Introdução
A Estratégia Saúde da Família (ESF) é o modelo de organização e consolidação da Atenção Primária à Saúde (APS) no Brasil. Para tanto, baseia-se em atributos essenciais para seu desenvolvimento, como acesso, primeiro contato e vínculo com os indivíduos e as famílias, integralidade do cuidado, longi-tudinalidade e coordenação da atenção em meio à rede assistencial 1. Entretanto, a conjuntura do Sistema Único de Saúde (SUS) demonstra que a existência real do modelo de ESF enfrenta dificuldades na implementação de sua proposta assistencial, gerando contrariedades na clínica e na gestão 2.
Avaliar a qualidade da ESF contribui para monitorar os avanços e pontuar os obstáculos existentes, viabilizando o direcionamento de ações no processo de planejamento e a delimitação de estratégias para sua melhoria e alcance de maior resolutivida-de. Com esse intuito, entre outras ações, o Ministério da Saúde criou, em 2011, o Programa de Melhoria do Acesso e Qualidade na Atenção Básica (PMAQ-AB) 3, com a proposta de incentivar os gestores e as equipes na melhoria da qualidade dos serviços ofertados, instituindo processos contínuos e progressivos de avaliação e monitoramento como parte do planejamento e do cotidiano dos serviços. Essa iniciativa trouxe grandes avanços, fomentando debates sobre o delineamento da APS e a condução de pesquisas de abrangência nacional 4.
No entanto, apesar do largo incremento no desenvolvimento de processos de avaliação em saúde no Brasil 5, evidencia-se a necessidade de ampliar a utilização de ferramentas e iniciativas a serem aplicadas no monitoramento da ESF para fortalecer a cultura de avaliação nas instituições de saúde pública. Sem reconhecer as características locais da ESF, não é possível subsidiar a estruturação de avanços e superar os obstáculos existentes.
Assim, ressalta-se a tríade de orientação da avaliação dos serviços de saúde, desenvolvida criteriosamente por Donabedian, baseada nas dimensões de estrutura, processo e resultado, como forma de mensurar os diversos fatores envolvidos na qualidade da atenção à saúde 6. Essa proposta permite a utilização de diferentes mecanismos metodológicos para orientar a avaliação das dimensões.
A concepção adotada para este estudo é a da avaliação do primeiro ponto de atenção da rede de serviços de saúde, que abarca as dimensões da APS, seus atributos essenciais e derivados. Considera-se a qualidade da APS como catalisadora para o avanço da integralidade da assistência, para a ampliação da cobertura universal e para a resolutividade das necessidades de saúde da população 7.
Nesse ínterim, emergem os seguintes questionamentos: como são avaliados os serviços de ESF nas dimensões de estrutura, processo e resultado em um município polo do oeste de Santa Catarina? Qual a relação da avaliação da qualidade da ESF com os atributos essenciais da APS? Nesse sentido, este estudo tem como objetivo avaliar a qualidade dos serviços da ESF por meio da percepção dos profissionais sobre a dimensão estrutural desses serviços e seu processo de trabalho, o resultado sob a ótica dos usuários da ESF e as relações estabelecidas com os atributos essenciais da APS.
Materiais e método
Trata-se de uma pesquisa de abordagem quantitativa com desenho transversal 8. O referencial teórico de avaliação dos serviços de saúde utilizado nesta pesquisa foi de Avedis Donabedian, que se baseia nas dimensões de estrutura, processo e resultado 6.
A dimensão de estrutura avalia as condições existentes para a execução da assistência à saúde e compreende os recursos humanos, materiais e físicos, as normas, as rotinas e as instalações. A dimensão de processo concerne às atividades ofertadas pelos serviços de saúde no desenvolvimento da assistência, abrangendo procedimentos, técnicas, aspectos éticos e relação terapêutica. O componente do resultado refere-se ao impacto da interação entre o serviço de saúde e os usuários, e o efeito dessa interação na saúde da população 6.
O cenário da pesquisa consistiu em todas as 26 unidades de saúde da família de Chapecó, em Santa Catarina, no Brasil, considerado município polo da região, que abrange outros 38 municípios. Chapecó apresenta população estimada de 213.279 habitantes, tendo cobertura de ESF de 91,12 %, com 53 equipes de saúde da família 9.
