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Avances en Enfermería
On-line version ISSN 0121-4500
av.enferm. vol.34 no.2 Bogotá May/Aug. 2016
Artículo de Investigación
Espiritualidade e o processo de morrer: reflexões de uma equipe interdisciplinar de cuidados paliativos
La espiritualidad y el proceso de muerte: reflexiones de un equipo interdisciplinario de cuidados paliativos
Spirituality and the dying process: reflections of an interdisciplinary palliative care team
Isabel Cristina de Oliveira Arrieira1, Maira Buss Thofern2, Adrize Rutz Porto3, Simone Coelho Amestoy4, Daniela Habekost Cardoso5
1 Doutora em Ciências. Coordenadora Técnica, Serviço de Atenção Domiciliar, Hospital Escola Universidade Federal de Pelotas. Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil. E-mail: isa_arrieira@hotmail.com
2 Doutora em Enfermagem. Docente Adjunto, Faculdade de Enfermagem, Universidade Federal de Pelotas. Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil.
3 Doutora em Enfermagem. Docente Adjunto, Faculdade de Enfermagem, Universidade Federal de Pelotas. Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil.
4 Doutora em Enfermagem. Docente Adjunto, Faculdade de Enfermagem, Universidade Federal da Bahia. Bahia, Brasil.
5 Doutoranda em Enfermagem, Universidade Federal de Pelotas Enfermeira da Prefeitura Municipal de Pelotas. Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil.
Recibido: 16/05/2012 Aprobado: 22/11/2016
Resumo
Objetivo: Compreender como a espiritualidade é incorporada pelos integrantes da equipe do Programa de Internação Domiciliar Interdisciplinar (PIDI) Oncológico no cuidado paliativo.
Metodologia: Estudo de abordagem qualitativa, descritiva e exploratória, fundamentada na Teoria Histórico-Cultural de Vygotsky. Compuseram a pesquisa todos os integrantes da equipe interdisciplinar, totalizando oito sujeitos. Os dados foram coletados por meio da técnica de grupo focal, com cinco encontros realizados durante o período de fevereiro a maio de 2009, nos quais contou-se com a participação de dois observadores.
Resultados: Emergiram dois temas: Cuidados paliativos e a espiritualidade e A espiritualidade e o processo de morrer. Os profissionais relacionaram a espiritualidade como forma de promover reflexão e aceitação da morte e sua relevância nas ações paliativistas.
Conclusão: Podemos perceber que esta equipe mostrou-se disposta a compreender e adotar a espiritualidade durante a execução dos cuidados paliativos das pessoas em processo de morrer.
Descritores: Enfermagem; Morte; Cuidados Paliativos; Equipe de Assistência ao Paciente (fonte: DECS BIREME).
Resumen
Objetivo: Comprender cómo la espiritualidad es acogida por los integrantes del equipo del Programa de Internação Domiciliar Interdisciplinar (PIDI) oncológico en los cuidados paliativos.
Metodología: Estudio de enfoque cualitativo, descriptivo y exploratorio, basado en la Teoría Histórico-Cultural de Vygotsky. Participaron en esta investigación todos los miembros del equipo interdisciplinario, con un total de ocho personas. Los datos fueron recolectados a través de grupos focales, con cinco reuniones durante el período febrero-mayo de 2009, en las que se contó con la participación de dos observadores.
Resultados: Emergieron dos temas: Cuidados paliativos y espiritualidad y La espiritualidad y el proceso de muerte. Los profesionales consideraron la espiritualidad como una forma de promover la reflexión y la aceptación de la muerte y su relevancia en las acciones paliativas.
Conclusión: Somos conscientes de que este equipo mostró su disposición a comprender y adoptar la espiritualidad durante la ejecución de los cuidados paliativos a las personas en el proceso de muerte.
Descriptores: Enfermería; Muerte; Cuidados Paliativos; Grupo de Atención al Paciente (fuente: DECS BIREME).
Abstract
Objective: To understand how spirituality is adopted by members of the team of oncological Programa de Internação Domiciliar Interdisciplinar (PIDI) in palliative care.
