Introdução
Fatores determinantes para doenças crónicas não transmissíveis incluem baixa escolaridade, alto índice de massa corporal e idade avançada 1, embora também estejam relacionadas ao aumento da expectativa de vida, às melhores condições sanitárias e ao desenvolvimento tecnológico e científico. Ocasionada por incapacidades de diferentes graus, a perda da independência da pessoa doente demanda acompanhamento durante ativi-dades cotidianas básicas, papel desempenhado por cuidadores 2, especialmente no domicílio do dependente. Esse espaço vem se institucionalizando como local de cuidado por meio da atenção domiciliar (AD), modalidade assistencial que compõe a Rede de Atenção à Saúde 3.
Quem assume o papel de cuidador, sobretudo no caso de familiar de pessoa com agravo crónico 4,5, realiza muitas atividades e, portanto, pode sobrecarregar-se física e emocionalmente. Sentimentos como responsabilização e culpabilização são relatados, pois o cuidador precisa reorganizar sua vida em função do outro, ao encontro das inúmeras e necessárias ações de cuidado 5. Assim, para manter seu bem-estar, é fundamental que o cuidador se adapte às novas circunstâncias 6. Para isso, é preciso que seja foco de atenção e cuidados. Dispor de menos tempo para se dedicar às atividades pessoais, ter dificuldades na realização das ações de cuidado e não ter suporte social são fatores que aumentam os riscos de adoecer 7.
A qualidade de vida (QV) dos cuidadores, então, pode ser impactada pela rotina de cuidados, especialmente se exercido de forma ininterrupta, sem que as atividades sejam compartilhadas com outros membros da família. Assim, ao permanecer exposto aos diferentes estressores por muito tempo, o cuidador apresentará necessidades semelhantes àquelas da pessoa sob seus cuidados 8. Tornam-se relevantes, portanto, ferramentas capazes de identificar os fatores que afetam os cuidadores, sobretudo aqueles que desempenham essa função no domicílio, a fim de viabilizar a caracterização de suas necessidades e apoiar na tomada de decisão dos profissionais de saúde que os atendem 9.
Embora alguns instrumentos e escalas sejam utilizados para identificar esses fatores, muitos não foram elaborados e validados para isso 9. São raros os trabalhos que avaliam a qualidade dessas ferramentas e sua capacidade de contemplar as particularidades dos cuidadores. Dois estudos brasileiros abordam a perspectiva de instrumentos para avaliação: um deles sobre suporte aos idosos 10, enquanto o outro aborda a família, visando à busca de intervenções para o cuidado em saúde 11.
Quando desenvolvidos e validados com métodos apropriados, os instrumentos de medida são úteis, visto que sua construção envolve o rastreio de outros existentes e a priorização da adaptação cultural e da validação de questionários em outros idiomas 12.
Dessa forma, este estudo teve por objetivo identificar na literatura, instrumentos para avaliar a QV e a sobrecarga em cuidadores e sua aplicabilidade com essa população. Para isso, baseou-se em revisão integrativa orientada pela questão: "Quais instrumentos ou escalas têm sido utilizados nas publicações mundiais para avaliar a QV e a sobrecarga em cuidadores?".
Metodologia
Trata-se de revisão integrativa da literatura que atendeu a estas etapas metodológicas: identificação do tema e seleção da pergunta da pesquisa; identificação das bases de dados a serem consultadas; definição das estratégias de busca - palavras-chave, operadores booleanos e limites da busca; definição dos critérios de inclusão e exclusão; definição da informação a ser extraída dos estudos; análise dos estudos; interpretação dos resultados; conclusão da revisão 13. Além dessas etapas que identificaram os instrumentos e as escalas nas publicações, realizou-se uma segunda busca, a fim de verificar a validação desses instrumentos no Brasil. Após três anos de leitura, análise e caracterização dos artigos e escalas, foi preciso atualizar os dados; assim, foram descritos dois períodos de busca.
A primeira busca ocorreu em setembro de 2017, nas bases de dados PubMed e Literatura LatinoAmericana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS). Conforme a Figura 1, com os descritores MeSH database "caregivers" AND "surveys and questionnaires" AND "home care services" OR "life change events" AND "quality of life", foram encontrados 1.220 resultados na base PubMed. Nesses, foram aplicados os filtros "10 anos" e "humanos", restando 604 resumos. Na base de dados LILACS, foram encontrados três resultados na primeira busca com os descritores de assunto "cuidador" OR "familiar cuidador" OR "cuidador de família" OR "cuidador familiar" OR "cuidadores" AND "inquéritos e questionários" AND "serviços de assistência domiciliar". Na segunda busca no LILACS, com os descritores de assunto "cuidador" OR "familiar cuidador" OR "cuidador de família" OR "cuidador familiar" OR "cuidadores" AND "inquéritos e questionários" AND "qualidade de vida", 30 resultados foram obtidos.
