Services on Demand
Journal
Article
Indicators
- Cited by SciELO
- Access statistics
Related links
- Cited by Google
- Similars in SciELO
- Similars in Google
Share
Innovar
Print version ISSN 0121-5051
Innovar vol.22 no.43 Bogotá Jan./Mar. 2012
Armando Fernandes* & Paulo Reis Mourão**
* Mestrado em Economia Social pela Universidade do Minho, Portugal E-mail: mandofernandes@gmail.com
** Departamento de Economia da Universidade do Minho, Portugal E-mail: paulom@eeg.uminho.pt
Recibido: febrero de 2010 Aceptado: junio de 2011.
Resumo:
Este artigo discute o voluntariado e a acção voluntária sob uma perspectiva institucionalista. Nessa perspectiva, o voluntariado é compreendido como o resultado de instituições próprias, nomeadamente, a geração de contextos socioeconómicos estimuladores da expressão da dádiva (essência da acção voluntária) mas também de contextos emergentes (momentos de crise) não satisfeitos pela acção combinada dos mercados e do Estado. Para esforços de ilustração, recorremos a dois exemplos analisados em detalhe - os exemplos do caso português e o exemplo da Cruz Vermelha.
Palavras-chave:
voluntariado, Terceiro Sector, institucionalismo.
Abstract:
This article discusses volunteer action from an Institutionalist perspective. According to this approach, volunteer action is carried out by certain institutions through the creation of socio-economic contexts that stimulate cooperation (which is the essence of volunteer action) and in the context of emerging realities (crisis moments). To focus on these assertions, we look at two examples - the case of the Portuguese volunteer sector and the case of the Red Cross.
Keywords:
Volunteer, third sector, institutionalism.
Resumen:
este artículo discute la acción del voluntariado desde una perspectiva institucionalista. Desde esta perspectiva, el voluntariado se entiende como el resultado de ciertas instituciones, incluyendo la creación de contextos socioeconómicos que estimulan el don (que es la esencia de la acción voluntaria) y de los contextos emergentes (la crisis). Para explicar mejor estas afirmaciones, hemos recurrido a dos ejemplos - el caso del sector del voluntariado portugués y el caso de la Cruz Roja.
Palabras clave:
voluntariado, tercer sector, institucionalismo.
Résumé :
Cet article analyse l'action du volontariat à partir de la perspective institutionnaliste. Dans cette perspective, le volontariat est entendu comme le résultat de certaines institutions, y compris la création de contextes socioéconomiques qui stimulent le don (essence même de l'action volontaire) et des contextes émergeants (la crise). Pour mieux expliquer ces affirmations, nous avons pris deux exemples - le cas du secteur du volontariat portugais et le cas de la Croix-Rouge.
Mots-clefs :
volontariat, secteur tertiaire, institutionnalisme.
O voluntariado é uma expressão de dádiva. O voluntário doa o seu tempo mas, sobretudo, a sua pessoa na própria complexidade (aptidões, sentimentos e conhecimentos) a um serviço organizado, a uma causa, a um partido político ou a um ideal.
Ainda que a acção voluntária tenha existido historicamente em todas as sociedades, só recentemente se tornou alvo de estudo pelas Ciências Sociais e só mais recentemente ainda se tornou objecto de estudo na Economia.
Este trabalho procura sugerir linhas para um debate sobre o voluntariado enquanto expressão institucionalista no seio da análise das Ciências Sociais.
Inserido na discussão relacionada com o Terceiro Sector, o voluntariado é um fenómeno social que escapa ao mercado (cujo agente principal é o "profissional" contratado cuja remuneração é o resultado do equilíbrio entre forças de oferta e forças de procura) e que também escapa ao Estado (cujo agente principal é o "burocrata" ou "funcionário público" que presta serviço público em função do benefício social atribuído). Assim, o voluntariado tem no "voluntário" o seu agente principal que, como se verá no artigo, cumpre o papel complexo de insider-outsider, quer na perspectiva dos utentes beneficiários do voluntariado quer na perspectiva da organização envolvente.
Assim, o presente artigo encontra-se estruturado da seguinte forma. Seguidamente, vamos discutir a acção voluntária e o respectivo enquadramento histórico. Depois, vamos particularizar a análise do voluntariado utilizando quer o caso do tratamento recente num país da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e da União Europeia (o caso de Portugal) quer utilizando o exemplo principal da maior organização mundial da área - a Cruz Vermelha. A última secção conclui o artigo.
Uma discussão sobre a acção voluntária
Para Lima (2009), a acção voluntária significa aderir a uma causa e a uma rede de relações das quais se participa por livre escolha. O termo "voluntário", numa acepção mais informal, ganha uma dimensão ampla, abrangente, não se confinando às perspectivas institucionais; apresenta- se como um acto, pessoal, espontâneo, em prol de alguém que necessita.
É uma acção caracterizada pela gratuitidade dos serviços doados, não no sentido de que não se recebe nada em troca, mas antes pelo facto de que os benefícios económicos quantificáveis não constituem a base da relação entre os agentes envolvidos (Melluci, 2001). Desse modo, a espontaneidade é um elemento essencial na acção voluntária, uma vez que esta não obedece a nenhuma imposição em função do cálculo ou de uma obrigação contratual, mas antes a um movimento de alma, já que ir em direcção ao Outro significa que não o fazemos só para obter alguma coisa mas também porque o sentimos (Godbout, 1999).
Segundo Lima (2009), a gratuitidade consiste na espontaneidade, na liberdade dessas acções, no sentido em que não se espera algum retorno, tampouco coacção para agir.