Methodology: Qualitative, descriptive, and exploratory study, based on Vygotsky's Cultural-Historical Theory. The survey was composed for all members of the interdisciplinary team; in total, eight subjects. The data were collected through focus groups in five meetings from February to May of 2009.
Results: Two topics emerged from data analysis: Palliative care and spirituality, and The spirituality and the dying process. Professionals regarded spirituality as a way to promote reflection and acceptance of death and its relevance in palliative actions.
Conclusion: We realize that this team exhibited its willingness to understand and embrace the spirituality during the implementation of palliative care to people in the dying process.
Descriptors: Nursing; Death; Palliative Care; Patient Care Team (source: DECS BIREME).
Introdução
A equipe de saúde do Programa de Internação Domiciliar Interdisciplinar (PIDI) Oncológico atua em cuidados paliativos, prestando assistência ao ser humano portador de doença oncológica que vivencia o processo de morte. O enfermeiro, como integrante da equipe interdisciplinar, atua a partir de um processo de trabalho holístico e restrito a sua área de conhecimento.
O cuidado da enfermagem ao estar envolto pela multidimensionalidade age na dimensão da materialidade, da subjetividade e da espiritualidade. A materialidade refere-se à explicação racional e lógica para todo e qualquer fenômeno, como a morte. A subjetividade relaciona-se com emoções, sentimentos, ideias e preferências que são próprios de cada sujeito. A espiritualidade é a ponte entre o existencial e o transcendental, aquilo que traz sentido à vida de alguém, a dimensão espiritual faz parte da essência da abordagem paliativista (1).
Neste sentido, a força da espiritualidade pode ser vista como um instrumento de promoção da saúde, na medida em que lida com as dimensões pouco conscientes do ser, cujos embasamentos estão nos valores, nas motivações profundas e no sentido da existência individual e coletiva das pessoas (2). Assim, vai-se além da dimensão da subjetividade, a qual se depara com sensações emocionais presentes no cotidiano de cada ser humano, sem a necessidade de momentos de profunda reflexão.
Este estudo foi desenvolvido no PIDI da Universidade Federal de Pelotas, cuja equipe de saúde atua na perspectiva da interdisciplinaridade, isto é: essa equipe inclui como equipe de referência: profissionais médicos, enfermeiros, técnicos em enfermagem; e como equipe de apoio matricial: nutricionista, assistente social, psicólogo, conselheiro espiritual, médico cirurgião, médica coordenadora e auxiliar administrativo. A equipe de apoio assiste aos usuários através de visitas domiciliares semanais, enquanto que a equipe de referência presta o cuidado ao internado no momento de duas visitas diárias, sendo no turno da manhã realizada pela enfermeira e pela técnica de enfermagem e à tarde pela médica e outra técnica de enfermagem.
Cabe ressaltar que as equipes interdisciplinares que atuam com cuidados paliativos em vários momentos vivenciam processos que transcendem as emoções e sentimentos presentes no cotidiano do processo de viver, pois isso ocorre durante a execução das ações terapêuticas com as pessoas acometidas por câncer em fase terminal. Frequentemente, esses seres humanos em processo de morte vivem crises subjetivas intensas e alguns mergulham profundamente nas dimensões inconscientes, ou seja, na dimensão da espiritualidade (2).
Viktor Frankl, psiquiatra e neurologista austríaco, afirma que a dimensão espiritual é obrigatória e necessariamente inconsciente; isto é a pessoa constitui-se de uma intencionalidade que a dirige para algo ou alguém fora de si mesma, a qual se denomina de transcendência (3). Somente através desta que é possível a execução de atos espirituais, dirigidos a algo ou a alguém. Portanto, o momento de vivência espiritual não é passível de reflexão durante o processo em que ela está se realizando, pois a transcendência consiste em uma experiência interna singular (3).
