Introdução
O cuidado é a prática mais antiga da humanidade e possui a função de assegurar a continuidade da vida 1. Embora possa ser realizado o autocuidado, geralmente o ato de cuidar perceptível e valorizado socialmente é aquele proporcionado a outras pessoas. Quando o outro tenta, junto ao doente, restaurar a conexão entre um mundo que é afetado e afeta, torna-se possível o movimento rítmico entre se cuidar e se envolver ativamente no seu bem-estar 2.
Portanto, o cuidado refere-se a uma atenção que provém da relação de empatia. O cuidador busca imaginar-se no lugar do outro e, dessa forma, dispõe-se a realizar as ações cuidativas de modo a promover bem-estar, conforto e auxiliar em sua autonomia. Entretanto, apesar de o cuidado se constituir na essência natural e cultural do ser humano, existem elementos, como grau de envolvimento nas relações interpessoais, que podem influenciar na maneira como cuidadores se percebem no ato de cuidar, bem como, os sentimentos emanados desse ato.
Historicamente, o cuidado domiciliar à pessoa idosa tem sido atribuído às mulheres, especialmente àquelas que, no seio familiar, possuem maior proximidade afetiva pela relação conjugal ou parental 3. Essa configuração cultural pode repercutir na maneira como o cuidador familiar principal observa, compreende e atribui o significado de seu papel e as repercussões dele em sua vida pessoal.
Nessa relação, o cuidador familiar e o idoso irão retomar lembranças e compartilhar novas formas de interagir. É nesses encontros entre os corpos que ambos são, inevitavelmente, afetados e apresentam como resultado as afecções, representadas por sentimentos primários essenciais como tristeza, alegria e desejo.
Nesse sentido, ocorreram-nos os seguintes questionamentos: quais são os possíveis significados atribuídos à experiência de cuidar? Quais os sentimentos que emanam dessa atividade diária e ininterrupta? De que maneira o cuidador familiar do idoso vivencia os aspectos de liberdade e servidão?
Para pensar sobre essas questões, foi importante compreender que os afetos podem ser produzidos por forças externas ou internas, que alteram a nossa subjetividade, aumentando ou diminuindo nossa potência de ação ante determinadas situações, tornando-nos homens livres ou presos à servidão. Assim, neste estudo, atemo-nos a produzir uma reflexão teórico-filosófica, cujo objetivo foi refletir acerca do significado do cuidado para cuidadores familiares de idosos com base nas conotações dos afetos, presente na obra de Baruch Spinoza, que impulsiona à liberdade ou à servidão nessa relação interpessoal.
O encontro entre cuidador familiar e pessoa idosa
A reflexão que faremos neste item refere-se ao encontro para um cuidado que se torna latente no instante em que a pessoa idosa requer a participação e ajuda de familiares e/ou de cuidadores para acompanhá-la em todas as fases seguintes de sua vida. Esse encontro ocorre sempre como relação dialógica e envolve o cuidado do outro e o cuidado de si.
No cuidado, há sempre um desejo que parte do "eu" em direção ao outro, pois, enquanto o cuidar de um objeto significa uma ação laboral, o cuidar de alguém parte do sentir e desvela-se em preocupação, interesse, solicitude, medo, tristeza, alegria e satisfação 4.
Os sentimentos que emergem desse processo podem ser compreendidos a partir da Teoria da Afetividade, de Baruch Spinoza, cujo princípio fundamental é a doutrina do conatus, segundo a qual "cada coisa esforça-se, tanto quanto está em si, por perseverar em seu ser" 5. Esse esforço necessário de autoafirmação, envolvido nas ideias que constituem a mente, chama-se vontade; quando a mente refere-se ao corpo, chama-se apetite; por fim, quando acompanhado de consciência de si, chama-se desejo 6.
Assim, ao refletir sobre a essência do cuidado, compreendemos que se trata do desejo de realizar atos que nos levam à conservação, encontrando na convivência a expressão intersubjetiva, por meio dos afetos, do toque, do sorriso, do respeito e de outros desdobramentos para a realização do desejo.
Na lógica spinozista, somos movidos por duas afecções primordiais: a de alegria e a de tristeza 7. A primeira produz em nós ideias adequadas, favorecendo a nossa potência de agir, e é, portanto, chamada de afeto-ação. A segunda, por sua vez, reduz a nossa base de energia vital, designando os afetos-paixões. O equilíbrio, nesse sentido, consiste em ter a capacidade de refrear os nossos afetos-paixões que está no próprio encontro com o outro e nos efeitos produzidos a partir deste.