Mesmo que haja reconhecimento público na acção voluntária, este é implícito e não consciente, de maneira que não se configura como um dispositivo relevante para a adesão ao voluntariado. Contudo, importa referir que, mesmo que não se espere a retribuição, esta acaba sempre por se fazer apresentar no plano simbólico. Acontece de a retribuição estar presente no próprio acto de dar, na medida em que o voluntário entende que, ao ajudar o Outro, ajuda-se a si mesmo. Não por recompensa, mas porque, com a sua acção, realiza-se como pessoa e acaba por se livrar dos fantasmas do egoísmo, do orgulho e da vaidade.
A acção voluntária, na dádiva para o Outro, é construída por uma interacção dinâmica, assente na circulação de doações, recebimentos e retribuições de bens entre os agentes envolvidos no processo.
Tal circulação não se encontra subordinada à racionalidade utilitária, de aumentar os bens doados, e muito menos à racionalidade política, que seria de aumentar o poder, mas sim à criação de vínculos sociais. Ou seja, os bens doados, aceites e retribuídos não são trocados em função da sua utilidade, nem equivalência monetária, mas antes por manifestarem, simbolicamente, o desejo e a pretensão de construir uma relação (Lima, 2009). Por exemplo, "pagar um café a alguém" tem um valor muito maior do que o pequeno valor monetário da bebida - tem o valor de toda uma relação pessoal que se espera construir a partir daquela dádiva.
Como defende Godbout (1999), a retribuição é um gesto grandioso, que resulta de uma acção livre para com o Outro, que por sua vez faz o seu contradom e alimenta a chamada "espiral de genorosidade". Isto é, essa troca entre pessoas não segue a lógica de mercado, já que nessa reciprocidade a ênfase é colocada no acto de dar e de retribuir e não de extrair a maximização do benefício tangível.
A relação entre o doador e o recebedor mostra-nos que a relação da dádiva assenta na ideia de que toda e qualquer pessoa é única nesta rede solidária. A lógica da dádiva sinaliza para algo que retorna ao doador, e, com isso, a pessoa crê que o bem feito a outrem pode retornar em seu próprio benefício, gerando, assim, um ciclo de reciprocidade (Lima, 2009).
Mas o modo como o conjunto de acções voluntárias ("voluntariado") tem sido interpretado ao longo dos tempos não tem sido linear. A próxima secção reflecte sobre esse facto.
O voluntariado e sua história
O voluntariado actualmente é tido como uma prática social a seguir por toda a comunidade civil, é assumido como um exemplo de cidadania activa, sendo promovido tantos nos contextos sociais quanto nos académicos e profissionais. As perspectivas históricas servem fundamentalmente para contextualizarmos e evidenciarmos as principais características da evolução do fenómeno do voluntariado ao longo da história. Segundo Amaro (2002), a literatura existente sobre a evolução desse fenómeno consubstancia-se praticamente na realidade das sociedades europeias e sociedades ocidentais de uma forma geral.
Rogério Amaro (2002) sustenta a análise histórica do voluntariado em quatro principais periodos: no pré-industrial, na era industrial, no Estado de Providência e no pós-industrial.
Segundo Amaro (2002), a principal característica do contexto pré-industrial prende-se ao facto de o voluntariado não ter de conviver/concorrer com o trabalho remunerado. Isso, para Gomes (2009), assume carácter de relevância na medida em que o conceito moderno de voluntariado só adquire importância numa lógica de mercantilização das relações de trabalho, ou seja, a partir do momento em que o trabalho assalariado se transformou na relação de produção dominante.
Este período é caracterizado pela inexistência de voluntariado, enquanto conceito e categoria com reconhecimento social:
Não quer dizer que o tipo de acções, tarefas e serviços actualmente atribuíveis ao voluntariado, não se encontrem, factual e objectivamente, em vários momentos e sociedades que estão incluídas neste período, mas tão-somente que não há, por enquanto, uma evidência do seu reconhecimento e valorização social generalizada. (Amaro, 2002, p. 34)
Aliás, Mourão e Tavera (2010) mostram que, nas sociedades ibéricas e sul-americanas dos séculos XVI e XVII , já existia uma complexa rede de voluntariado sob o impulso de associativismo leigo inspirado por intenções religiosas (assistencialistas, eminentemente) concretizadas em figuras de confrarias, irmandades e Misericórdias.
Por seu lado, na era industrial, o voluntariado ganha um reconhecimento e estatuto social que marca a evolução histórica do mesmo. Segundo Gomes (2009), mediante todas as transformações sociais e mudanças suscitadas pela Revolução Industrial, perante novos modos de vida, como organizações do trabalho, surge a necessidade do aparecimento das lógicas de ajuda e de solidariedade organizada com o recurso ao voluntariado.
Neste período industrial, verifica-se a hegemonização do modelo mercantil das relações de trabalho, e este passa a ser entendido como mercadoria disponibilizada na relação de mercado, onde é objecto de compensação, económica, pela realização de uma tarefa realizada. Nesse contexto, toda a infraestrutura social organizou-se em torno das relações de trabalho assentes na lógica de mercado (Gomes, 2009).
Para Gomes (2009), esta realidade traz consigo novas e fortes implicações na forma como se perspectiva o voluntariado, sobretudo, no facto de este começar a caracterizarse pela gratuitidade, carácter incontornável na percepção real do que é o voluntariado na actualidade.