Na atenção paliativa o cuidado ultrapassa as dimensões físicas e emocionais, mas a espiritualidade também é uma prioridade para as estratégias terapêuticas, pois reconhecidamente é fonte de bem estar e qualidade de vida para pessoas que viven-ciam o processo de morrer (4). Nesta perspectiva, escuta-se o usuário em relação ao que ele considera importante realizar nessa fase de sua vida, além de trabalhar com o controle dos sintomas, procura-se, nesse momento ímpar, lhes oferecer todas as condições necessárias para as suas realizações.
Nesse aspecto, a atenção à espiritualidade torna-se cada vez mais necessária na prática de assistência à saúde. Pois é reconhecida como fonte de bem-estar e de qualidade de vida, sobretudo às pessoas que estão envolvidas em situações de fim de vida. Além disso, é fundamental introduzir a espiritualidade ao longo da formação dos profissionais de saúde, o que beneficiará toda a equipe envolvida e os pacientes ao proporcionar uma morte com dignidade (5). Todavia, frente à relevância da atenção espiritual e as dificuldades de implementá-la ao cuidado, entende-se que novas investigações que abordem essa temática fazem-se necessárias. Assim, os achados destes estudos contribuirão para ampliar conhecimento e desta maneira fortalecer as ações dos profissionais que envolvam a espiritualidade no cuidado paliativo (6).
A espiritualidade do profissional de saúde constitui-se em um preditor positivo do bem-estar, pois está associada ao sentido e ao sentimento de satisfação no trabalho (7). Neste sentido, torna-se fundamental a realização de pesquisas que ressaltem o desenvolvimento da espiritualidade dos próprios profissionais de saúde, uma vez que ela é uma importante ferramenta para ser utilizada na assistência paliativa e no cotidiano da enfermagem (8). Entendemos que abordar a dimensão da espiritualidade torna-se relevante, porque na maioria das vezes trata-se de uma experiência sem precedentes. Além, o acolhimento desse transcendente movimento da existência humana baseia-se em um dos alicerces dos cuidados paliativos. Desta forma, acreditamos que a espiritualidade envolve o caminho da busca pelo significado da vida e da própria transcendência humana. Assim, a espiritualidade apresenta grande importância para a área da saúde e cuidados paliativos, deste modo é fundamental compreendê-la também na perspectiva do profissional e das equipes paliativistas. Contudo, existe a carência de estudos que abordem essa temática e como os profissionais entendem e direcionam seu cuidado com vistas a atender a dimensão espiritual de pacientes e famílias que enfrentam o processo de morrer.
Frente ao exposto, justifica-se a relevância deste estudo que teve como objetivo compreender como a espiritualidade é incorporada pelos integrantes da equipe do Programa de Internação Domiciliar Interdisciplinar (PIDI) Oncológico no cuidado paliativo.
Materiais e Método
Este estudo é descritivo-exploratório, de abordagem qualitativa, fundamentada na Teoria Histórico-Cultural de Vygotsky (9). Tal teoria atribui o desenvolvimento do indivíduo aos processos de interação sócio-históricos viabilizados pela linguagem. A questão central é a aquisição de conhecimentos pela interação do sujeito com o meio.
Participaram da pesquisa todos os integrantes da equipe interdisciplinar do PIDI Oncológico composta por oito profissionais: cinco da equipe matricial e três da equipe de referência. A partir do contexto cultural e social vivenciado pelos integrantes da equipe, buscou-se trazer à tona os conceitos construídos a respeito da espiritualidade. Ainda, todos os participantes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido e foram identificados com nomes fictícios escolhidos por eles mesmos, para terem sua identidade preservada.
Os dados foram coletados no período de fevereiro a maio de 2009, por meio da técnica de grupo focal. Trata-se de uma estratégia para coleta de dados que se caracteriza por ser um grupo de discussão que, ao receberem estímulos apropriados para o debate, dialoga a respeito de um tema particular, vivenciado e compartilhado por meio de experiências comuns (10). Foram realizados cinco encontros, cada um com duração de 60 a 90 minutos; destaca-se que os oito profissionais participaram de todos os grupos, não houve ausências ou desistências.