O estudo abordou dois públicos diferentes na pesquisa. Na dimensão de análise de estrutura e processo de trabalho, os entrevistados foram os enfermeiros e os médicos das unidades de saúde da família do município. Já para a dimensão de resultados foram entrevistados os usuários vinculados às respectivas unidades.
O público profissional entrevistado foi composto de todos os enfermeiros e médicos da ESF do município que se encaixaram nos critérios de inclusão e exclusão da pesquisa. O método de escolha foi intencional, considerando a função profissional na ESF. Como critério de inclusão, foram considerados enfermeiros e médicos que atuavam na ESF por no mínimo um ano, e, como critérios de exclusão, profissionais que estavam em férias, afastados ou em licença saúde. Ao todo foram abordados 48 enfermeiros e 47 médicos, totalizando 95 profissionais das 53 equipes de saúde da família.
A amostra aplicada aos usuários foi intencional, estratificada e proporcional à cobertura da ESF no município. Foi adotado um intervalo de confiança de 93 %, com um erro amostral de 7 %. De acordo com o cálculo amostral utilizado 10, considerou-se a população de 213.279 habitantes com a cobertura populacional da ESF estimada em 91,12 % 9, que equivale a 194.339 habitantes; assim, determinou-se com o cálculo a população amostra de 203 usuários.
Legenda: n0 - primeira aproximação do tamanho da amostra;
E - erro amostrai tolerável;
N - tamanho da população; n - tamanho da amostra.
A coleta de dados foi realizada no período de fevereiro a junho de 2018. Foram realizadas entrevistas utilizando-se dois instrumentos, um para profissionais e outro para os usuários. Antes da aplicação, no intuito de validá-los e ajustá-los, os instrumentos de coleta foram testados e avaliados quanto ao grau de congruência com os objetivos da pesquisa e à facilidade de compreensão por seis profissionais, sendo três médicos e três enfermeiros, e 15 usuários.
Foi elaborado um termo de compromisso livre e esclarecido (TCLE) para os profissionais de saúde entrevistados e outro para os usuários da ESF, nos quais constaram todas as informações da pesquisa. O TCLE foi exposto e posteriormente assinado pelos entrevistados.
Para analisar a dimensão de estrutura e processo, o primeiro instrumento, com 24 questões fechadas, foi aplicado de forma presencial em todas as equipes de saúde da família do município. Foi realizado o contato telefónico ou verbal com os coordenadores das unidades básicas de saúde e agendadas as aplicações dos formulários para uma reunião das equipes de saúde da família durante os cinco meses da coleta de dados, já que nela se encontravam os profissionais públicos-alvo do estudo. Para a avaliação da dimensão de resultado, aplicou-se o segundo instrumento, contendo 18 questões fechadas, também de forma presencial aos usuários da ESF do município. A mensuração dos formulários da pesquisa foi avaliada em um escore de um a três pontos (3 - bom; 2 - regular; 1 - ruim).
Todos os dados foram organizados em uma base de dados do Microsoft Excel 10, versão 14.0.7212.5000, ao passo que, para a análise, utilizou-se o software livre Gnu Regression, Econometrics and Time-series Library (GRETL), versão 1.1. A análise estatística inferencial dos dados por regressão linear múltipla transcorreu por meio da seleção de variáveis preditoras (independentes), que foram agrupadas para explicar a variável resposta (dependente) nas dimensões de estrutura, processo e resultado. Ademais, o modelo de análise permitiu a comparação entre a combinação das variáveis em cada uma das dimensões estudadas, conforme o Quadro 1.
Legenda: CE - categoria de estrutura; CP - categoria de processo; CR - categoria de resultado.
Fonte: elaboração própria.
Neste estudo, foi utilizado o banco de dados da pesquisa "Gestão da qualidade na Atenção Primária à Saúde: uma avaliação da estrutura, processo e resultado" 11 e foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal da Fronteira Sul no ano de 2018, com o Parecer n. 2.492.799.
