Introdução
O acompanhamento do crescimento e desenvolvimento é attualmente a principal linha de cuidado e eixo referencial para atenção integral à saúde da criança, proposta pelas políticas públicas de saúde brasileira, sob os aspectos biológico, afetivo, psíquico e social. É um método simples, de baixo custo e de grande eficácia, que inclui ações fundamentais para promover a saúde, como alimentação, imunização, atenção às doenças prevalentes na infância, saúde bucal, estimulação e prevenção de acidentes, dentre outros 1,2.
O crescimento e desenvolvimento é um importante indicador da qualidade de vida e da saúde infantil em razão da sua estreita relação com os aspectos socioeconômicos, ambientais e culturais da população, ou seja, crianças submetidas às condições adequadas de saúde, alimentação e cuidados tendem a crescer e a desenvolver todo o seu potencial 3.
Neste sentido, o cuidado à saúde da criança representa um campo prioritário no âmbito dos cuidados à saúde das populações em função da vulnerabilidade do ser humano nessa fase da vida. O cuidado da criança implica em atender às necessidades essenciais para o seu desenvolvimento e o enfermeiro pode oferecer esses cuidados por meio da consulta de enfermagem.
Assim, a consulta de enfermagem é um instrumento relevante para a promoção, vigilância e acompanhamento da saúde da criança, com a finalidade de promover o potencial intrínseco de seu crescimento. Por meio da consulta de puericultura, o enfermeiro pode detectar os problemas de saúde da criança e implementar ações para impactar sua saúde. O desenvolvimento da consulta requer ações sistematizadas e sequenciadas, sendo elas: histórico de enfermagem e exame físico, diagnóstico de enfermagem, prescrição de enfermagem ou plano terapêutico e avaliação da consulta 4.
Uma revisão sistemática da literatura sobre o crescimento e desenvolvimento infantil, realizada nas bases de dados PubMed, Cochrane, Scopus, Ovid SP, Embase, Who Regional Databases, CINAHL, American Psychological Association e Google, que utilizou os critérios do Child Health Epidemiology Reference Group (CHERG) para avaliação dos artigos, evidenciou que a temática ainda é pouco explorada e que a maioria dos estudos dá ênfase aos instrumentos de avaliação desse processo, com destaque para as curvas de crescimento, mas não fazem referência ao acompanhamento do crescimento e desenvolvimento na consulta de enfermagem 5.
A consulta de enfermagem à criança é uma prática realizada sistematicamente nas unidades de saúde da família (USF), porém observa-se que nem todos os enfermeiros consideram-se aptos para desenvolver tal atividade e reconhecem a necessidade de maior preparo para executá-la 4.
Apesar da consulta de puericultura ser entendida por enfermeiros que atuam na atenção primária à saúde como o acompanhamento do crescimento e desenvolvimento infantil 6, pesquisa que investigou a consulta de puericultura de enfermeiros que atuam em USF, em cidade da região Nordeste do Brasil, mostrou que apenas um pequeno número de profissionais avalia o crescimento e desenvolvimento neuropsicomotor durante a consulta 7. Outro estudo desenvolvido nessa mesma região do país mostrou que apenas 18,2% dos enfermeiros realizam a consulta de puericultura e utilizam a Caderneta de Saúde da Criança (CSC) como instrumento para acompanhar o crescimento e desenvolvimento infantil 8.
Considerando que o crescimento e desenvolvimento é o eixo norteador das ações básicas voltadas à saúde infantil e que a consulta de enfermagem tem papel relevante no acompanhamento e na análise das condições de saúde da criança, esta pesquisa tem por objetivo analisar a avaliação do crescimento e desenvolvimento infantil na consulta de enfermagem. Os resultados obtidos podem oferecer subsídios para a avaliação das ações desenvolvidas na consulta de enfermagem em puericultura e qualificar a atenção à saúde da criança.
Materiais e Métodos
Trata-se de uma pesquisa descritiva, de abordagem qualitativa, realizada em Cuiabá, estado de Mato Grosso, Brasil, nos meses de janeiro e fevereiro de 2012.
Os sujeitos participantes foram quatro enfermeiros, de quatro USF, escolhidas aleatoriamente para contemplar uma unidade de cada regional de saúde do município. O critério de inclusão foi enfermeiros que realizavam consulta de enfermagem a crianças menores de dois anos de maneira programática e contínua há pelo menos seis meses na unidade selecionada.
