Introdução
A economia atual exige que empresas estejam em sintonia com as mudanças do mercado, o qual é complexo e globalizado. Nesse contexto, tanto a indústria como o mercado da moda possuem ambientes voláteis e turbulentos. Ou seja, há muita instabilidade na demanda e competição pelo custo de fabricação. Logo, um dos principais objetivos dentro do mundo empresarial é a criação de valor (Martí e Farrero, 2016).
De acordo com Medeiros, Pereira, Sellito e Borchardt (2010), indústrias calçadistas da Região Sul do Brasil, especialmente do Vale do Rio dos Sinos, aumentaram a diversidade de modelos de calçados após a entrada de concorrentes asiáticos. Pedidos de grandes lotes e poucos modelos passaram a ser deslocados para países asiáticos, enquanto pedidos de lotes menores e diversos modelos restaram às indústrias brasileiras. Portanto, lotes menores e alta variabilidade de modelos são um problema para a indústria calçadista (Jimeno-Morenilla, García-Rodríguez, Orts e Davia-Aracil, 2016).
Os processos de fabricação do calçado, segundo Frassetto (2006), são modelagem, corte, costura, montagem e acabamento. As operações variam bastante, dependendo do tipo de calçado ou da família de produto a ser produzido. Na etapa de costura, é comum a subcontratação de trabalhadores que, de acordo com Gracia (2006), ganhou notoriedade no Rio Grande do Sul com o surgimento dos atelieres terceirizados.
As microempresas subcontratadas, denominadas de atelieres, são parceiras da empresa contratante, de modo que, normalmente, não possuem contrato formal, podendo a parceria ser desfeita a qualquer momento por ambas as partes. Almeida (2008) relata que a demanda de trabalho é estipulada pela indústria contratante, assim como a remuneração pelo trabalho realizado. Indústrias maiores buscam empresas menores para a execução de parte de seu processo. As razões pelas quais uma empresa busca a terceirização de processos são inúmeras: redução de custos, aumento ou diminuição da demanda (Silva, 2009). Dessa forma, quando diminui a demanda, a terceirizada de costura de calçado sofre interrupções momentâneas de fornecimento.
Embora exija trabalhadores qualificados, a etapa de costura é o gargalo da manufatura do calçado porque possui operações minuciosas e manuais. Por isso, a maioria das empresas contrata empresas terceirizadas nessa fase de produção. Trata-se de uma estratégia que alivia a produção muitas vezes informal, que, em contrapartida, impacta na internalização das competências produtivas (Marín-Idárraga, 2017). No entanto, existe a preocupação com a qualidade e confiabilidade do serviço prestado (Frassetto, 2006). Para Chiavenato (2016), problemas de qualidade e produtividade devem ser tratados por todos da empresa e não apenas pela alta direção, pois isso eleva a competitividade da empresa e a melhoria contínua.
Dentro desse contexto, a empresa analisada nesta pesquisa é uma prestadora de serviços de costura de calçados para organizações de maior porte. Dessa forma, a principal renda da empresa é oferecer o trabalho de seus colaboradores para indústrias que necessitem do serviço de costura de calçados. Porém, sua lucratividade vem decaindo ao longo dos últimos anos, devido à perda de elementos que a tornam ágil. A acomodação por parte dos colaboradores, a falta de interesse e a falta de incentivo pelo aprendizado, assim como informações transmitidas de forma precipitada, contribuem para que a empresa não atinja a meta de produção e aumente o retrabalho, o que leva à entrega de pedidos além do prazo e com inconformidades.
A partir de pesquisas prévias relacionadas ao tema Agile Manufacturing, de problemas traduzidos em efeitos indesejáveis sedimentados na Árvore da Realidade Atual (ara) e da aplicação de questionários, foi desenvolvido um método de estratégia de manufatura para a empresa em questão. Assim, buscou-se: (i) propor um método integrado à luz da Agile Manufacturing direcionado à indústria calçadista; (ii) aplicar o método, a partir do estudo de caso; (iii) avaliar o desempenho do método e os resultados obtidos; e (iv) propor ações para melhorar o método. Esta pesquisa está organizada da seguinte forma: revisão teórica, metodologia de pesquisa, resultados, análise e discussão dos resultados e conclusões.