Os critérios de exclusão das publicações aplicados na totalidade dos resultados das duas bases de dados foram: instrumentos não utilizados com cuidador, estudos realizados fora do contexto de AD e artigos de revisão. Pela análise dos títulos e resumos, 71 artigos foram selecionados para a leitura na íntegra. Após a leitura, 23 foram excluídos. Em todas essas etapas, os dados foram organizados por meio do programa Microsoft Excel.
Em setembro de 2020, nova busca, com as mesmas estratégias, foi realizada para a atualização dos dados, conforme a Figura 1. Com a leitura dos títulos e dos resumos, 35 artigos foram selecionados para a leitura completa. Desses, excluíram-se 21.
Excluídos: em 2017, dois por não serem artigos, sete indisponíveis gratuitamente, quatro não eram relacionados aos cuidadores, sete não eram em AD, um protocolo e dois eram revisão de literatura. Em 2020, um artigo por ser encontrado na versão japonesa; um indisponível na internet; seis não eram em AD; dois eram protocolos; um examinava a saúde do cuidador após a morte do paciente; cinco eram com pacientes; um era com casais; um era com cuidador de crianças; um era editorial; um era uma nota; um não constava instrumento.
Dos 62 artigos selecionados 14-75, foram extraídas as informações do Quadro 1, que apresenta informações como ano de publicação, referência, revista, continente, desenho, instrumento e vínculo com o paciente. Depois, foram identificados 80 instrumentos aplicados em cuidadores. Então, a fim de identificar os instrumentos validados no Brasil, realizou-se nova busca no Google Acadê-mico. Para isso, utilizou-se o nome do instrumento + "validação no Brasil" ou "validação brasileira", resultando em 28 instrumentos validados 76-102.
Legenda: CADI-CAMI-CASI: Carers Assessment of Difficulties Index-Carers Assessment of Managing Index-Carers Assessment of Satisfactions Index; CODAS: Communication Disorders, Audiology and Swallowing; WHOQOL: The World Health Organization Quality of Life; WHOQOL-BREF: The World Health Organization Quality of Life Bref; HARS: Hamilton Anxiety Rating Scale; BDI: Beck Depression Inventory; SF-36: Short-Form 36; ZBI: Zarit Burden Inteview; CBS: Caregiver Burden Scale; BM: The Pines Burnout Measure; EADG: Escala de Goldberg; COOP/WONCA: Darmouth Primary Care Cooperative Information Project/ World Organization of National Colleges, Academies, and Academic Associations of General Practitioners/Family Physicians; CES-D: The Center for Epidemiologic Studies Depression Scale; STAI-T and STAI-S: The Spielberger State Trait Anxiety Inventory; NRS: Descriptive Numeric Rating Scale; GSDS: The General Sleep Disturbance Scale; LFS: Lee Fatigue Scale; QOL-FV: The Quality of Life Scale-Family Version; CRA: Caregiver Reaction Assessment; MDS-HC: Minimum Data Set-Home Care; QLQ-C30: Quality of Life Questionnaire; PSS: Perceived Stress Scale; S-PSSS: Perceived Social Support Scale; S-RS: The Resilience Scale; PSQI: Pittsburgh Sleep Quality Index; EQ-5D: Health-Related Quality of Life; COPE: Carers of Older People in Europe; QOL-AD: Quality of Life-Alzheimer Disease scale; GDS-15: Geriatric Depression Scale - 15 items; Index of ADL: The index of activity of daily living; IADL: Lawton Instrumental Activities of Daily Living scale; WHOQOL-BREFTR: World Health Organization Quality of Life-Short Form, Turkish Version; FQOL: Family Quality of Life; BSFC: Short form of the Burden Scale for Family Caregivers; SRM: Social Relations Model; carerQol: Care-Related Quality of Life Instrument; TOPICS-MDS: The Older Persons and Informal Caregivers Minimum DataSet; MH: Health Survey Mental Health; PF: Physical Functioning; MOS social support survey: Caregivers social support (Medical Outcomes Study); SF-12: short-form-12; Family APGAR: adaptation, partnership, growth, affection, resolve Family questionnaire; MS: The Mutuality Scale; PSS-IO: Perceived Stress Scale 10; NPI-12: Neuropsychiatric Inventory; ICECAP-O: Index of Capability; FAQ: Functional Activities Questionnaire; SF-36V2: Short-Form 36 volume 2; CAS: Caregiver Appraisal Scale; GHQ-12: General Health Questionnaire; RUD: Resource Utilization in Dementia; EQ-5D-3L: three-level EuroQol five-dimensional questionnaire; EQ-VAS: EuroQol-Visual Analogue Scale; WHOQOL-BREF Italian version: The World Health Organization Quality of Life Bref Italian Version; HDRS: Hamilton Depression Rating Scale; FSQ-SF: Family Strain Questionnaire-Short Form; CSI: Robinson's Caregiver Strain Index; SMQ: Short-Memory Questionnaire; CBI: Caregiver Burden Inventory; HADS: Hospital Anxiety and Depression Scale; generic HRQOL (EQ-5D-5L questionnaire): health-related quality of life (five-level EuroQol five-dimensional); FamQol: Family Caregiver Quality of Life; CBQ-HF: Caregiver Burden Questionnaire for Heart Failure; CC-SCHFI: Caregiver's Contribution to Selfcare of Heart Failure Index; QOLLTI-F: Quality of Life in Life-Threatening Illness-Family Caregiver.
