Introdução
Em 2020, o vírus Sars-Cov-2, da família dos coronavírus, foi catalogado. Sua patogenicidade em humanos se desenvolveu rapidamente, o que levou a uma pandemia. Devido à facilidade de transmissão e à dificuldade de contenção, diversos órgãos de saúde e veículos de mídia disseminam informações e recomendações para cuidados com a saúde. Fato é que o surto desencadeou uma massiva instabilidade emocional sem precedentes 1.
Em 11 de fevereiro de 2020, a Organização Mundial da Saúde confirmou, enfim, a doença recém-descoberta 2. Subsequentemente, a covid-19 foi inserida no plano terapêutico de doenças infecciosas classe betacoronavírus (pCoV), com base no consentimento da Comissão Nacional de Saúde da China 3.
Até 19 de dezembro de 2020, foram registrados 76.289.042 casos confirmados para covid-19 com 1.685.526 óbitos mundialmente. No Brasil, foram registrados 7.213.155 casos confirmados, com concentração na região Sudeste (2.509.192), seguido das regiões Nordeste (1.805.356) e Sul (1.237.282). Entre 13 e 19 de dezembro de 2020, foram registrados 333.028 casos novos e 5.233 óbitos no Brasil 4.
Em razão da imprecisão da manifestação viral, ainda inexiste imunobiológico ou medicação específica para o controle da doença, dispondo-se de tratamentos de suporte. Tendo em vista a alta transmissibilidade entre humanos, medidas para o controle da disseminação foram aplicadas, entre as quais se destaca o distanciamento social com a finalidade de evitar contato com indivíduos potencialmente infectados sintomáticos ou não 2-5.
Entretanto, o distanciamento social pode propiciar distúrbios à saúde mental, considerando a interrupção repentina do seguimento contínuo da vida acelerada da sociedade, o principal motivador para a problemática. Além dessa adversidade, os serviços de saúde especializados no fornecimento de cuidados mentais entraram em colapso, impossibilitando terapêuticas competentes o suficiente para estabilizar as emoções negativas consternadas à sociedade desde o início da pandemia da covid-19 6,7.
Evidências apontam expressivos impactos emocionais passíveis de desenvolvimento durante um período de isolamento social, tais como irritabilidade, insônia, baixa concentração, indecisão, deterioração, estresse pós-traumático e ideação suicida, o que comprova a desestabilização emocional, que independe do desenvolvimento do quadro infecioso e sintomatológico. A quarentena tem o potencial de ocasionar danos psicológicos em consequência da perda repentina da liberdade e das incertezas quanto ao curso preditivo da pandemia 8,9.
A teoria do sistema imunológico comportamental traduz-se em uma defesa psicológica atinente ao ser humano de grau variável de pessoa para pessoa. Essa defesa psicológica tenciona a prevenção de doenças e seus agravos mediante reações comportamentais 10. Durante o novo surto pandémico, manifestações sensoriais foram observadas com vistas à profilaxia primária contra a covid-19. Tais reações, inicialmente, mantêm as pessoas afastadas de possíveis patógenos, mas, em longo prazo, podem reduzir a função imune 11. Dessa forma, é essencial entender as possíveis alterações psicológicas associadas à covid-19 em tempo hábil.
Considerando que os efeitos nocivos da infecção perpassam os prejuízos fisiopatológicos, visto que atinge de várias maneiras o fluxo contínuo de vida das pessoas, ressalta-se a necessidade de compreender os principais danos à saúde mental associados ao distanciamento social em tempos de pandemia. Tais dados têm relevância para a saúde pública por contribuírem para a elucidação dos impactos sociais da covid-19 e direcionarem a adoção de medidas de enfrentamento psicossocial para além das medidas biológicas já estabelecidas.
Diante do exposto, a inquirição que motivou o desenvolvimento da presente pesquisa, descreve-se: quais as repercussões do distanciamento social para a contenção da covid-19 na saúde mental da população? O estudo objetivou analisar as repercussões do isolamento social para a contenção da covid-19 na saúde mental da população.
Método
Este estudo trata-se de uma revisão integrativa da literatura (RIL). Para seu desenvolvimento, primeiramente elaborou-se uma pergunta orientadora; logo após, foram realizadas as buscas nas bases de dados em que foram selecionados os estudos primários. Em seguida, foram extraídos os principais achados dos estudos e analisados criticamente para a descrição dos resultados, e, por fim, a apresentação da revisão 12. Para subsidiar a elaboração da pergunta de pesquisa e a identificação dos termos de busca, foi utilizada a estratégia population, variables, outcomes (PVO), conforme descrita no Quadro 1.