Assim, para além da tentativa de descrição dos motivos que levariam familiares a tornarem-se cuidadores, está a compreensão dos sentimentos que os movem em direção ao cuidado e dos atos singulares e únicos, que são produzidos nesse campo, que abrem possibilidades para ações não esperadas ou não previstas, emergidas do processo de ressignificação do cuidador familiar e do idoso.
Os sentimentos que emanam da experiência de cuidar
O ser humano enquanto modo, expresso em corpo e mente, pode ser afetado de maneiras diferentes por um ou vários corpos exteriores em momentos distintos; além disso, pode deflagrar sentimentos que, embora pareçam ambíguos, não necessariamente se contradizem 8.
Nesse ínterim, compreendendo o cuidado como um fenómeno que não está fora da realidade humana, mas que, na sua dimensão ontológica, faz parte da constituição do ser humano, percebemos a porosidade que nos envolve e nos leva a sofrer física e emocionalmente nesse processo 9.
O inadequado suporte formal proveniente de instituições e profissionais de saúde ou a insuficiência do apoio informal que advém dos demais familiares 10 contribuem para o aumento das sobrecargas de cuidado física, financeira, social, emocional e psicológica do cuidador familiar, o que agrava sua qualidade de vida 11,12 e favorece o aparecimento de sentimentos negativos, que expressam quão solitário pode ser o cuidado ao idoso, especialmente àqueles com a capacidade funcional reduzida ou em processo demencial.
Na terceira parte do livro Ética, Spinoza precisamente busca compreender e definir os afetos, demonstrando que o homem está sujeito aos afetos, à paixão e à ação, e a maneira como somos afetados pode nos conduzir à servidão ou à liberdade 13. Para uma melhor compreensão de como os cuidadores familiares vivenciam de maneira cíclica e simultânea essa gama de sentimentos, apresentamos sequencialmente os afetos primários com suas respectivas projeções.
A tristeza é o primeiro afeto nocivo que surge no homem, e dela provém os demais afetos-paixões dessa natureza, sendo definida como "uma paixão pela qual a mente passa a uma perfeição menor" 5. Ser afetado por tristeza implica ser conduzido por paixões negativas, que induzem a comportamentos inadequados e, por conseguinte, diminui a nossa potência em agir. Assim, quando os cuidadores familiares são afetados por essas afecções eles podem se sentir desanimados e cansados para permanecer na função 14. Os principais sentimentos descritos pelos cuidadores familiares, pautados na tristeza, são: medo 15, estresse, raiva 16, culpa, perda e frustrações 17.
Na dor, por exemplo, uma das partes que nos compõe (corpo e mente) é mais afetada que a outra, e, quando a afecção é simultânea, vai além e torna-se melancolia 5. Portanto, quando os cuidadores estão sujeitos às sobrecargas, que envolvem desgaste físico e/ou mental, associadas à ausência de apoio social, eles podem vivenciar uma dessas afecções.
O ódio é definido como "a tristeza acompanhada da ideia de uma causa exterior" 5, sendo representado nas falas dos cuidadores familiares como um sentimento de raiva, advindo da não aceitação da dependência funcional ou cognitiva do idoso, que os aprisiona ao abdicarem de si em função do outro 15. A raiva é um sentimento pontual, portanto passageiro 16,18.
Simultaneamente à raiva, surge a impaciência, porque os cuidadores não se sentem preparados, estão sobrecarregados 19 ou estressados, pois não pretendiam a princípio serem os cuidadores principais 15, mas ocuparam essa função porque outros familiares desvencilharam-se e por outras razões que serão pensadas adiante.
O medo, por sua vez, é caracterizado como "uma tristeza instável, surgida da ideia de uma coisa futura ou passada, de cuja realização nós temos alguma dúvida" 5. Esse afeto pode estar associado à preocupação em deixar o idoso sozinho por temer que ele caia, ao medo de se perceber no futuro na mesma condição de dependência 15, medo de um novo episódio da doença 20 ou, até mesmo, medo da morte do outro que reflete em si, pois ainda não somos preparados para a perda.