Dos quatro enfermeiros participantes, dois eram do sexo masculino e dois, do sexo feminino, sendo dois com idade entre 20 a 30 anos e dois entre 40 a 50 anos. O tempo de formação desses profissionais variou de 4 a 15 anos; o tempo de trabalho na estratégia saúde da família variou de 10 meses a 12 anos e o tempo de trabalho na unidade estudada foi de, em média, dois anos. Apenas um enfermeiro não tinha pós-graduação. Os demais tinham de dois a quatro títulos de pós-graduação lato sensu, dois deles, especialistas em saúde da família.
Os critérios para definir as consultas de enfermagem a serem observadas foram: consultas com mães ou familiares de crianças com idade entre zero e dois anos, cadastradas e em acompanhamento pelas equipes das USF escolhidas para a pesquisa. A opção por essa faixa etária se deve ao fato de que nesse período ocorrem as maiores transformações físicas e psicológicas da criança e as consultas para o acompanhamento do crescimento e desenvolvimento são realizadas em maior número e com intervalos menores 2. Foram incluídas 21 consultas com crianças diferentes: 12 tinham menos de seis meses de idade e nove tinham entre 7 a 15 meses de vida. Todas as acompanhantes nas consultas eram mães e, em alguns casos, elas estavam acompanhadas de familiares, como avós, tia, irmãos e pais das crianças.
A coleta de dados foi desenvolvida por meio da observação participante de consultas de enfermagem nas unidades selecionadas para o estudo. Com 21 consultas, obtivemos dados suficientes para responder aos objetivos da pesquisa, e os achados tornaram-se repetitivos ou irrelevantes.
A observação foi realizada por três pesquisadoras. Uma das pesquisadoras assumiu posição ativa e as outras duas ficavam dispostas no consultório de enfermagem em locais estratégicos que possibilitassem a observação do ambiente, do enfermeiro, da mãe/familiar e da criança. As pesquisadoras foram treinadas previamente para a coleta de dados e utilizaram um roteiro a fim de padronizar a observação, que continha os seguintes elementos: a descrição da consulta de enfermagem, focando-se a anamnese e coleta de dados, exame físico, avaliação do crescimento e desenvolvimento -por meio do uso sistemático da CSC- e orientações/ações educativas e condutas tomadas. As pesquisadoras também recorreram ao diário de campo que possibilitava a descrição das observações e suas impressões no momento da consulta.
Ressalta-se que, até o momento da coleta dos dados, não havia no município estudado um protocolo específico para a consulta de enfermagem em puericultura, nem a definição de um referencial teórico-metodológico para tal. Embora a avaliação da metodologia utilizada pelos enfermeiros não tenha sido o objetivo deste trabalho, observamos que todas as consultas acompanhadas contemplaram as etapas básicas preconizadas: histórico/anamnese, exame físico, levantamento de problemas, plano de cuidados e ações de educação em saúde.
A fim de manter a fidedignidade das observações, foi realizada gravação e transcrição do áudio dos diálogos entre os enfermeiros e as mães. Posteriormente, utilizaram-se os registros dos diários de campo para acrescentar aos diálogos as descrições das observações e as impressões das pesquisadoras.
Para análise dos dados, empregou-se a técnica de análise de conteúdo do tipo temática 9. Na etapa de pré-análise, como os dados já estavam transcritos, realizou-se leitura compreensiva para apropriação dos diálogos e observações, identificando os pertinentes aos objetivos do estudo. Na fase de exploração do material, realizou-se leitura em profundidade dos diálogos e observações para captar os núcleos de sentido e classificação/ reclassificação dos achados -categorias e subcategorias empíricas. Da análise final dos dados, foi possível a construção de duas categorias temáticas: Avaliação do crescimento infantil na consulta de enfermagem, e Avaliação do desenvolvimento infantil na consulta de enfermagem.
Para discussão dos dados, utilizou-se, como referencial, a literatura produzida sobre o tema crescimento e desenvolvimento infantil e as diretrizes do Ministério da Saúde do Brasil para acompanhamento do crescimento e desenvolvimento infantil 1,2.