Etapa | Descrição | Mesh |
---|---|---|
Population (população) | Seres humanos em geral | Humans |
Variables (variável de interesse) | Distanciamento social para a contenção da covid-19 | Coronavirus infections; Coronavirus; SARS vírus: covid-19 |
Outcomes (desfecho) | Repercussões na saúde mental | Mental health |
Fonte: elaboração própria.
Em conformidade com as etapas da RIL, a pergunta orientadora do estudo foi: quais as repercussões do distanciamento social para a contenção da covid-19 na saúde mental da população? Os resultados deram-se mediante busca independente por três pesquisadores em dois momentos: uma primeira busca em abril de 2020 e uma segunda busca de atualização na primeira quinzena do mês de janeiro de 2021, por meio do portal de periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), das bases de dados Web of Science, Scopus, e Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (MEDLINE) via PubMed.
A chave de busca empregada foi: Coronavirus infections OR Coronavirus OR SARS vírus OR Covid-19 AND mental health. Essa chave foi adaptada para as bases de dados eletrônicas, conforme as particularidades operacionais de cada uma em específico. Estabeleceram-se como critérios de inclusão os artigos originais, publicados em qualquer idioma e sem limite temporal que respondessem à questão de pesquisa. Excluíram-se os artigos do tipo comments e revisão de literatura sem metanálise.
Os estudos captados pela busca foram agrupados no gerenciador de referências Endnote Web, excluindo-se os artigos duplicados. Posteriormente, realizou-se a leitura dos títulos e dos resumos, de forma pareada por dois pesquisadores independentes, para a seleção dos estudos elegíveis. Após essa etapa, um terceiro revisor avaliou as discordâncias e recomendou o grupo de artigos a serem avaliados na íntegra. Tal etapa também ocorreu de forma pareada por dois pesquisadores independentes, que definiram a amostra final da revisão.
Extraíram-se dos estudos selecionados os dados de identificação (autores e país-sede), os objetivos, o delineamento dos estudos, bem como os principais resultados, obtidos por meio de instrumento previamente elaborado.
Os quatro estudos incluídos foram analisados quanto ao nível de evidência (NE) científica em sete níveis, em que o nível um se trata de revisão sistemática ou metanálise de ensaios clínicos randomizados controlados, e o nível dois traz evidências derivadas de, ao menos, um ensaio clínico randomizado controlado bem delineado. O nível três baseia-se em evidências obtidas de ensaios clínicos bem delineados sem randomização, e o nível quatro em evidências oriundas de estudos de coorte ou caso-controle bem delineados. O nível cinco caracteriza revisão sistemática do tipo descritiva e/ou qualitativa, e o nível seis evidências de estudos descritivos ou qualitativos. Por fim, o nível sete remete a estudos de opinião de autoridades e/ou comitês de especialistas 13.
Resultados
O processo de seleção dos estudos está disposto no fluxograma da Figura 1, adaptado do Preferred Reporting Items for Systematic Review and Meta-Analyses - Prisma 14.
A caracterização dos estudos selecionados de acordo com as variáveis propostas e com o nível de evidência encontra-se disposta no Quadro 2.
Autor/ano/país | Objetivo | Delineamento/população/ amostra | Principais resultados | NE |
---|---|---|---|---|
Li S, Wang Y, Xue J, Zhao N, Zhu T, 2020 15 China | Explorar os impactos da emergência de saúde pública da covid-19 na saúde mental das pessoas. | Estudo documental desenvolvido com 17.865 participantes. | Aumento das emoções negativas (ansiedade, depressão e indignação) e da sensibilidade aos riscos sociais, bem como redução de emoções positivas (felicidade pelo questionário de Oxford) e da satisfação com a vida após a declaração da covid-19 na China. | 6 |
Guo Y, Cheng C, Zeng Y, Li Y, Zhu M, Yang W et al., 2020 16 China | Estimar a prevalência de ansiedade e sintomas depressivos e identificar os fatores demográficos e psicossociais associados na população chinesa durante o período de quarentena | Estudo transversal desenvolvido com 2.331 participantes. | 32,7 % (n = 762) dos participantes experimentaram ansiedade elevada ou sintomas depressivos. Especificamente, 25,4 % (n = 592) experimentaram ansiedade, 21,3 % (n = 496) experimentaram sintomas depressivos. | 6 |
Canet-Juric L, Andrés ML, Valle M, López-Morales H, Poó F, Galli JI et al., 2020 17 Argentina | Analisar o efeito emocional longitudinal do isolamento social, preventivo e obrigatório estabelecido devido à situação epidemiológica da covid-19 na Argentina. | Estudo transversal desenvolvido com 6.057 participantes. | Após duas semanas de quarentena, um pequeno aumento nos sintomas depressivos foi observado em toda a amostra. Ao contrário, foi observada uma diminuição da ansiedade e dos afetos negativos e positivos, também com pequeno tamanho de efeito. | 6 |