Fonte: elaborado pelas autoras, 2020.
Posteriormente, as publicações 14-75 foram submetidas à análise do tipo descritiva e de frequência, a fim de organizar, sintetizar e comunicar a informação obtida 103 a partir da caracterização das publicações e da identificação dos instrumentos e escalas.
A caraterização dos instrumentos validados no Brasil, considerando definição, desenho, população, alfa de Cronbach, frequência nas publicações, país e ano de origem, foi ordenada a partir das informações dos artigos selecionados por meio da segunda busca 76-102, apresentadas nos Quadros 2 e 3.
Resultados
Conforme o Quadro 1, dos 62 artigos analisados, 45 derivavam de pesquisas de abordagem quantitativa 14,16-27,30-33,35,36,38-44,46,48-50,55,56,58,60,62,64-66,68-72,74,75, três de qualitativa 28,29,37 e 14 de quanti-qualitativa 15,34,45,47,51-54,57,59,61,63,67,73. Na primeira década dos anos 2000, foram publicados dois em 2007 25,36, 10 em 2008 18,21,26-28,30,31,34,38,58 e quatro em 2009 24,29,35,40. Na segunda década, quatro artigos foram publicados em 2010 39,44,46,47, oito em 2011 14,19,23,32,41-43,45, três em 2012 16,37,60, sete em 2013 15,17,20,22,33,59,61, quatro em 2014 55-57,62, três em 2015 51-53, três em 2016 49,50,54, cinco em 2017 48,63,65,68,70, seis em 2018 64,66,67,69,71,72, três em 2019 73-75.
Ainda, foram identificados dois artigos de local transcontinental (Europa e Ásia) 47,74, quatro artigos da Austrália 45,46,56,61, 12 da Ásia 16,18,24,32,37,42,54,63,68,70,71,75, nove da América do Sul 15,17,20-23,33,35,62, 11 da América do Norte 19,25,28,30,38,40,44,48,53,59,64 e 24 na Europa 14,26,27,29,31,34,36,39,41,43,49-52,55,57,58,60,65-67,69,72,73. As revistas mais frequentes foram Aging and Mental Health38,43,54,59,65,66, Archives of Gerontology and Geriatrics24,36,45, Journal of Clinical Nursing37,49,58, Home Health Care Services Quarterly32,44,75, Journal of Rehabilitation Medicine19,41, Health and Social Care in the Community56,61, Geriatrie et psychologie neuropsychiatrie du Vieillissement14,51 e Health Qual Life Outcomes16,69.
Foram identificados 80 instrumentos utilizados com cuidadores, conforme apresentado no Quadro 1. Os mais frequentes foram: Short-Form 36 (SF-36) 19,22,27,33,35,41,46,49,56,72,74, utilizado em 11 publicações; Center for Epidemiologic Studies Depression Scale (CES-D) 30,36,40,44,62; Zarit Burden Interview (ZBI) 20,57,62,65,71, em cinco; Beck Depression Inventory (BDI) 17,20,24,62; Caregiver Reaction Assessment (CRA) 31,34,45,65 e Caregiver Burden Scale (CBS) 21,22,33,74, utilizados em quatro; The World Health Organization Quality of Life (WHOQOL) 15,24,42 e The World Health Organization Quality of Life Bref (WHOQOL-BREF) 16,18,23, utilizado em três estudos. Destacam-se, nessas publicações, o desenvolvimento de duas escalas 16,62 e a validação de um instrumento 55. O cuidador participante dos estudos se caracterizava por vínculo familiar 14-16,18-27,29-48,50,52-54,56,58-60,62-64,67-75.
