Introdução
A luz, o ruído e as interrupções da equipe do hospital motivam frequentes despertares e mudanças prejudiciais na quantidade e qualidade do sono das crianças hospitalizadas e dos pais que ficam com elas durante a noite 1. A má qualidade de sono inclui cansaço, mesmo depois de dormir o suficiente, acordar muitas vezes durante a noite e apresentar distúrbios do sono como ronco ou falta de ar 2.
Os distúrbios do sono causam anormalidades na regulação e fisiologia do sono 3 e danos às crianças. Afeta a qualidade de vida no que concerne à capacidade funcional e ao estado de saúde, interferindo em cinco preditores: qualidade do sono e despertar, humor, estado psicológico, forma física e relacionamento social e familiar 4.
Estima-se que uma em cada três crianças em idade escolar apresenta dificuldades de aprendizagem, alterações do comportamento, aumento de predisposição para lesões acidentais e obesidade devido aos distúrbios do sono na infância 5.
O distúrbio respiratório do sono (SDB) é um padrão respiratório anormal causado pela obstrução das vias aéreas superiores que ocorrem durante o sono, o que inclui apneia, hipopneia, despertar relacionados ao esforço respiratório e hipoventilação 6.
A síndrome do respirador bucal, também conhecida como respiração oral 7 e respiração bucal 8, é um distúrbio comum na infância caracterizada pela respiração alterada, ou seja, respiração realizada predominantemente pela boca ou nariz e boca (mista) 9. A prevalência nas crianças permanece controversa, oscilando entre 50 %-56 % 10. Pode ser decorrente de problemas funcionais de obstrução das vias aéreas superiores (rinites, sinusites, amigdalites), não obstrutiva funcional, devido a hábitos deletéricos (sucção de dedos prolongada induzindo à mordida aberta anterior) e orgânicos (predisposição anatômica) 8.
A respiração bucal nas crianças, quando ocorre de forma crônica, pode ocasionar alterações na face e postura corporal, distúrbio do sono, déficit de atenção, problemas com alimentação, com evolução psicológica e social 11.
Assim, este estudo é relevante pela perspectiva de proporcionar uma contribuição acerca da promoção do sono restaurador por meio da identificação dos distúrbios do sono nas crianças que apresentam distúrbios respiratórios obstrutivos e, consequentemente, respiração bucal. Isso com o fim de motivar o bem-estar diurno e interferir diretamente nas atividades e na qualidade de vida das crianças internadas.
Diante desse contexto, questionou-se: há alteração na qualidade do sono das crianças internadas com síndrome do respirador bucal? Desse modo, objetivou-se analisar a qualidade do sono das crianças internadas em hospital com síndrome do respirador bucal.
Método
Pesquisa descritiva, com componente analítico e abordagem quantitativa, realizada com crianças de 5 a 12 anos, internadas na clínica pediatrica do hospital público municipal, localizado na cidade de Maracanaú, Ceará, Brasil, de setembro a novembro de 2010. A instituição dispõe de 111 leitos distribuídos nas especialidades: cardiologia, ginecologia, endocrinologia, neurologia, pediatria, pneumologia, dermatologia, pré-natal de risco, otorrinolaringologia, hematologia, gastroenterologia, mastolo-gia, urologia, patologia cervical e infectologia.
A amostra intencional constou de 80 crianças, respeitando os critérios de inclusão: crianças com diagnóstico médico de patologias obstrutivas de vias aéreas superiores do sistema respiratório, realizando tratamento fisioterapêutico, com respiração bucal (boca ou nariz e boca), em ar ambiente e na faixa etária compreendida entre 5 e 12 anos de idade. Como critérios de exclusão, pais e/ou responsáveis das crianças que possuíam problemas cognitivos que inviabilizassem a realização da pesquisa.
A coleta de dados ocorreu a partir de entrevista com os pais e/ou responsáveis pelas crianças que responderam ao questionário Índice da qualidade do sono de Pittsburgh (IQSP), instrumento validado em português, que avalia a qualidade subjetiva do sono em relação ao último mês 12.