Contudo, e não obstante estas considerações, neste período da história, paradoxalmente, o voluntariado conquista e perde visibilidade e reconhecimento social. Ou seja, face à prevalência do modelo mercantil das relações de trabalho, no qual a compra e venda da força de trabalho assumemse como factor social prioritário, o carácter gratuito da acção voluntária coloca o voluntariado numa posição de desvalorização face à lógica mercantil e às outras lógicas de organização social da época (Gomes, 2009).
Por outro lado, e segundo Amaro (2002, p. 44), o processo de transformação social que originou a profissionalização das relações sociais, através "... da crescente especialização das competências utilizadas na produção de bens e serviços, especialização essa que assenta não só na divisão técnica do trabalho, como no aprofundamento dessas competências", contribuiu também para a desvalorização do voluntariado face ao crescente sistema de profissionalização da época.
A profissionalização implica que apenas quem se encontra preparado, científica e academicamente, é que poderá exercer determinada profissão e isso fez com que o voluntariado fosse colocado numa posição subalterna perante o trabalho profissionalizado e remunerado, nomeadamente, na redistribuição de tarefas, na medida em que estas são estabelecidas pelos profissionais e em virtude do grau de valorização social dado à respectiva especialização das profissões (Gomes, 2009).
O terceiro período histórico identificado por Amaro (2002) reporta-se ao aparecimento do Estado de Providência nos países capitalistas e após a Segunda Guerra Mundial. Esta conjuntura traz consigo novos modos de consumos individuais e colectivos de natureza social, há uma reconfiguração da oferta e da procura relativamente às necessidades sociais, onde "... cabe destacar o processo de constituição da segunda geração de direitos, concretamente os direitos sociais, que passaram a reconhecer a importância de um conjunto de bens e serviços fundamentais, como seja, a saúde, a educação e o emprego etc." (Espada, 1997; Amaro, 2002).
A constituição social destes direitos e necessidades exige novas respostas universais, de ampla cobertura no que diz respeito à dimensão das infraestruturas, de forma a cobrir todos os grupos sociais de um determinado território. Este papel de difícil alcance foi atribuído ao Estado, através da constituição do Estado de Providência, isto é, o Estado tem a obrigação de providenciar, de zelar pelo bem-estar dos seus cidadãos. O nascimento deste novo actor social, com esta nova roupagem, implica profundas transformações para o voluntariado, que se estendem até os dias de hoje (Gomes, 2009).
O voluntariado é, historicamente, remetido para a sociedade civil e, em função disso, é, grosso modo, identificado como oposição ou complemento ao Estado, enquadrandose naquilo a que hoje designamos como Terceiro Sector (Gomes, 2009).
Para Gomes (2009), o voluntariado não caminhou lado a lado na constituição e desenvolvimento do Estado de Providência:
Perante a acção do Estado-Providência, o voluntariado começou por ser redefinido como desajustado, profundamente insuficiente para dar conta da escala das novas necessidades sociais. A um certo descrédito face à eficácia da sua intervenção juntou-se a animosidade ou pelo menos a desconfiança de uma ordem e um Estado Social secularizados, sendo visto como um vestígio de uma nova ordem paternalista, assistencialista, cuja actuação caritativa era quase sempre motivada pela religião. (Amaro, 2002, p. 56).
Contudo, e ainda que nos defrontemos com esta realidade conjuntural, o voluntariado quando equacionado na sua relação com o Estado de Providência, e perante esta nova divisão do trabalho de ajuda social, é tido como uma forma de actuação complementar à intervenção social, assegurada pelo próprio Estado.
Neste período histórico, o voluntariado é novamente remetido para uma condição subalterna face à relação e produção do modelo mercantil, desvalorizada e limitada à esfera das relações familiares, de vizinhança e comunitárias (Gomes, 2009).
Por fim, no período pós-industrial, que compreende os últimos 30 anos, o voluntariado cresce vertiginosamente. Segundo Amaro (2002), o voluntariado passa a ser encarado como um fenómeno socialmente necessário, sobretudo quando a sua razão de ser não se alicerça somente nas motivações, sacrifícios e disponibilidades exclusivamente individuais, como acontecia nos restantes períodos, mas também uma necessidade social que faz dele um fenómeno estrutural, uma das forças sociais da sociedade actual.
Outro aspecto importante desta nova contextualização do voluntariado tem que ver com o facto de o voluntariado surgir como uma realidade que não obedece necessariamente à lógica economicista, na medida em que não é remunerado, orientando-se pelo princípio da gratuitidade, e é realizado no tempo livre dos indivíduos.
Actualmente e nas sociedades contemporâneas, verifica-se um aumento substancial das necessidades de apoio social à escala mundial, que resulta das desigualdades sociais geradas pelos processos de globalização. Essa realidade conduz-nos para um fosso, incomensurável, entre aqueles que se encontram socialmente bem, com boas condições socioeconómicas, e aqueles outros que vivem na margem desse processo e em condições indignas, desumanas e de pobreza extrema, aos quais apelidamos, nos dias de hoje, de actores sociais excluídos, fruto do novo ciclo vital das sociedades pós-industriais, como são o exemplo dos jovens e desempregados de longa duração, doentes crónicos, deficientes, minorias étnicas, vítimas de guerras, refugiados ou populações subnutridas.
No fundo, poder-se-á afirmar que a intervenção do voluntariado, em função das novas necessidades sociais e humanas, reveste-se de um carácter e de uma abrangência mundial, relegando para uma dimensão estatística a sua acção local, regional e/ou nacional (Amaro, 2002).