Esses cuidadores podem se sentir, mesmo que momentaneamente, arrependidos por ocupar a função. Isso porque a impotência, que, na versão spinozista, recebe a conotação de humildade, é representada por uma tristeza percebida pelo homem quando contempla sua fraqueza diante de algo 5.
É evidente que a experiência ante a demanda de cuidados no cuidador familiar do idoso, potencialmente, gera sensações de cansaço, perda de liberdade e realização de uma atividade solitária. No entanto, existe algo que os move em direção ao cuidado, que os fazem imergir na relação numa condição de servidão, ou até mesmo de libertação. Nessa perspectiva, fomos incitados ao seguinte questionamento: o que motiva os cuidadores familiares de idosos a tornarem-se cuidadores diante de tantas adversidades?
O cuidado como conduta social que leva à servidão
O homem que está submetido aos afetos-paixões não consegue regulá-los, pois é impotente para freá-los, sendo, portanto, exposto à servidão. As paixões podem ser nocivas ou úteis à condução de nossa liberdade, conforme fazemos uso delas. Assim, quando são nocivas, reduzem a nossa potência e, quando são úteis, favorecem a nossa capacidade de agir 8, tornando-nos livres.
A servidão humana caracteriza-se por um fazer sempre o que é pior para si, mesmo tendo consciência sobre o que é melhor para si: "Pois o homem submetido aos afetos não está sob seu próprio comando, mas sob o do acaso, a cujo poder está a tal ponto sujeitado que é, muitas vezes, forçado, ainda que perceba o que é melhor para si, a fazer, entretanto, o pior" 5.
Em nossa sociedade, tornar-se servo é, muitas vezes, sinónimo de preservação de valores morais, matrimoniais e familiares. Existe aí uma relação ambígua entre o desejo e a obrigação, que é reforçada pelas leis e pela cultura de um país, que podem nos levar à compreensão de ser "eleito" cuidador familiar, dos sentimentos que emergem dessa relação e da servidão resultante desta.
Do ponto de vista legal, a Constituição Federal do Brasil de 1988, dispõe, em seu artigo 230, "sobre o dever da família, da sociedade e do Estado em amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida" 21.
Esse dispositivo legal subsidia a formulação de políticas posteriores que adotaram o mesmo entendimento como a Política Nacional do Idoso (Lei 8.842/1994), cujo capítulo II, artigo 3°, determina "que a família, a sociedade e o estado têm o dever de assegurar ao idoso todos os direitos de cidadania" e, também, o Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003), título I, artigo 3°, reitera "a obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público em assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida" 22,23.
Em estudo realizado com cuidador familiar de idosos, pode-se observar mais um movimento que os leva a tornar-se cuidador, pois eles relatam que começam a sentir amor e pena, e, em alguns momentos, desentendem-se com o idoso, mas, ao recobrar a consciência, arrependem-se. Sentem que é sua obrigação cuidar de alguém que fez por eles, como uma dívida, e assim, com o auxílio da fé, acalmam-se e permanecem na missão 9.
Muitas vezes, o conflito entre o dever fazer, movido pelas paixões, e o não querer fazer, estabelecido pela capacidade de refrear essas paixões, produz afecções de compaixão (pena) e amor; a primeira é má e inútil, porque envolve uma tristeza com a infelicidade do outro; a segunda é uma alegria acompanhada do desejo de conservar o objeto amado e favorece, em si mesmo, a sua potência.
Na servidão, os afetos causam efeitos sobre o nosso corpo; fazem-nos produzir ideias inadequadas e reagir negativamente, a exemplo de situações em que um cuidador "pune" um idoso com demência, muitas vezes de maneira inconsciente, pelo simples fato de ter retomado lembranças da história e das relações vividas com esse familiar idoso que influenciaram negativamente sua vida. Deixá-lo sem comer, agredir, gritar ou até mesmo negligenciar cuidados são manifestações de violência que acontecem porque o cuidador familiar acaba penalizando o idoso por tudo que já viveu.
O cuidador, ao se deparar com situações que não estão de acordo com seus ideais, sente sua vida desorganizada pelo outro e reage de maneira intransigente às diferenças com a finalidade de organizar a vida daqueles que estão sob sua tutela 24. Em outro encontro entre cuidador e idoso, lemos desabafos que reforçam o que temos dito, quando alguns deles relatam pedir ao Senhor que os ajude e que lhes dê paciência, para não agredir fisicamente e não gritar, até o momento em que tudo passa, e o costume com a doença se instala, acabando o pesadelo e tornando calmaria 9.