Para disparar a discussão e socialização sobre o tema, a pesquisadora atuou como mediadora e propôs algumas técnicas. No primeiro encontro foi utilizada a técnica do papel. Distribuiu-se uma folha de papel em branco para cada um dos participantes para que tivessem a opção de expressar seus significados sobre a espiritualidade e a seguir para que socializassem no grupo. No segundo encontro foi oferecido a cada participante um material bibliográfico, o qual foi escolhido por apresentar uma leitura agradável e instigante a respeito do tema espiritualidade. Foi, então, solicitado pela pesquisadora que os participantes trouxessem para os encontros seguintes, bibliografias de suas preferências, como forma de propor reflexão e a construção de significados sobre a espiritualidade.
Os grupos foram gravados em áudio e contaram também com a participação de dois membros observadores, que percebiam as expressões não verbais comunicadas ao longo das discussões e uma moderadora que ao longo dos encontros grupais, buscou facilitar as discussões, encorajando os depoimentos e assegurando espaço para que todos os participantes se expressassem.
Após a coleta, os dados foram escritos na íntegra e tratados por análise temática. A análise dos dados constituiu-se de três etapas: a ordenação dos dados, que compreendeu a transcrição das entrevistas e a leitura dos depoimentos. Após os dados foram agrupados em dois temas de acordo com a questão norteadora e os objetivos do estudo. Na análise final dos dados, ocorreu reflexão dos pesquisadores sobre achados, buscando a sua interpretação e articulação com material teórico sobre a espiritualidade (11).
Para o desenvolvimento do estudo, foram respeitados os procedimentos éticos exigidos pela Resolução n° 196/96 do Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde (12); com aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Santa Casa de Misericórdia de Pelotas e aprovado sob protocolo n° 061/2008.
Resultados
A partir da análise dos dados, emergiram dois temas: Cuidados paliativos e a espiritualidade e Espiritualidade e processo de morrer, os quais serão apresentados na sequência.
Cuidados paliativos e a espiritualidade
A filosofia do cuidado paliativo propõe a atenção integral à pessoa e sua família como forma de alcançar o alívio de sofrimentos. Deste modo, trata-se não apenas do controle de sintomas físicos, mas também de ações que valorizam a dimensão espiritual do ser que sofre. Neste contexto, têm-se os seguintes depoimentos quanto à relação entre espiritualidade, a aceitação da morte e cuidados paliativos:
Pacientes com doenças fora de possibilidades de cura merecem cuidados integrais para alívio dos sintomas físicos, sociais, emocionais e espirituais. Conviver com estes pacientes de forma continuada requer a identificação de mudança na forma de ver estas necessidades, ou seja: nós profissionais temos que reconhecer que os aspectos emocionais e espirituais devem tomar uma maior dimensão no cuidado, permitindo assim abrir um canal para resolução dos conflitos próximos à morte [Pneuma-Sarx].
A espiritualidade, segundo os participantes, pode favorecer a aceitação do processo de morte, pois é um dos princípios do cuidado paliativo. Este fato encontra apoio no ambiente familiar:
Pacientes relatam a necessidade da boa morte; escolhem trocar mais alguns dias de vida numa un, pela morte em casa com momentos mais calorosos. Vivendo o momento, a pessoa já busca a espiritualidade [Madalena].
A espiritualidade é vista como facilitadora de uma morte digna, porém há necessidade de profissionais qualificados para exercer as ações propostas no cuidado paliativo:
[...] olhar a pessoa como um todo, integrar a espiritualidade nesse todo. No PIDI se faz isso. Observamos o profissional da psicologia integrado com a psique (alma), pensando tratar as emoções, mas a espiritualidade precisa ser incluída [Philos].