Fundamentação teórica
Agile Manufacturing
A expressão Agile Manufacturing surgiu por meio de um fórum em que executivos e pesquisadores norte-americanos elaboraram um relatório, o qual descrevia o novo ambiente competitivo a ser introduzido no contexto das indústrias americanas. As principais características abordadas no relatório referem-se à rápida introdução de produtos novos e modificados no mercado, à dinâmica de reconfiguração dos processos produtivos, aos produtos de qualidade e altamente customizados, entre outros (Goldman, Nagel, Preiss e Dove, 1991). Preliminarmente, a Agile Manufacturing ou Manufatura Ágil (doravante, MA) deve ser vista como um conceito de negócio que induz as ideias em grupo. Diante das mudanças constantes no mercado, empresas devem encorajar-se a desenvolver estruturas ágeis, com o objetivo de adquirir vantagens competitivas nesse cenário (Souza, 2001).
A MA se diferencia dos demais paradigmas estratégicos por contar com a capacidade de reconfiguração e adaptabilidade de desempenho de atuação em ambientes instáveis. De acordo com Vázquez-Bustelo, Avella e Fernández (2007), esses ambientes referem-se ao alto dinamismo e caracterizam-se pelas rápidas e constantes mudanças no meio integral, assim como pelas escolhas, atitudes ou características das pessoas inclusas. É um paradigma de gestão da produção, que tem pretensão de garantir flexibilidade, rapidez, qualidade e eficiência, através da integração de tecnologia, dos recursos humanos qualificados e da organização.
A MA é, portanto, uma condição primordial de permanência de qualquer empresa nesse ambiente turbulento. Bottani (2010) e Gunasekaran (1999) enfatizam que a MA se tornou muito importante e adequada para as empresas progredirem em mercados imprevisíveis que exigem rápidas respostas às oscilações constantes. A MA, assim como os demais paradigmas de gestão da manufatura, possui quatro elementos-chave relacionados: direcionadores, princípios, capacitadores e objetivos estratégicos (Godinho Filho, 2004). A principal força direcionadora da ma é a mudança. Conforme Yusufa, Sarhadi e Gunasekaran (1999), empresas com diferentes características e em circunstâncias opostas experimentam mudanças que podem ser fatais para umas ou representar uma oportunidade para outras. A MA auxilia a empresa a responder aos mais variados tipos de mudanças e explorálos, a fim de liderar o mercado e cumprir as necessidades de seus clientes.
De acordo com Godinho Filho (2004) e Gunasekaran (1998), os princípios da ma estão resumidos em cinco princípios-chave: (i) necessidade de cooperação interna e externa para o aumento da competitividade; (ii) estratégia baseada no valor, não apenas em produtos, mas também em soluções, com intuito de enriquecer o cliente; (iii) capacidade da empresa de se reconfigurar diante de oportunidades, a fim de prosperar com o domínio das mudanças e das incertezas; (iv) incentivo ao impacto das pessoas e informações, utilizando sua cooperação; (v) redução dos ciclos de vida dos processos e utilização de empresas virtuais temporárias.
As metodologias e as ferramentas que ajudam uma empresa a tornar-se ágil são denominadas "Capacitadores da Manufatura Ágil". Esses capacitadores são classificados conforme seu foco de atuação e são divididos em quatro categorias: estratégias, tecnologias, sistemas e pessoas. Essa classificação, exposta no quadro 1, foi proposta por Gunasekaran (1999).
Classificação principal: foco de atuação dos capacitadores | Capacitador |
Estratégias | Empresa virtual/manufatura virtual Integração da cadeia de suprimentos Gestão baseada em competências-chave Engenharia simultânea Gestão baseada na incerteza e na mudança Gestão baseada no conhecimento |
Tecnologia | Hardware - ferramentas e equipamentos Tecnologia de informação - computadores e software |
Sistemas | Sistemas de projeto Sistemas de planejamento e controle Integração de sistemas e gerenciamento de banco de dados |
Pessoas | Melhoria contínua Comprometimento da alta gerência e empowerment Pessoas multifuncionais, flexíveis e com conhecimento Trabalho em equipe e participação Treinamento e educação contínua |
Fonte: adaptado de Gunasekaran (1999).
