Introdução
Em 11 de março de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) decretou a pandemia ocasionada pela "Coronavirus Disease" (covid-19), causada pelo vírus Sars-CoV-2 1. Estudos demonstram que o Sars-CoV-2 sobrevive em vários ambientes como superfícies e pode ser transmitido por vias aéreas e por fezes 2, além de outras formas de contaminação que envolvem a água e o esgoto 3. Assim, para reduzir a transmissão do novo coronavírus, exigese qualidade de higiene pessoal em diferentes configurações ambientais, o que demanda trabalho colaborativo sustentável 4.
O novo cenário mundial tem influência do ambiente e repercute no cuidado com a população pelos profissionais de saúde e pela própria comunidade. No entanto, as demandas de cuidados com o ambiente já eram desempenhadas na época de Florence, pioneira da enfermagem moderna, sobretudo na Guerra da Crimeia 5.
Durante a guerra, Florence e outras enfermeiras deram suporte aos feridos, mesmo com os desafios das condições e das influências externas, tais como infecções pós-operatórias, ambiente insalubre, dificuldades com medicamentos e transporte 5. Para mudar esse cenário, Florence, com sua equipe, adotou medidas básicas relacionadas à higiene pessoal dos pacientes, aos utensílios individuais, além de outras medidas estruturantes e ambientais para a redução de infecções. De fato, tais ações colocavam o paciente na melhor condição para a ação da natureza, uma vez que a prática de enfermagem não é curativista 5.
Nesse sentido, Florence Nightingale desenvolve a teoria ambientalista em 1859, na Inglaterra, tendo como foco de atuação o ambiente, visto suas condições e influências externas poderem afetar a vida e o desenvolvimento das pessoas 5. A teoria enfatiza que a interação entre o ambiente e as pessoas acontece por meio das forças da natureza, em que as pessoas integram o ambiente e dele se beneficiam, usufruindo de suas condições na busca de se manterem saudáveis e restabelecerem a saúde para evitar doenças, já que o ambiente é passível de mudanças que podem contribuir para a manutenção da vida e da saúde 6.
Diante do contexto atual da covid-19, foram necessárias mudanças nos hábitos de vida das pessoas, como a adoção do isolamento/distanciamento social e de normas de higiene, e ambientes adequados para a prevenção do vírus. Esse cenário requer dos profissionais de saúde e da sociedade civil ações de prevenção da doença, de cuidado de si e do outro, e de promoção do conforto, como ocorreu em séculos passados durante pandemias e epidemias. Nesse contexto, a prática de higienização das mãos é considerada uma das medidas utilizadas para reduzir as infecções 7,8.
Posto isso, o objetivo deste estudo é refletir sobre as recomendações preventivas de isolamento/ distanciamento social, higienização do ambiente e das mãos em tempos de covid-19, na perspectiva da teoria ambientalista de Florence Nightingale.
Trata-se de um ensaio teórico que teve como fundamento a exposição lógica e reflexiva, em que foi utilizada como fonte primária a teoria ambientalista de Florence Nightingale, em sua obra Notas sobre Enfermagem - o que é e o que não é5, além de fontes secundárias para o subsídio de informações sobre a infecção e os meios de prevenção da transmissão, como artigos e documentos da OMS. Para tanto, tomaram-se por embasamento duas das principais relações da teoria ambientalista (ambiente-doente e enfermeiro-ambiente), articuladas com breves fundamentações da atualidade.
Relação ambiente-doente ante as recomendações de isolamento/ distanciamento social da covid-19
A relação ambiente-doente, derivada da teoria ambientalista de Florence Nightingale, ressalta como o ambiente influencia a criação ou a propagação de doença, sobretudo, quando as pessoas mantêm contato com outras infectadas ou doentes 5. Nesse sentido, a medida de distanciamento/isolamento social é necessária no combate da transmissão viral do Sars-CoV-2 e como estratégia de prevenção social, devido ao avanço da transmissão comunitária no ambiente em inúmeros países, inclusive no Brasil 9,10.
A transmissão da doença acontece por meio de gotículas salivares com secreções ou excreções de uma pessoa infectada para outra não infectada, em virtude do contato próximo e desprotegido 11.
Assim, a OMS recomenda que seja adotado o isolamento dos casos suspeitos da doença e o distanciamento social. As medidas de combate à transmissão do vírus e de seu enfrentamento se destacam como os principais meios para controlar o elevado aumento dos casos da covid-19 no Brasil e no mundo 12.
Nesse contexto, o isolamento se refere à separação de pessoas infectadas de objetos, mercadorias e meios de transportes que são de uso coletivo, com finalidade de prevenir a transmissão por esses meios e a consequente propagação do vírus 13,14. Enquanto o distanciamento social diz respeito às pessoas que devem ficar em seus domicílios com vistas a diminuir significativamente a transmissão comunitária do vírus entre elas no ambiente 15,16.