Bartoszek A, WalkowiaKD, Bartoszek A, Kardas G, 2020 18 Polônia | Medir indicadores de bem-estar mental em uma amostra polonesa durante o confinamento em casa em razão da pandemia de covid-19. | Estudo transversal desenvolvido com 471 participantes. | 86 % dos participantes pontuaram acima do ponto de corte da escala Insomnia Severity Index para insônia aguda/crônica (> 7 pontos). O período médio de isolamento dos entrevistados foi de 20 dias (variação 3,5-24). | |
Xiao H, Zhang Y, Kong DS, Li SY, Yang NX, 2020 19 China | Investigar os efeitos do capital social na qualidade do sono e os mecanismos envolvidos em pessoas que se autoisolaram em casa por 14 dias durante a epidemia da covid-19, além dos níveis de ansiedade e estresse. | Estudo transversal desenvolvido com 170 participantes. | Durante o período de autoisolamento, níveis aumentados de ansiedade e estresse foram associados a níveis baixos de capital social, ao passo que níveis elevados de capital social foram associados ao aumento da qualidade do sono. A ansiedade foi associada ao estresse e à redução da qualidade do sono, e a combinação de ansiedade e estresse reduziu os efeitos positivos do capital social na qualidade do sono. | 6 |
Rossi R, Socci V, Talevi D, Mensi S, Niolu C, Pacitti F et al., 2020 20 Itália | Avaliar as taxas de resultados de saúde mental na população geral italiana de três a quatro semanas em medidas de quarentena e explorar o impacto dos fatores de risco potenciais relacionados com a covid-19. | Estudo transversal desenvolvido com 18.147 participantes que preencheram um questionário on-line. | A quarentena foi associada a sintomas de estresse pós-traumático, ansiedade e sintomas de transtorno de adaptação. Taxas de endosso para estresse pós-traumático foram 6.604 (37 %), 3.084 (17,3 %) para depressão, 3.700 (20,8 %) para ansiedade, 1.301 (7,3 %) para insônia, 3.895 (21,8 %) para alto estresse percebido e 4.092 (22,9 %) para transtorno de ajustamento. Ser mulher e idade mais jovem estiveram associados a todos os desfechos. | |
Wang S, Zhang Y, Ding W, Meng Y, Hu H, Liu Z et al., 2020 21 China | Explorar o impacto psicológico do isolamento interpessoal e o estresse da infecção entre uma ampla gama de pessoas. | Estudo transversal multicêntrico desenvolvido com 437 participantes. | 11-13,3 % dos participantes apresentaram sintomas de ansiedade, depressão ou insônia e 1,9-2,7 % apresentaram sintomas graves. A prevalência de problemas psicológicos e de sono aumentou. | 6 |
Roma P, Monaro M, Colasanti M, Ricci E, Biondi S, Domenico AD et al., 2020 22 Itália | Analisar a evolução longitudinal dos níveis de ansiedade, depressão e estresse na população italiana. | Estudo transversal desenvolvido com 439 participantes. | Verificou-se elevação no estresse e na depressão com a quarentena, mas não na ansiedade. Falta de afeto e distanciamento foram associados a níveis mais elevados de depressão e estresse simultaneamente. Já a ausência de filhos esteve associada ao aumento da depressão isoladamente, ao passo que se percebeu a elevação dos níveis de estresse em jovens. | |
Cao W, Fang Z, Hou G, Han M, Xu X, Dong J, et al., 2020 23 China | Analisar o estado de saúde mental de estudantes universitários durante a epidemia da covid-19. | Estudo transversal desenvolvido com 7.143 participantes. | Evidenciou-se que 24,9 % dos estudantes universitários experimentaram algum nível de ansiedade após o surto da covid-19. | 6 |
Banks J, Xu X, 2020 24 Reino Unido | Estimar os efeitos da pandemia covid-19 na saúde mental no Reino Unido. | Estudo documental e longitudinal desenvolvido com 11.980 participantes. | As mulheres jovens viram a maior deterioração na saúde mental como resultado da covid-19. Por sua vez, os homens com 65 anos ou mais viram relativamente pouca mudança em suas pontuações no General Health Questionnaire (GHQ) e no número de problemas relatados. As quedas nos rendimentos familiares desde fevereiro de 2020 estão associadas a uma maior deterioração na saúde mental como resultado da covid-19. | 6 |
Jacques-Aviñó C, López-Jiménez T, Medina-Perucha L, Bont J, Gonçalves AQ, Duarte-Salles T et al., 2020 25 Espanha | Avaliar as relações entre o impacto social e a saúde mental entre adultos residentes na Espanha durante as medidas de bloqueio da covid-19. | Estudo transversal desenvolvido com 7.053 participantes. | Um total de 31,2 % das mulheres e 17,7 % dos homens relataram ansiedade. Os níveis de depressão foram relatados em 28,5 % das mulheres e 16,7 % dos homens. A piora da saúde mental foi associada principalmente ao medo da infecção por covid-19, aos níveis mais elevados de ansiedade e à economia piorada, com níveis mais elevados de depressão nas mulheres e moradia inadequada percebida para lidar com o bloqueio foi especialmente associada à ansiedade em homens. | 6 |
