Introdução
O acelerado processo de transição demográfica e epidemiológica tem contribuído para a mudança no perfil de adoecimento populacional, gerando um aumento das doenças crônicas, com destaque para as doenças do aparelho circulatório, principalmente em idosos 1.
Dados epidemiológicos recentes apontam que entre essas doenças, as cerebrovasculares, especialmente o Acidente Vascular Cerebral (AVC) é considerado, no Brasil e no mundo, a segunda principal causa de morbimortalidade 2,3 e a primeira de incapacidade funcional 4.
Esse resultado implicou em uma reorganização global da assistência à saúde pública para a fase aguda do AVC, cuja finalidade é a redução de 25% das mortes prematuras de avc até o ano de 2025 2.
Em contrapartida, pesquisadores apontam que as ações sociais governamentais ainda são incipientes, especialmente no período de reabilitação 5. Assim, após a alta hospitalar, o sobrevivente ao avc retorna ao domicílio com incapacidades físicas, cognitivas e emocionais que afetam suas Atividades Básicas de Vida Diária (ABVD), tornando-o dependente de cuidado 6.
Neste cenário, a família, geralmente de baixa renda, elege um de seus membros, denominado cuidador principal, para auxiliar a pessoa após o avc no desenvolvimento de novas habilidades e competências para a recuperação da própria autonomia 7.
Como esta nova função é inesperada, observa-se que o despreparo, a falta de suporte social e orientação expõem o cuidador ao estresse e aumento da sobrecarga de cuidado, afetando a sua própria saúde e qualidade de vida 8 e limitando o próprio cuidado 6.
No Brasil, a escala validada mais utilizada para avaliar a sobrecarga de cuidado é a de Zarit Burden Interview (ZBI) 9, que quantifica as sobrecargas de cuidado nos aspectos físico, financeiro, social, emocional e psicológico 10.
Portanto, conhecer o processo de cuidar na perspectiva dos CF e entender como esta atividade impacta sobre a própria vida é importante para orientar os profissionais de saúde a traçarem medidas de suporte social de maneira sistematizada, embasadas nas Diretrizes de Atenção à Reabilitação da pessoa com AVC, que vise o acesso à saúde das pessoas que se tornaram dependentes e, também, de seus cuidadores, que estão em processo partilhado de adoecimento físico e psicológico.
Diante do exposto, o objetivo do estudo foi compreender o significado de cuidar de uma idosa dependente, após o AVC, na perspectiva da filha como cuidadora familiar.
Materiais e Método
Visando responder a este objetivo, optou-se por um estudo de caso qualitativo, que investiga um fenômeno atual em seu contexto real 11 e tem como foco a compreensão das particularidades relacionadas ao caso em estudo 12.
Este estudo de caso está vinculado ao projeto de pesquisa Incapacidade funcional após o AVC e a sobrecarga do cuidador: entraves para os cuidados no domicílio, que foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual da Bahia (UNEB), sob o parecer de número 996 193. Assim sendo, através de uma amostra não probabilística intencional, selecionou-se uma participante entre as cuidadoras familiares principais, que exerce esta atividade há mais de um ano e que residia com a idosa, pois este era um tempo suficiente para gerar sobrecarga de cuidado.
A visita teve agendamento prévio, para apresentação dos objetivos da pesquisa e esclarecimento dos preceitos éticos que norteiam a Resolução n.° 466 de 2012, do Conselho Nacional de Saúde. Foram preservados o sigilo e o anonimato da participante identificando-a com o nome de uma flor.
A pesquisa foi realizada no próprio domicílio, no mês de abril de 2016 durante duas visitas com duração média de entrevista de aproximadamente 30 minutos. A participante da pesquisa é filha da idosa que possui diagnóstico médico de AVC há aproximadamente três anos, período que equivale ao tempo de cuidado.
Foram aplicados quatro instrumentos para a coleta de dados. O primeiro refere-se à escala de Katz para avaliar o grau de dependência do idoso após o AVC em seis Atividades Básicas de Vida Diária (ABVD): vestir-se, tomar banho, higiene pessoal (ir ao banheiro), transferência, controle de esfíncteres e alimentação 13. O escore varia de 0 a 6 pontos e atribui-se 1 ponto a cada resposta "Sim". A pessoa será classificada como independente se atingir pontuação 6, com dependência moderada se a pontuação for 4 ou 5 e muito dependente se a pontuação for menor ou igual a 3 14.