O desenvolvimento do estudo obedeceu aos preceitos éticos de pesquisa com seres humanos disciplinados pela Resolução n.° 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde do Brasil, sendo que o projeto matricial foi submetido à avaliação do Comité de Ética e Pesquisa e aprovado sob o Protocolo n.° 129/CEP-HUJM/2011. Os enfermeiros e as mães ou responsáveis pelas crianças foram informados sobre a pesquisa e aqueles que concordaram em participar assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Para resguardar a identidade dos participantes e das unidades, os relatos do diário de campo foram identificados com a letra D, seguido do número da consulta (C), por exemplo: DC3.
Resultados
Avaliação do crescimento infantil na consulta de enfermagem
Em todas as consultas observadas foram realizadas a mensuração das medidas necessárias para avaliação do crescimento infantil, tais como peso, estatura e perímetro cefálico (PC). O peso e a estatura eram aferidos por técnicos de enfermagem na sala da pré-consulta e os dados registrados no prontuário da criança. O PC era medido pelo enfermeiro no momento da consulta, bem como a determinação do índice de massa corporal (IMC).
Além de avaliar o peso das crianças, percebe-se pelos diálogos das enfermeiras com as mães que o histórico de ganho e perda de peso da criança é uma preocupação, bem como o crescimento compensatório, como descrito na fala a seguir:
Enfermeira: «[...] é, ela já tá com 8900 kg. O peso dela também está bom, tá ótimo, tá ganhando peso. Então, você não precisa se preocupar tá. [...] olha só, aqui tem uma quedinha -apontando para o gráfico de peso na CSC-, mesmo assim ela não está em risco, olha aqui a linha vermelha, ela está ganhando pouco peso, mas tá tudo dentro do normal» [DC3].
Observou-se que, além de avaliar o PC, os enfermeiros também se preocupavam em explicar para a mãe a importância dessa avaliação:
A enfermeira pega a fita métrica, levanta-se e vai até a criança que está no colo da mãe para medir o PC. Após medir a cabeça da criança, anota o PC no gráfico da caderneta e diz: «O peso está adequado e o PC 44,5 cm também» [DC5].
Enfermeiro: «Olha só, aqui nós vamos marcar o PC dela porque o corpo cresce e o crânio também cresce [...]. Se o crânio não desenvolve com a idade, ele pode estar desenvolvendo uma doença. Se ele também cresce, digamos assim, acima do esperado para a idade, também há indícios que precisa fazer uma avaliação médica para ver se não tem nenhuma doença, alguma patologia, né?» [DC15].
O IMC recomendado pelo Ministério da Saúde do Brasil para avaliar o crescimento e desenvolvimento da criança ainda é um parâmetro pouco utilizado pelos enfermeiros. Em apenas uma das consultas observadas ele foi avaliado:
Enfermeira: «Ele tá meio gordinho, mas também tá alto, então ele não fica com aquela aparência de gordo. Ele tá com IMC normal -mãe concorda balançando a cabeça positivamente» [DC9].
Para avaliação do crescimento da criança, obser-vou-se que os enfermeiros utilizaram os gráficos da CSC em todas as 21 consultas:
Enfermeira: «Três meses já está mais fortinha, criou uma gordurinha. O peso dela também tá caminhando junto com a altura -enfermeira enquanto fala faz avaliação do índice de massa corporal na CSC-; tá ótimo o peso dela, 6 300 kg» [DC6].
Além de utilizar a CSC para avaliar o crescimento e desenvolvimento infantil, os enfermeiros aproveitavam o momento da consulta para orientar as mães sobre a sua importância para acompanhar a saúde da criança:
Ela é para a gente avaliar o crescimento e jogar aqui no gráfico -fala referindo-se à CSC. «Você tem uma caderneta ou cartilha, que é importantíssima, pois, além das orientações de higiene, de alimentação, das reações, ela traz o desenvolvimento da criança, né?»
Mãe: «É!» E o enfermeiro completa: «Crescimento, vacina, tem gráficos que nos mostram se está dentro de um padrão normal. Dentro da normalidade ou não» [DC16].