O IQSP 12 consiste em 19 questões autoadministradas e cinco interrogações que podem ser respondidas por companheiros de quarto, as quais são utilizadas somente para informação clínica. As 19 questões são agrupadas em sete componentes, cada um pontuado em uma escala de 0 a 3, cujas opções de resposta variam de acordo com os componentes, conforme indicados nas tabelas que seguem. Os componentes (c) são, respectivamente, C1 (qualidade subjetiva do sono: componente base para o cruzamento na Tabela 1, tendo como opções de resposta: muito boa, boa, ruim e muito ruim), c2 (latência para o sono: tempo em minutos que leva para dormir), c3 (duração do sono: número de horas dormidas por noite), c4 (eficiência habitual do sono: quantidade de horas entre deitar e levantar), c5 (distúrbios do sono: são problemas para dormir, no total de nove questões, listados na Tabela 1), c6 (uso de medicamentos para dormir) e c7 (disfunção diurna: enstusiasmo para dormir durante o dia).
1 Teste linear by linear test; * Variáveis que apresentaram associação estatística signifcante. Fonte: dados da pesquisa.
Os escores dos sete componentes são somados para conferir a pontuação global do IQSP que varia de 0 a 21, sendo categorizados com pontuações de 0-4 (boa qualidade do sono), de 5-10 (qualidade ruim) e acima de 10 (distúrbio do sono), presente no resultado final da Tabela 2.
1 Teste χ2 com correlação de continuidade; * Variáveis que apresentaram associação estatística signifcante. Fonte: dados da pesquisa.
A análise dos dados foi baseada na pontuação descrita no IQSP. Para a tabulação dos dados, utilizou-se o programa estatístico Statistical Package for Social Sciences (versão 14). Realizou-se a estatística descritiva e para a comparação entre as médias, foram aplicados os testes: teste x 2 , com correlação de continuidade, e linear-by-linear, cujos resultados foram dispostos em forma de tabelas facilitando, dessa forma, a apresentação dos resultados. O nível de significância estabelecido foi de 5 % (p < 0,05) em todos os testes.
0 estudo respeitou as exigências formais contidas nas normas nacionais e internacionais regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos, com parecer aprovado pela Universidade Estadual do Ceará, de número: 10245094-3.
Resultados
Das 80 crianças que compuseram a amostra, houve predominância do sexo masculino 46 (57,5 %). No dia da coleta, a média da idade das crianças foi de 9,08 anos (DP = 2,23). A pneumonia (55 %), pneumonia + infecção das vias aéreas superiores (28,8 %) e a pneumonia + asma (16,3 %) foram as patologias mais frequentes apresentadas pelas crianças respiradoras bucais.
A Tabela 3 apresenta a resposta do componente 1 (ci): Qualidade subjetiva do sono no último mês das crianças respiradoras bucais internadas em hospital e que servirá para cruzamento na Tabela 1.
Constatou-se que 35 (43,7 %) pais e/ou responsáveis consideraram que as crianças possuíam boa qualidade do sono no último mês.
A Tabela 1 apresenta os problemas para adormecer das crianças internadas, ou seja, os distúrbios do sono noturno e a sua relação com a qualidade do sono no último mês.
Os problemas indentificados em relação ao sono, relatados por pais e/ou responsáveis pelas crianças participantes, classificaram-se como qualidade do sono boa ou muito boa, com valor de p significante. Apenas a situação de sentir frio e dor durante o sono não apresentou diferença estatisticamente significante (p > 0,05).
Realizou-se o cruzamento do resultado final da qualidade do sono no último mês e os componentes do índice de qualidade do sono (Tabela 2).
Constatou-se predominância total de seis componentes referentes à boa qualidade do sono, no qual o único que não obteve resultado com significância estatística foi o componente problema/distúrbio do sono (p = 0,074).
Discussão
Os achados deste estudo mostraram que crianças com síndrome do respirador bucal apresentaram qualidade de sono boa, de acordo com os critérios do IQSP.