O segundo instrumento utilizado foi a escala de zbi para avaliar a sobrecarga de cuidado do CF. Nesta escala, há 22 itens que podem pontuar entre 0 e 88. O escore de 0 a 20 indica ausência de sobrecarga; 21 a 40: sobrecarga moderada; 41 a 60: sobrecarga moderada a severa; 61 a 88: sobrecarga severa10.
O terceiro instrumento utilizado foi um questionário composto por características socioeconômicas, informações relacionadas ao cuidado e as condições de saúde do cuidador. Por fim, procedeu-se ao quarto instrumento representado pela entrevista semiestruturada com uso de gravador de áudio. As questões norteadoras foram:
Como você se tornou a principal cuidadora de seu familiar?
Quais as mudanças que ocorreram em sua vida após se tornar cuidadora?
Quais as principais dificuldades enfrentadas durante o cuidado de sua familiar?
O que ajuda você a enfrentar este processo?
Posteriormente, as entrevistas foram transcritas na íntegra e submetidas à análise de conteúdo, na modalidade temática, compreendendo as três fases: 1) pré-análise, que consiste na leitura e contato exaustivo com o material de campo, validação dos critérios qualitativos e (reformulação de hipótese; 2) exploração do material, que refere-se à codificação das categorias teóricas ou empíricas responsáveis pela especificação dos temas; e 3) tratamento dos resultados obtidos ou interpretação, que, mediante os resultados brutos, propõe inferências e interpretações inter-relacionando--as com o referencial teórico 15.
Resultados e Discussão
O estudo foi realizado com a CF "Margarida", sexo feminino, 38 anos, solteira, ensino fundamental incompleto e sem remuneração salarial, pois se desvinculou do emprego para cuidar da mãe. A residência pertence à pessoa idosa, sobrevivente ao AVC, onde também residem os dois filhos da CF: um menino de 14 anos de idade e uma menina de oito.
Em seguida, descrevem-se alguns aspectos pessoais da enferma e suas limitações. Tem 78 anos, diagnóstico médico de AVC com alta hospitalar há aproximadamente três anos e paresia no braço esquerdo. Necessita de ajuda para banho, vestir-se, ir ao banheiro/higienização, possui incontinência vesical, sendo necessário o uso constante de fralda geriátrica. Esses aspectos conferem o escore de dois pontos na escala de Katz, caracterizando alto grau de dependência na realização das ABVD. Isso pode ter desencadeado sobrecarga moderada à CF, com total de 40 pontos avaliada pela escala de ZBI.
Os instrumentos de coleta de dados com base nas escalas permitem descrever que a idosa possui uma alta demanda assistencial para a realização das ABVD e que a filha cuidadora encontra-se sobrecarregada. Os outros dados coletados, provenientes do questionário e da entrevista, permitem compreender melhor a dinâmica pessoal e reorganização familiar para realizar o cuidado em domicílio após a alta hospitalar.
Assim, após a organização das falas para a descrição dos códigos, foram identificados os núcleos de sentido que, posteriormente, foram agrupados e deram origem às seguintes categorias: Significado de ser cuidadora de uma pessoa idosa após o AVC; Impactos do cuidado no cotidiano; e Enfrentamento das demandas do cuidado.
A categoria O significado de ser cuidadora de uma pessoa idosa após o AVC se consolidou a partir dos núcleos de sentido:
Não foi porque eu fui a escolhida e ao mesmo tempo foi! [...] Minhas outras irmãs não querem saber de cuidar dela! [...] Então, se não fosse eu para cuidar, ela já tinha falecido ou estava no abrigo! [...] Se eu estou do jeito que estou hoje [...] uma mulher e mãe de família, eu agradeço a Deus primeiro, depois agradeço a ela que teve todo esse trabalho comigo! [...] sinceramente eu me sinto feliz cuidando dela [...] vou dedicar a minha vida e o meu tempo mais a ela, porque ela está precisando hoje, do mesmo jeito que precisei dela [...]!