Resultados
O perfil dos participantes da pesquisa foi composto de 49,5 % de profissionais médicos e 50,5 % enfermeiros, com tempo de atuação na saúde da família entre 1 e 20 anos, sendo a média de 3 anos e 8 meses. No que se refere à formação e à capacitação profissional, metade dos profissionais (50,5 %) apresenta especialização na área de APS, saúde da família ou saúde coletiva. Quanto aos usuários das unidades de saúde, apresentam média etária de 43 anos; 8,9 % têm superior completo; 34,0 %, ensino médio completo; 25,1 %, ensino fundamental completo e 32,0 %, ensino fundamental incompleto ou não são alfabetizados. Em seguida, serão apresentados os resultados de acordo com as dimensões estudadas.
Dimensão de estrutura
A Tabela 1 demonstra os resultados da estimação das variáveis estruturais para o funcionamento e organização da ESF no município pesquisado, conforme avaliação dos profissionais das equipes de saúde da família. Os resultados revelam que, na regressão linear dos mínimos quadrados ordinários (MQO), o coeficiente alfa não é estatisticamente significante (NES), sugerindo se tratar de uma regressão pela origem, em que o intercepto não é estatisticamente diferente de zero.
(*) Probabilidade de erro de 1,0 %, com significância de 99,0 %.
(**) Probabilidade de erro de 5,0 %, com significância de 95,0 %.
(***) Probabilidade de erro de 10,0 %, com significância de 90,0 %. Legenda: CE - categoria de estrutura.
Fonte: elaboração própria.
Na avaliação dos profissionais das equipes de saúde da família sobre qualidade da estrutura para o funcionamento das atividades das unidades básicas, na lógica da ESF, o fato de a constante ser igual a zero representa que as variáveis independentes utilizadas no modelo explicam o funcionamento e a organização da Atenção Primária.
A variável de maior significância no modelo de análise é a disponibilidade do número de equipes de saúde da família por habitante (CE1), que se apresenta significativa ao nível de 1,0 %. Com relação à disponibilidade de medicamentos na unidade (CE4), apresenta-se significativa ao nível de 5,0 %, enquanto a variável de localização geográfica (CE3) da unidade apresenta significância a 10,0 % de probabilidade de erro. Dada às combinações, as demais variáveis não apresentam significância estatística para a dimensão da estrutura. Embora sejam NES, essas variáveis não podem ser negligenciadas pelos serviços, pois essa situação ocorre em função das diferenças na percepção dos profissionais no que se refere a essas três variáveis.
Outro elemento importante com relação ao modelo utilizado que merece ênfase diz respeito ao nível explicativo ou ao índice de correlação das variáveis. Esse modelo tem o nível explicativo apresentado pelo "R-quadrado ajustado" de 16,5 %. Em termos práticos, significa que, na avaliação dos profissionais de saúde, as variáveis estruturais pesquisadas explicam em 0,1652, o que representa 16,5 % a qualidade da estrutura.
Em primeira análise, esse índice de correlação é relativamente baixo; não obstante, é relevante considerar os elementos empíricos que influenciam na avaliação de cada unidade por parte dos profissionais, como os diferentes bairros, as diferentes estruturas físicas, a qualificação e o tempo de serviço das equipes de saúde da família. Esses elementos sempre apresentam subjetividades relacionadas à percepção do profissional, o que gera grande dispersão nas percepções avaliativas. Assim, o nível explicativo, embora seja baixo , identifica as variáveis relevantes da dimensão estrutural das unidades.
Dimensão de processo
A estimação das variáveis do processo assistencial na ESF é apresentada na Tabela 2. O coeficiente de intercepto apresenta nível de significância a 5,0 %, com coeficiente negativo de (- 1,28). Isso expressa que, ao não considerar as variáveis do modelo, a avaliação do processo de trabalho pelos profissionais das equipes de saúde da família seria negativa.
(*) Probabilidade de erro de 1,0 %, com significância de 99,0 %.
(**) Probabilidade de erro de 5,0 %, com significância de 95,0 %.
(***) Probabilidade de erro de 10,0 %, com significância de 90,0 %. Legenda: CP - categoria de processo.
Fonte: elaboração própria.