Também foi observado que os enfermeiros orientavam as mães a interpretar os gráficos de crescimento na caderneta de saúde de seus filhos:
Enfermeiro: «Todos os gráficos que tem nessa caderneta têm várias linhas traçadas de cores diferentes né? -pega a caderneta e mostra para a mãe o gráfico e explica detalhadamente a finalidade de cada linha. Então, os valores de medidas que foram feitos de peso, altura que é estatura, a cabecinha que a gente chama de perímetro cefálico, tem marcadores aqui nos gráficos e esses marcadores têm a idade e o valor que a gente mede -mostra os eixos dos gráficos em que os valores são marcados. Então, mãe, você pode estar olhando e verificando se as medidas do seu filho estão adequadas ou não para idade» [DC16].
Outro aspecto observado nessa pesquisa foi o vínculo estabelecido entre enfermeiros e mães/ famílias no processo de acompanhamento de puericultura. Em uma das consultas observou-se que, logo que a mãe entra no consultório, a enfermeira demonstra que percebeu mudanças no crescimento da criança e diz:
Enfermeira: «Gente, como ela está diferente! Quando foi a última vez que ela veio? Estava com quantos meses?»
Mãe: «Um ano!»
Enfermeira: «Estava com um ano!? Ela está muito diferente, o olho dela tava espichadinho, agora está diferente» [DC3].
Avaliação do desenvolvimento infantil na consulta de enfermagem
Quanto ao desenvolvimento infantil, observou-se que, das 21 consultas analisadas, em 14 a criança teve este item avaliado de alguma forma pelo enfermeiro. Em oito, foi utilizado o instrumento de vigilância do desenvolvimento da CSC, em três, o teste de Denver II e, em outras três consultas, o enfermeiro apenas questionou alguns marcos do desenvolvimento para a mãe, mas sem utilizar nenhum instrumento específico.
Os recortes do diário de campo evidenciaram a utilização do instrumento da CSC para a vigilância do desenvolvimento infantil:
Enfermeira: «Bom pra nove meses, algumas coisas ele já fazia com seis meses, bater palma, dar tchau e ele já tá começando a imitar?»
Mãe: «Bate palma, dá tchau.»
Enfermeira: «Você já viu se ele já faz esse movimento de pinça -junta os dedos e faz o movimento de pinça com as mãos- para pegar objetinhos?»
Mãe: «Ele já faz assim -mostra como a criança faz com a mão o movimento de pinça.»
Enfermeira: «E ele já tá conversando, tipo, aquela conversa que você entende?»
Mãe: «Já, já. A gente fala, chama "Je", e ele fala "che, che, che"»
Enfermeira: «E passinhos? Você falou que ele começou a engatinhar, mas e dar passinhos segurando?»
Mãe: «Não, de pé ainda não, só se segurar no bracinho dele ou no disquinho, daí ele vai embora.»
Enfermeira: «Bom, ele tem até 1 ano pra começar a dar uns passinhos tá? -Enquanto falava ia escrevendo na CSC na parte do DNPM-; tá ótimo o desenvolvimento dele» [DC5].
Enfermeiro: «Quando você conversa com ele, ele responde? Ele olha para você?»
Mãe: «Olha e sorri.»
Enfermeiro: «Sorri? Está segurando as coisas já?»
Mãe: «Tá tentando. Ele não segura firme, mas, se mostrar para ele, ele já tenta pegar.»
Enfermeiro: «Isso tem até mais quatro meses para aparecer [...]. Ele levanta a cabeça se deitado de bruços?»
Mãe: «De bruços ele levanta, mas ainda não consegue virar» [DC9].
Além da CSC, os enfermeiros também utilizaram o teste de Denver II para avaliar o desenvolvimento da criança. Essa avaliação era feita indagando para a mãe a presença ou não de alguns marcos do desenvolvimento infantil, de acordo com a faixa etária da criança:
A enfermeira pega o formulário do teste de desenvolvimento de Denver e pergunta para a mãe: «Ela tá com onze meses, já dança, canta?»
Mãe: «Uhum! Dançar, ela dança bastante [...]. Não pode ouvir uma música.»
Enfermeira: «Já está conseguindo beber aguinha no copo?»
Mãe: «Sozinha não.»
Enfermeira: «Consegue falar quantas palavras?»
Mãe: «Ela fala "tatá", "mãe" e "pai".»
Enfermeira: «Já está andando sozinha, ou não?» [DC20].