Rossinot H, Romain F, Julien V, 2020 26 França | Mensurar, caracterizar e compreender os determinantes do impacto negativo do confinamento nos comportamentos relacionados à saúde e no estado mental da população adulta francesa. | Estudo transversal desenvolvido com 1.454 participantes. | 50,6 % dos participantes relataram estar mais deprimidos, estressados ou irritáveis desde o início do bloqueio. O confinamento teve um efeito negativo em todos os comportamentos estudados, exceto na nutrição. Mudanças negativas do estado mental foram fortemente associadas a mudanças na nutrição, no sono, na atividade física e no consumo de álcool. | 6 |
Qiu J, Shen B, Zhao M, Wang Z, Xie B, Xu Y, 2020 27 China | Medir a prevalência e a gravidade do sofrimento psicológico peritraumático, mediante a implementação de medidas rigorosas de quarentena. | Estudo transversal desenvolvido com 52.730 participantes. | Quase 35 % dos participantes vivenciaram sofrimento psíquico leve, moderado ou grave, associado a sexo, idade, escolaridade, ocupação e região de origem. Mulheres, pessoas com ensino superior, trabalhadores migrantes e residentes de regiões mais afetadas apresentaram maior sofrimento psicológico. | 6 |
Schwinger M, Trautner M, Kárch-ner H, Otterpohl N, 2020 28 Alemanha | Examinar as consequências psicológicas do lockdown do coronavírus na Alemanha entre o final de março e o início de junho de 2020. | Estudo transversal desenvolvido com 1.086 participantes. | Fortes declínios na autonomia e no bem-estar; pequenos declínios na satisfação com o relacionamento; aumentos moderados na ansiedade e nos sintomas depressivos. A modelagem de mudanças latentes revelou diminuição da satisfação com a autonomia e diminuição mais fortes no bem-estar, bem como aumento mais forte nos sintomas de ansiedade e depressão. | 6 |
Robb CE, Jager CA, Ahmadi-Abhari S, Giannakopoulou P, Udeh-Momoh C, McKeand J et al., 2020 29 Inglaterra | Relatar os efeitos do isolamento social nas mudanças autorreferidas nos níveis de depressão e de ansiedade entre idosos que residem em Londres via uma pesquisa on-line. | Estudo transversal desenvolvido com 7.127 participantes. | Associação negativa significativa entre solidão subjetiva e componentes agravados de depressão e ansiedade após o bloqueio; 40 % da coorte relatou distúrbios do sono. O isolamento social contribuiu ainda para o estilo de vida pouco saudável, estimulando maiores níveis para o hábito de tabagismo e etilismo. | 6 |
Marroquín B, Vine V, R Morgan, 2020 30 Estados Unidos | Examinar as relações entre o distanciamento social, os recursos sociais e a saúde mental durante o curso inicial da pandemia da covid-19. | Estudo multietapas desenvolvido com 435 participantes. | 38,4 % da amostra estava experimentando pelo menos depressão leve. A idade avançada foi associada a sintomas de saúde mental mais brandos e menor distanciamento social. As mulheres relataram mais pensamentos negativos do que os homens. Os participantes com renda familiar anual mais baixa sofreram significativamente mais com a depressão do que todas as outras categorias de renda. Os participantes sob a ordem de ficar em casa relataram depressão significativamente maior, sintomas de transtorno de ansiedade generalizada e estresse agudo e pensamentos intrusivos mais elevados, mas não diferiram na insônia. | 6 1 |
Parola A, Rossi A, Tessitore F, Troisi G, Mannarini S, 2020 31 Itália | Avaliar o estado de saúde mental de jovens adultos italianos e monitorar suas tendências de saúde mental durante as primeiras quatro semanas de bloqueio imposto pelo governo italiano durante o surto de covid-19. | Estudo transversal desenvolvido com 97 participantes. | Resultados evidenciaram um aumento na ansiedade e na depressão, retraimento, queixas somáticas, comportamento agressivo, comportamento de quebra de regras e problemas de internalização e externalização e diminuição no comportamento intrusivo. | 6 |
Pandey D; Bansal S; Goyal S; Garg A; Sethi N; Pothiyill DI et al., 2020 32 Índia | Explorar o grau de sofrimento psicológico em termos de depressão, ansiedade e estresse entre a população adulta da Índia durante o bloqueio obrigatório de 21 dias. | Estudo transversal desenvolvido com 1.395 participantes. | A prevalência de depressão relatada foi em torno de 30,5 %, a maior entre as variáveis de saúde psicológica. A ansiedade foi relatada por 22,4 %, seguida do estresse por 10,8 % dos entrevistados. O estresse foi de apenas grau leve a moderado. No entanto, alguns relataram grau severo de depressão (1,7 %) e ansiedade (2,2 %). Dez entrevistados (0,7 %) ainda relataram ter nível de ansiedade extremamente grave. | 6 |
Fonte: elaboração própria.