Informações a respeito dos 80 instrumentos identificados foram buscados para análise de características, objetivos, populações e aplicações. Desses, 39 utilizados em 27 estudos 14,16,24,26,30,32,34,41,44,47,48,50,52,54-57,59,61,64,65,67,69-71,73,75 não foram validados no Brasil, 13 25,28,29,37,39,51,53,54,58,60,63,66,68 foram produzidos pelos próprios pesquisadores, e 28 instrumentos utilizados em 37 estudos 15-24,26,27,30,31,33-36,38,39,41-46,49,56,57,59,62,65,67,71-74 haviam sido validados no Brasil.
No Quadro 2, apresenta-se a caracterização das 28 escalas validadas para uso no Brasil 76-102. Em 11, o foco foram os aspectos relativos à saúde mental 77,80,81,83,84,87,89,93,97,100; em sete, os níveis de QV 82,85,92,94-96,98; em cinco, a sobrecarga 78,79,99,101,102; em duas, as funções de apoio tanto familiar 78 quanto social 88; em uma, o sono 91; em uma, a fadiga 86; em outra, a capacidade funcional 90. O alfa de Cronbach não foi identificado em apenas três instrumentos 85,95,98. Da totalidade, 19 foram elaborados nos Estados Unidos 76-80,83,84,86-93,95,97,102 e 21 foram elaborados nas décadas de 1980 e 1990: dez nos anos 1980 78,83,84,88-91,99,100,102) e 11 nos anos 1990 79,82,85-87,92-96,98.
O Quadro 3 apresenta a classificação dos instrumentos, contendo seus objetivos e população, e subdivide-se em três blocos: o primeiro se refere aos instrumentos focados em cuidadores; o segundo, aos voltados para populações como pacientes, estudantes e profissionais de saúde; o terceiro, aos não validados no Brasil.
Discussão
Neste estudo, identificaram-se instrumentos adequados e, alguns, validados para avaliar a QV e a sobrecarga em cuidadores. A Europa apresentou o maior número de publicações sobre o tema, sendo uma possível interpretação acerca de tal investimento investigativo justificada pela transição demográfica experienciada naquele contexto, marcada pela elevação do número de idosos e redução de nascimentos. Essas mudanças levaram à estagnação do crescimento populacional, processo que já ocorreu em países desenvolvidos e que vem ocorrendo em países em desenvolvimento 104.
Verificou-se que os periódicos em que os estudos foram publicados eram, em sua maioria, da área da geriatria e gerontologia. Esse interesse na temática dos cuidadores tem relação com o envelhecimento populacional 104 e outros agravos em saúde que acarretam incapacidades crónicas, demandando um cuidador para cuidado do paciente. Destacase, ainda, que o espaço de cuidado será, sobretudo, o domiciliar, por isso o interesse em publicações sobre saúde comunitária.
O domicílio vem despontando como espaço possível para a prática dos cuidados. Em estudo acerca da AD 105, predominou publicações em países desenvolvidos, nos continentes europeu, americano e asiático. Esse achado poderia estar relacionado à ocorrência de doenças crónicas decorrentes de estilo de vida, alimentação, sedentarismo e tarefas diárias, principalmente o trabalho. Portanto, surge a necessidade da figura do cuidador, para apoiar o paciente crónico, essencial no cuidado em casa 106.
Estudos 3,107,108 apontam fragilidades no sistema de saúde para suprir as demandas dos indivíduos com agravos crónicos, bem como de seus cuidadores. Assim, inspirados em países que já sofreram o processo de envelhecimento, recomendam medidas que garantam o cuidado e a promoção de cuidado e envelhecimento saudável, evitando a sobrecarga das famílias no cuidado do idoso. Além disso, achados 109-112 identificaram cuidadores com idade avançada, um problema em razão da sobrecarga pelas inúmeras tarefas assumidas, o que aumenta o risco de agravamento da saúde tanto do paciente quanto do cuidador. Desde os anos 1960, com destaque para as décadas de 1980 e 1990, países desenvolvidos, como os Estados Unidos, vêm elaborando instrumentos e escalas que avaliem necessidades, sobrecarga e QV de cuidadores.
Instrumentos validados no Brasil buscam avaliar a saúde mental dos cuidadores 77,80,81,83,84,87,89,93,97,100, investigam sua QV 82,85,92,94-96,98 e sobrecarga do cuidado 78,79,98,101,102. A avaliação da saúde mental retrata a QV ao constituir um dos domínios, mas também se relaciona à sobrecarga, que advém de situações estressoras, como as que envolvem o processo de cuidado.