Estudo descritivo, com 425 crianças de cinco a 10 anos de idade, objetivou verificar a prevalência dos distúrbios do sono na população infantil e apontou que a maioria (73,6 %) foi caracterizada com qualidade de sono boa 13. Porém, estudos indianos com crianças na idade escolar da zona rural 14 e da zona urbana 15 identificaram alta prevalência da respiração bucal dentre os comportamentos autoprejudiciais para a cavidade oral, assim como outro estudo, com 1034 crianças entre 4 e 13 anos, que revelou alta prevalência (29,4 %) 16.
Outro estudo, apesar de não ter trabalhado com ISPQ, identificou a prevalência de respiradores bucais em crianças de escola do ensino fundamental da cidade de Londrina. Constatou-se que dormir bem esteve associado negativamente à respiração bucal, com, porém a incidência de ronco e de baba foram significativamente maiores nos respiradores bucais em relação aos nasais 10.
No presente estudo, quanto aos problemas para adormecer/distúrbios do sono noturno relatado pelos pais e/ou responsáveis das crianças que não interferiram no sono, os resultados revelaram que demoraram mais de 30 minutos para adormecer (51,5 %, 45,5 %), levantaram para ir ao banheiro à noite (43,8 %, 53,1 %), apresentaram desconforto respiratório (43,4 %, 377 %) e tiveram sonhos ruins (54,5 %, 42,4 %).
Para isso, destaca-se que as investigações dos problemas do sono infantil não são limitadas às características da criança, por isso é pertinente que se verifiquem todos os aspectos cognitivos paternos acerca da higiene do sono, por ser tal fator imprescindível no momento da escolha/construção da intervenção clínica para prevenção de distúrbios do sono 17. Na presente investigação, entende-se que a maioria dos pais e/ou responsáveis não os percebia como prejudiciais para a qualidade do sono boa das crianças, pois os problemas acima citados que ocorriam eram bem tolerados por aqueles que cuidavam da saúde dos filhos com síndrome do respirador bucal.
Aponta-se, também, a importância das intervenções da enfermagem na promoção do sono infantil, como na saúde pública do Canadá onde famílias e crianças são acompanhadas por enfermeiras capacitadas que utilizam um protocolo de educação em saúde e melhoram significativamente as percepções da qualidade do sono. Essas intervenções garantem a identificação precoce de anormalidade, estimulam a higiene do sono e o manejo com os surgimentos de distúrbios 18.
Estudo de corte, realizado com 59 crianças de 3 a 12 anos de baixa condição social. Avaliou a qualidade de vida de crianças com distúrbios respiratórios do sono, comparou com crianças com síndrome da apneia obstrutiva do sono e ronco primário e identificou quais domínios do questionário da qualidade de vida estão mais comprometidos; 74,6 % apresentaram ronco primário, sendo a perturbação do sono (18,8 ± 5,19) um dos domínios mais afetados 19.
O problema sentir muito calor uma a duas vezes/ semana, apontado como problema por pais e/ou responsáveis de 26,3 % das crianças com sono ruim e de 5,3 % com sono muito ruim (referência que relatou o distúrbio do sono na abordagem pediátrica), leva à recomendação de que hábitos saudáveis de sono devam iniciar-se logo nos primeiros meses de vida (3° ao 4° mês) e continuar por toda a vida, a fim de prevenir os distúrbios comportamentais do sono. Assim, enfatiza que a criança deva dormir em ambiente calmo, com pouca luz, sem ruídos e com temperatura agradável 18,20.
Com relação à latência (quantidade de tempo em minutos para adormecer) e eficiência habitual do sono (quantidade de tempo em horas entre deitar e levantar) 12, neste estudo 96,7 % das crianças classificadas como tendo qualidade de sono boa, conciliavam o sono em até 15 minutos (Tabela 2). Resultado que diverge de uma pesquisa transversal que aplicou o Portuguese Childrerís Sleep Habits Questionnaire (CSHQ-PT) aos pais de crianças frequentadoras de jardins de infância ou escolas primárias e no qual se constatou que as crianças pré-escolares apresentaram maior resistência na hora de iniciar o sono de até 20 minutos (p = 0,046) 21.