A variável de maior significância estatística no modelo que avalia os processos de trabalho das equipes de saúde da família é a efetividade das visitas domiciliares (CP2), que se apresentou significante ao nível de 1,0 % de probabilidade de erro. Já na avaliação do processo de vínculo e longitudina-lidade (CP1) e do processo de avaliação, monitora-mento e implementação do PMAQ-AB (CP7), o nível de significância foi a 5,0 %.
Nesse modelo, dadas as combinações entre as variáveis, os demais coeficientes não apresentam significância estatística para a dimensão do processo de trabalho. Conforme destacado na tabela anterior, embora sejam NES, essas variáveis não podem ser descuidadas pelos serviços. Outrossim, é possível deduzir que elas apresentam nível de eficiência bastante díspares entre as unidades básicas de saúde do município pesquisado.
O coeficiente de correlação desse modelo, que determina o nível explicativo das variáveis, representado pelo "R-quadrado ajustado", foi de 0,38, o que representa 38,0 %. Esse coeficiente pode ser considerado relevante, porquanto existem variáveis no modelo que apresentam significativa dispersão de informações, o que diminui a correlação entre a variável explicada das variáveis explicativas.
Dimensão de resultado
A Tabela 3 apresenta a estimação das variáveis relacionadas à satisfação dos usuários das unidades de saúde. Esse modelo tem alta significância estatística para boa parte das variáveis. O intercepto apresenta significância ao nível de 10,0 %, e seu coeficiente foi negativo (- 0,49), o que determinaria grau negativo de satisfação dos usuários caso não existissem as variáveis explicativas do modelo. Verifica-se, a partir da estimação dos coeficientes, que o grau de satisfação dos usuários da ESF está relacionado diretamente à estrutura física do serviço (CR2), ao vínculo com a equipe (CR3), ao agendamento de consultas (CR4) e à qualidade das consultas realizadas (CR8).
(*) Probabilidade de erro de 1,0 %, com significância de 99,0 %.
(**) Probabilidade de erro de 5,0 %, com significância de 95,0 %.
(***) Probabilidade de erro de 10,0 %, com significância de 90,0 %. Legenda: CR - categoria de resultado.
Fonte: elaboração própria.
As variáveis de estrutura física (CR2) e vínculo com a equipe (CR3) apresentam nível de significância a 1,0 %; as variáveis agendamento de consultas (CR4) e qualidade das consultas (CR8) apresentam significância a 5,0 %, e a agilidade no atendimento da rede de saúde (CR5) tem significância a 10,0 %.
O potencial explicativo desse modelo pode ser considerado altamente relevante, porquanto o coeficiente de correlação foi de 0,5260, o que representa 52,6 %, demonstrado na Tabela 3 pelo R-quadrado ajustado. Por conseguinte, dado que o modelo apresenta três variáveis NES, as demais variáveis têm potencial altamente explicativo. É pertinente destacar que, na análise de grau de satisfação, em que inevitavelmente persiste algum nível de subjetividade, um potencial explicativo de 52,6 % é relevante.
Discussão
A avaliação realizada permitiu identificar que, na dimensão estrutural, o número de equipes de saúde da família por habitante, a localização das unidades no território e a disponibilidade de medicamentos detêm maior impacto para a qualidade do serviço.
A prática da ESF segue o modelo de territorialização, no qual delimita-se o critério de adscrição para o cadastro da população de determinada área a uma equipe de saúde. A Política Nacional de Atenção Básica vigente, revisada no ano de 2017, delimita a faixa populacional de 2.000 a 3.500 pessoas por equipe de saúde da família, mas flexibiliza essa relação em prol da autonomia do gestor municipal para a definição do espaço territorial de vinculação com a população 12,13.
Tal revisão da política representa um risco para a qualidade da assistência, pois o número de equipes de saúde da família completas por habitante configura um componente estrutural necessário, associado ao melhor desempenho da clínica ampliada na ESF e à corresponsabilização dos profissionais pelos usuários 3,14. O número de equipes por habitante impacta diretamente no desenvolvimento do processo de trabalho e na efetividade do serviço, como constatado no presente estudo.