A partir da narrativa da participante, constatou-se que o significado de cuidar da familiar representa uma possibilidade de reciprocidade do cuidado, que não é percebida como sacrifício, mas como a oportunidade de retribuir o carinho recebido durante a vida, que foi importante para o estabelecimento de seus valores pessoais.
Este cuidado intergeracional voluntário geralmente reflete a ideia de reciprocidade que se embasa em elementos como solidariedade, respeito mútuo e generosidade 16. A ação solidária representa uma doação de si no cuidado com o outro 17, que proporciona um significado de crescimento pessoal 18.
O contexto emocional da relação familiar pré-existente influenciou na visão da cuidadora sobre este novo papel 19. Portanto, para esta filha, tornar-se cuidadora foi uma escolha evidenciada pela relação de afetividade e proximidade e, não apenas, por expectativas sociais de parentesco 20, gênero e idade 21.
A oportunidade de restituição desse cuidado despertou sentimentos de felicidade e gratidão 20, pois a cuidadora sentiu-se no dever de retribuir essa dedicação maternal, o que demonstra quão gratificante pode ser o cuidado. Entretanto, este papel também pode ser percebido como uma obrigação imposta pela enfermidade, e não uma opção de vida, pois os CF não encontram outras pessoas para desenvolver esta tarefa 19, podendo surgir sentimentos de raiva, estresse 9 e impaciência 22.
O ato de cuidar, ainda que espontâneo, pode implicar em alterações importantes que afetam o estilo de vida do cuidador. Na categoria Impacto do cuidado no cotidiano, os núcleos de sentido a seguir ilustram a percepção dessa modificação após o processo de adoecimento que ocasionou as respectivas sobrecargas de cuidado:
Sobrecarga financeira: [...] praticamente mudou foi tudo, porque antes eu trabalhava [costurava, ajudava em lanchonete]! A renda da casa vem da aposentadoria dela! Um salário para sustentar todo mundo! As dificuldades são por causa de medicamento que às vezes não acho e tenho que comprar. As fraldas dela são compradas! [...] Tem que pagar o carro para levar e trazer no hospital! Pago água e luz [...] e eu vou economizando o mês inteiro! [... ] Às vezes eu sinto que falta mesmo é no final do mês, que falta dinheiro para comprar as verduras e frutas dela! Preocupo porque uma hora tem que fazer um exame e não tem como eu pagar [...]!
Sobrecarga física: [...] A gente pega na mão dela e leva no banheiro! [... ] as partes íntimas às vezes ela lava! [... ] depois eu seco e troco a fralda! [...] tem dia que ela dá um pouquinho de trabalho! [...] Ela não quer tomar banho! [...] quando chega ao banheiro ela quer deitar no chão! Se colocar ela em pé, ela desce de uma vez! [...] Não ajuda em nada!
Sobrecarga social: [...] às vezes eu ia para o meu serviço e no dia de domingo eu ia à casa de meus irmãos e fazia farra [festa], mas com ela junto! Ela sempre participou! [Hoje] para poder sair de casa e ir à rua, só se meu filho ficar com ela!
Sobrecarga emocional: Tem dia que é cansativo, eu estresso, eu começo a gritar e brigar com ela! Porque tem dia que ela fala: «Hoje vou te pirraçar»! Aí só Deus na causa, porque ela não ajuda em nada [...] principalmente de manhã cedo [...]! Eu a sento e dou o remédio! Quando viro as costas ela joga o remédio fora! [...] No dia que ela não quer comer [... ] pega a comida e joga atrás do sofá, derrama e mela tudo! [...] Cuidar dela e ter outras coisas para fazer estressa e cansa muito [...] é pesado!
Por residir com a idosa que apresenta incapacidade funcional, a rotina de cuidado do CF torna-se ininterrupta, pois além dos cuidados diretos existe a necessidade de administrar toda a logística assistencial, o que contribui para o aumento da sobrecarga do cuidado.
Assim sendo, apesar do ser humano ter em sua essência natural e cultural o cuidado com o outro, essa nova experiência pode representar um desafio para o CF e comprometer a sua dinâmica pessoal e social 23.
Por meio das falas, nota-se o quão impactante a enfermidade pode ser na vida de uma cuidadora de idosa dependente, especialmente, por possuir outros membros da família que também são dependentes de cuidado, como os próprios filhos -uma criança e um adolescente.