A amostra deste estudo contou com a presença de 18 artigos que discorrem sobre a influência do isolamento social, como medida de combate à pandemia da covid-19, na saúde mental da população.
Um estudo empregou o modelo de previsão psicológica para a predição do perfil psicológico dos participantes, com base em indicadores emocionais (ansiedade, depressão, indignação e felicidade pelo questionário de Oxford) e cognitivos (julgamento de risco social e satisfação com a vida). Os recursos lexicais utilizados para a obtenção dos indicadores foram o sistema Text Mind, para extrair o conteúdo dos perfis, o qual possui uma ferramenta de segmentação de palavras para dividir o conteúdo extraído em palavras/frases, além do Language Inquiry and Word Count (LIWC) chinês simplificado para a formação de categorias psicologicamente significativas, observando a frequência de menção dos termos no Weibo 15.
Em seguida, compararam-se as diferenças de características psicológicas entre a semana anterior (de 13 a 19 de janeiro) e a semana posterior (de 20 a 26 de janeiro) à declaração de surto de covid-19, em 20 de janeiro de 2020. Os resultados indicam a elevação dos indicadores emocionais negativos e a redução dos indicadores emocionais positivos. Evidenciou-se que as pessoas começaram a se importar mais com a saúde e a procurar apoio social de suas famílias, em vez de amigos. As mensagens relacionadas à morte e à religião também se tornaram mais frequentes 15.
Em outro estudo, os entrevistados relataram ter apresentado episódios depressivos durante a pandemia. Além de o índice de doenças de cunho psicológico, como ansiedade e depressão, ter aumentado durante o confinamento 16.
Em uma outra pesquisa, realizada em dois momentos no início do período pandêmico (primeiro momento se deu de 22 a 25 de março e o segundo momento de 3 a 9 de abril de 2020), foi feito um comparativo acerca dos efeitos do isolamento para a saúde mental, percebendo-se um aumento nos níveis de ansiedade e depressão associados ao período vivenciado. Contudo, as estatísticas desse estudo mostraram que os níveis de ansiedade-estado das pessoas diminuíram nas semanas seguintes de quarentena, quando isoladas em casa sozinhas. Por sua vez, o estudo demonstrou que, quando isoladas com a presença de familiares idosos dependentes, trouxe índices elevados de depressão e ansiedade, bem como para trabalhadores essenciais que permaneceram exercendo as atividades laborais, como profissionais de saúde, técnicos de laboratório, pessoas do setor agrícola e venda de alimentos, entre outros 17.
Uma pesquisa apresentou que os entrevistados solteiros apresentaram níveis de depressão, ansiedade e estresse maiores comparados aos participantes de estado civil casado ou divorciado (p < 0,001) 32.
Por meio de um estudo analisado, pode-se observar que a prática da automedicação aumentou durante o período de confinamento. Ao se tratar do consumo de bebidas alcóolicas, observa-se mais frequente entre os estudantes, sem haver distinção entre os gêneros para o consumo 18.
Partindo do conceito de capital social de Lynch 33, que representa a vontade de gerar coesão social, confiança e participação social, pesquisadores investigaram a influência do capital social na qualidade do sono em pessoas que se autoisolaram durante o surto de covid-19 na China central, por meio do questionário Personal Social Capital Scale 16 (PSCI-16). Além disso, investigou-se a presença de ansiedade por meio do Self-Rating Anxiety Scale (SAS), de estresse pelo Stanford Acute Stress Reaction (SASR) e a qualidade do sono pelo questionário Pittsburgh Sleep Quality Index (PSQI), analisando a presença de associações entre essas variáveis 19.