Outro fator impactante na dimensão estrutural das unidades básicas de saúde é sua localização no território. O território na APS constitui um espaço inte-rativo, permeado por objetos geográficos, sociais e culturais, que permitem compreensão do contexto de potencialidades e riscos inerentes à forma de viver da comunidade 15. O próprio acesso aos serviços de saúde é pior onde se tem populações vulneráveis 16. Nesse sentido, a localização inadequada das unidades no território constitui uma barreira para o acesso; dessa forma, o local de uma unidade deve ser estratégico e projetado para reconhecer e responder às especificidades existentes.
A disponibilidade de medicamentos configurou a última variável estrutural com maior significância para a qualidade. A carência de insumos, como medicamentos, interfere diretamente na efetivi-dade dos planos terapêuticos e, consequentemente, no êxito da atenção às necessidades de saúde dos usuários, reduzindo a resolutividade desse primeiro nível de atenção 17,18. Estudos recentes constatam que a ESF teve uma evolução positiva na disponibilidade de medicamentos, sendo esse um dos fatores responsáveis pela capacidade de sanar as demandas de saúde da população, reduzindo inclusive as internações por causas sensíveis à atenção primária 14,18-20.
No que se refere à dimensão de processo, as variáveis que mais influenciaram o processo de trabalho dos profissionais de saúde foram o vínculo, a longi-tudinalidade, a efetividade das visitas domiciliares, o apoio institucional e o PMAQ-AB. O vínculo longitudinal abarca a identificação da ESF como fonte continuada de cuidados, expressa a relação mútua interpessoal das equipes de saúde da família com a população e assegura a conexão de informações entre os profissionais de saúde para a condução do cuidado 19. Esses atributos permitem um diagnóstico preciso sobre as demandas dos usuários e a organização de planos terapêuticos individualizados, levando a menores custos e hospitalizações por meio da prevenção de certos agravos 20.
O processo saúde-doença é influenciado pelo conjunto de singularidades presentes no cotidiano de cada comunidade. Dessa forma, o vínculo e a longitudinalidade, ao valorizarem o diálogo e a rede de subjetividades intrínseca a cada território, favorecem a competência cultural e o estabelecimento de relações horizontais entre profissionais e usuários 16,23-25. Logo, os atributos da APS em questão são uma das principais potencialidades a serem exploradas pelas equipes de saúde da família, pois representam um aspecto central da idiossincrasia do modelo de saúde brasileiro.
A visita domiciliar desempenhada na ESF representa um espaço facilitador do vínculo e da longitudi-nalidade e destaca-se como uma intervenção capaz de consubstanciar as ações dos profissionais para o cuidado individualizado. Assim, tem como base o cotidiano das famílias e seus recursos disponíveis para o desenvolvimento do autocuidado, com a construção de relações terapêuticas mais satisfatórias 21. Compreende-se que a realização de visitas domiciliares efetivas colabora para a concretização de uma ESF de caráter singular e resolutivo em suas ações.
O apoio institucional representa um subsídio de suporte aos profissionais de saúde para a produção de um planejamento compartilhado. Esse apoio vai em contraposição às formas tradicionais de coordenar e avaliar e estimula espaços de análise coletiva, coerentes com o modelo de atenção adotado, o que possibilita práticas de gestão adequadas à rotina de trabalho das equipes 22. A variável "apoio institucional" traduz uma ação propulsora da qualidade, ao passo que retrata, de forma dinâmica, o aprimoramento clínico e geren-cial dos serviços.
A variável da implantação do PMAQ-AB corresponde a um avanço para a cultura de avaliação e monito-ramento instituída com sua implementação. É uma metodologia que permite a avaliação externa e a autoavaliação das equipes de saúde da família, a fim de oportunizar espaços de discussão e negociação das relações de trabalho e educação permanente 4, refletindo uma iniciativa de enfrentamento aos desafios instaurados na ESF e na rede de atenção.
No que diz respeito à dimensão de resultado, refle-tida neste estudo pela satisfação dos usuários, a estrutura das unidades de saúde foi determinante para a qualidade, pois influencia o papel da ESF como porta de entrada preferencial, uma vez que fragilidades relacionadas a essa variável limitam o acesso dos usuários 18,23. Uma estrutura adequada contempla condições dignas de atendimento às demandas comunitárias, favorece a satisfação dos usuários e a qualidade final da assistência.