Os principais impactos estão relacionados à sobrecarga física diária durante a atividade repetitiva do banho que gera dor e manifestação de cansaço físico. Outros indicativos da sobrecarga relacionam-se com a alteração emocional como o estresse, inadequação do sono, o prejuízo social com privação da liberdade para o lazer e os recursos financeiros insuficientes para manter as demandas básicas de cuidado e prover o sustento do lar para toda a família.
A CF necessitou reorganizar toda a sua estrutura pessoal e abandonar a sua atividade profissional em prol dessa responsabilidade assumida e isso afetou a sua qualidade de vida 19, bem como sua situação financeira com o impacto da saída do serviço. Essas dificuldades econômicas ocorrem porque os CF dificilmente recebem suporte financeiro externo 24 de familiares ou de órgãos públicos.
O aparecimento das sobrecargas de cuidado pode ocorrer simultaneamente e estabelecer uma relação de interdependência. Dessa maneira, as sobrecargas sociais podem afetar os aspectos psíquicos e emocionais 20 expressos por relatos de dores de cabeça, insônia, inapetência, tristeza e ansiedade 25.
Para minimizar essas alterações, a CF buscou Enfrentamento das demandas de cuidado, o que constituiu a terceira categoria. O principal recurso utilizado para reduzir as sobrecargas de cuidado foi a fé em Deus, expressa pelos núcleos de sentido:
Ao final do dia, me sinto cansada, mas agradecendo a Deus que venci mais um dia, pedindo força para superar o que vai vir [...]! [...] se é assim é porque Deus quer! Então eu me conformo!
Esta narrativa amplia a compreensão do quão difícil é a atividade de cuidar. Por mais que seja espontânea, torna-se necessário renovar constantemente as forças espirituais, buscando equilíbrio em Deus. Esta realidade é cotidiana em cuidadores de pessoas com doenças crônicas, pois elas apoiam-se na fé para enfrentar as demandas de cuidado. Nesses momentos, a fé representa não apenas um alicerce espiritual, mas influencia na interpretação do cuidado como missão divina 26.
A cuidadora reconhece que a fé que possui em Deus foi influência materna. Frequentar a igreja hoje representa mais que um momento de socialização, é uma oportunidade de fortalecerem-se espiritualmente, conforme descreve:
Hoje a gente sai [...] para igreja! O pastor vem pegar e trazer a gente! [...] pelo menos sai para algum lugar com ela! [...] Na verdade eu fui para igreja foi através dela! [...] Depois que a gente foi para igreja ela melhorou [...]!
A falta de apoio informal por outros membros da família também é um enfrentamento relatado, que gerou sentimentos de revolta e tristeza, perceptível nos núcleos de sentido seguintes:
[...] é doloroso ver os meus outros irmãos passarem aqui na porta e não terem a coragem de chegar até o portão e perguntar: «Onde está aquela velha, já morreu»? [...] é triste saber que tem filho e sentir-se jogada [...]!
Por meio da narrativa acima fica evidente a não participação dos irmãos no cuidado com a idosa. Estas expressões sugerem que o cuidado da filha para com a mãe foi além de um ato voluntário, pois a CF considerou também que o cuidado prestado pelos irmãos poderia não ser executado com zelo e carinho, configurando-se, portanto como uma falta de opção.
A escolha de um CF para exercer o cuidado pode gerar afastamento dessa responsabilidade pelos demais membros da família. Essa atitude pode propiciar maior incômodo que o próprio cuidar do idoso dependente 27 e contribuir para o aumento das sobrecargas de cuidado 19.
Com relação ao auxílio por outros familiares, neste estudo observamos uma situação singular, com discussão incipiente na literatura. Embora a cuidadora não tivesse auxílio de outros membros adultos familiares, aqui vemos um novo ator neste contexto do cuidado, o filho adolescente como cuidador secundário, atuando principalmente quando a cuidadora principal precisa sair de casa ou encontra-se impossibilitada, como ocorreu durante seu adoecimento, conforme a narrativa abaixo:
Quando tive dengue o meu menino [...] cuidou dela, sem reclamar nada! [...] ele estudava à tarde, saía meio dia e a trocava [...]! Realizava o banho a noite quando ele chegava do colégio! [...] até hoje ajuda [quando precisa sair]!
