isso, ressalta-se a necessidade de acesso das mulheres a esses métodos diagnósticos, a fim de promover a detecção precoce desta afecção, diminuindo as taxas de morbidade e mortalidade, como forma de melhorar a qualidade de vida destas mulheres.

Os caminhos e os descaminhos

Quando iniciam sua trajetória, muitos acontecimentos marcam suas vidas. Portanto, neste momento serão apresentados os caminhos e os descaminhos de acesso ao serviço de saúde e os principais entraves durante esse percurso. As falas que seguem expressam as principais facilidades de acesso aos serviços de saúde relatados pelas mulheres:

[...] Fui no posto e pedi para fazer uma mamografia. Fui encaminhada direto para o toque de vida. Depois de dois dias eu consultei com o especialista, ele coletou material, foi para o exame, no dia seguinte já tinha feito todos os exames e o médico já marcou a cirurgia para retirar os três nódulos [11, 58 anos].
[...] Ele logo disse que era câncer. Internei uma semana depois da consulta e logo fiz a cirurgia [...]. Gostei muito do atendimento, fui bem orientada, tive psicólogo para mim e para o meu marido e grupo de apoio [05, 38 anos].
[...] Dificuldade financeira eu não tive porque a prefeitura me ajuda no transporte [12, 64 anos].
[...] Tinha uma amiga que era enfermeira, ela me disse por que eu não ia para o Mama Vida [...] e eu fui. Foi aí que começou todo o atendimento [...] eu nem sabia, porque a gente quando não tem problema, tu não sabe nada, até surgir o problema, aí tu vai bisbilhotar [01, 52 anos].

Nos relatos, percebe-se a rapidez do atendimento, desde a procura da mulher pelo serviço de saúde, passando pelo especialista e a realização de exames até o tratamento. Além disso, para uma das mulheres conhecer um profissional de saúde inserido no serviço, constituiu-se como um facilitador na sua trajetória terapêutica.

Nessa perspectiva, o acesso aos serviços de saúde, a existência de programas de prevenção, as intervenções efetivas e as estratégias diagnósticas e terapêuticas disponíveis e de qualidade interferem positivamente na sobrevida dos pacientes (13).

Em um dos relatos também aparece como meio de ajuda a prefeitura, que ao disponibilizar transporte auxilia neste percurso, amenizando as dificuldades econômicas e favorecendo a continuidade do tratamento.

Emergiu em outra fala, a satisfação da mulher em relação ao atendimento, por ter sido bem orientada e ter participado de grupo de apoio juntamente com o seu esposo. No que diz respeito ao grupo de apoio, este possibilita que as mulheres com câncer de mama compartilhem seus sentimentos, dúvidas e perspectivas sobre o processo de adoecimento, o que promove seu empoderamento e atitudes positivas diante das adversidades (14, 15). Ainda, a convivência em grupos de apoio proporciona a troca de experiências e informações sobre atividades de lazer, melhorando a autoestima.

Além disso, é importante o engajamento do(a) companheiro(a) no grupo de ajuda, favorecendo o melhor entendimento deste(a) sobre o câncer de mama, para que possa enfrentar este momento de crise, dando suporte e apoio a sua mulher.

Após a detecção do nódulo, embora as mulheres tenham procurado atendimento, algumas tiveram dificuldades que desfavoreceram o diagnóstico precoce:

[...] e ele disse que não era nada, que retornaria ao normal com a menopausa. Com o tempo comecei a ficar apavorada com o jeito que estava ficando o bico do meu seio [...]. Fui consultar em outra médica, ela olhou, mas não quis me falar nada. Disse para minha irmã que eu devia ir num especialista. No mesmo dia consultei com o especialista [05, 38 anos].
Logo que eu cheguei, ele disse que era um tumor, porque o de Bagé disse que não era, que era só um nódulo [14, 62 anos].
[...] Em 2004 fiz uma sequência de duas mamografias, os médicos de Pelotas que me tratavam há 20 anos me disseram que era só uma calcificação, fiquei tranquila e fui para Camboriu [...]. Na época estava com problema financeiro, sem dinheiro, fui tentar fazer de graça [...]. Fui no hospital [...] disse que não tinha como pagar esse exame agora, aí a moça mandou eu ir no Centro de Saúde, eu fui, a atendente que me atendeu lá, muito fria por sinal [...] disse que talvez dali uns dois ou três meses eu conseguisse [01, 52 anos].

Observa-se nas falas das depoentes que a maioria retratou como principal dificuldade a conduta profissional. Além disso, outros problemas relatados foram a questão financeira e a dificuldade de acesso rápido aos exames pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

No terceiro relato, fica evidente a dificuldade desta mulher em realizar os exames pelo sus e o seu descontentamento frente ao atendimento prestado por um profissional no Centro de Saúde, o que poderia fazer com que esta paciente não voltasse a procurar o sistema de saúde, agravando, desta forma, sua situação.

