Introdução

As cardiopatias congênitas são anormalidades nas estruturas do coração que podem causar disfunções no funcionamento da hemodinâmica cardiovascular ¹. Estas são consideradas como umas das principais morbimortalidades em neonatos e podem ser detectadas logo ao nascimento ². Apresentam prevalência de 8 a 10:1.000 nascidos vivos. No Brasil, essa prevalência apresenta uma variação entre 5 a 12:1.000 nascidos vivos. Dentre as cardiopatias congênitas acianóticas, destaca-se a persistência do canal arterial (PCA) que é um dos defeitos cardíacos congênitos mais comuns, representando de 5 % a 10 % de todas as cardiopatias congênitas em recém-nascidos (RN) ³.

No PCA, a relação de gênero varia de um indivíduo do sexo masculino para dois do feminino ^4,5. O canal arterial hemodinamicamente significativo acarreta uma série de complicações tais como: hipoperfusão de vários órgãos sistêmicos, hiper-fluxo pulmonar e isquemia miocárdica, sendo que as principais complicações observadas são a insuficiência cardíaca, hemorragia cerebral peri-intra-ventricular, disfunção renal, enterocolite necrosante, displasia broncopulmonar, hipertensão pulmonar, actelectasia e hemorragia pulmonar ^6-8.

O tratamento do PCA, atualmente, ocorre com o uso de anti-inflamatórios não hormonais e/ou fechamento cirúrgico. Os tratamentos apresentam boa resposta, mas sua utilização ainda é controversa devido aos efeitos colaterais (risco de alteração transitória na perfusão cerebral e diminuição transitória da função renal no uso dos anti-inflamatórios, pneumotórax, infecção, hemorragia, quilotórax, paralisia de corda vocal na cirurgia) e a falta de evidências de que melhorem o prognóstico desses pacientes em longo prazo ^9,10.

A assistência e os cuidados de enfermagem podem contribuir muito para viabilizar a realização do diagnóstico de enfermagem, conforme a North American Nursing Diagnosis Association - Internacional (NANDA), e possibilitar intervenções precoces nos RN com alterações ao nascimento, o que leva à necessidade de explorar e adquirir novos conhecimentos que possam contribuir para a diminuição dos agravos e da mortalidade neonatal. Conhecer o perfil e os diagnósticos de enfermagem do neonato com cardiopatias congênitas, como a PCA, pode favorecer um melhor planejamento da assistência de enfermagem. A elaboração do plano assistencial pelo enfermeiro quando se conhece o perfil e a patologia da população com a qual se trabalha, provê uma assistência adequada pela equipe de enfermagem ^11,12.

A literatura acima evidencia a grande relevância do aprofundamento do tema, em especial para os profissionais de enfermagem, sendo assim, esse estudo justifica-se na necessidade de identificar a prevalência de PCA em uma amostra de neonatos internados em um hospital público do norte de Minas Gerais.

Materiais e métodos

Trata-se de um estudo observacional, de caráter descritivo e análise quantitativa ¹³. O processo de amostragem foi censitário, onde todos os prontuários de neonatos internados no hospital público de escolha, no período de agosto de 2015 a agosto de 2016, com idade até o 7° dia de vida, foram analisados, observando a ocorrência do diagnóstico de PCA. A amostragem final foi de 313 prontuários. Os critérios de inclusão foram prontuários de neonatos nascidos naquele hospital e os critérios de exclusão foram neonatos nascidos em outros hospitais e vindos através de transferência externa, além dos prontuários incompletos ou ilegíveis.

Para a coleta dos dados foi utilizado um questionário elaborado pelos pesquisadores que contém dados considerados importantes e embasados nos textos da literatura atual e propõe que sejam investigadas as variáveis relacionadas à mãe (idade gestacional -IG-, se realizou o pré-natal, doenças e vacinas maternas) e as variáveis relacionadas ao RN (peso de nascimento; Apgar 1' e 5'; ocorrência de PCA; diagnóstico respiratório; sopro; atendimentos na sala de parto, incluindo reanimação nos 7 primeiros dias; desconforto respiratório; utilização de suporte respiratórios como CPAP - pressão positiva contínua nas vias aéreas; HOOD; intubação, cateter nasal; VPP - ventilação a pressão positiva; dados sobre a utilização de medicamentos para a função respiratória como: surfactante, cafeína, nebulização). Foram avaliadas ainda a presença de complicações nos 7 primeiros dias de vida.

Os dados coletados foram tabulados em planilha de Excel e transferidos para análise no programa MINITAB® 17, onde foi empregado o teste estatístico T de Student, calculadas as médias, desvio padrão, valores máximos, mínimos, frequência, dentre outros. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa das Faculdades Unidas do Norte de Minas sob o número 1.934.464.