O vínculo constituiu variável determinante para a satisfação dos usuários, já apontado na avaliação dos profissionais de saúde sobre o processo de trabalho. Para os usuários, o vínculo gera maior aceitabilidade das práticas desenvolvidas pelas equipes de saúde da família, pois a intimidade que estreita as relações e o conforto durante o atendimento propiciam a consolidação da relação terapêutica e a legitimidade do plano de cuidados 24.
Outras variáveis que determinam a satisfação dos usuários foram o acesso aos serviços de saúde/ primeiro contato correspondente à facilidade do agendamento de consultas, a agilidade no atendimento e a qualidade das consultas médicas e de enfermagem. Um estudo que avaliou os últimos 30 anos da saúde pública no Brasil, constatou que cerca de 95 % dos usuários receberam atendimento de saúde na primeira vez que buscaram o serviço, e atribuem à ampliação da APS sustentada pela ESF a responsabilidade pelos avanços significativos de acesso à saúde no país e consequente satisfação dos usuários 25.
Entre as variáveis, a organização do agendamento de consultas com foco no acolhimento dos usuários - a exemplo do sistema de classificação de risco 26 - a ampliação do papel do enfermeiro na oferta de consultas e procedimentos na ESF 27 e as diversificações das formas de acesso para reduzir a demanda reprimida têm demonstrado inovações para a APS. Essas variáveis demonstram resultados positivos que fortalecem as demais variáveis pontuadas neste estudo.
A análise das três dimensões da ESF e os resultados expostos evidenciam os principais condicionantes para a qualidade da oferta dos serviços e para a satisfação de quem os utiliza, proporcionando uma melhor compreensão da realidade do primeiro nível de atenção em nível municipal. Ainda, a matriz avaliativa inovadora deste estudo contribui para a ampliação dos instrumentos institucionais adotados pela gerência local e pela gestão municipal, e incentiva a cultura de avaliação e monito-ramento dos serviços de saúde. A abordagem e a consideração das características que constituem o processo avaliativo podem contribuir na melhoria do desempenho dos serviços de saúde 28.
A aplicabilidade deste estudo se dá por meio da possibilidade de conhecer e reconhecer a realidade estrutural, dos processos de trabalho e da satisfação do usuário em cada território. De mais a mais, o desafio de criar uma cultura de avaliação sobre as práticas desenvolvidas pelos gerentes e gestores permite a implementação de políticas e estratégias focalizadas e resolutivas, garantindo maior qualidade na assistência à saúde.
Sinalizam-se como limitação do estudo as subjetividades relacionadas à avaliação dos entrevistados e às diferentes percepções sobre o mesmo serviço, o que influenciou na dispersão dos dados e na redução do nível explicativo de algumas variáveis. Entretanto, tais limitações representam novas possibilidades de estudos para melhor compreender os elementos subjetivos inerentes à avaliação dos indivíduos.
Conclusões
O presente artigo é inovador ao contemplar uma metodologia avaliativa da qualidade dos serviços de saúde que abrange as três dimensões de Donabedian. O estudo demonstrou que a avaliação oferece contribuições para a tomada de decisão assistencial e gerencial no desenvolvimento dos serviços e sistemas de saúde.
Foi possível estabelecer uma relação entre as variáveis de análise das dimensões de estrutura e processo, realizadas pelos profissionais, e as variáveis de resultado, realizadas pelos usuários, demonstrando que ambos os grupos de entrevistados, mesmo em perspectivas diferenciadas de quem oferta e de quem recebe o atendimento, apresentam critérios semelhantes de avaliar os serviços da ESF.
Os fatores da matriz analítica proposta que apresentam maior significância no processo de avaliação foram os atributos essenciais da APS (acesso/primeiro contato/acolhimento, longitudinalidade/vínculo, abrangência/integralidade e coordenação). Nesse ínterim, fortalecer os atributos da APS na organização das redes de atenção e serviços do SUS representa avanços ante a consolidação da ESF como política pública resolutiva e consequentemente melhorias das condições de saúde da população.