Este percurso histórico, conjuntural, do fenómeno do voluntariado, permitiu-nos exultar as diferentes perspectivas acerca do conceito e da prática da acção voluntária, a forma como o voluntariado foi visto, reconhecido e considerado socialmente, dando-nos, agora, espaço para nos debruçarmos, reflectirmos, acerca do conceito e princípios contemporâneos do voluntariado. E, a posteriori, problematizarmos a dicotomia voluntariado/Estado, identificando institucionalmente o voluntariado enquanto fenómeno social.
O voluntariado na contemporaneidade: conceito e princípios
Segundo Gomes (2009), na sociedade actual, os governos e as sociedades civis atribuem cada vez mais importância às dinâmicas do voluntariado, encarando-o como uma forma complementar do trabalho profissional e da actuação das instituições, um recurso valioso para a vida social e um espaço próprio de exercício de cidadania.
Para Gomes (2009), o voluntariado é, sem dúvida, um fenómeno social que existe sob múltiplas formas devido à história, tradição e cultura de cada país, o que por si só faz com que haja diversas definições sobre essa prática. Como tal, importa, portanto, encontrar um conceito de voluntariado que permita acolher essa diversidade de formas e de elementos conjunturais. Isto é, etimologicamente, a palavra "voluntário" deriva da palavra "voluntas", que significa "capacidade de escolha, de decisão", "fazer algo por sua livre vontade" (Dicionário Latim-Português, 2008). Por sua vez, para o Centro Europeu de Voluntariado, presente no Manifesto sobre o Voluntariado na Europa datado de 2006, o voluntariado é definido como uma actividade realizada pelo indivíduo: a) "de livre vontade, por opção e motivação"; b) "sem preocupação de obter ganhos financeiros (não remunerado)"; c) "de uma forma organizada"; e d) "com o objectivo de beneficiar alguém, para além do voluntariado, e contribuir para os valores de interesse geral da sociedade." (Centro Europeu de Voluntariado, 2006).
Já a Organização das Nações Unidas (ONU) define voluntariado num sentido lato, onde procura enquadrar os diversos contextos da acção voluntária no mundo, valorizando desde as áreas mais tradicionais em que ocorre, como o desporto, a educação, a acção social, a assistência à terceira idade, as actividades de lazer, até ao voluntariado na esfera de catástrofes de grande dimensão (Gomes, 2009). No fundo, a ONU estabelece três critérios gerais para caracterizar uma acção voluntária, nomeadamente, ser empreendida de livre vontade, sem remuneração e em benefício de terceiros.
Segundo Gomes (2009), o Comité Económico e Social Europeu preconiza, igualmente, três critérios para definir o voluntariado comumente pelos seus Estados-membros, a saber:
- o voluntariado tem origem na livre vontade e na iniciativa de cada um, não podendo em caso algum revestir carácter obrigatório. É justamente o seu carácter voluntário que assegura a afinidade e identificação dos voluntários com a sua actividade;
- as actividades de voluntariado não são remuneradas e não são realizadas por motivos financeiros, mas certas despesas efectuadas pelos voluntários poderão ser reembolsadas;
- o objectivo dos voluntários é assistir outras pessoas fora do seu círculo familiar ou outros grupos sociais e serem, desse modo, úteis à sociedade (embora seja indiscutível que o voluntariado contribui consideravelmente para a formação da personalidade dos que o realizam).
Essas perspectivas do voluntariado mostram-nos que ele pode assumir-se como uma das forças de transformação social, como meio de participação cívica dos cidadãos, como um espaço onde a sociedade civil dá voz aos seus anseios e expressa a sua vontade de mudança em prol dos mais desfavorecidos, dos mais desprotegidos e excluídos socialmente.
Gomes (2009) defende que a Declaração Universal sobre o Voluntariado, de 14 de setembro de 1990, proclamada por iniciativa da Internacional Association for Volunteer Effort (IAVE ), coloca ênfase na perspectiva global de mudança do mundo através do voluntariado,
Os voluntários, inspirados na Declaração Universal dos Direitos dos Homens de 1948 e na Convenção sobre os Direitos da Criança de 1989, consideram o seu compromisso como um instrumento de desenvolvimento social, cultural, económico e do ambiente, num mundo em constante transformação. (Declaração Universal sobre o Voluntariado, Paris: 1990 apud Gomes, 2009).
A autora Eugénia Rocha (2006) sublinha a importância da participação social:
O nível de participação dos cidadãos em causas cívicas, e designadamente, o nível de mobilização local para as actividades como o voluntariado [é importante]. Através desta prática, em áreas muito diversas como a saúde, a cultura, o desporto, a solidariedade social ou a defesa do património, muitos cidadãos envolvem-se empenhadamente em actividades de grande relevância para a comunidade desempenhando, não raras vezes, um papel muito activo na atenuação de problemas dos grupos sociais mais desfavorecidos. (Rocha, 2006, p. 35).
O voluntariado em Portugal
Numa breve alusão ao percurso histórico recente, é relevante referir que o Estado é um actor fundamental para a divulgação e promoção do voluntariado, em qualquer país do mundo. Em Portugal, o voluntariado recebeu a primeira atenção por parte do Estado a partir de 1995, uma fase tardia relativamente a outros países da Europa.
Ou seja, em termos cronológicos, 1995 é o ano em que o Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social inicia uma série de reflexões que mais tarde deram origem à aprovação de legislação específica sobre voluntariado. No ano de 1997, a Assembleia Geral das Nações Unidas (com a participação de 123 países) designou o ano de 2001 como o ano Internacional do Voluntariado, como forma de seu reconhecimento e com o objectivo de conseguir um maior reconhecimento por parte dos Governos e entidades internacionais, nacionais, locais, e incentivar o voluntariado em várias vertentes (Gomes, 2009).