Entre as publicações analisadas, 14 20-22,31,33,34,45,49,57,62,65,71,72,74 aplicaram instrumentos cujo foco eram os cuidadores: Family APGAR 76; ZBI 78; CRA 79; NPI-12 87; CBI 99; CBS 101; Burden Interview Scale 102. A sigla APGAR vem do inglês adaptation (adaptação), partnership (companheirismo), growth (desenvolvimento), affection (afetivi-dade) e resolve (capacidade resolutiva). "Adaptação" consiste na aptidão de utilização de recursos dentro da família para solucionar problemas derivados da mudança da dinâmica familiar ao longo da assistência. "Companheirismo" significa comunicação entre os familiares de forma recíproca e participação conjunta na solução de problemas. "Desenvolvimento" trata da flexibilidade da família para mudanças de funções e para maturação emocional. "Afetividade" tem relação com intimidade e questões emocionais mútuas no âmbito familiar. Por fim, "capacidade de resolução" contempla a habilidade de decidir e determinar sobre questões problemáticas na dinâmica familiar 76. O estudo em que se aplicou o instrumento APGAR 57 foi um dos que aplicou a escala ZBI, sendo inviável identificar adequação do instrumento, por não apresentar resultados separados do APGAR e ZBI.
A escala ZBI se define pela sobrecarga percebida. É composta de 22 itens, com cinco pontos cada um (de 0 [nunca] a 4 [sempre]), variando de 0 a 88, o que reflete o nível de sobrecarga do cuidador. Quanto maior o escore, maior é a sobrecarga percebida 78. Os estudos que utilizaram ZBI 20,57,62,65,71 apresentaram os seguintes resultados: o apoio da família diminui à medida que os anos passam e uma primeira experiência negativa com o cuidado pode levar o cuidador a não permanecer na função e à institucionalização precoce do familiar dependente 57; a carga e os sintomas depressivos estão fortemente relacionados com a QV dos cuidadores, especialmente daqueles de paciente com demência vascular 62; pacientes com Parkinson apresentam altas taxas de depressão, conferindo risco para sobrecarga de cuidadores, e outros fatores, como comprometimento cognitivo e motor, como marcha e equilíbrio do paciente, sobrecarregam o cuidador 20; os sintomas neuropsiquiátricos dos pacientes que apresentam demência afetam o bem-estar mental dos cuidadores, proporcionando cuidados menos apropriados. Manter a rede de apoio do cuidador ajuda na sua autoestima, gerando melhores condições para cuidar 65; associação entre a sobrecarga referida e a pressão arterial do cuidador foi observada com tendência a elevar após a efetuação do cuidado 71. Assim, a ZBI vai ao encontro do que se propõe, pois os cuidadores destacam aspectos referentes ao cuidar.
O CRA aborda sobrecarga de cuidadores familiares de pessoas acometidas por enfermidades crónicas e foi validado no Brasil com amostra de cuidadores informais de idosos dependentes. A escala é constituída por 24 itens, agrupados em cinco subescalas: programação das atividades diárias (cinco itens), suporte familiar (cinco itens), questões financeiras (três itens), saúde física (quatro itens) e autoestima (sete itens). As opções de respostas são do tipo Likert de cinco pontos, que avaliam tanto os aspectos negativos quanto os aspectos positivos da oferta de cuidados informais 79.
Três 31,45,65 dos quatro estudos que utilizaram o CRA aplicaram o instrumento em cuidadores e apresentaram o seguinte resultado: cuidadores de pessoas idosas têm maior sobrecarga do que aqueles de pacientes em cuidados paliativos. Uma das razões seria o longo período de dedicação ao cuidado em casa, icando muito tempo sem descanso e privados de suas atividades 31. Os cuidadores familiares de pessoas idosas relataram interrupção em sua programação diária e mais problemas de saúde. Além disso, 67 % relataram baixa autoestima e preocupação com questões inanceiras, associada com baixa autopercepção de saúde e falta de apoio para cuidar 45. O bom estado psicológico do cuidador está diretamente associado com a menor sobrecarga desse, o que proporciona maior QV. Os números de sintomas neuropsiquiátricos de pacientes com demência são maiores quando o bem-estar psicológico do cuidador está afetado 65.
O outro estudo 34 analisou o instrumento em si, destacando a consistência interna, com exceção do item 12, sobre conseguir ou não retribuir cuidado de alguém. As correlações de que experiências de estresse constituem a referência subjacente, ponto em que o respondente baseia suas respostas para cada questão separada. A partir disso, observa-se que os objetivos do instrumento são adequados, sendo necessário considerar a condição do paciente cuidado em razão do tempo de exposição do cuidador.