Quando, por exemplo, a alegria e a tristeza estão relacionadas a uma causa interior imaginária, é produzido um desejo para nos adaptar (acostumar) àquilo que os homens veem como útil e correto, mesmo que esteja nos fazendo mal. A alegria que experimentamos pela aprovação de nossas ações faz com que o nosso desejo seja cada vez maior para permanecermos sob um julgamento moral. De tal forma, através da ilusão do livre-arbítrio, desejamos sempre ser elogiados.
Mas o desejo de receber elogios é sempre um desejo pela própria servidão, pois, ao necessitarmos adaptar a nossa vida à sentença dos outros, estamos afligidos pela honra, a saber, buscando o que os homens vulgarmente procuram e fugindo daquilo que os afligem 8. Os cuidadores estão, nesse momento, sob o efeito do afeto-paixão da soberba, que depende dos elogios de suas ações pela sociedade. Quando essa valorização não aparece, causa dor e adoecimento conjunto. A necessidade é, portanto, de que o cuidador encontre no cuidado o caminho para sua liberdade.
Até agora, apontamos possíveis explicações diante das razões que os tornam cuidadores familiares, ou os fazem ser eleitos, ou se elegerem para o cuidado, mas ainda nos falta responder a uma segunda questão: o que faz o cuidador familiar permanecer e suportar essa função, apesar das adversidades?
O cuidado a partir do conhecimento de si e o caminho para liberdade
Nossa potência é transformada em ação quando somos preenchidos pelo afeto alegria 5. É por meio desse afeto que passamos do primeiro gêne-ro, conhecimento mediado por percepções sensíveis, para o segundo gênero, conhecimento racional, no qual a razão apreende as ideias adequadas 8. A partir desse momento, a mente passa a compreender as nossas ações, e encontramos aí possíveis "explicações". Apesar de vivenciarem esses sentimentos negativos, os cuidadores familiares permanecem no papel, porque algumas situações os fazem recordar dos principais motivos que não os permitem se desvencilhar da função.
A alegria possui como principais variações oriundas de causas externas: esperança ou fé, gratidão ou reconhecimento, que provém do amor. A esperança "é uma alegria instável, surgida da ideia de uma coisa futura ou passada, de cuja realização temos alguma dúvida" 5. Dessa forma, alguns cuidadores familiares acreditam que, em algum momento, a saúde do idoso será restabelecida ou amenizada, mesmo que parcialmente. Essa esperança geralmente é professada pela fé em Deus, pois os cuidadores familiares descrevem que essa crença melhora a capacidade de enfrentamento diante das adversidades do cuidado 25.
O desejo de gratidão, afeto mais forte que destrói outro afeto, surge quando, a respeito daquele que odiamos, passamos a imaginá-lo como causa de nossa alegria (porque houve um novo encontro que favoreceu a nossa potência); imaginamos que ele agora nos ama e passamos a agradá-lo, pelo afeto de agradecimento ou gratidão: "o esforço por fazer o bem àquele que nos ama e que se esforça por nos fazer o bem" 5.
O amor, por sua vez, é o sentimento essencial para o reconhecimento de todas as ações que os cuidadores familiares desempenham, quando, portanto, inevitavelmente, eles acreditam ser este sentimento a potência externa que os permite manterem-se firmes no cuidado. Assim, o reconhecimento é o amor a quem fez o bem àquilo que amamos, e é oposto à necessidade de valorização. Portanto, quando nós nos amamos, inevitavelmente, amamos aqueles que nos fizeram bem de alguma forma, como, por exemplo, nossos familiares ou cónjuges.
Ora, se, por um lado, essa história pode nos tornar servos da boa conduta, por outro, também, pode nos libertar, tendo em vista que o grande motivador das ações de cuidado é o sentimento de gratidão por toda atenção e cuidado recebidos ao longo da sua vida pelo familiar idoso 16. Ter a possibilidade de retribuir o cuidado promove um sentimento de felicidade por proporcionar o bem-estar àqueles que amamos e admiramos 15. Essa felicidade que provém do ato criativo 8 passa a guiar os cuidadores familiares de idosos cada vez mais em direção ao cuidado exequível com alegria.