Por seu turno, Portugal aderiu à iniciativa e aprovou a Lei 71/1998, de 3 de novembro (DR 254/1998 Série I - A, de 3.11.1998), onde define as bases do enquadramento jurídico, colocando limites e definições em esferas como a do voluntariado, voluntário, organizações promotoras, princípios, direitos e deveres, relação entre o voluntário e a organização promotora, a suspensão e cessação de trabalho voluntário etc. (Gomes, 2009).
Em 1999 é criado o Conselho Nacional para a Promoção do Voluntariado (CNPV), com competências para desenvolver as acções indispensáveis à promoção, coordenação e qualificação do voluntariado em Portugal.
Segundo Delicado (2002, p. 37), as competências do CNPV, que iniciou a sua actividade em 2000 e continua até os dias de hoje,
compreendem a emissão do cartão de voluntário, a promoção de estudos de caracterização do voluntariado, a negociação colectiva de itens como o seguro dos voluntários, a bonificação dos transportes públicos, o acompanhamento da implementação das leis em vigor, a divulgação e sensibilização do público para o voluntariado.
Assim, e no que diz respeito ao contexto português, importa referenciar que toda a prática do voluntariado baliza-se no enquadramento legal que vigora desde 1998, a Lei 71/1998, de 3 de novembro, cujo entendimento sobre o voluntariado se assume, exposto no artigo 2, ponto 1, como um
conjunto de acções de interesse social e comunitário realizadas de forma desinteressada por pessoas, no âmbito de projectos, programas e outras formas de intervenção ao serviço dos indivíduos, das famílias e da comunidade desenvolvidos sem fins lucrativos por entidades públicas e/ou privadas.
No ponto 2 do mesmo artigo, é estabelecido que: "Não são abrangidas pela presente lei as actuações que, embora desinteressadas, tenham um carácter isolado e esporádico ou sejam determinadas por razões familiares, de amizade e de boa vizinhança."
Como facilmente se verifica, esta definição encerra, em si mesma, uma visão formal, regular e institucional da prática do voluntariado. A lei portuguesa exclui acções voluntárias de cunho comunitário e de interesse social que sejam fruto da iniciativa individual, que residam na esfera familiar, o que de certa forma acaba por restringir a prática do voluntariado (Gomes, 2009).
Naturalmente que esta perspectiva coloca de lado o aspecto informal da acção voluntária, desprezando a vontade individual, o pressuposto solidário e outros valores similares, privilegiando as iniciativas enquadradas em organizações, promotoras de voluntariado, regidas por uma obrigação contratual entre o voluntário e a instituição, numa clara definição dos direitos e deveres de ambas as partes (Gomes, 2009).
Segundo Gomes (2009), este enquadramento legal não potencia todas as capacidades da prática do voluntariado, na medida em que exclui e negligencia a possibilidade de existência e coabitação da prática formal e informal da acção voluntária, da relação directa entre as variadas formas de agir livremente em favor do Outro. Na sociedade civil portuguesa onde o espaço informal, sobretudo o espaço doméstico, é muito forte, autónomo e com uma vasta tradição, preenchendo em muitas ocasiões as lacunas e insuficiências do Estado (Santos, 1994), parece-nos que seria importante valorizar, considerar e incorporar legalmente a prática do voluntariado enquanto iniciativa do domínio familiar, doméstico e individual.
Como refere Gomes (2009), o próprio Comité Económico e Social Europeu considera relevante a reflexão, discussão desta ambivalência, de tal forma que defende que em função da definição tida e assumida pelos Estados-membros, assegura que
O que ainda não está certo é se esta definição (que abarca os critérios expostos anteriormente) deverá abarcar apenas actividades regulares, se a ajuda de vizinhança faz parte das actividades de voluntariado ou se estas terão de ser realizadas dentro de estruturas formais e estruturadas para serem consideradas como tal. (Jornal Oficial da União Europeia, 325/46, de 30 de dezembro de 2006).
Esta questão é proporcionalmente pertinente e ambígua, sendo discutida em vários países europeus, diz-nos que há países que não assumem um carácter tão rígido e inflexível, como é o caso da França, onde é considerado voluntário qualquer indivíduo que colabore com uma organização não governamental sem receber nenhuma forma de apoio financeiro. Na Grécia, não há legislação que regule os voluntários ou o trabalho voluntário, e, nos países nórdicos, existe uma política no seio do voluntariado, não intervencionista, apesar de a cooperação entre o Estado e as organizações voluntárias ser intensa (Delicado, 2002).
Em Portugal, a definição de voluntariado é mais restrita, considerando somente as acções de interesse social e comunitário, realizadas de forma desinteressada ao serviço de indivíduos, das famílias e das comunidades, apenas no âmbito de projectos e outras formas de intervenção desenvolvidas sem fins lucrativos por entidades públicas e/ou privadas.
Dessa forma, e como já assumimos anteriormente, incorremos na perigosidade de excluir todas as outras manifestações de solidariedade social, de vizinhança ou de acções esporádicas, desde que se realizem no seio familiar, de paróquias, visitas pontuais etc. (Gomes, 2009).