A escala Neuropsychiatric Inventory (NPI-12) identifica a presença e mensura o nível de gravidade de 12 sintomas neuropsiquiátricos em pacientes com demência nas três semanas que antecedem sua aplicação, além de mensurar o sofrimento de seu informante, o cuidador. Esse instrumento se estratifica em 12 domínios específicos: delírios, alucinações, agitação, depressão/disforia, ansiedade, euforia/elação, apatia/indiferença, desinibição, irritabilidade/labilidade emocional, comportamento motor aberrante, comportamentos noturnos e alterações alimentares. A frequência (de 1 [ausente] a 4 [muito frequente]) e a intensidade (de 1 [leve] a 3 [grave]) de cada domínio são analisadas. O escore total obtido pela multiplicação da frequência pela intensidade pode variar de 0 a 144 pontos 87. No estudo 62 que se aplicou a NPI-12, a QV dos cuidadores de pacientes com demência moderada é afetada, mas não foi discorrido sobre todos os domínios desse instrumento, apenas a pontuação e análise multiva-riada com os escores de todos os instrumentos.
O Caregiver Burden Inventory (CBI) é uma escala de múltiplas dimensões que mensura a sobrecarga. Em cada dimensão, são gerados escores específicos, em vez de um escore global ou unidimensional. Acredita-se que o escore global oculta distinções entre os níveis de sobrecarga nos diversos domínios acerca do cuidado e, portanto, não permite a descrição de perfis de sobrecarga do cuidador. Possui 24 perguntas fechadas, distribuídas em cinco dimensões: tempo dependente, sobrecarga à vida pessoal, física, social e emocional. Cada uma das dimensões tem cinco itens, exceto a de sobrecarga física, com quatro itens. Cada item é pontuado de 0 (nada descritivo) a 4 (muito descritivo), em que escores mais elevados indicam maior nível de sobrecarga do cuidador. Não há pontos de corte para classificar sobrecarga, então as pontuações totais para os domínios um, dois, três, quatro e cinco variam de 0 a 20. Um escore equivalente pode ser obtido para o domínio sobrecarga física, multiplicando a soma de seus itens por 1,25 99. O estudo 72 que aplicou o CBI concluiu que, quanto mais o paciente com Alzheimer percebe sua doença, mais a dimensão da sobrecarga é negativamente afetada, promovendo sentimento de frustração no cuidador e de perda de tempo, pois diminui a percepção de que a interação com o paciente era um investimento positivo.
A CBS é composta de 22 questões, distribuídas em cinco índices: tensão geral, isolamento, decepção, envolvimento emocional, ambiente. Os valores de cada questão variam de um a quatro: de modo algum, raramente, algumas vezes ou frequentemente. O escore é obtido por média aritmética dos valores de cada item que compõe aquele índice e o escore global calculando-se a média aritmética dos 22 itens, podendo variar de 1 a 4, sendo tanto maior, quanto maior o impacto 101. Quatro estudos que utilizaram a CBS 21,22,33,74 obtiveram os seguintes resultados: o ambiente sem estrutura foi um dos maiores causadores de estresse psicológico no cuidador 21; altos escores para tensão geral, isolamento, decepção, envolvimento emocional, meio ambiente e pontuação geral, o que revela um impacto negativo na QV do cuidador familiar 22; o envolvimento emocional foi o domínio que menos afetou a QV do cuidador, QV não sendo muito prejudicada por sentimentos de raiva, ofensa, vergonha ou embaraço diante do comportamento do paciente 33; o atendimento domiciliar juntamente com a educação dos cuidadores diminuem a sobrecarga do cuidador e aumenta sua QV 74.
A Burden Interview Scale é um instrumento de 22 itens para avaliar a sobrecarga dos cuidadores associada à deficiência funcional e comportamental do paciente e à situação em casa. Cada item da escala é pontuado de 0 a 4, de nunca, raramente, às vezes, com bastante frequência a quase sempre. O último item da escala também é pontuado de 0 a 4, mas as respostas possíveis indicam o quanto o entrevistado está se sentindo sobrecarregado em razão de seu papel de cuidador, entre nada, um pouco, razoavelmente, bastante e muito. A pontuação total da escala é obtida somando os itens e pode variar de 0 a 88, sendo 88 maior a sobrecarga 102. Como resultado desse instrumento, quase dois terços dos cuidadores informais tinham sobrecarga, 43,4 % sofrendo em um nível intenso. Também foi visto que 40 % dos cuidadores informais receberam pagamento pelos cuidados prestados, o qual veio de apoio governamental ou dos próprios pacientes e/ou família 49.
Entre os instrumentos mais frequentes, o SF-36 95 apareceu em 11 estudos. Na sequência, os mais comuns foram WHOQOL-BREF 96, CES-D 80, BDI 75, WHOQOL 82, EADG (trabalhadores) 84, HARS 81, FAQ 90, QoL-AD 92, PSS e PSS-10 89, SF-12 94, S-PSSS 86, LFS 86, PSQI 91, EQ-5D 85, S-RS 93 e GDS-15 83. No entanto, não são específicos para cuidadores, embora possam ser aplicados em algumas situações.