Para integrar a espiritualidade ao cuidado como um todo como sugere um dos participantes, torna-se fundamental o trabalho interdisciplinar, assim como práticas humanizadas que acolham, por meio da escuta e relação empática, questões relacionadas à espiritualidade das pessoas em cuidados paliativos e suas famílias. Contudo, a forma como os profissionais compreendem as situações de final de vida de pacientes, relacionam-se com suas experiências e conceitos individuais sobre o fato e, muitas vezes, deparam-se com dificuldades:
No início foi difícil, pois apesar de trabalhar há algum tempo com pacientes terminais, não tinha um contato tão íntimo com eles. Só comecei a ter este contato e esta experiência depois de visitá-los diariamente em suas casas em contato íntimo com sua família, seu cuidador e a casa propriamente dita. É uma experiência, uma vivência rica, pois aprendi a ficar "amiga" da morte, já que não posso lutar contra ela [Madalena].
Eu, pessoalmente, nunca tive problemas em lidar com a morte. Quando fui convidada a trabalhar no PIDI, não tinha idéia de como seria. Aprendi, com a colega de trabalho, que nós andamos lado a lado com a morte; somos aliados dela [Divina].
Ao vivenciar o processo de trabalho com pessoas em final de vida e suas famílias, os profissionais referem mudar suas ideias e resignificar a morte, compreendida como um processo natural, ao qual se sentem aliados. Entende-se que esta compreensão do fim da vida é fundamental para a equipe que atua neste cenário, na busca de uma morte com dignidade e alívio de sofrimentos. Possivelmente este novo entendimento de morte, apresentado pelos participantes, tenha como apoio a espiritualidade, pois ela possibilita outros sentidos para as experiências vividas.
A espiritualidade e o processo de morrer
Nos depoimentos a seguirem os participantes instigam reflexões acerca de respostas para a morte e de como esta situação é influenciada positivamente pela espiritualidade:
Os pacientes que cultivam a espiritualidade aceitam melhor a morte. Aquele que não tem espiritualidade não consegue falar de morte [Pneuma-Sarx].
Diante da morte, normalmente tenho um ou vários momentos de introspecção: olhar pra si, também de olhar a sua volta, ao passado e ao presente e questionar-se: Qual é o sentido da vida? Para que e para quem fui criado? De onde vim e para onde vou? [...] Na minha experiência profissional em lidar com a morte e o luto da família, quando há um sentido para a vida há também para a morte; há uma nova maneira de encarar a despedida ou o sofrimento e as dores. As pessoas buscam além de respostas para a morte e o morrer, o consolo para o além do evento em si. Perguntam-se: o que vem depois? Estar em paz com isso é importante [Philos].
Os participantes sugerem que as pessoas em cuidados paliativos que cultivam sua espiritualidade, por meio de práticas espirituais como meditação e oração, possivelmente aceitam com maior facilidade a morte. Entende-se que este fato está relacionado com as vivências destes profissionais em seu cotidiano de cuidado, em que observam esta situação e, dessa forma, associam o desenvolvimento da dimensão espiritual com melhor aceitação do final da vida.
Conforme os participantes, a espiritualidade promove alívio dos sofrimentos para as pessoas envolvidas no processo de morrer. Os profissionais também são beneficiados por ela, favorecendo vínculos e trocas:
O nosso trabalho no PIDI nos leva a lidar quase que diariamente com a morte, e a mim parece que estas pessoas têm muito a nos ensinar. Eu me sinto muito mais auxiliada do que auxiliadora. E este auxílio que não apenas como profissionais, mas principalmente como seres humanos que recebemos, seria o contato com a espiritualidade [Caridade].
O contato com morte no trabalho propõe reflexões sobre o sentido da vida e do sofrimento para a equipe de saúde do estudo. Neste ponto, referem encontrar respostas na espiritualidade. Por meio dela as relações humanas, os vínculos são mais facilmente construídos, em um processo de aprendizagem e colaboração mútua.
Discussão
Através da teoria Histórico-Cultural de Vygotsky (9), encontramos subsídios para o desenvolvimento do estudo. Mediante as suas ideias de aquisição de conhecimento foi possível partirmos dos conceitos individuais imersos em cada participante no contexto sócio-histórico-cultural. A respeito de espiritualidade, logo mais sendo profissionais atuantes junto aos cuidados paliativos e ao processo de morrer de usuários com câncer avançado.