Para Gomes (2009), partindo desse pressuposto, tornase importante expor, balizar, destrinçar e reflectir sobre alguns dos princípios que norteiam a acção voluntária no contexto legal português. Ou seja, partindo do documento jurídico em vigor em Portugal, e que define o voluntariado, a Lei 71/1998, de 3 de novembro (DR 254/1998 Série I - A, de 3.11.1998), importa exultar o capítulo II , artigo 5o, cujo princípio geral expressa que "O Estado reconhece o valor social do voluntariado como expressão do exercício livre de uma cidadania activa e solidária e promove e garante a sua autonomia e pluralismo."
No artigo 6o, são expostos os princípios enquadradores do voluntariado, elencados a seguir.
- O voluntariado obedece aos princípios da solidariedade, da participação, da cooperação, da complementaridade, da gratuitidade, da responsabilidade e da convergência.
- O princípio da solidariedade traduz-se na responsabilidade de todos os cidadãos pela realização dos fins do voluntariado.
- O princípio da participação implica a intervenção das organizações representativas do voluntariado em matérias respeitantes aos domínios em que os voluntários desenvolvem o seu trabalho.
- O princípio da cooperação envolve a possibilidade de as organizações promotoras e as organizações representativas do voluntariado estabelecerem relações e programas de acção concertada.
- O princípio da complementaridade pressupõe que o voluntário não deve substituir os recursos humanos considerados necessários à prossecução das actividades das organizações promotoras, estatutariamente definidas.
- O princípio da gratuitidade pressupõe que o voluntário não é remunerado, nem pode receber subvenções ou donativos, pelo exercício do seu trabalho voluntário.
- O princípio da responsabilidade reconhece que o voluntário é responsável pelo exercício da actividade que se comprometeu a realizar, dadas as expectativas criadas aos destinatários do trabalho voluntário.
- O princípio da convergência determina a harmonização da acção do voluntário com a cultura e objectivos institucionais da entidade promotora. (Lei 71/1998, de 3 de novembro - DR 254/1998 Série I - A, de 3.11.1998).
Para Gomes (2009), a lei do voluntariado e seus princípios, independentemente da sua aplicabilidade total no território português, constituem uma referência jurídica, uma linha orientadora, um mecanismo regulador de toda a prática do voluntariado em Portugal.
De todos os princípios apresentado há, na perspectiva de Gomes (2009), pelos menos três que, pela sua capacidade objectiva e caracterizadora, deverão ser exultados e salientados, nomeadamente: a não-obrigatoriedade, o enquadramento numa entidade promotora e a gratuitidade.
Isto é, a não-obrigatoriedade, na medida em que cada pessoa é livre, o acto voluntário é uma opção individual, um acto livre, uma motivação pessoal. O facto de o voluntariado ser enquadrado num determinado projecto, programa de uma entidade promotora, estabelece um conjunto de premissas contratuais, como é o caso da definição dos direitos e deveres das partes envolvidas, o programa de voluntariado, o compromisso e, sobretudo, a política de voluntariado preconizada pela instituição, o reconhecimento e a valorização que é dada à acção voluntária, à prática do voluntariado no seio da entidade promotora.
Por fim, o carácter gratuito da acção voluntária, o facto de a acção solidária ser realizada de forma livre e desinteressada, onde o voluntário não espera receber qualquer compensação ou recompensa económica pelo seu trabalho voluntário:
O princípio da gratuitidade pressupõe que o voluntário não é remunerado, nem pode receber subvenções ou donativos, pelo exercício do seu trabalho de voluntariado. Deste modo, os programas de voluntariado têm um custo económico baixo, facto significativo para o gestor de voluntariado. Evidentemente, este princípio é um elemento importante (Gomes, 2009).
O voluntariado na Cruz Vermelha
O voluntariado para o Movimento Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho (MICV) é assumido como um dos sete princípios fundamentais desta que é a maior Organização Humanitária do Mundo.
Face ao massacre causado pela batalha de Solferino, em 1859, Henry Dunant decidiu incitar a população local a responder, voluntariamente, às necessidades dos feridos. A ideia de formar sistematicamente, em todos os países, voluntários a fim de prepará-los para os tempos de guerra, está na origem da criação das Sociedades Nacionais da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho.
Os voluntários ajudam a fortalecer as comunidades, adquirindo competências e desenvolvendo laços sociais. O voluntariado é uma forma de ajudar as comunidades a capacitarem-se nas respostas perante situações de crise:
A diversidade e o carácter mundial da sua rede constituem uma mais-valia para a Cruz Vermelha e Crescente Vermelho (CV/CV): os voluntários são responsáveis pela prestação de muitos serviços locais, desempenhando um papel muito importante no fortalecimento da Sociedade Civil. O recrutamento, a formação e, sobretudo, a fidelização dos voluntários são questões cruciais a que as Sociedades Nacionais (SN) deverão dar uma particular importância.
A CV/CV poderá ser uma "casa" para todos os que desejarem participar em actividades voluntárias, e, por essa razão, é importante que a acção da CV/CV seja inclusiva e aberta a todas as pessoas da comunidade. A Federação Internacional (FICV) encontrará formas de encorajar o compromisso dos voluntários complementando o modelo tradicional de integração (Federação Internacional, 2007, p. 40).
Para o MICV, os voluntários acrescentam um valor extraordinário às SN's que, no entanto, é pouco reconhecido. A maior parte das pessoas pensa que o voluntariado é uma alternativa barata ao pessoal pago, mas os voluntários podem oferecer maior valor, qualidade e oportunidades que o pessoal pago. O voluntariado não deverá ser visto como alternativa ao pessoal técnico remunerado, nem o pessoal técnico ser considerado como alternativa ao voluntariado; eles são complementares entre si e deverão actuar em sinergia (Guia de Implementação da Política de Voluntariado da Cruz Vermelha Portuguesa, 2007).