Diante do contexto apresentado, observam-se dificuldades na obtenção da resolutividade dos problemas de saúde do paciente, mediante entraves na trajetória nos serviços de saúde. Essa resolutividade pode ocorrer a partir de uma atenção acolhedora e da responsabilização dos profissionais (16). Entretanto, quando não há resolução, algumas pessoas ultrapassam as barreiras encontradas no caminho, pois procuram descobrir e desenvolver estratégias a fim de solucionarem seus problemas de saúde.

Ainda, sabe-se que em alguns serviços de saúde é comum as pessoas procurarem ajuda e se depararem com profissionais pouco acolhedores, arrogantes, ríspidos, indelicados e até grosseiros, que não "olham na cara". Nesses casos, ocorre o aumento da insegurança, da insatisfação e da frustração por parte dos pacientes, gerando desarmonia (17).

Entende-se que é de suma importância a melhoria do acesso aos serviços de saúde e a qualidade do atendimento prestado, vislumbrando o relacionamento interpessoal e o cuidado integral ao ser humano, colocando em prática os princípios de universalidade, integralidade e equidade preconizados pelo sus.

A superação frente ao diagnóstico

A importância de saber o diagnóstico para superá-lo

No que se refere ao diagnóstico do câncer de mama, evidencia-se nas falas da maioria das mulheres deste estudo, o reconhecimento de seu diagnóstico:

[...] sei o diagnóstico, é câncer de mama. O médico me disse que era câncer [...]. Acho que a gente tem que saber o que tem [12, 64 anos].
Para mim, era câncer. Podia ser benigno, eu acho que não era maligno com certeza. Eu não sei, porque não li toda aquela papelada [...]. É muito importante saber o diagnóstico [02, 74 anos].
[...] câncer de mama maligno [...]. Achei importante saber o diagnóstico [05, 38 anos].
[...] mas era um carcinoma de III grau com adiposo como se diz, infiltrante que significa maligno. Era pequenininho, mas era maligno. [...] a pessoa tem que saber o que tem [...]. Uma pessoa mais jovem tem que contar mesmo para lutar por alguma coisa, para lutar pela vida, para ver, pagando para ver [01, 52 anos].

Observa-se nos relatos que as mulheres foram informadas acerca de seu diagnóstico, no entanto, as mesmas têm pouca clareza sobre o que é o câncer. Por isso, considera-se extremamente relevante que os pacientes sejam informados sobre o seu diagnóstico, a fim de tornarem-se agentes ativos em seu processo saúde-doença, estimulando-se a autonomia para a escolha de qual caminho seguir.

Nesse contexto, é importante salientar que, embora um indivíduo seja submetido a uma mesma situação, a sua resposta pode variar em relação ao outro, a depender de sua personalidade e vivência, dando origem a diferentes respostas comportamentais. Assim, é possível afirmar que o ser humano tem capacidade adaptativa diante das diversas situações geradas pelo câncer (18).

Ainda, muitas transformações biológicas são geradas pelo câncer de mama, entretanto, existe um vínculo imutável entre os elementos físico, mental e espiritual. Essa fusão torna o ser humano carregado de subjetividade e dotado de especificidades que caracterizam a resposta de cada um frente às situações de adoecimento (19, 20).

A superação

Neste tema, vê-se o quanto as mulheres são fortes e lutadoras. Apesar de ser difícil o diagnóstico de câncer de mama, elas mostram-se dispostas a enfrentar tudo, sem medo, vergonha e preconceito. Desta forma, será abordada a superação frente a esse difícil diagnóstico e as mudanças e adaptações referidas pelas mulheres a partir da descoberta e tratamento do câncer.

Emergem nas falas a seguir, demonstrações de coragem perante a doença e o tratamento, ressaltando-se a vontade de viver que essas mulheres apresentam:

Me sinto uma guerreira, nunca escondi de ninguém sobre a doença. Não me entreguei [12, 64 anos].
No dia que achei o caroço, logo imaginei que era câncer. Aceitei tudo na maior naturalidade, se a pessoa é depressiva com isso, nem cura [...]. Tive uma imensa vontade de ficar boa, uma coragem, nunca tive medo de morrer, eu acho que estou curada [02, 74 anos].
É difícil, mas enfrentei. Eu não sou a primeira e nem a última. Sempre tive muita coragem, até para passar para meu marido. O importante é vencer e lutar [11, 58 anos].
[...] Sem medo nenhum, eu não tenho medo, eu acho assim, se eu tiver que fazer alguma coisa que vá ser útil para o outro, que eu fique. Se tiver que ir, estou preparada [01, 52 anos].

Notam-se as diferentes reações nos relatos, quando algumas mulheres referiram não terem sido afetadas pelo diagnóstico, enquanto outras disseram que foi difícil, mas enfrentaram. Em geral, as mulheres deste estudo procuraram enfrentar a doença sem escondê-la de ninguém, sem medo, como guerreiras, lutando por suas vidas e pela cura.