Diante análise dos depoimentos, constatamos a existência de uma forte relação entre a espiritualidade e a aceitação da morte para os participantes. Da mesma forma, observamos que os profissionais reconhecem a necessidade da equipe de identificar a complexidade exigida pelo ser humano em cuidados paliativos. Para tanto, a declaração de um dos participantes chama a atenção para os aspectos emocionais e espirituais requerendo maior sensibilidade para poder atender estas carências.
Os cuidados paliativos visam aliviar especialmente os pacientes portadores de doenças crônico-de-generativas ou em fase terminal, com uma vasta gama de sintomas de sofrimento de ordem física, psíquica e espiritual. Por isso, exige-se a ação de uma equipe multi e interdisciplinar de especialistas com competências específicas em termos de cuidados, em sintonia entre si para cuidar (13).
No estudo destaca-se a relevância da espiritualidade para o cuidado paliativo, ação executada por uma equipe que se fundamenta nos princípios da interdisciplinaridade, prática essa repleta de limites, os quais servem de mola propulsora para o enfrentamento dos mesmos.
Ao enfrentar situações de dor e sofrimento, como o final da vida, os relacionamentos interpessoais são ressignificados, seja com a família ou com a equipe de cuidados paliativos. A aproximação e os vínculos passam a ser a essência do cuidado que encontra apoio na espiritualidade (14).
Na expressão de outro participante, identificamos que os pacientes costumam eleger o ambiente domiciliar para seus momentos finais, no qual buscam o apoio da família e encontram espaço para vivenciar tal momento com paz e serenidade e é considerada sua singularidade, questões básicas do cuidado paliativo.
Os programas de cuidados paliativos criam uma nova representação social do morrer, permitindo o gerenciamento do cuidado no final da vida. Os profissionais paliativistas, como passam a ser conhecidos aqueles que elegem os serviços de cuidados paliativos, mantêm uma nova relação com o processo de morrer. A morte deixa de ser um evento puramente biológico e passa a ser um evento construído socialmente. Nos programas de cuidados paliativos a morte deixa de ser oculta para se tornar visível, sendo mais aceita pelos profissionais. Desta forma, são importantes as habilidades para administrar as contingências da morte (15).
Assim, a morte passa a fazer parte da equipe do PIDI e juntamente a ela as práticas espirituais, como preces, contemplações e meditações, as quais alteram o estado de consciência e influenciam na mudança da percepção de um evento que desencadeie sofrimento. As pessoas que enfrentam eventos traumáticos frequentemente procuram novos sentidos e significados em suas vidas, promovendo percepções resilientes e comportamentos como a aprendizagem positiva da experiência. E um fator decisivo ao desenvolvimento de uma resposta resiliente relaciona-se a espiritualidade (16).
Neste pensar, a dimensão espiritual é percebida como forma de enfrentamento, a qual recorre às pessoas que vivenciam situações consideradas difíceis, como no caso do diagnóstico do câncer ou a morte em decorrência da doença. E dessa forma, a espiritualidade promove conforto e alívio para o sofrimento, contribui positivamente para a aceitação e funciona como uma espécie de guia que dá sentido para a experiência do fim da vida (17).
Uma das participantes expressou a dificuldade ao se prestar cuidados paliativos, em especial, o convívio com o processo de morrer dos pacientes, já que a equipe tinha um contato diário em seus lares. Por outro lado, considera ser essa uma experiência rica, pois ao se tratar da morte não devemos vê-la como uma experiência terrificante por que não podemos fazer nada. Precisamos nos aproximar para então termos a capacidade de oferecer apoio e conforto tanto para os usuários quanto para sua família e compreender a atenção espiritual como um facilitador para os cuidados paliativos.