Os voluntários conseguem ganhar credibilidade junto de clientes, doadores, responsáveis governamentais e outros, pela simples razão de que não recebem ordenado da organização e, portanto, são vistos como não tendo qualquer interesse económico no que estão a promover. Os voluntários são insiders-outsiders[1], trazendo consigo a perspectiva da comunidade e um vasto leque de experiências, diferentes das dos funcionários; eles são mão e mentes suplementares e, consequentemente, a possibilidade para fazer mais do que se estivesse limitado ao pessoal técnico. Este facto poderá traduzir-se num número acrescido de serviços, mais horas de actividade ou diferentes/novos tipos de serviço.
Para a CV/CV, o voluntariado traz consigo a diversidade, isto é, os voluntários poderão ser diferentes dos funcionários em termos de idade, etnia, contextos sociais, nível de educação, experiências etc. E isso resulta numa maior diversidade de opiniões e numa forma de contrabalançar o perigo da equipe técnica se fechar no seu trabalho. Com esta nova realidade há capacidades que se complementam - os voluntários são recrutados exactamente porque os técnicos não têm determinadas competências ou capacidades, exigíveis para determinadas aspectos das actividades/tarefas a desenvolver (como uma presença temporalmente prolongada junto dos beneficiários).
O voluntariado produz um sentimento proporcionado à comunidade, em que ele se movimenta, surge como parte da solução dos problemas sociais existentes, capacita as pessoas para darem respostas às vicissitudes e necessidades cada vez mais evidentes na sociedade, ou seja, se a organização promotora de voluntariado se preocupa com os problemas que afectam a qualidade de vida, as pessoas ao participarem como voluntárias capacitam-se para melhorar o seu próprio quadro de vida, as suas condições sociais e humanas. (Brochura do Centro Nacional para o Voluntariado, Londres, 2000).
O desenvolvimento do voluntariado na CV/CV assenta em quatro princípios incontornáveis, a saber:
- o voluntariado faz parte do programa de desenvolvimento da instituição, isto é, ele enquadra-se nos programas, não é um fim em si mesmo, mas acima de tudo um meio para satisfazer as necessidades das pessoas vulneráveis;
- o voluntariado é necessariamente local e baseado em culturas locais, ou seja, baseia-se nas tradições e culturas locais, respeita os valores e dignidade individual de cada pessoa;
- a acção voluntária não deve envolver quaisquer ganhos ou prejuízos económicos para os voluntários, na medida em que o trabalho voluntário não é remunerado mas tal não deverá significar que os voluntários não sejam reembolsados de despesas assumidas no decorrer do trabalho de voluntariado;
- em situações normais, os voluntários trabalham, em média, de três a cinco horas por semana, fazendo com que o princípio do êxito dos programas de voluntariado da instituição resida no facto de serem criadas tarefas simples e gratificantes que possam ser realizadas em pouco tempo, mas que promovidas passo a passo, conduzem a resultados tangíveis (Guia de Implementação da Política de Voluntariado da Cruz Vermelha Portuguesa, 2007).
No fundo, a CV/CV defende que o voluntariado é uma parte importante em qualquer comunidade, o seu contributo não melhora apenas a condição de vida das pessoas vulneráveis a quem prestam o seu apoio como também melhora a sua própria vida e a das suas comunidades.
O voluntariado difere, sensivelmente, nos vários pontos do mundo, devido à diversidade de condições sociais, políticas, culturais e económicas, ou seja, como o voluntariado assenta em condições locais é importante que as organizações promotoras trabalhem em rede, interajam entre si, de forma a poderem convergir na procura de respostas e soluções para os problemas sociais comuns. O voluntariado pratica-se no seio da comunidade. As comunidades mudam e evoluem com o tempo e com elas também o voluntariado.
Na perspectiva do Movimento Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho, o voluntariado define-se como uma actividade que:
...é motivada pela livre vontade de quem se torna voluntário, e não por um desejo de ganhos materiais ou financeiros ou por pressões sociais, económicas e políticas externas. Tem como finalidade beneficiar as pessoas vulneráveis ou as suas comunidades, e é organizado por representantes oficiais de uma Sociedade Nacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho. (Cruz Vermelha Portuguesa, 2007, p. 40).
A livre vontade é essencial para o exercício da actividade de voluntariado, ninguém deverá ser obrigado a ser voluntário por pressões externas a si mesmo. As pessoas que se oferecem como voluntárias fazem-no porque desejam desenvolver uma actividade benévola e não porque desejam ganhar dinheiro ou outros privilégios materiais.
O voluntariado pode ser uma actividade organizada ou espontânea; as pessoas podem ajudar espontaneamente amigos, familiares ou vizinhos, sem que ninguém organize essa acção; contudo, no seio do MICV, o voluntariado será normalmente considerado como uma actividade organizada, formal, como parte integrante de um programa de promoção da prática da acção voluntária.
Sinteticamente, o voluntário da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho é alguém que, aceitando formalmente as condições de acesso previstas nos estatutos ou regulamentos internos da Sociedade Nacional, presta assistência humanitária e social, em especial aos mais vulneráveis, prevenindo e reparando o sofrimento e contribuindo para a defesa da vida, da saúde e da dignidade humana.
O voluntário da CV/CV desenvolve a sua actividade em obediência aos princípios fundamentais, humanidade, imparcialidade, neutralidade, independência, voluntariado, unidade e universalidade, e às recomendações do Movimento Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho, estabelecidos em Conferência Internacional.