Cabe salientar que nenhuma das crianças avaliadas na área de desenvolvimento apresentou alterações. Todavia não foram observadas orientações ou prescrições de enfermagem relacionadas à estimulação da criança e ao uso de recreações/ brincadeiras.
Discussão
Para realizar as consultas de puericultura, o Ministério da Saúde brasileiro propõe um calendário mínimo de consultas para o acompanhamento do crescimento e desenvolvimento infantil até os dez anos, com sete consultas preconizadas no primeiro ano de vida da criança. No segundo ano de vida, a criança deve ser atendida no mínimo duas vezes (com 18 e 24 meses) e, a partir dessa idade, uma consulta por ano até os dez anos 2. Esse calendário é seguido na maioria dos serviços de atenção primária no país, inclusive no município estudado, articulando as consultas médicas e de enfermagem.
O acompanhamento do crescimento e desenvolvimento em alguns países assume características semelhantes ao praticado no Brasil. Na Holanda, durante os primeiros quatro anos de vida da criança são realizadas pelo menos quinze consultas, alternadas entre enfermeiro e médico. O objetivo principal das consultas de enfermagem é a detecção precoce de problemas de saúde, vacinação e programa de rastreamento para evitar futuras alterações relacionadas ao crescimento e desenvolvimento 10. Já no Paquistão, devido às altas taxas de mortalidade infantil, esse acompanhamento é direcionado à prevenção das doenças diarreicas, pneumonia e malária, que são a maior causa de morte em crianças abaixo dos cinco anos no país 11.
Neste estudo, no que concerne ao crescimento, observou-se que as medidas de peso, estatura e PC foram analisadas em todas as consultas, o que demonstra um adequado acompanhamento das crianças pelo enfermeiro, dado que, por meio da avaliação dessas medidas, o enfermeiro identifica precocemente alterações e realiza intervenções precisas e essenciais 12.
Resultados semelhantes também foram encontrados em estudo brasileiro que avaliou ações do processo de trabalho e infraestrutura na consulta de enfermagem às crianças menores de um ano, no acompanhamento do crescimento e desenvolvimento na ESF, em que a aferição do peso, comprimento e perímetro cefálico foram realizadas em mais de 90% das consultas analisadas 13. Outro estudo realizado no país e que analisou os registros da consulta de enfermagem em puericultura, mostrou que 100% das crianças foram pesadas e 89% tiveram a estatura e PC aferidos 14.
Na avaliação do crescimento, o peso é o indicador mais utilizado e de maior significado tanto biológico quanto social. Para tanto, o enfermeiro deve associá-lo à avaliação global da criança e suas condições de saúde atuais e pregressas, para ter parâmetros consistentes de avaliação. O peso se altera fácil e rapidamente, de acordo com as mudanças na saúde da criança, e está direta-mente relacionado às suas condições de vida e de sua família. Já a estatura é uma medida estável e regular. Ela é cumulativa, progressiva e nunca regressiva e que cessa ao se completar a maturação dos ossos 2,3.
Por sua vez, o PC é importante para avaliar a dimensão da cabeça e do cérebro e apresenta o maior crescimento pós-natal de 0 a 24 meses, período em que deve ser realizada esta medição. Durante o crescimento, essa medida apresenta pequeno desvio padrão e pouca variação em qualquer grupo etário. Qualquer alteração no PC está relacionada ao desenvolvimento cerebral da criança e pode indicar microcefalia ou macrocefalia 2.
Outro índice antropométrico importante para a avaliação do crescimento infantil é o IMC, que foi pouco utilizado pelos enfermeiros deste estudo, talvez por ser um parâmetro incorporado recentemente no acompanhamento infantil em nosso país. Esse resultado reafirma a realidade brasileira, já que foram encontrados poucos estudos que descrevem a avaliação do IMC pelos enfermeiros nas consultas de puericultura 13,14.
O IMC constitui um importante complemento para avaliar-se o estado nutricional da criança, classificando-o em adequado, magreza, magreza acentuada, risco de sobrepeso, sobrepeso e obesidade 2. A versão atual da caderneta da criança apresenta uma tabela de fácil utilização que auxilia o enfermeiro e outros profissionais de saúde a determinar o valor estimado dessa medida.