Por fim, o cuidador caminha para a glória e a satisfação consigo mesmo, quando tenta alcançar um estado de liberdade que rompe com os signos da moral, como agenciadores de sua subjetividade e modeladores de sua prática 24. Para Spinoza 5, "a glória não contraria a razão; em vez disso, pode dela surgir" e "a satisfação consigo mesmo é, na realidade, a maior coisa que podemos esperar" 5.
Estes afetos-ações de alegria surgem quando o homem considera adequadamente a sua própria potência de agir, sem depender de uma aprovação exterior, ressignificando suas ações, como em um combate às forças que o impõem à servidão. Acreditamos que assim se chega ao cuidado libertador. Para Spinoza, a liberdade não consiste na negação das paixões, mas, antes de tudo, na seleção daquelas que favorecem a conservação de nossa natureza ou da própria essência, que estimulam a nossa capacidade de modificação: "existem, pois, muitas coisas, fora de nós, que nos são úteis e que, por isso, devem ser apetecidas" 5. Assim, é importante sabermos quais são os afetos-paixões que são nocivos e úteis, tendo sempre em vista a liberdade como nosso escopo.
Quando, em nossas vivências com cuidadores familiares, encontramos a criatividade nos atos de cuidar da pessoa idosa, seja na hora do banho, seja para a manutenção da sua segurança, ou, até mesmo, para acalmá-lo no instante de desespero, percebemos que existe ali uma potência em agir que os permitiu ressignificar a sua existência enquanto cuidadores, com vistas à sua vantagem na produção de si.
Nesse instante, deparamo-nos com a firmeza spinozista, mediante as ações que são úteis à natureza humana. Para Spinoza, "no homem livre, portanto, a firmeza em fugir a tempo é tão grande quanto a que o leva à luta; ou seja, o homem livre escolhe a fuga com a mesma firmeza ou com a mesma coragem com que escolhe o combate" 5.
Desse modo, a aproximação com pessoas da mesma natureza pode ser um grande promotor de conhecimento dos afetos e remédio para as paixões. Pensar em alternativas de cuidado que aproximem cuidadores familiares e tornem possível vivenciar sentimentos semelhantes pode ser a melhor estratégia para as políticas públicas voltadas para esse público em nosso país.
Considerações finais
Durante o curso de nossas vidas, o ato de cuidar e/ou ser cuidado está diretamente ligado com as relações que estabelecemos com o outro e serão determinantes no processo de viver-envelhecer, produzindo em nós afecções que nos levam à servidão ou à liberdade.
A relação que se estabelece entre cuidador familiar e idoso nos mostra o quão ambíguo pode ser o processo de tornar-se cuidador e permanecer na função. Buscamos, nesta reflexão, discutir, com base na teoria dos afetos de Baruch Spinoza, os sentimentos/afetos que permeiam a vivência de cuidado e que movimentam o familiar a tornarse servo e livre, ao mesmo tempo ou de maneira complementar, à medida que prende aos julgamentos e preceitos morais ou ao conhecimento de si, regulando as paixões inerentes a esse processo.
Se, por um lado, a servidão tem sido também o grande problema na condução de políticas de saúde em geral, aprisionando o cuidador familiar e constrangendo sua potência em agir, por outro, ela se mostra como um caminho para a busca do remédio para refrear as paixões, pois só aprendemos a controlá-las quando as conhecemos de fato.
Assim, as linhas de força que compõem e organizam o processo de cuidado, quando são movidas por afetos/paixões, não evoluem e causam desgaste e sofrimento ao cuidador familiar. Mas, se afetos/ações movem a relação intersubjetiva, os atos de cuidar tornam-se criativos, menos desgastantes e libertam o cuidador.
Desse modo, compreendemos que, para evoluir na perspectiva do conhecimento acerca dos significados do cuidar para o cuidador familiar de idosos, é necessário que busquemos na filosofia a compreensão da essência dos sentimentos que estão envolvidos no dilema. Caso contrário, cairemos sempre nas explicações rotineiras que não traduzem, para nós, familiares, pesquisadores e profissionais de saúde, caminhos que se aproximam de maneira fiel dessa linha tênue entre a servidão e a liberdade, que nos impede de produzir ou nos move para agir, conforme nossa própria ideia de cuidado.