Resultados

Foram analisados inicialmente 349 prontuários de rn nascidos no período acima descrito, sendo 36 documentos excluídos por falta de dados ou serem de crianças não nascidos no hospital de estudo. No final da análise, 313 prontuários foram considerados aptos para a pesquisa e foram realizadas as estatísticas descritivas.

Na amostra total dos prontuários analisados, percebe-se que a prevalência da pca ocorreu em 2,5 % das crianças (8 neonatos com PCA) e dessas 4,3 % apresentaram também desconforto respiratório (5 neonatos).

A ig média da amostra total foi de 36 semanas, enquanto que o peso ao nascer médio foi de 2760 g, sendo o peso mínimo da amostra de 395 g. No que se refere aos RN com PCA, percebe-se uma ig média de 32 semanas e quando relacionada ao peso ao nascer, observa-se a média de 1850 gramas, dados bem inferiores aos da amostra geral que foi composta em sua grande maioria de RN saudáveis.

Nas tabelas a seguir, apresentam-se mais resultados da amostra total (313 prontuários), sendo que na Tabela 1 estão organizadas as análises das variáveis e hipóteses que foram identificadas no estudo e na Tabela 2 são apresentadas as estatísticas descritivas das variáveis ig, peso ao nascer, Apgar 1' e 5'.

Tabela 1 Hipótese da pesquisa diagnóstico cardiológico relacionado à idade gestacional e ocorrência de PCA relacionada à idade gestacional, peso ao nascer, Apgar 1' e 5', realizada em neonatos inernados em um hospital público 

* p-valor < 0,05.

Fonte: prontuários de neonatos internados em um hospital público no município de Montes Claros-MG.

Tabela 2 Estatísticas descritivas das variáveis idade gestacional, peso ao nascer, Apgar 1' e 5' da pesquisa realizada em neonatos internados em um hospital público 

Fonte: prontuários de neonatos internados em um hospital público no município de Montes Claros-MG.

É válido ressaltar que na Tabela 1 a ocorrência de PCA relacionada ao Apgar alterado no 5° minuto foi a única variável que mostrou significância conforme as análises do p-valor.

A Tabela 3 é sobre a ocorrência de diagnóstico respiratório, sopro, reanimação e suportes ventila-tórios. Sobre o dado de utilização de suporte venti-latório pelos rn, observa-se que o suporte mais utilizado foi o HOOD 25,6 % ⁸⁰, logo em seguida 13,4 % ⁴² necessitaram de intubação, 10,5 % ³³ de CPAP, 8,9 % ²⁸ de vpp e, por fim, 2,2 % ⁷ necessitaram de cateter nasal.

Tabela 3 Ocorrência de diagnóstico respiratório, sopro, reanimação e suportes ventilatórios na pesquisa realizada em neonatos internados em um hospital público 

Fonte: prontuários de neonatos internados em um hospital público no município de Montes Claros-MG.

Discussão

O estudo evidenciou que a PCA em RN prematuros, assim como em outros artigos, é pouco frequente e está associada a uma série de morbidades hemodinâmicas significativas, sendo a intervenção cirúrgica indicada quando no tratamento medicamentoso não ocorre o fechamento do canal ¹⁴.

Essa ocorrência é maior em prematuros pois o baixo peso ao nascer e a ig menor que 34 semanas têm relação inversa ao PCA, corroborando com outros resultados da literatura ^7,15. Na clampagem do cordão umbilical do RN e início da respiração fetal há um aumento da resistência vascular sistêmica e a queda da resistência vascular pulmonar ocorrendo, assim, a inversão do Shunt e o seu fechamento fisiológico, não havendo comprometimento do sistema circulatório. Isto se dá de 3 a 5 dias após o nascimento.

A PCA em RN prétermo, com ig inferior a 30 semanas, é elevada, sendo que nesse estudo a média de ig das crianças foi de 32 semanas. Em outros estudos, esse valor pode variar de 50 % a 100 % nos primeiros dias de vida, dependendo do diagnóstico e da IG ¹⁶. Vale ressaltar ainda que a PCA está presente em até 75 % dos neonatos nascidos com IG menor que 28 semanas, e os problemas relativos à PCA continuam sendo um tema atual em neonatologia ^17,18.

Outro dado importante a ser discutido é em relação ao peso dos RN prematuros, sendo que em crianças com peso < 1000 gramas, a PCA ocorre em 70 % dos casos ¹⁷, dado esse contrário a este estudo que evidenciou a média de peso dos RN com PCA de 1850 gramas.

As manifestações clínicas da PCA, repercussões cardiocirculatórias, pulmonares e sistêmicas, dependem da magnitude do shunt E-D. No mais, o quadro clínico varia com a ig do RN ⁹, sendo que nesse estudo a variável ig não demonstrou significância nas análises (p-valor de 0,99), discordando de outras literaturas ^19,20.