A escala QOL-AD é mista, sendo indicada para pacientes com Alzheimer e seus cuidadores 92. O estudo 43 que a utilizou obteve resultados hacer ca da QV desse tipo de cuidador, considerando o aumento da idade dos cuidadores e a percepção dos pacientes sobre sua condição. O aumento da depressão nos cuidadores teve relação com ser casado, ter ilhos e, ainda, cuidar de paciente com Alzheimer. A depressão foi minimizada, conforme percepção dos cuidadores, quando os pacientes recebiam cuidados de enfermagem domiciliar 43. Assim, a escala pode ser aplicada aos cuidadores, pois identiica suas necessidades e mensura o aumento e a redução da sobrecarga.
Outro instrumento direcionado para a população em geral, mas que comumente é aplicado com cuidadores, é o WHOQOL-BREF 96. Embora seu objetivo seja avaliar a QV de pacientes, pode ser aplicado ao cuidador, caso esse seja considerado como outro paciente. O principal achado dos estudos 16,18,23 foi que os cuidadores mais jovens, com menor nível de escolaridade, mais carga de cuidado e insatisfeitos com os serviços de saúde mental tinham menor QV 16. Além disso, os dados indicam que os cuidadores têm sobrecarga maior quando estão desempregados e têm pouca escolaridade, mas que o tratamento da depressão dos pacientes aumenta a QV do cuidador 18. Ainda, os achados indicaram que quem avaliou sua QV como "boa" também sinalizou satisfação com sua saúde, e que as variáveis "grau de instrução" e "socioeconómico" influenciam na QV 23. Assim, os resultados dos artigos estão de acordo com o propósito da escala de avaliar a QV.
Diversas versões da escala WHOQOL foram encontradas durante a busca. Além dessa escala e da WHOQOL-BREF 96, uma abreviação da primeira, uma versão da Turquia WHOQOL-BREFTR 47 e da Itália WHOQOL-BREF Italian version 67.
Instrumentos indicados para populações mistas ou gerais e que parecem ser bem adequados para cuidadores incluem a S-PSSS 88 e o SF-12 94. O estudo 38 que aplicou a primeira concluiu que a família, os amigos e o apoio social costumam moderar o efeito negativo do estresse percebido e influenciar positivamente a autopercepção da resiliência do cuidador, indo ao encontro do propósito da escala.
A aplicação de instrumentos voltados para a população de trabalhadores pode ser indicada para cuidadores, caso o tempo de cuidado dedicado ao paciente seja entendido como trabalho. Exemplos incluem o EADG, encontrado em estudos 26,57 e que objetiva avaliar a saúde mental de trabalhadores 84, e o WHOQOL, que mensura a QV 82, também encontrado nos achados desta pesquisa 15,24,42.
Ainda, instrumentos voltados para idosos que avaliam estresse 89, capacidade funcional 88 e adaptação psicossocial 93 podem ser aplicados aos cuidadores, caso tenham mais de 60 anos. A Organização das Nações Unidas 113 utiliza como medida e indicador de envelhecimento a idade cronológica das pessoas. Em países desenvolvidos, são considerados idosos aqueles com 65 anos ou mais, enquanto em países em desenvolvimento, são considerados idosos indivíduos com 60 anos ou mais, como ocorre no Brasil.
O estudo 59 que usou PSS-10 89 concluiu que existe muito estresse no contexto do cuidado do cónju-ge. Essa escala foi aplicada com cuidadores cónju-ges de idade avançada. O estudo 62 que usou FAQ 90 identiicou que os sintomas depressivos foram relacionados à QV dos cuidadores de acordo com a gravidade da demência. Por fim, o estudo 38 que usou S-RS 93 verificou que a rede de apoio social influencia positivamente a autopercepção da resi-liência do cuidador. S-RS e FAQ não foram aplicadas somente com cuidadores de idade avançada, como propõe as escalas, o que pode trazer limitações de avaliação das pessoas idosas.
Em razão da preocupação com a QV dos cuidadores, o SF-36 é, possivelmente, um dos instrumentos mais utilizados. Porém, em nosso ponto de vista, seu uso é inadequado, pois objetiva avaliar apenas a QV de pacientes com artrite reumatoide 95. Esse instrumento foi utilizado em 11 estudos 19,22,27,33,35,41,46,49,56,72,74, superando o número de instrumentos voltados especiicamente aos cuidadores. Esses estudos relataram baixa QV nos domínios físico e mental, indicando: necessidade de os proissionais de saúde desenvolverem intervenções 19,46; que cuidadores familiares têm QV reduzida em comparação a um grupo controle 22; que o comprometimento da saúde do cuidador, decorrente da redução da QV e da sobrecarga de cuidado, prejudica a assistência prestada e leva ao adoecimento 33,56; que os cuidadores apresentaram menores escores nos aspectos emocionais, indicando pior QV 35; que cuidadores frequentemente experimentam altos níveis de tensão e sobrecarga 41; que cuidadores informais têm baixa QV e são sobrecarregados, e que isso pode estar relacionado aos dados socio-demográficos 49; que não ser reconhecido pelo paciente com doença de Alzheimer causa maiores níveis de sobrecarga no cuidador 72.
