Introdução
A insuficiência renal crônica (IRC) é considerada um problema de saúde pública em consequência das suas elevadas taxas de mortalidade e morbidade 1,2. É definida como a perda das funções renais, que ocorre de forma lenta, irreversível e progressiva. Os sintomas começam a aparecer após uma perda de mais de 50% da função renal, e são considerados sutis, como a hipertensão, edema de olhos e pés e anemia leve. Estes sintomas evoluem até que a capacidade renal alcance 10% a 15% da normal 3.
Quando a pessoa é diagnosticada com IRC, inicia-se o tratamento com terapias conservadoras, o que inclui o tratamento dietético, medicamentoso e o controle da pressão arterial 4. Entretanto, quando o tratamento conservador não é capaz de manter a qualidade de vida do paciente e começam a aparecer múltiplos sinais e sintomas decorrentes da incapacidade renal de manter a homeostasia do organismo, o indivíduo precisa se submeter à hemodiálise, um procedimento que tem a finalidade de apoiar a função renal, removendo substâncias tóxicas e o excesso de líquido por meio de uma máquina especializada 3.
O número estimado de pacientes que realizam tratamento dialítico ao ano no Brasil é maior que 111 000 5. Nesse contexto, as pessoas que carecem desta terapia apresentam dificuldades no seu dia a dia que acarretam diversas alterações biopsicossociais. Essas alterações interferem na qualidade de vida do paciente com alterações da imagem corporal, restrição hídrica e alimentar, perda do emprego e perda das suas funções, entre outros 1. Tais mudanças podem, por sua vez, colaborar para a incidência de depressão, ansiedade e estresse 6.
A hemodiálise representa uma esperança para esses pacientes, uma vez que a doença é irreversível. Entretanto, observa-se dificuldade na adesão do paciente ao tratamento, pela negação da doença, pelos prejuízos no convívio social e também pelas repercussões em sua imagem corporal. Assim, muitos procuram na religião e na fé uma forma de encontrar apoio e alívio para o seu sofrimento 7.
Neste contexto, a espiritualidade desponta como uma dimensão humana capaz de promover significado à vida e, consequentemente, de favorecer hábitos saudáveis e contribuir para o enfrentamento do sofrimento advindo da doença renal, do seu tratamento e de suas consequências 8,9.
Religião e espiritualidade são conceitos distintos 10. Eles podem estar relacionados, porém, não são sinônimos. A religião envolve uma fé particular em que as pessoas realizam atividades em grupo e partilham de uma mesma crença 11. Por outro lado, a espiritualidade é vista como um fenômeno mais simples que a religiosidade e refere-se a valores transcendentes e aos modos pelos quais as pessoas descobrem um propósito para suas vidas 12.
A espiritualidade é definida por Koenig et al.13 como uma busca interior de respostas sobre o significado e sentido da vida e o relacionamento com o sagrado ou com o transcendente, podendo ou não levar ao desenvolvimento de práticas religiosas. Relaciona-se aos valores íntimos, com a completude interior, harmonia e conexão com os outros 14,15.
Já a religiosidade pode ser compreendida como uma extensão da crença do indivíduo, como ele a pratica e se participa de uma organização religiosa ou não. Refere-se ao grau de envolvimento religioso e como isso influencia em seus hábitos e atividades cotidianas 1,16.
O real impacto das experiências religiosas e espirituais são de difícil compreensão. No entanto, a espiritualidade tem sido compreendida como um recurso interno que favorece a aceitação da doença, o empenho pelo restabelecimento, estimula o contato e aceitação de ajuda de terceiros e até a reabilitação da saúde 2,17.
O uso da religião, crenças e comportamentos religiosos, das possíveis manifestações da espiritualidade como alternativas para o enfrentamento das condições adversas de saúde e estressores da vida é denominado coping religioso/espiritual 18,19. Estudos mostram que as estratégias de coping são melhores preditores dos resultados das experiências relacionadas ao estresse que as medidas religiosas 20,21.
O bem-estar espiritual é entendido como a percepção subjetiva da pessoa sobre sua crença 22. Para Marques 17, o bem-estar espiritual exprime a abertura da pessoa para a dimensão espiritual, que possibilita integração da espiritualidade com outras dimensões de sua vida, potencializando sua capacidade de crescimento e renovação. É uma experiência de apoio e de fortalecimento, buscada voluntariamente, para o enfrentamento bem sucedido 17.