Em um dos recortes da observação, foi possível constatar a importância do IMC para a avaliação do crescimento da criança que não foi valorizado pela enfermeira, o que poderá trazer repercussões futuras no crescimento da criança. Ademais, nesse momento da avaliação, o enfermeiro pode propor intervenções quanto à orientação alimentar, contribuindo para melhorar o padrão de crescimento dessa criança.
Os distúrbios nutricionais, como a desnutrição e a obesidade infantil podem ser diagnosticados a tempo com avaliação adequada do crescimento, utilizando, para tal, todos os índices antropométricos (peso, estatura, PC e IMC), possibilitando ao profissional enfermeiro intervir de forma precoce e adequada, e evitando comprometimento irreversível no crescimento da criança 15.
Um aspecto importante na avaliação do crescimento é o registro das medidas na CSC, pois é a partir das informações contidas nos gráficos de peso, estatura, perímetro cefálico e IMC que a equipe de saúde terá parâmetros para o acompanhamento do crescimento e desenvolvimento da criança em todos os níveis de atenção 2. Ressal-ta-se, como ponto positivo da presente pesquisa, a utilização da caderneta como ferramenta para avaliação e acompanhamento do crescimento e desenvolvimento por todos os enfermeiros. Na atualidade, a CSC é utilizada em todo o país para acompanhar e monitorar o crescimento e desenvolvimento infantil, que é considerado uma ação básica em saúde infantil.
Diferentemente desses resultados, um estudo de revisão da literatura sobre a vigilância do crescimento no contexto da Rede Básica de Saúde do Sistema Único de Saúde (SUS) brasileiro verificou a pouca utilização da caderneta de saúde da criança para os registros das medidas de crescimento e ausência de orientações aos responsáveis pela criança sobre as anotações realizadas 16. Pesquisas desenvolvidas em diferentes cidades brasileiras sobre o preenchimento dos dados de crescimento na CSC mostraram que a ausência ou incompletude de dados desse indicador tem sido comum 17,18. O preenchimento insatisfatório da CSC, além de influenciar na avaliação do crescimento, dificulta a identificação das circunstâncias de risco e a implementação da assistência à saúde da criança e seu seguimento 19. A caderneta tem sido incorporada ao processo de trabalho do enfermeiro, representando um importante instrumento de apoio para a assistência à criança durante a consulta de enfermagem, tanto nas ações de vigilância e promoção da saúde, como na comunicação com os outros profissionais e nas atividades de educação em saúde e comunicação com a família 20.
Ressalta-se o uso da CSC como instrumento educativo pelos enfermeiros participantes da pesquisa, já que esses, além de registrarem o crescimento na caderneta, também usavam-na para explicar às mães os gráficos de crescimento, destacando sua importância para o acompanhamento da saúde infantil. Esse resultado corrobora um estudo que analisou a utilização da CSC pela família, a partir da percepção dos profissionais de saúde, que afirmaram aproveitar este instrumento para orientar as mães quanto ao crescimento e principais cuidados com a criança 21.
As ações educativas têm papel de destaque na consulta de enfermagem, pois aumentam o vínculo entre o enfermeiro e a família, potencializando a assistência. Ao orientar as mães sobre a saúde da criança, o enfermeiro tem a oportunidade de torná-la corresponsável pela saúde e cuidado de seus filhos 20. Estimular a família a participar ativamente dos cuidados com a criança, ensinando como funcionam as avaliações e como interpretar os gráficos, é essencial para que a mãe compreenda a importância de acompanhar o crescimento do filho e possa exigir que as medidas sejam registradas nos gráficos de maneira correta 2.
Todavia, para que ocorra adesão das famílias às consultas de enfermagem para o acompanhamento do crescimento e desenvolvimento, é importante que a equipe acolha e estabeleça vínculo com os seus cuidadores, fato observado no presente estudo. Uma pesquisa que buscou conhecer a percepção e a atuação do enfermeiro na consulta de puericultura em cidade da região nordeste do Brasil, também destacou que a avaliação do crescimento da criança era o momento para o estabelecimento de vínculo entre enfermeira e mãe/família, além de facilitar o trabalho, já que aumenta a confiança da família nas orientações realizadas 14.
Para além das ações de crescimento, o Ministério da Saúde do Brasil propõe que os profissionais envolvidos na assistência à criança realizem a vigilância do desenvolvimento a cada visita ao consultório ou em qualquer oportunidade em que isso for possível 2. Considerando que o desenvolvimento da criança decorre da intera-ção entre as características biológicas e as experiências oferecidas pelo ambiente, qualquer fator adverso nessas duas áreas pode alterar o seu ritmo normal 22.