A análise aponta que a ansiedade e o estresse de indivíduos isolados estavam elevados, e a qualidade do sono era ruim. Por estarem isolados em casa e não no hospital, os autores apontam que eles poderiam se sentir mais inseguros do que os pacientes hospitalizados, com maior incerteza sobre o próprio risco de desenvolver doenças graves ou não serem diagnosticados e tratados a tempo. Evidenciou-se que o aumento do capital social esteve associado à redução dos níveis de ansiedade e estresse, bem como ao aumento na qualidade do sono. Concluiu-se que os níveis de capital social podem influenciar a saúde mental e o sono 19.
Em um estudo desenvolvido na Itália, os entrevistados relataram problemas graves com insônia, pontuando um escore mediano de 10 (faixa de 0-28), no índice de gravidade de insônia (ISI), instrumento adaptado para a pesquisa 20. Em outra pesquisa, constatou-se que 13,3 % dos participantes pontuaram ISI maior ou igual a 15 e 2,7 com pontuação maior ou igual a 22, podendo ser observados sintomas graves de insônia no período de distanciamento pela covid-19 21.
A Itália foi centro de uma outra pesquisa que se deu em dois momentos: em duas semanas após o início do bloqueio e uma semana depois do fim do bloqueio. Constatou-se, por meio da DASS Escala-21 (investigou a saúde mental dos participantes), que 53,30 % dos entrevistados apresentaram escores mais elevados na subescala de depressão no período final do isolamento social. Com relação ao estresse, 58,31 % tiveram índices mais elevados na pontuação gerada pela subescala, ao passo que 30,52 % tiveram uma pontuação menor e 11,16 % pontuaram igualmente 22.
Outro estudo teve como população estudantes de uma faculdade de medicina de Changzhi, localizada no distrito de Hubei. Identificaram-se sintomas de ansiedade por meio da escala de transtorno de ansiedade generalizada de sete itens (GAD-7). Cerca de um quarto dos estudantes apresentou sintomas de ansiedade, sendo 21,3 %, 2,7 % e 0,9 %, respectivamente, os índices de ansiedade leve, moderada e grave. Estudantes de áreas rurais, com famílias sem renda estável, que não residiam com os pais e tinham parentes ou conhecidos afetados pela covid-19, apresentaram-se mais propensos à ansiedade grave (p < 0,001) 23.
Observou-se, por meio de algumas pesquisas, que a população jovem se mostra mais sensível ao sentimento de abandono e solidão devido ao confinamento forçado 18,24,25. Quanto mais avançada a idade dos entrevistados, menores eram os relatos acerca dos sintomas de ansiedade, irritabilidade e depressão. Pessoas mais jovens (25-34 anos), portanto, apresentavam-se mais suscetíveis a apresentar esses sintomas 26.
Durante o distanciamento social pela covid-19, um questionário on-line de acesso aberto e de autopreenchimento foi divulgado na China para investigar o sofrimento psicológico peritraumático. Além de dados demográficos, o questionário incluía a COVID-19 Peritraumatic Distress Index (CPDI) para pesquisas de ansiedade, depressão, fobias específicas, mudança cognitiva, evasão e comportamento compulsivo, sintomas físicos e perda de função social na última semana, com escore que varia de 0 a 100. Pontuações entre 28 e 51 indicavam sofrimento leve a moderado, ao passo que pontuações > 52, sofrimento grave 27.
O escore médio (DP) mediante a aplicação do CPDI foi de 23,65 (+ 15,45). Uma frequência de 29,29 % das pontuações dos participantes encontrava-se no escore entre 28 e 51, enquanto 5,14 % das pontuações encontravam-se no escore > 52. Os resultados apontaram sofrimento psicológico significativamente maior em mulheres (24,87 + 15,03; p < 0,001); pessoas entre 18 e 30 anos ou mais de 60 anos (27,76 + 15,69 e 27,49 + 24,22, respectivamente), e trabalhadores migrantes (31,89 + 23,51), com os índices mais elevados entre todas as ocupações 27.
Outro fator destacado nas entrevistas foram os níveis aumentados de ansiedade e depressão relacionados à moradia inadequada para viver durante o isolamento social. Os homens mostraram-se mais inseguros (1,16-1,73) quando vivenciavam o bloqueio com a presença de crianças, em comparação com as mulheres (1,01-1,28). Contudo, vivenciar esse momento com filhos foi um fator em que as mulheres demostraram maiores níveis de depressão (0,77-0,98) 25. Em outra pesquisa analisada, observou-se que participantes que vivenciaram o bloqueio com a presença de pelo menos um filho relataram menos autonomia, menos satisfação com a vida e elevação significativa nos sintomas de ansiedade e depressão 28. Uma pesquisa demonstrou que as pessoas que moravam sozinhas apresentaram maior probabilidade de manifestar pioras nos níveis de ansiedade e de depressão 29.