É importante que profissionais da área da saúde, sobretudo enfermeiros, que constantemente estão ao lado do paciente, percebam a relevância da religião e da espiritualidade na vida das pessoas sob seus cuidados e compreendam suas implicações no convívio com a doença renal crônica. O profissional deve notar que esses atributos podem influenciar a experiência do adoecimento e tratamento e que enxergar a pessoa com IRC para além de sua dimensão biológica é um passo fundamental para o cuidado integral na prática clínica 23.
As estratégias de coping religioso/espiritual podem tornar-se ferramentas relevantes na avaliação espiritual das pessoas e auxiliá-las a utilizar seus próprios recursos internos de forma mais eficaz, no enfrentamento da doença renal e seu tratamento 2,19. Logo, enfatiza-se a necessidade de ampliar o conhecimento e a discussão sobre a influência do coping religioso/espiritual e do bem-estar na recuperação de pacientes com condições crônicas.
Este estudo tem por objetivo avaliar a variação temporal e a correlação entre o bem-estar espiritual e coping religioso e espiritual de pessoas com insuficiência renal crônica em tratamento hemo-dialítico e a forma como são utilizados.
Materiais e Métodos
Trata-se de um estudo descritivo e analítico, longitudinal, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CAAE: 17149113.0.0000.5142) conforme diretrizes e normas para a realização de pesquisa envolvendo seres humanos. Obteve-se o consentimento dos participantes por meio da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
O delineamento longitudinal foi adotado por explorar fenômenos dinâmicos, controlar as diferenças individuais e permitir o acompanhamento do desenvolvimento dos indivíduos e variáveis associadas ao longo do tempo 24. Na literatura disponível não foram encontrados estudos com essa metodologia aplicados ao assunto.
A população do estudo foi composta por 160 pacientes com IRC em tratamento em uma unidade de hemodiálise, de um hospital filantrópico de Minas Gerais, avaliados no período de setembro de 2013 a fevereiro de 2014. O objetivo do estudo foi avaliar o bem-estar espiritual e a autoestima de pacientes com IRC em hd e a relação entre elas 25. A amostra por conveniência iniciou-se na primeira coleta com 118 pacientes que atenderam aos critérios de elegibilidade: ter idade igual ou superior a 18 anos, estar consciente de sua identidade e situado no tempo e espaço e com capacidade para expressar-se verbalmente. Durante a segunda e terceira coletas, 31 pacientes desistiram, faleceram ou mudaram de unidade para realização da hd, o que reduziu a amostra para 87 pacientes.
Para a coleta de dados, foi utilizado um questionário sócio-demográfico e clínico, com o objetivo de caracterizar os participantes quanto aos aspectos demográfico, clínico e espiritual/religioso, a Escala de Coping Religioso/espiritual Breve (CRE-Breve) e a Escala de Bem-estar Espiritual (EBE). O questionário sócio-demográfico e clínico foi submetido a um processo de refinamento por um grupo de três juízes com experiência no tema investigado que a avaliaram quanto a aparência e conteúdo.
A CRE-Breve é uma versão resumida da Escala de Coping Religioso/Espiritual validada para o Brasil por Panzini e Bandeira 26, adaptada da Escala Brief-RCOPE elaborada por Pargament et al.18. Possibilita avaliar a aplicação de ferramentas religiosas e espirituais para lidar com estressores relevantes. A CRE-Breve consiste em 49 itens, 34 referentes ao CRE-Positivo e 15 referentes ao CRE-Negativo 27. As respostas variam de 1 (nunca) a 5 (muitíssimo) na escala tipo Likert de 5 pontos; a pontuação obtida permite a análise e entendimento dos dados com o cálculo do escore. Para análise da consistência interna dos itens da CRE-Breve, foi utilizado o alfa de Cronbach de 0,88 26.
A EBE foi elaborada por Paloutzian e Elisson em 1982 28 e foi adaptada e validada para o Brasil por Marques, Sarriera e Dell'Aglio em 2009 17, cuja consistência interna foi de 0,92, demonstrando alta fidedignidade. Esta escala é formada por 20 itens subdivididos em duas subescalas, com 10 itens cada: a subescala de bem-estar religioso (EBE religioso), que contém referência a Deus; e a subescala de bem-estar existencial (EBE existencial), que não faz referência a Deus 22.
Os itens da escala permitem respostas que variam de "concordo fortemente" a "discordo fortemente". Para o escore geral de bem-estar espiritual, os pontos equivalem aos intervalos de 20 a 40, 41 a 99 e 100 a 120 e, nas duas subescalas, os intervalos são 10 a 20, 21 a 49 e 50 a 60 pontos, para baixo, moderado e alto bem-estar espiritual, respectivamente 22,28. Os resultados da EBE foram considerados positivos para escore alto, e negativo para moderado e baixo 22,29.