Este artigo analisou o voluntariado como expressão própria do Terceiro Sector. É uma expressão essencialmente composta pela dádiva, na qual o voluntário (doador) doa parte do seu tempo mas, sobretudo, doa a sua pessoa (quer na complexidade física, quer na complexidade emotiva, psíquica e moral) a um conjunto beneficiário (indivíduosalvo da acção ou causas ou ideais). As motivações são díspares e a sua diversidade merecerá um artigo alternativo ao presente, este que é mais focado numa abordagem institucionalista do voluntariado.
Neste artigo, observou-se que o voluntariado está inserido num complexo de instituições, desde contextos sociais propiciadores (ambientes pró-assistencialistas) até contextos emergentes (estados de crise social). A sua história jurídica recente esconde, como uma ponta de iceberg, um historial muito mais complexo, no qual se verificam expressões do voluntariado desde as épocas mais remotas com registos históricos.
No entanto, com a emergência do Terceiro Sector e a atenção crescente que tem recebido pelos agentes legisladores em diversos países desde o final da Segunda Guerra Mundial, também o voluntariado tem recebido uma atenção reguladora mais significativa nos últimos anos, assim como uma atenção mais significativa da academia. Nestes ambientes, o voluntariado é visto sobretudo através de uma perspectiva institucionalista, na qual se reconhece, por um lado, o voluntariado como resultado de instituições (padrões sociais) e, por outro lado, como fenómeno movido por agentes organizados em instituições não lucrativas.
Neste artigo, realçaram-se dois exemplos de expressão de voluntariado. Por um lado, o exemplo lato da observação em Portugal onde, apesar do historial de manifestações de voluntariado, só recentemente o Legislador regulou. Por outra via, o exemplo da Cruz Vermelha Internacional, a maior organização no sector, onde o voluntariado surge como esséncia da sua acção principal.
Da discussão possibilitada também por estes casos, concluiu-se que o voluntariado é um fenómeno intrínseco das sociedades, que responde às várias lacunas não satisfeitas pela acção quer dos mercados quer do Estado e que, sobretudo, alimenta-se da dádiva eminentemente vocacional dos seus agentes, cuja principal recompensa é, muitas vezes, a percepção do cumprimento de obrigações morais e de imperativos sociais.
[1] Os voluntários são "insiders" porque, muitas vezes, os utentes (beneficiários da acção dos voluntários) encaram-nos como "membros" da sua própria comunidade ou da sua própria família; também a própria instituição os encara, muitas vezes, como membros plenos da organização. Os voluntários são também "outsiders" porque são, simultaneamente, exteriores à organização (eles não são profissionais contratados para as tarefas) e exteriores aos beneficiários (são agentes que intervêm na qualidade de vida dos beneficiários sem um laço primário social, como o laço de parentesco ou de amizade).
Amaro, R. (2002). O voluntariado nos projectos de luta contra a pobreza em Portugal. Lisboa: Fundação Aga Khan. [ Links ]
Centro Europeu de Voluntariado. (2006). Manifesto sobre o voluntariado na Europa. [documento em Acrobat Reader]. Disponible en http://www.cev.be/data/File/CEVManifesto_PT.pdf. [ Links ]
Cruz Vermelha Portuguesa. (2007). Guia de Implementação da Política de Voluntariado da Cruz Vermelha Portuguesa. Lisboa: Cruz Vermelha Portuguesa. [ Links ]
Delicado, A., Almeida, A. e Ferrão, J. (2002). Caracterização do voluntariado em Portugal. Lisboa: Edição Comissão para o ano Internacional do Voluntariado. [ Links ]
Espada, J. (1997). Direitos Sociais de Cidadania. Lisboa: Imprensa Nacional da Casa da Moeda. [ Links ]
Federação Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho. (2007). Estratégia 2010. [documento em HTML]. Disponible en http://www.cruzvermelha.pt/voluntariado/o-que-e.html [ Links ]
Federação Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho. (1999). Política do voluntariado e guia de implementação 1999. Genebra: mimeo. [ Links ]
Godbout, J. (1992). O espírito da dádiva. Lisboa: Instituto Piaget. [ Links ] Gomes, D. (2009). Mundo vividos: os caminhos do voluntariado hospitalar. Tese de Mestrado em Sociologia - políticas locais e descentralização: as novas áreas do social. Coimbra. [ Links ]
Lima, V. (2009). Os vínculos que brotam da Dor. Trabalho apresentado no XIV Congresso Brasileiro de Sociologia de 28 a 31 de julho de 2009, Rio de Janeiro, Brasil. [ Links ]
Melluci, A. (2001). A invenção do presente: movimentos sociais nas sociedades complexas. Petrópolis: Vozes. [ Links ]
Mourão, P. e Tavera, J. (2010). "Factores de localización de las cofradias religiosas en actividad: una investigación a orillas del Atlántico y el Pacífico". Boletín de la Sociedad Geográfica de Lima, 122, 81-102. [ Links ]
Rocha, E. (2006). Voluntariado na cidade do Porto. Porto: Câmara Municipal do Porto - Gabinete de Estudos e Planeamento. [ Links ]
Dicionário Latim-Português. (2008). Porto: Porto Editora. [ Links ]
Legislação consultada:
Jornal Oficial da União Europeia, 325/46, de 30 de dezembro de 2006.
Lei 71/1998 de 3 de novembro (DR 254/1998, Série I - A, de 3.11.1998.
Site referenciado:
Volunteering England - Give/Receive/Achieve (n.d.) Volunteering England. Disponível em http://www.volunteering.org.uk