O cuidado paliativo em sua filosofia defende elementos fundamentais sobre o cuidar. O primeiro é o controle efetivo da dor e de outros sintomas; e o segundo é o cuidado com as dimensões psicológicas, sociais e espirituais de pacientes e seus familiares. Dessa forma, a espiritualidade se constitui em importante estratégia de enfrentamento diante de situações que causam impacto e sofrimento na vida das pessoas como o processo de morrer, por isso a assistência espiritual é essencial para alcançar uma boa morte (18).
Um dos participantes verbalizou que não apresenta dificuldade em lidar com a morte, porém confessa que aprendeu com uma colega a ser aliada da morte, no mesmo sentido que reforça a necessidade de enfrentamento a partir de uma aproximação com a realidade, com a possibilidade de oferecer amparo para o indivíduo e sua família no processo de aceitação deste evento. Neste sentido, compete aos profissionais que trabalham assistindo usuários em cuidados paliativos prestar alívio dos sintomas físicos, sociais, psicológicos e espirituais, como recomenda a filosofia paliativista.
Temos como base as idéias de Vygotsky de que os fenômenos devem ser estudados como processos em movimento e em mudança (19). Desta maneira, Vygotsky nos auxiliou a ver a espiritualidade
como um pensamento abstrato e que deveríamos investigá-la a partir da interação do organismo com as condições sociais e nas formas histórico-sociais-culturais de vida dos profissionais que participam da equipe interdisciplinar do PIDI (9).
A equipe evidenciou que para conseguirmos oferecer conforto e apoio espiritual ao cliente, primeiramente é preciso refletir sobre o processo de morrer do próprio profissional, além de promover encontros da equipe para discussão de tal temática.
Assim, faz-se necessário mencionar que a espiritualidade diz respeito a tudo que envolve a existência do ser humano, com tudo o que isso implica, em termos de capacidade de autotrans-cendência, relacionamentos, amor, desejo e criatividade, altruísmo, auto-sacrifício, fé e crença. É a dinâmica de integração da pessoa em relação à sua identidade única e original e a partir dessa perspectiva segue-se que todas têm necessidades espirituais, as quais adquirem uma importância muito maior quando se busca enfrentar a própria morte (20), como se apresentou nas expressões dos participantes.
A palavra morte traz consigo muitos atributos e associações: dor, ruptura, interrupção, desconhecimento, tristeza. Designa o fim absoluto de um ser humano, de um animal, de uma planta, de uma ideia que ao chegar ao topo da montanha admira-se ante a paisagem, mas compreende ser obrigatória a descida. Numa posição antagônica, a morte coexiste com a vida, o que não a impede de ser angustiante, incutir medo e, ao mesmo tempo, ser musa inspiradora de filósofos, poetas e psicólogos (21).
Desta maneira, evidenciamos que as pessoas em situação de terminalidade buscam apoio na força espiritual através de orações com o intuito de se aproximarem de algo superior. O ato de rezar ou orar pode acrescentar otimismo ao processo de enfrentamento da doença. A oração possibilita ao ser humano entrar em contato com seu eu mais profundo e leva à crença de controle sobre si, seu corpo e sua mente. O simples fato de acreditar que pode controlar algo que vai além de explicações definidas dá ao homem a sensação de auto-suficiência (22).
No depoimento de um dos participantes, ele instiga à reflexão em busca de respostas para o episódio da morte. Estes momentos de introspecção, de tomada de consciência, são peculiares nos profissionais que atuam em cuidados paliativos, principalmente quando presenciamos a finitude de nossos semelhantes e estes questionamentos nos levam a reflexões que modificam nosso modo de olhar o mundo à nossa volta. De tal modo, passamos a atribuir um novo sentido a existência.
O luto antecipatório representa uma forma de compartilhar os sentimentos e o sofrimento em relação a estas perdas. Os limites acerca de tratamentos devem ser informados e esclarecidos para evitar processos distanásicos, pois há limite para tratamentos e não para cuidados nas várias dimensões do sofrimento humano. Não há solução para a morte, mas se pode ajudar a morrer bem, com dignidade. Para se ter dignidade é fundamental apoio emocional e espiritual e acesso a cuidados paliativos (23).