Em outro estudo realizado, observou-se a renda familiar como um fator importante durante o isolamento social. Os participantes com renda anual mais baixa (menor de USD$20.000) apresentaram índices maiores de depressão ao serem comparados com participantes com rendimentos financeiros maiores 30.
Um estudo realizado na Itália utilizou escalas sindrômicas do autorrelato de adultos (18-59), em quatro intervalos de tempo (TI, T2, T3, T4) para analisar problemas internos e externos vivenciados durante o isolamento social. Com isso, os resultados identificaram um aumento na ansiedade e depressão, retraimento, queixas somáticas, comportamento agressivo, comportamento de quebra de regras e problemas de internalização e externalização 31.
Quanto ao nível de evidência, a avaliação foi a mesma para todos os estudos, apontando os estudos descritivos transversais como prevalentes na abordagem à temática. A partir das evidências encontradas, elaborou-se uma ilustração que relaciona as implicações na saúde mental às características sociodemográficas elencadas pelos estudos primários (Figura 2).
Discussão
Quarentena, isolamento ou distanciamento social são termos com significados diferentes, mas apresentam em comum a característica de separar as pessoas, com intuito de prevenir contágios, conter transmissão e reduzir impactos nos sistemas de saúde, tal como vem sendo feito em todo o mundo diante da covid-19 34,35. Contudo, também são estratégias que podem causar experiências desagradáveis na rotina das pessoas, determinando consequências sociais, psicológicas e financeiras.
É reconhecido que medidas de distanciamento e isolamento social já foram implementadas em diversos contextos de epidemias e pandemias vivenciadas na história da saúde mundial. Podem ser destacadas a pandemia por influenza de 1918-1919, a epidemia de síndrome respiratória aguda grave (Sars) em 2002-2003, a epidemia por H1N1 em 2009-2010 36.
As pessoas com distúrbios psiquiátricos preexistentes estão vulneráveis ao agravamento da situação clínica decorrente do medo, da ansiedade e do pânico disseminados pelas pessoas 37. Na ocorrência de suspensão de consultas regulares a esse público, devido ao isolamento social, os riscos de urgências psiquiátricas aumentam à medida que as pessoas são acometidas pelo estresse. Salienta-se que as pessoas que fazem tratamento psiquiátrico estão associadas ao aumento da suscetibilidade à infecção, relacionado ao déficit cognitivo, à subestimação de risco e à proteção pessoal insuficiente 38.
Vê-se que o impacto psicológico durante episódios de pandemias que exijam isolamento e quarentena na população pode levar a consequências negativas na saúde mental, sendo uma preocupação o surgimento de ideação suicida ou o próprio suicídio durante esse período 39.
Quando infectadas ou com suspeita da covid-19, as pessoas tendem a experienciar alterações sentimentais e emocionais, sentindo-se apreensivas, angustiadas, amedrontadas, inseguras, sozinhas, entediadas e passando também a apresentar alterações no sono e no humor 37. Esses reveses, com o passar do tempo, caso se intensifiquem durante o isolamento social, podem evoluir para distúrbios psíquicos, como transtorno de ansiedade, estresse pós-traumático e depressão 40,41.
A mudança repentina em rotinas agitadas, a instalação do ócio e a dificuldade de adaptação às restrições impostas pelo isolamento social são estressores que têm contribuído para o adoecimento psíquico dos indivíduos. Diante disso, os profissionais da saúde mental têm abordado alguns pontos para melhoria do bem-estar psicológico da população, como esclarecimentos acerca dos sentimentos negativos que surgem nas pessoas e instruções sobre como organizar as atividades diárias inserindo práticas de exercício físico, técnicas de relaxamento e cuidados com sono e repouso 42.
Os atendimentos psicológicos presenciais, face a face, estão sendo restritos ao mínimo possível, a fim de diminuir o risco de contágio pela covid-19.
Mas, diante da necessidade de intervenções psicológicas, observada agora, os profissionais do campo da saúde mental passam a oferecer atendimentos apropriando-se das tecnologias de informação e comunicação 43. Dessa forma, os profissionais têm articulado canais de escuta on-line ou via telefônica e materiais com informações, tendo em vista que a principal recomendação é sair apenas em casos de extrema necessidade. O principal objetivo desses atendimentos é minimizar a angústia da população e auxiliar no processo de enfrentamento durante o isolamento.