De fato, um estudo desenvolvido no Brasil confirmou que aspectos ambientais e biológicos influenciam o crescimento e também o desenvolvimento. No entanto, os fatores biológicos estão mais associados ao crescimento enquanto que os ambientais têm maior relação com o desenvolvimento 23. Fato que reforça a importância do preparo dos enfermeiros para perceber quaisquer alterações no processo de crescimento e desenvolvimento da criança.
Pesquisas realizadas em nosso país evidenciam a baixa valorização por parte dos profissionais de saúde às informações relacionadas ao desenvolvimento infantil, comprovada pela ausência ou incompletude dos registros na CSC ou nos prontuários 15,17,19. Especificamente quanto à prática da vigilância do crescimento e desenvolvimento infantil, um estudo constatou que, em 52% das consultas analisadas, os enfermeiros não realizaram a avaliação do desenvolvimento 24, o que também foi observado na presente pesquisa.
Apesar da importância do acompanhamento do crescimento e desenvolvimento infantil, pesquisas na área da saúde mostram que existe déficit de conhecimento e falta de preparo dos profissionais para sua efetivação na prática, prejudicando a qualidade da assistência prestada à criança 24. Essa situação poderia justificar a baixa avaliação do desenvolvimento observada na presente pesquisa, que restringiu o acompanhamento do crescimento e desenvolvimento infantil aos indicadores antropométricos.
Pesquisadores da Filadélfia afirmam que as taxas de detecção de atrasos no desenvolvimento infantil são bem menores do que a prevalência dos déficits em virtude do despreparo dos profissionais, em especial dos que atuam na atenção primária. Ressaltam ainda a importância da vigilância do desenvolvimento para identificar e encaminhar as crianças com alterações neste processo 25. Vários são os instrumentos utilizados para avaliação e vigilância do desenvolvimento infantil.
O Ministério da Saúde do Brasil recomenda a utilização da CSC, que oferece subsídios para os profissionais detectarem qualquer alteração no desenvolvimento da criança 1,2, já que o instrumento de vigilância contido na CSC contempla os principais marcos do desenvolvimento.
Verificou-se nos recortes de observação que os enfermeiros perguntavam para as mães se os marcos do desenvolvimento estavam presentes, mas não os verificavam por meio do exame da criança. É recomendado que, desde o momento da entrada da criança no consultório até a sua saída, o profissional observe movimentações, linguagem, comportamentos, interação e estímulo materno, além de testar a presença ou não desses marcos durante a conversa com a mãe e no exame físico da criança 2.
Para promover o crescimento e desenvolvimento infantil adequado, o profissional deve considerar, além da interação social da criança, os aspectos da gestação, parto e puerpério, as questões biológicas e o contexto social, cultural e familiar 2, elementos estes pouco valorizados durante a avaliação da criança nas consultas observadas. Cabe ressaltar que a avaliação e a vigilância do desenvolvimento são fundamentais para a continuidade da assistência e evolução do estado de saúde da criança. Essas informações devem ser registradas a cada consulta no prontuário e na CSC para o acompanhamento eficaz, inclusive por outros profissionais de saúde.
Além da caderneta, outro instrumento utilizado pelos enfermeiros desta pesquisa para avaliar o desenvolvimento foi o Teste de Triagem de Desenvolvimento de Denver II (TTDD). Esse é um dos testes de desenvolvimento infantil mais utilizado pelos profissionais e possibilita a avaliação a partir de quatro categorias/dimensões: resposta motora geral, linguagem, resposta motora distinta-adaptativa e pessoal-social 26. Ao analisar os dois recortes de diálogos em que a enfermeira fez a avaliação do desenvolvimento utilizando o teste de Denver II, observa-se que ela questionou somente alguns itens e não realizou os testes recomendados por ele.
Para que o enfermeiro faça a avalição do desenvolvimento da criança, é necessário que ele conheça os instrumentos e os marcos para cada faixa etária, pois esse conhecimento facilita a avaliação e a detecção de alterações importantes que requerem intervenções e acompanhamento especializado da criança 26.