A análise de consistência interna, calculada pelo alfa de Cronbach, dos itens da Escala de Bem-estar espiritual demonstraram alta fidedignidade, sendo que os coeficientes foram 0,83 para EBE existencial, 0,80 para EBE religioso e 0,90 para o fator geral, bem-estar espiritual. Estes valores estão próximos aos encontrados na validação da escala por Marques et al.30 que foram, respectivamente, 0,85, 0,92 e 0,92.
A coleta dos dados foi realizada durante as sessões de hemodiálise, por meio de entrevista. A entrevista tem a finalidade de facilitar e agilizar a união dos dados obtidos e contornar possíveis limitações dos respondentes, como por exemplo, dificuldades de leitura e escrita 31. Ressalta-se que as perguntas foram lidas pela pesquisadora, com o cuidado de evitar qualquer tipo de interpretação.
Foram realizadas três coletas com o mesmo indivíduo no período de estudo, com observações repetidas ao longo do tempo e com intervalos de dois meses entre as coletas. A realização de três coletas teve a finalidade de comparar a utilização do coping pelo paciente em hemodiálise ao longo do tempo.
Os dados coletados foram agrupados em um banco de dados usando uma planilha eletrônica e posteriormente avaliado pelo programa spss (Statistical Package for the Social Sciences), versão 17.0, para análise descritiva. Para o estudo longitudinal, foram utilizados modelos lineares generalizados com GEE (Generalized Estimation Equations)32 para avaliar a associação das variáveis com o tempo. Esta análise foi realizada no programa estatístico R 33, pacote geepack34, onde foram estimados os parâmetros da regressão longitudinal (modelo marginal) assumindo uma matriz de covariância com estrutura permutável. O nível de significância adotado no estudo foi de 5%.
Resultados
Características sócio-demográficas, clínicas e religiosas/espirituais
Dos 87 participantes do estudo, 57,5% eram do sexo masculino. Observou-se a prevalência de baixa escolaridade e renda familiar (ver Tabela 1). A média de idade dos entrevistados foi de 58 anos (DP = 12,81).
*Benefício cedido pelo governo a pessoas que não trabalham devido a problema de saúde e recEBEm auxílio doença.
** Valor salário mínimo: 678,00 reais.
Fonte: Dados da pesquisa.
Em relação ao tempo de tratamento hemodialítico, 65,5% pacientes realizavam hd há menos de cinco anos; 18,4% entre cinco e dez anos e 16,1% pacientes há mais de dez anos. A média do tempo de tratamento foi de 4,47 anos (DP = 4,57).
Entre OS 87 participantes, 58,6% apresentavam comorbidade associada. Entre eles, 6,9% tinham diabetes, 25,3% hipertensão e 26,4% mais de uma comorbidade associada.
Quanto às variáveis relacionadas à religiosidade/ espiritualidade, 79,3% afirmaram praticar atividade religiosa como rezar/orar/meditar, 74,4% professaram a religião católica e 93,1% consideraram a religião e a espiritualidade como importante ou muito importante em suas vidas; 73,6% são praticantes da crença religiosa professada (ver Tabela 2).
Para a análise estatística foi considerado o valor médio dos escores dos participantes.
Bem-estar espiritual (EBE)
A média do EBE, obtida pela Escala de bem-estar espiritual total foi de 92,16, que reflete um escore moderado do bem-estar espiritual. A média do EBE religioso foi de 37,53 e do EBE existencial foi de 45,33, enquadrando-se em um escore moderado de bem-estar espiritual. Observa-se que as médias tiveram um comportamento semelhante nas três situações. Quando analisadas ao longo do tempo, verifica-se que não houve uma diferença significativa entre as médias (ver Tabela 3).
Correlação entre EBE e variáveis religiosas/espirituais
Realizou-se uma análise a fim de correlacionar o EBE total e religioso com as variáveis religiosas e espirituais. O EBE total e o EBE religioso associaram-se significativamente à importância dada à religião/espiritualidade (p < 0,001); quanto maior a importância atribuída pelo paciente à sua religião/espiritualidade, maior o seu bem estar espiritual e religioso. O EBE existencial também associou-se significativamente à importância dada à religião/ espiritualidade com a religião católica (p = 0,012), o que sugere que indivíduos adeptos a essa religião apresentam um maior bem-estar espiritual existencial do que praticantes de outras religiões no grupo estudado (ver Tabela 4).
Coping religioso espiritual (CRE)
De acordo com os resultados, verifica-se que as pessoas com IRC em hemodiálise fazem uso do enfrentamento religioso e espiritual. A média do CRE positivo foi de 3,34 (escore alto). A média do CRE negativo foi 1,83, enquadrando-se no escore baixo. De acordo com a Tabela 5, os valores de CRE não variam ao longo do tempo.