Acredita-se que as mulheres têm diferentes reações comportamentais perante o diagnóstico de câncer por pertencerem a contextos diferentes (18). É importante frisar, que cada ser é único, com características próprias, devendo ser tratado como tal, portanto, o enfrentamento da doença dependerá do agir e do reagir frente às mudanças ocorridas no adoecer por câncer (21, 22).

Deste modo, as mulheres com câncer acabam aderindo a todo o tipo de tratamento estabelecido pelos profissionais de saúde, sem interrogar a possibilidade de não fazê-lo, pois depositam nesse a esperança de vida e a cura (23).

Também se pode dizer que as mulheres ao descobrirem o câncer de mama procuram meios para adaptarem-se a doença, tentam não se deixar afetar por esta e ainda buscam dentro de si toda a coragem para conseguir sobreviver. Assim, neste momento serão apresentadas as mudanças e adaptações que ocorreram na vida das mulheres em decorrência do diagnóstico de câncer de mama:

[...] quem sabe fiquei até melhor. A gente aprende a viver diferente quando passa por uma doença [...]. Eu estou melhor, minha cor melhorou, deixei de fumar, examino meus olhos, pele, unhas e o seio. Sempre tive muita energia [02, 74 anos].
Na minha vida modificou muita coisa, até a minha cabeça eu acho [05, 38 anos].

Nestes relatos, transparece que ter uma doença que deixa dúvidas quanto à vida e a morte, faz com que a maneira de pensar das mulheres mude. A primeira depoente refere ter passado a cuidar-se mais, abandonando o vício do cigarro e prestando mais atenção em seu corpo.

Quando as mulheres passam por este tipo de conflito, o qual ocorre devido às modificações impostas pela doença, começam a dar mais valor à vida, procurando desenvolver atividades que lhes satisfazem e que as deixem felizes. Além disso, a autovalorização e o pensar em si foram evidenciados em um estudo a partir da experiência de ser portadora de câncer de mama, no qual também foi observada a transformação dessa vivência arrasadora para uma lição de vida positiva (24).

Estudo realizado na Colômbia apresentou como resultado, que a experiência de viver com câncer de mama modificou a existência das mulheres em todos os âmbitos, fazendo com que estas passassem a valorizar mais as suas próprias necessidades, promovendo o autocuidado, a valorização pessoal e a qualidade de vida (25).

Assim, pensa-se que quando a mulher com diagnóstico conhecido de câncer de mama estabelece novos propósitos em sua vida, ela se adapta e se renova, sendo capaz de superar e enfrentar qualquer dificuldade, inclusive os caminhos tortuosos desta doença estigmatizante.

Considerações finais

Ao desenvolver este estudo, percebeu-se que os caminhos que a mulher acometida por câncer de mama percorre envolvem tanto facilidades quanto dificuldades, sendo trilhados por cada mulher de maneira diferente, mas ao mesmo tempo muito semelhante.

Ressalta-se que os profissionais de saúde são importantes atores no processo saúde-doença, pois suas orientações e condutas influenciam de maneira significativa no percurso da pessoa doente. O enfermeiro, em especial, pode desenvolver ações que objetivem esclarecer dúvidas e possibilitar maior segurança para o paciente. Também faz parte de seu papel, como cuidador, estimular o autocuidado e a autoestima.

Os serviços e os profissionais de saúde podem atuar como facilitadores nesta trajetória. Quando as mulheres têm seu acesso facilitado, conseguem transitar com facilidade de um serviço para o outro e recebem um cuidado qualificado, prestado por profissionais capacitados, que visam o bem-estar e a autonomia dessas. No entanto, os serviços e profissionais também podem ser considerados entraves neste percurso, quando as mulheres não conseguem acesso aos exames, têm dificuldade de comunicação com os profissionais e sentem-se desamparadas, o que pode dificultar também a superação da doença.

Considera-se importante, para a construção da superação do câncer de mama, que as mulheres tenham o conhecimento de seu diagnóstico de forma clara e segura, pois pode favorecer a busca da cura ou ao menos do seu bem-estar físico e emocional e de seus familiares. Saber o que tem é importante para avaliar o que se pode fazer para ser uma pessoa ativa neste processo.

Assim, ressalta-se a importância dos profissionais e dos serviços de saúde estarem preparados para acolher as mulheres em situação de enfermidade, pois o apoio e a orientação são imprescindíveis para a sua reabilitação.

Destaca-se que uma limitação deste estudo constitui o número reduzido de participantes, o que inviabilizou possíveis generalizações, porém possibilitou evidenciar e conhecer com profundidade a realidade vivenciada pelas participantes. Com isso, sugere-se a realização de estudos multicêntricos ou multiculturais envolvendo esta temática.

Agradecimentos

Em reconhecimento a participação da Professora Doutora Eda Schwartz como orientadora do estudo, fazemos um agradecimento especial ao seu apoio para o desenvolvimento deste.


Referências

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