Neste estudo, apesar da preocupação dos enfermeiros em analisar os gráficos para detectar possíveis alterações ou desvios, não se observou nas consultas a realização de orientações sobre os fatores que interferem no crescimento e desenvolvimento infantil e nem, tampouco, a proposição de atividades para estimulá-lo. Sabe-se que a estimulação constitui um dos cuidados básicos para saúde física, mental, psíquica e social da criança na promoção do seu desenvolvimento. Assim, ensinar a mãe/família a estimular a criança, proporcionando um ambiente favorável ao seu desenvolvimento, independente de déficit ou não, é um dos papéis principais do enfermeiro na consulta de enfermagem 17.
Ressalta-se que o acompanhamento do crescimento e desenvolvimento não se restringe à aferição de medidas antropométricas e preenchimento de gráficos, mas é parte da avaliação integral à saúde da criança e envolve também ações educativas às mães/família sobre as questões relativas ao crescimento e desenvolvimento da criança, a fim de prepará-las para o cuidado cotidiano. Uma pesquisa evidencia que as mães/famílias que recebem orientações dos profissionais de saúde cuidam melhor de seus filhos e, como consequência, eles adoecem menos 27.
No Brasil, houve declínio acentuado da mortalidade de menores de cinco anos em todas as unidades federativas entre 1990 e 2015. Acreditase que parte dessa redução possa estar relacionada ao maior acompanhamento do crescimento e desenvolvimento infantil 28.
Os resultados do presente estudo reafirmam a consulta de enfermagem como uma ferramenta estratégica para acompanhamento do crescimento e desenvolvimento de maneira sistemática e rotineira nas USF, já que o enfermeiro está à frente das ações assistenciais e em contato permanente com a criança e sua família, o que favorece o vínculo e a assistência integral. Ademais, sinalizam para a necessidade de investimentos em capacitações para os enfermeiros para que promovam o acompanhamento integral e de qualidade à criança. Um estudo aponta que após capacitação de enfermeiros para avaliação do desenvolvimento infantil, houve transformações significativas na consulta de enfermagem e os profissionais demonstraram ser capazes de avaliar o crescimento e desenvolvimento da criança e encaminhá-la sempre que necessário 29.
Como uma limitação da pesquisa, destaca-se a abordagem metodológica descritiva, que permite identificar a realidade, mas necessita de outros aportes para maior detalhamento do objeto. Além disso, os resultados aqui apresentados retratam apenas a perspectiva dos pesquisadores e não dos envolvidos na consulta de puericultura. Assim, sugerem-se mais pesquisas sobre a temática que abordem a perspectiva dos enfermeiros e das mães/responsáveis, bem como a efetividade do acompanhamento do crescimento e desenvolvimento na consulta de enfermagem.
A despeito dos resultados aqui apresentados serem parte de uma realidade específica e com um número restrito de participantes, eles poderão sensibilizar os enfermeiros que desenvolvem consultas de puericultura sobre a importância do acompanhamento do crescimento e desenvolvimento, além de oferecer elementos para a melhoria da qualidade da consulta e do cuidado à criança, bem como subsidiar o ensino da enfermagem.
Conclusão
A avaliação do crescimento infantil foi observada em todas as consultas de enfermagem através da utilização dos índices antropométricos e curvas de crescimento contidas na caderneta de saúde da criança. Todavia, algumas ações específicas dessa avaliação vêm sendo implementadas de forma incompleta ou com pouca frequência, evidenciando fragilidades no processo de acompanhamento da saúde da criança. A avaliação e vigilância do desenvolvimento foi efetiva-da parcialmente na maioria das consultas de enfermagem, utilizando-se apenas da percepção materna sobre os marcos do desenvolvimento, sem testar a presença no exame da criança. Também não foram observadas orientações às mães voltadas à estimulação da criança e ao uso de recreação e brincadeiras que auxiliem na promoção do desenvolvimento infantil.
Destaca-se como um ponto positivo observado nas consultas de enfermagem, o fato dos enfermeiros avaliarem o crescimento e o desenvolvimento em todas as consultas. Outro ponto que deve ser destacado é o uso da CSC como instrumento de orientação às mães para a saúde da criança e como ferramenta para avaliação e acompanhamento do CD, o que pode ser considerado um avanço, já que não tem sido observado em outros estudos encontrados na literatura.