Os primeiros sinais clínicos de PCA podem ser identificados a partir do 3° dia ou então após a administração do surfactante, sendo os mais frequentes: a taquicardia e atividade precordial hiperdinâmica (devido ao aumento do volume ventricular esquerdo) e aumento da amplitude dos pulsos (devido à diferença entre a pressão arterial sistólica e diastólica ser maior que 30 mmHg) ^7,21.

Neste estudo, assim como em outros ^21,22, percebemos um valor significativo de sopros cardíacos nos neonatos da amostra (13,1 %). O diagnóstico do canal arterial pode ser evidenciado pela presença de sopros cardíacos, no aumento da pressão de pulso ou no precórdio ativo, sendo estes manifestados tardiamente e sensíveis nos primeiros dias de vida, portanto torna-se importante a confirmação através de exames de imagem, como a ultras-sonografia, para compreender os efeitos hemodinâmicos associados a esta patologia ²².

Intervenções cirúrgicas precoces para a correção das falhas aumentam bastante a sobrevida dos portadores de cardiopatias congênitas e melhoram a qualidade de vida, por isso é importante o diagnóstico precoce ². Neonatos prematuros e com diagnóstico de PCA apresentam o Apgar menor no primeiro minuto, dado esse em discordância com os resultados desse estudo, onde a variável alteração no Apgar do quinto minuto demonstrou significância, sendo que o valor encontrado nos dois momentos é de extrema importância para a determinação de condutas especificas de reanimação do neonato, diagnósticos precoces e para um prognóstico de mortalidade ²³.

Esse dado encontrado nesse estudo sobre a alteração do Apgar abaixo de sete no quinto minuto de vida indica a necessidade de assistência imediata a fim de minimizar as sequelas por falta de oxigenação cerebral ²⁴.

Outro dado importante incluído nesse estudo, e a ser discutido, é o uso de suporte ventilatório nos RN, sendo que nesse estudo o suporte mais utilizado foi o HOOD 25,6 % ⁸⁰, logo em seguida 13,4 % ⁴² necessitaram de intubação, 10,5 % ³³ de CPAP, 8,9 % ²⁸ de VPP e, por fim, 2,2 % ⁷ necessitaram de cateter nasal. Esses dados corroboram outros estudos que destacam a necessidade de intubação e ventilação com pressão positiva e oxigênio, que além de ser um indicador de hipóxia neonatal, doença pulmonar ou extrema imaturidade, pode levar à distensão alveolar excessiva, causando lesão por estresse nos capilares alveolares ^25,26.

A enfermagem exerce um papel importante no cuidado da criança com alteração nas variáveis envolvidas nesse estudo e mais ainda nos RN com diagnóstico de PCA, sendo que, de acordo com os diagnósticos de enfermagem da NANDA, podemos elencar os diagnósticos mais importantes a fim de se planejar a assistência. Esses incluem o risco de débito cardíaco alterado uma vez que, na presença do canal arterial aberto, há uma sobrecarga pulmonar devido a um retorno anormal do sangue à artéria pulmonar, consequentemente, tendência a uma sobrecarga cardíaca ^12,27.

Como cuidado de enfermagem, destaca-se a monitorização contínua da frequência cardíaca e perfusão tecidual com o auxílio de um oxímetro de pulso. Outro diagnóstico que pode ser destacado é a fadiga e o risco de hipotermia, já que, devido à monitorização contínua, o RN será bastante manipulado causando agitação e estresse e, no caso da incubadora, pode causar também a hipotermia, sendo papel da enfermagem promover calor ao RN e um ambiente o mais calmo e acolhedor possível ²⁷.

Conclusão

Esse estudo apresentou como suas principais considerações que a presença de PCA na amostra foi relativamente baixa. Entre os fatores associados ao aparecimento da cardiopatia, as alterações no quinto minuto de Apgar mostraram ser estatisticamente significantes. O desconforto respiratório estava presente em mais da metade da amostra que também era portadora de PCA, mostrando que existe uma relação direta entre os dois. Observamos ainda que o tipo de suporte respiratório mais utilizado é o HOOD e o menos utilizado são os cateteres nasais.

Acreditamos que identificar a ocorrência do diagnóstico da PCA e conhecer as repercussões respiratórias, assim como proposto nesse estudo, pode auxiliar na programação da assistência e, em especial, favorecer a melhoria da conduta da enfermagem. A detecção precoce das cardiopatias e correlação dos fatores relacionados pode ajudar, de forma significativa, nos cuidados a serem tomados pela equipe no atendimento de urgência ao neonato e variáveis como ig, peso ao nascer, e Apgar, além de exames diagnósticos de imagem, podem ser de grande valia para o diagnóstico precoce de PCA. Devido à pouca literatura disponível sobre essa temática, sugere-se que sejam realizados novos estudos mais aprofundados e com amostras maiores.

Esse estudo tem como limitações o fato de ser de caráter observacional e condicionado à qualidade das fontes de informações consultadas, no caso os prontuários que o hospital utiliza, portanto, seus resultados devem ser utilizados com cautela.