Correlação entre ORE-Breve e variáveis religiosas/espirituais
Também foram analisadas as variáveis religiosas e espirituais associadas ao CRE. O CRE negativo associou-se significativamente com a religião evangélica (p = 0,001), o que significa que os pacientes adeptos a essa religião no grupo estudado não buscam a religião para lidar com o estresse causado pela doença. O CRE positivo associado à importância dada à religião/espiritualidade (p = 0,001) e à prática de atividade religiosa (p = 0,003) pelos pacientes foi significativo. Portanto, os pacientes que consideram a religião/espiritualidade importantes e as colocam em prática buscam apoio nelas para lidar com suas dificuldades (ver Tabela 6).
Associações da escala ORE-Breve com a escala EBE
O coeficiente de Correlação de Spearman mostrou associação significativa entre o CRE positivo e o EBE total médio, o EBE religioso médio e o EBE existencial médio (p < 0,001). A partir destes dados, pode-se inferir que, quando a pessoa busca apoio na religião/ espiritualidade, ela apresenta um maior bem-estar espiritual. Em contrapartida, houve correlação inversa entre o CRE negativo e o EBE total médio, EBE religioso médio e EBE existencial médio, com valores de p de 0,007, 0,046 e 0,009, respectivamente. Tais dados reforçam a ideia anterior no sentido de que a pessoa que não busca apoio na religião/espiritualidade para sua vida não possui bem-estar espiritual (ver Tabela 7).
Discussão
Neste estudo, a espiritualidade representou um papel fundamental na vida dos pacientes em HD praticantes da sua religiosidade. Sabe-se que espiritualidade e religiosidade são dimensões que podem beneficiar o conforto, a harmonia, podem proporcionar alívio, além de favorecer a prática de valores como a fé, a crença e o amor. Ainda, a espiritualidade pode ser considerada como um recurso para sensibilizar o enfrentamento de situações de vida adversas 10,35.
No presente estudo, verificou-se que os participantes mantiveram escores moderados do bem-estar espiritual (EBE) total, religioso e existencial ao longo do período das avaliações. Houve similaridade com um estudo que avaliou o bem-estar espiritual e a autoestima de pacientes com IRC em tratamento hemodialítico e investigou a relação entre ambos. Os autores observaram que o nível de bem-estar espiritual de pacientes com insuficiência renal crônica fazendo hemodiálise apresentou-se moderado 25. Entretanto, as pessoas que consideram a religião/espiritualidade muito importante tiveram seu bem-estar espiritual mais elevado, posto que a prática religiosa pode favorecer a manifestação da espiritualidade 10.
Além disso, notou-se que o bem-estar espiritual está mais ligado com a satisfação geral e sentido para a vida, sem a presença de algo divino, tendo em vista o maior escore obtido no EBE existencial. O que contradiz o estudo de Silva et al.36, que avaliou a qualidade de vida relacionada à saúde e o bem-estar espiritual de pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC). Neste estudo, a proximidade com Deus ou um ser supremo mostrou-se mais associada ao bem estar espiritual.
No entanto, Davison e Jhangvi 37 evidenciam que as crenças existenciais são capazes de gerar bem-estar, auxiliando as pessoas a lidar com sua doença e a enaltecerem a si mesmas e suas vidas. Nesse sentido, o bem-estar espiritual pode ser entendido como um recurso que está inserido na capacidade de resiliência e proteção da saúde do paciente com IRC em tratamento hemodialítico. Ele pode auxiliar essas pessoas na assistência e redução de danos do processo saúde-doença, aumentando a qualidade de vida e ajudando no enfrentamento da doença 38.
Verifica-se, neste trabalho, que as pessoas com IRC em hemodiálise fazem uso do enfrentamento religioso e espiritual. O CRE positivo utilizado pelos participantes como estratégia de enfrentamento da doença foi mais elevado que o CRE negativo e os escores de CRE positivo mantiveram-se constantemente elevados ao longo do período de avaliações. O CRE positivo, definido como a busca pela proteção de Deus, a busca por apoio na literatura religiosa, orar pelo seu bem estar e pelo dos outros e resolver os problemas com a colaboração de Deus, pode ser associado a melhores resultados na saúde física, uma vez que evidências apontam que o CRE positivo é o mais utilizado, especialmente em situações de conflito 20.