Ressalta-se que, no ambiente social, busca-se a prevenção da doença, mas, quanto aos efeitos do corpo sobre a mente, como ansiedade e depressão, a teórica aponta a necessidade de diversificar os pensamentos 8. Esses efeitos podem ser identificados mediante o "pico" da doença, em que o isolamento/distanciamento rompe com o cotidiano no ambiente comunitário e hospitalar. Diante de tal fato, as pessoas precisam seguir uma rotina ou repensar em outras possibilidades de lidar com a nova situação. Além disso, necessitam a assistência de profissionais de saúde, mesmo que por meio da telessaúde 17,18.
Assim, perante um vírus de alta transmissibilidade, faz-se indispensável a garantia da prevenção das pessoas ante o desafio da pandemia que assola o mundo. O propósito é assegurar que pessoas infectadas não operem como meios de transmissão mediante suas interações no ambiente com pessoas sadias, preservando a manutenção da saúde.
Relação enfermeiro-ambiente na higiene do ambiente e das mãos no contexto da covid-19
A relação enfermeiro-ambiente salienta que o profissional de enfermagem deve manipular e controlar o ambiente para a recuperação do doente 5. Isso deve ser feito por meio da exposição ao ar fresco, à luz, ao calor e ao sossego, e da eliminação de contaminação no ambiente. Nesse sentido, a realização da higiene do ambiente e das mãos pode ser considerada medida relevante no enfrentamento da transmissão viral da covid-19 15.
A higiene do ambiente e das mãos, bem como as relacionadas ao manuseio e ao uso de instrumentos, a qualidade do ar e da água, e a estrutura física dos ambientes são aspectos passíveis de intervenções. Esses aspectos são destacados no legado de Florence como medidas influenciadoras na promoção da saúde, na qualidade de vida, na prevenção de doenças, da transmissão de vírus e de agravamento de patologias 7.
A higienização do ambiente consiste nas atividades de limpeza direcionadas para remover ou matar patógenos danosos ao organismo humano. Especificamente, patógenos capazes de transmissão direta das superfícies ou indireta para indivíduos ou outras superfícies suscetíveis 19,20.
Diante dessas possibilidades de transmissão, o novo coronavírus é capaz de sobreviver fora do corpo humano, em aerossóis e em superfícies, de plástico ou aço inoxidável, por até 72 horas. Nesse contexto, procedimentos básicos como o arejamento e a exposição solar do ambiente, a limpeza rotineira de ambientes e superfícies são recomendados para a eliminação do vírus 21.
Embora hoje a higienização das mãos seja uma prática frequentemente realizada pelas pessoas, no passado, por Florence, ela acontecia como forma de prevenir a transmissão de micro-organismos pelo contato de mãos infectadas. A prática da higienização das mãos evita que as pessoas e os profissionais de saúde sejam acometidos por infecções, a exemplo da covid-19 5,22.
Portanto, a higiene das mãos com água e sabão, e o uso de solução alcoólica a 70 % para fricção delas e para a limpeza das superfícies e dos objetos (smartphones, teclados de maquinetas de cartões e computadores, maçanetas de porta, corrimãos, elevadores, apoios em transporte público, como ônibus e metrô) devem receber atenção especial, pois a sua não realização contribui para disseminar o vírus no ambiente. Nesse sentido, essas ações são destacadas como medidas para o controle e a prevenção da disseminação do novo coronavírus à população 23,24.
Posto isso, fica perceptível que Nightingale foi fundamental para o reconhecimento da importância da prevenção e do controle de infecções 5. Perceber a possibilidade de contaminação das pessoas em sua interação com o ambiente pela viabilidade da transmissão de micro-organismos a quem estivesse sadio configura-se o aspecto relevante deixado por Nightingale, o qual contribui para as práticas de cuidado em saúde.
Em face do exposto, faz-se preciso que as pessoas se utilizem da higienização do ambiente e das mãos a fim de eliminar patógenos no ambiente. Isso possibilitará a contenção de ameaças virais, como a covid-19, e garantirá um ambiente propício para a promoção da saúde.
Conclusões
Os postulados de Florence Nightingale, tratados em sua teoria ambientalista, demostram a importância no cuidado às pessoas no contexto da pandemia da covid-19, dado que o isolamento/distanciamento social limita a propagação do vírus para o ambiente. Ademais, a higienização do ambiente e das mãos - esta última historicamente reconhecida como a principal e de maior evidência científica-medida preventiva fundamental para o combate e o controle da transmissão cruzada de micro-organismos pessoa-pessoa e pessoa-ambiente-pessoa.
A organização das ações preventivas e o gerenciamento de atividades assistenciais são indicações para a prática de enfermagem na atuação durante a pandemia covid-19. O modelo nightingaleano se expressa na efetividade e no impacto das intervenções na vida das pessoas atendidas e na população em geral.
Portanto, este estudo pretendeu contribuir para ressaltar a importância de recomendações preventivas em saúde alicerçadas no resgate claro, científico e de fácil entendimento dos ensinamentos sustentados pela teoria nightingaleana, base das ações de proteção, prevenção e cuidados como resultados de intervenções no ambiente, perante a pandemia da covid-19 e outras doenças infectocontagiosas. Estas são recomendações atuais e válidas, consideradas necessárias para a redução do risco de contaminação pelo novo coronavírus.