Aspecto importante a ser sinalizado na hora de dormir é que o tempo necessário de sono muda com o passar dos anos 20. Para manter uma saúde ideal, com melhora da atenção, comportamento, aprendizagem, regulação emocional, qualidade de vida, com saúde mental e física, recomenda-se que entre três e cinco anos de idade (pré-escolar), a criança durma de 10 a 13 h por dia (incluindo os cochilos) e para a idade escolar (seis a doze anos), o recomendado é de 9 a 12 h de sono 22.
Destaca-se que não foi possível proceder à comparação com a pesquisa supracitada devida ao ISPQ classificar a duração do sono de modo diferente, concluindo que houve, segundo o questionário trabalhado prevalência acima de 7 horas de sono para 77 (100 %) das crianças deste estudo; destas, 63,3 % foram classificadas com qualidade de sono boa. Contudo, a duração do sono da amostra mostrou-se similiar ao mínimo de horas de sono aceitáveis e recomendáveis pela National Sleep Foundation 23.
Pesquisa observacional, realizada em consulta de saúde infantil, avaliou a qualidade do sono e estimulou a prevalência das perturbações do sono de 131 crianças dos dois aos 10 anos de idade, por meio do CSHQ-PT, na qual se identificou que a mediana de tempo total de sono foi 10 horas (amplitude interquartil: 9 h 30 min-11 horas), sendo superior na idade pré-escolar (p = 0,002), decrescendo com o aumento da idade 24.
Em análise prospectiva das consequências desses distúrbios do sono na idade escolar, o estudo associou o sono aos dados sobre o desempenho escolar e concluiu que um fraco desempenho acadêmico pode refletir na perturbação circadiana subjacente que, em parte, pode ser mediada pela frequência escolar, bem como a sonolência diurna e a curta duração do sono. Isso sugere que uma avaliação cuidadosa do sono é necessária para lidar com dificuldades educacionais 25.
Por outro lado, a revisão que descreve os diagnósticos psiquiátricos mais relevantes para crianças e associações com o sono, recomenda maior atenção à avaliação do sono em crianças. Também recomenda pesquisa do sono sobre uma gama mais ampla de transtornos psiquiátricos, pois os problemas do sono podem passar despercebidos por pais e profissionais de saúde, portanto, constituem um risco oculto para outras psicopatologias 26.
Nesse sentido, os problemas do sono infantil têm aparecido com maior frequência na literatura nos últimos anos e uma série de intervenções tem sido tentadas para melhorar os problemas do sono infantil, incluindo consultorias, sessões de educação em saúde e intervenções utilizando a Internet 27.
Além disso, o cuidado oferecido pela equipe de enfermagem foi considerado de boa qualidade por acompanhantes de crianças hospitalizadas. O aspecto que gerou satisfação foi a receptividade dos profissionais de saúde para atender às necessidades de crianças e famílias referentes ao sono dos hospitalizados 28.
Como limitações deste estudo, leva-se em conta a amostra que foi intencional e o ISPQ que avalia a qualidade subjetiva do sono em relação ao último mês, podendo favorecer lacunas no preenchimento do instrumento e ausência de exatidão dos pais e/ou responsáveis participantes de relatar problemas do sono das crianças respiradoras bucais.
Conclusão
As crianças respiradoras bucais apresentaram resultados satisfatórios em relação à qualidade do sono. Acerca dos sete componentes do IQSP, observou-se que o único que interferiu para a qualidade de sono ruim foi problema/distúrbio do sono (p = ,074).
Assim, diante do objetivo proposto, identificaram-se fatores que interferiram na qualidade do sono de crianças, tendo em vista que a enfermagem, munida de achados científicos, poderá atuar de forma direcionada e plausível no tratamento de crianças inseridas em uma equipe multidisciplinar, tornando-se uma grande aliada nesse processo.
Além disso, pesquisas posteriores devem realizar tratamento mediante esses fatores identificados para que, assim, a atuação da enfermagem aconteça de forma mais eficaz diante dos achados, refletindo diretamente na melhoria da qualidade de vida por meio da promoção da saúde.