Outro estudo mostrou que cuidadores apresentam diversos problemas físicos, psicológicos, sociais e económicos devido ao processo de cuidar da saúde 74. Tais resultados 19,22,33,35,41,46,49,56,72,74 são coerentes com os objetivos do SF-36 de analisar QV. Um dos artigos 27 não apresentou resultados claros.
Embora seja crescente a preocupação com a QV e a sobrecarga de cuidadores, os instrumentos que avaliam esses aspectos ainda são direcionados aos pacientes que sofrem de ansiedade 81, insónia 91 e fadiga 86. As escalas que abordam ansiedade e depressão são com respostas fechadas. A avaliação de aspectos subjetivos, como QV e sobrecarga, por meio de instrumentos que objetiicam sensações e experiências, pode limitar as decisões tomadas pelos profissionais de saúde. Assim, é preciso ponderação no uso dos resultados oriundos dessas ferramentas, bem como a aplicação de outros recursos, como a escuta terapêutica, a im de melhorar a acurácia dos diagnósticos e os cuidados implementados.
Todas as escalas validadas no Brasil e aqui analisadas eram do tipo Likert. Esse tipo de escala consiste em desenvolver um conjunto de airmações para emitir grau de concordância diante das respostas. Apesar de amplamente aplicadas, podem favorecer a perda de informações, já que enquadram as respostas, muito similares, em categorias preestabelecidas, desconsiderando elementos que poderiam ser elencados pelas pessoas avaliadas 114. Como exemplo, destaca-se a GDS 83, fácil de aplicar à população idosa, que, embora tenha capacidade de rastrear sinais e sintomas de depressão, pode não contemplar globalmente o conjunto de sintomas necessários para rastreamento, como aspectos relativos ao apetite e ao sono. Em um artigo de revisão 115, a depressão é deinida por alterações psicopatológicas diversas, que se diferenciam conforme sintomatologia, gravidade, curso e prognóstico. Com frequência, há presença de humor depressivo e/ou irritável e redução da capacidade de obter prazer ou sentir alegria, seguidos de sensação de fadiga, somados a alterações do sono e do apetite, bem como há desinteresse, pessimismo, lentidão e ideias de fracasso.
Conclusões
Esta revisão integrativa identiicou 80 instrumentos e escalas, 28 validados no Brasil e aplicáveis aos cuidadores familiares em sua maioria avaliando aspectos de saúde mental; em seguida, mensurando os níveis de QV e, por fim, identificando a sobrecarga. A avaliação da saúde mental retrata tanto a QV quanto a sobrecarga dos cuidadores. Em apenas três dos instrumentos, não foi identiicado o alfa de Cronbach. A maioria foi elaborada nos Estados Unidos durante as décadas de 1980 e 1990. Apenas sete dos 28 eram especíicos para cuidadores.
Os resultados da aplicação dos instrumentos indicam informações-chave para o cuidado ao cuidador: cuidadores idosos têm elevada sobrecarga; prolongado período no papel de cuidador diminui sua QV; há falta de apoio para cuidar, que ainda se reduz com o passar do tempo; as experiências negativas afastam precocemente o cuidador de sua função e induzem o paciente para a institucionalização; pacientes com demência vascular, depressão e comprometimento cognitivo e motor sobrecarregam mais os cuidadores; cuidadores mais jovens e com pouca escolaridade apresentam pior QV; família e amigos oferecem importante suporte social para diminuir o estresse do cuidador; há muito estresse no cuidado de um cónjuge; o auxílio de serviços de AD aliviam a carga do cuidador.
Destaca-se que, para além de criar instrumentos, muitas vezes sem avaliação rigorosa da coniabili-dade e validade, é preciso identiicar na literatura os instrumentos existentes. Sinaliza-se a carência de informações, na maioria dos artigos, acerca da escolaridade do cuidador, variável necessária para a escolha do instrumento a ser aplicado, conforme o nível educacional do sujeito, pois pode ser extenso e complexo.
Ainda, a objetividade de um estudo quantitativo pode não captar de maneira mais profunda a multidimensionalidade do assunto investigado e sua natureza subjetiva e pessoal. Portanto, estudos qualitativos se tornam relevantes, bem como a necessidade de cautela e sensibilidade dos pesquisadores ao realizarem estudos quantitativos, aplicando um instrumento validado.