No relato de um dos participantes, percebe-se a relação entre o processo de morrer e o de viver, quando ele descreve sua experiência em tal evento. Cabe ressaltar aí a importância de entender o sentido de nossa existência, inclusive para o momento em que inevitavelmente deixaremos de vivê-la, pois em sua colaboração relata que a vida e a morte se inter-relacionam, portanto uma influencia na outra. Fato que comumente nos leva a pensar sobre o nosso processo de viver.
Outro participante trouxe a experiência de conviver diariamente com pessoas em processo de morrer e evidencia o potencial que têm estas pessoas, o qual pode ser aprendido na relação profissional e usuário. Esta relação estabelecida com o indivíduo e sua família em fase de cuidados paliativos também nos remete à reflexão sobre o sentido de nossa existência, questão básica da dimensão da espiritualidade.
O cuidado paliativo entende a morte como um processo natural, sendo fundamental que os profissionais da saúde proporcionem as pessoas em cuidados paliativos um final de vida digno, com controle de sintomas e alivio de sofrimentos, garantido sua autonomia e amparando-o até o último momento (24). E para tanto preconiza-se humanizar a relação equipe de saúde-paciente-família. Também é importante que o profissional de saúde esteja em equilíbrio com sua espiritualidade, no sentido de prover o melhor conforto às pessoas e famílias que enfrentam o processo de morte (24). A espiritualidade do profissional dá sentido a vida e, por sua vez, são transmitidas as pessoas a quem se destina o cuidado (25).
Convém reforçar que a vivência dos profissionais com usuários em cuidados paliativos nos parece ser uma excelente oportunidade de aprendizado em relação ao processo de morrer e frente a espiritualidade, pois remete automaticamente ao processo de viver. Fica evidenciado que os pacientes encaram a morte como algo natural, contudo que ainda precisa ser enfrentado por todos como um evento que deve estar permeado por uma harmonia, na qual a espiritualidade torna-se um elemento essencial.
Conclusão
Frente às discussões da equipe, constatamos que os profissionais haviam recebido pouca orientação em relação ao cuidado das necessidades espirituais durante o processo de formação. Porém, o contato com os usuários em processo de terminalidade fez aflorar a necessidade do desenvolvimento de competências para abordar tal assunto tanto com o paciente como com a sua família.
Também foi debatido e refletido a respeito da relação entre cuidados paliativos, morte e espiritualidade, considerando-se que a prática de tais cuidados exige ações interdisciplinares, com vistas a atender aos vários sinais e sintomas que provêm das dimensões física, social, psicológica e espiritual em sintonia com o paciente e sua família. Dessa forma, fica evidenciado que o entendimento do significado de espiritualidade para a equipe favorece a relação com os pacientes em cuidados paliativos, que a espiritualidade possui o potencial integrador e atua como harmonizador das relações.
Entre as discussões do grupo, surgiu que o convívio com pessoas em fase de cuidados paliativos leva os profissionais a reconhecer tal vivência como uma oportunidade de aprendizagem. É preciso cuidar do ser humano na sua integralidade e isto implica também cuidar daquilo que não é visível e palpável. A busca e o estudo da espiritualidade entre profissionais da saúde são imprescindíveis para um cuidado integral, além de atender os avanços do mundo contemporâneo.
Esperamos que este estudo contribua para o desenvolvimento de competências de profissionais de saúde no que tange habilidades, conhecimentos e atitudes, para a abordagem dos aspectos que ultrapassem as necessidades físicas, sociais e psicológicas, incluindo a espiritualidade em suas ações de cuidado.
As limitações deste estudo relacionam-se ao número de participantes e ao local do estudo, um único serviço de atenção domiciliar, o que impede a generalização dos achados, destacando-se a necessidade de estudos complementares que envolvam o tema. Ainda existe uma carência de estudos sobre a espiritualidade na temática de cuidados paliativos em outros cenários de atuação das equipes de saúde.
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