As repercussões psicológicas também estão associadas às implicações causadas nas esferas familiar, social e econômica. Medidas de contenção da transmissão, em que famílias que vivenciam, de fato, o distanciamento social e não circulam na casa dos parentes há meses, as aulas remotas e o trabalho home office, podem ocasionar sentimentos de solidão, desamparo e desproteção, além de aumentar a incerteza sobre a resolutividade da situação pandêmica mundial 44.
Ademais, tem-se observado a disseminação exacerbada de inverdades acerca da doença, o que tem elevado os níveis de ansiedade e estresse na população, em decorrência de preocupação excessiva. Entende-se que a informação é fundamental para manter os indivíduos a par da situação da saúde do país. Contudo, recomenda-se que as pessoas procurem fontes seguras para a busca de informações verídicas acerca dos acontecimentos diários, pois o fluxo contínuo de compartilhamentos de fakenews tem contribuído, ainda mais, para prejudicar a saúde mental da sociedade 8.
Um estudo do Canadá identificou que pessoas que ficaram em quarentena e que têm renda familiar anual inferior a USD$40.000 dólares canadenses, comparadas com as que têm entre USD$40.000 e USD$ 75.000, apresentaram estresse pós-traumático e sintomas depressivos. Observou-se que à medida que a renda era reduzida, os sintomas depressivos e o estresse pós-traumático aumentavam 45. A ocorrência dos sintomas provavelmente se dá porque aquelas pessoas com renda mais baixa estão mais propensas aos efeitos da perda de renda ou do emprego, preocupando-se mais quando estão em situação de quarentena e distanciamento social.
Um estudo realizado no Rio Grande do Sul, Brasil, afirmou que a insegurança da população com relação à manutenção do emprego e da renda mostra-se um fator condicionante ao adoecimento psicológico. Portanto, a incerteza acerca da situação financeira apresenta maior risco ao desenvolvimento de patologias, como depressão e ansiedade 46.
A desigualdade social pode ser destacada como outro fator agravante à pandemia da covid-19, pois a concentração de renda e a vulnerabilidade social aumentam ainda mais os riscos à saúde física e psicológica da população no cenário de saúde durante a pandemia. Na capital da Bahia, Brasil, foi realizada uma pesquisa revelando que os indivíduos à margem da sociedade, além de mais expostos aos impactos financeiros derivados da pandemia pela covid-19, também estão mais propensos a desenvolver problemas psicológicos decorrentes do medo por estarem mais suscetíveis à contração do vírus, quando se consideram as condições sanitárias dispostas por essa parcela da população 47.
Compreende-se a dificuldade financeira ocasionada pela diminuição ou pela anulação da renda das pessoas como um importante fator de risco à saúde mental, tendo em vista que as perdas financeiras geram grande preocupação com a provável falta de suprimentos para a sobrevivência familiar em tempos de pandemia. Assim, percebe-se que as incertezas aumentam conforme o isolamento social é prolongado. Associado a isso, as taxas de transtornos psicológicos na sociedade também tendem a crescer diante das dificuldades econômicas e sociais impostas 48.
Conclusões
O estudo evidenciou que as consequências do isolamento social para a saúde mental foram aumento de ansiedade, depressão, indignação, preocupações com a saúde, a família e morte; diminuição da felicidade e da satisfação com a vida; preocupação com lazer e amigos.
A disseminação de informações acerca do curso pandêmico da covid-19 é um ponto crítico que tem contribuído para o aumento dos níveis de ansiedade, estresse e pânico nas pessoas. Recomendam-se intervenções específicas dos órgãos públicos e difusão de informações adequadas. As equipes de saúde compõem a atenção direta às pessoas acometidas pela covid-19; atuam na prevenção da infecção, mas também no cuidado integral do paciente e de sua família.
Os sintomas psíquicos envolvidos com as situações relacionadas à pandemia da covid-19 devem ser reconhecidos na prática clínica e nas abordagens realizadas em todo o processo assistencial. O aprimoramento da competência atitudinal decorrente do aprendizado é efetivado pela aplicação das evidências científicas resolutivas descritas nesta RIL.
Ainda não se sabe ao certo se os efeitos ocasionados pela quarentena no psicológico das pessoas são abrangentes e duradouros ou substanciais. Mas entende-se que se trata de uma situação que exige atenção dos sistemas de saúde, tendo em vista os impactos negativos que podem decorrer das restrições sociais por período indeterminado. Recomenda-se, portanto, o desenvolvimento de pesquisas sobre a temática, sobretudo na realidade brasileira, que elucidem as peculiaridades locais e apontem subsídios para o enfrentamento.