Estes dados são importantes tendo em vista que a discussão sobre adolescentes como cuidadores secundários para pessoas dependentes ainda é incipiente, pois geralmente esta função é empregada por pessoas adultas 28.
Além disso, uma pesquisa recente tem apontado a necessidade de descrição das relações dos cuidadores com seus filhos e parceiros 24, pois cuidar de um idoso com incapacidade funcional pode gerar a diminuição da atenção com a própria família e aumentar a sobrecarga do cuidador. Este conflito entre mãe e filho/s não foi descrito pela cuidadora e provavelmente o contexto religioso tem contribuído para a harmonia familiar e para o entendimento do cuidado intergeracional como algo necessário 29.
Embora o suporte formal dos profissionais de saúde dos serviços públicos não tenha sido descrito diretamente pela CF, os núcleos de sentido a seguir expressam como é importante repensar as práticas de orientação do cuidado na alta hospitalar, a fim de capacitar os CF no reconhecimento de sinais e sintomas do AVC. Além disso, oferecer apoio no retorno ao domicílio, sobretudo suporte emocional, é necessário para manter o equilíbrio em situações inesperadas:
Tem dias que ela dá crise! Tipo epilepsia! Ela começa entortando todo o corpo! A boca vem para o lado! [...] difícil assim de explicar! Ela entorta, fica babando, tremendo e muda a cor! Ela fica roxa e toda deforma! O médico disse que era da doença! [...] Ela já deu três vezes a convulsão [...] quando ela começa dar essas crises eu me apavoro! [...]
Apesar de cuidar da mãe há três anos, as situações de crises convulsivas ainda causam pavor, pois a CF parece carecer de informações em relação aos procedimentos que devem ser adotados em situações de urgência. Este fato ocorre, provavelmente pela falta de orientações contínuas pelas equipes de saúde, relatada no questionário deste estudo.
A falta de elaboração de um plano de cuidado pelos profissionais de saúde no momento da alta hospitalar, incluindo as orientações específicas que podem nortear o cuidado em domicílio, tem sido apontada como fator contribuinte para as readmissões hospitalares após o AVC 27. A figura do enfermeiro como protagonista dessa ação tem se mostrado incipiente, apesar de ser reconhecido como o profissional de saúde que melhor conhece a cultura do cuidado familiar 27,30.
Esta lacuna assistencial propaga-se até os serviços de atenção primária à saúde, pois os CF têm expressado a fragilidade do suporte social durante o período de reabilitação do idoso dependente 27,30-31. Até mesmo em países desenvolvidos como o Canadá, que apesar de possuir no protocolo de reabilitação uma recomendação de intervenção com a família, não existe especificação de sua operacionalidade 32. Portanto, é importante reduzir orientações pontuais e elaborar planos individuais.
As pesquisas em geral mostram que os CF de pessoas com patologias crônicas recebem pelo menos uma assistência de familiares adultos 31 ou das unidades de saúde 33. Neste estudo em particular, esses dois suportes são ausentes, o que aumenta a predisposição para a sobrecarga de cuidado.
Considerações finais
Considerando o impacto que a doença crônica gera para a pessoa após o AVC e para o CE, é importante que as ações de políticas públicas sejam efetivadas na perspectiva de maior investimento na consolidação de vínculos familiares e suporte social desde a alta hospitalar.
Para esta filha, o cuidado foi marcado por total desvencilhamento das atividades pessoais e profissionais. Nesta condição, fica evidente quão gratificante é poder ter a oportunidade de retribuir o cuidado, apesar das sobrecargas decorrentes dele. Para manter-se firme nesta tarefa, apoiou-se na fé em Deus e no filho adolescente, que surge como novo elemento no apoio assistencial, tendo em vista a falta de apoio informal dos irmãos e suporte social velado.
É importante a capacitação do CF pela equipe de saúde, assim como a criação de espaços de formação e socialização com outros cuidadores para compartilharem desafios e experiências de sucesso na abordagem do cuidado domiciliar.
Aponta-se a necessidade de estudos mais abrangentes que possam explorar o contexto das relações familiares e o cuidado intergeracional, atuação do cuidador secundário adolescente e como ações governamentais podem contribuir para o fortalecimento da proatividade do cuidado em domicílio, pois estas ainda são discussões incipientes.