Os dados deste estudo também mostram que o CRE positivo foi associado significativamente à importância dada à religião/espiritualidade pelos pacientes e a prática de atividade religiosa, o que corrobora os resultados obtidos no estudo de Valcanti et al.2, em que a religião/espiritualidade foi considerada pelos pacientes como muito importante ou importante em suas vidas, associadas a um escore elevado de coping religioso/espiritual e ao enfretamento positivo mais frequentemente mencionado que o negativo. Portanto, ter a religião como um fator importante na vida e colocá-la em prática contribui significativamente para a utilização do CRE positivo, o que reforça a ideia de que entre as causas para uma associação positiva entre religião e saúde está a criação de emoções positivas pelas práticas e crenças religiosas 20,39.
As associações significativas entre CRE positivo e EBE total médio, EBE religioso médio e o EBE existencial médio, demonstram que as pessoas com maior espiritualidade apresentam um melhor enfrentamento, e isso não é influenciado pelo tempo, visto que os indivíduos continuam utilizando o CRE positivo mesmo em meio a todas as adversidades advindas da doença e seu tratamento. Segundo Saffari et al.40, a religiosidade desempenha um papel importante não só no estado de saúde da pessoa com IRC como também oferece um mecanismo para o enfrentamento, acarretando melhora na qualidade de vida.
A espiritualidade possui o potencial de aliviar o sofrimento em situações de conflito, embora raramente ela seja valorizada na clínica 41. Logo, de acordo com Saffari et al.40, é importante que os profissionais de saúde entendam a relevância desse enfrentamento para o manejo da doença crônica e seus desdobramentos, uma vez que, se os pacientes forem encorajados, estarão mais preparados para enfrentar qualquer situação de crise e, como consequência, terão melhor qualidade de vida, independentemente das perdas, doenças ou outras fontes de estresse e sentimentos negativos.
A espiritualidade pode afetar a saúde por meio de diversos mecanismos. crenças existenciais e religiosas podem oferecer esperança, conforto e significados, mesmo em situações de extremo sofrimento 10. Como mencionado, existe um consenso de que a religião e a espiritualidade podem ser usadas como coping, e no estudo de Bragazzi e Puente 42, é citada a religião como forma de melhorar o ajustamento psicológico e proporcionar um maior bem-estar existencial, espiritual e religioso. Além disso, quando esses fatores são incentivados, a capacidade de enfrentamento também é maior, o que corrobora o estudo de Walton 43, que afirma a importância da espiritualidade na adaptação a uma nova realidade, em que age como uma força impulsionadora, acrescida da fé e da presença de um ser supremo, que auxiliam o indivíduo a enfrentar a morte e aceitar a doença.
Conclusão
Os pacientes com insuficiência renal crônica em hemodiálise, voluntários deste estudo, consideram a religião/espiritualidade importante em suas vidas, da mesma forma que utilizam o coping religioso/espiritual de forma positiva e expressiva. Houve associação significativa entre o coping religioso/espiritual e o bem-estar espiritual de forma positiva, demonstrando que os entrevistados com maior espiritualidade apresentam melhor enfrentamento e maior bem-estar espiritual.
Não se encontrou associação significativa entre o coping religioso/espiritual e o bem-estar espiritual no período de tempo avaliado; ainda assim, verificou-se que os participantes apresentaram escore moderado de bem-estar espiritual e escore elevado do coping religioso/espiritual e permaneceram com os mesmos escores durante esse recorte temporal. Isto significa que, mesmo com as adversidades do tratamento, eles mantiveram o mesmo nível de bem-estar espiritual e coping.
O entendimento das formas de enfrentamento utilizadas pelos pacientes diante de sua condição pode favorecer a promoção do suporte necessário e adequado pela equipe de saúde, de forma a amparar o paciente no enfrentamento da doença e seus intervenientes. O profissional de enfermagem, em sua prática profissional deve compreender a espiritualidade do paciente e reconhecer a maneira com que ela mesma é capaz de influenciar o enfrentamento da sua condição de saúde.
Destaca-se a escassez de estudos experimentais acerca deste tema na literatura. Estudos dessa natureza apontariam, com melhor nível de evidência, a relação entre o bem-estar espiritual e o coping religioso/espiritual, o que possibilitaria uma melhor compreensão do fenômeno, mediante a análise e comparação dos resultados.
O fato da maioria dos pacientes ter afirmado possuir alguma religião ou serem espiritualizados é um fenômeno fortemente pessoal e subjetivo. É importante notar que estes resultados não podem ser generalizados e a possibilidade da utilização do coping é apenas presumida. Todavia, esse estudo coloca em perspectiva a necessidade de novas pesquisas que se dediquem a investigar e explorar as relações entre o coping religioso/espiritual e o bem-estar espiritual.