De acordo com Godinho Filho (2004), a MA prioriza alguns objetivos de desempenho da manufatura, denominados "objetivos estratégicos". O objetivo ganhador de pedidos da MA, aquele que contribui diretamente para que uma empresa ganhe negociações, é a agilidade. Ele é complementado por outros objetivos específicos para o desempenho da produção: adaptabilidade (habilidade em lançar novos produtos que satisfaçam as necessidades dos consumidores); flexibilidade de longo prazo; e flexibilidade de curto prazo. A velocidade, a pontualidade, a produtividade e a qualidade são designadas como objetivos qualificadores dentro da MA, ou seja, a empresa precisa estar acima de um nível estipulado para ser considerada como possível fornecedora.
Para subsidiar a pesquisa, foi realizada uma revisão bibliográfica em busca de estudos ligados às expressões Agile Manufacturing, Lean Agile e Quick Response Manufacturing (QRM). Foram encontrados elementos caracterizados como ferramentas, capacitadores, técnicas ou práticas importantes, utilizados em diversos segmentos da indústria para implantar essas metodologias, na busca pela agilidade e por outros objetivos qualificadores. Práticas ágeis ajudam na obtenção da resposta rápida e eficiente para a introdução de um novo modelo de produto, assim como na atribuição de capacidade para atender exigências inesperadas. De acordo com Narasimhan, Swink e Kim (2006), para a existência de uma MA, há a necessidade da inclusão de práticas enxutas. Dessa forma, para responder rapidamente ao mercado e a clientes, e para cumprir com os objetivos estratégicos pretendidos, deve haver a integração de ferramentas e abordagens dos paradigmas de gestão da manufatura existentes.
Método
Cenário
O presente estudo foi executado em uma empresa terceirizada do setor calçadista que oferece serviços de costura, localizada no estado do Rio Grande do Sul, Brasil. Informações fornecidas pela diretoria da empresa trazem um histórico de queda na lucratividade sobre o faturamento ao longo dos últimos anos, visto na figura 1.
Muitos fatores que contribuem para esse cenário estão inseridos na ARA através de efeitos indesejáveis. Cogan (2007) defende que a ARA é um diagrama de ligações de causa e efeito que interliga sintomas de todo um sistema, o que permite encontrar uma restrição, ou seja, o problema central que deve ser atacado.
Para a construção da ARA, foram seguidos passos propostos por Noreen, Smith e Mackey (1996), Cox III e Spencer (2002). Os efeitos indesejáveis (EIS) foram identificados pelo diretor e gestor de produção da empresa com dinâmicas de brainstorming. Ligados por meio da relação causa e efeito, o responsável pela existência direta ou indireta da maioria dos eis é designado a causa raiz dos problemas.
Então, a estratégia de gestão indefinida foi a causa raiz encontrada, visto que antecede 70% do total dos efeitos indesejáveis presentes na ARA, figura 2. A estratégia de gestão indefinida simboliza a informalidade da existência de uma estratégia de manufatura.
Procedimentos metodológicos
Em relação à natureza, a pesquisa é aplicada, uma vez que expõe práticas ligadas à MA e as utiliza na empresa terceirizada calçadista para investigar, comprovar ou rejeitar propostas através de método teórico. Jung (2004) afirma que uma pesquisa de natureza aplicada gera conhecimentos resultantes de um processo de pesquisa.
Quanto aos objetivos, a pesquisa é exploratória, pois estuda práticas de gestão que buscam soluções de problemas estratégicos inseridos no setor produtivo de uma empresa do ramo calçadista. Assim, uma pesquisa exploratória obtém teorias e práticas para substituir as existentes, à medida que cria alternativas de experimentação para a coleta de dados, com conhecimentos e inovações para o desenvolvimento de novos métodos (Jung, 2004). Referente à abordagem, a pesquisa é tanto qualitativa como quantitativa. Uma pesquisa quantitativa busca a relação causa-efeito entre fenômenos. Qualquer problema pode ser descrito facilmente em pesquisas quantitativas, posto que utiliza lógica, dados numéricos e dados estatísticos na solução de problemas (Prodanov e Freitas, 2013).
Em uma abordagem qualitativa, o ambiente natural é considerado como fonte direta de dados, sendo o pesquisador essencial ao processo, com aptidão para analisar os dados de forma indutiva. Conforme Prodanov e Freitas (2013), dados coletados em pesquisas qualitativas devem representar o maior número de componentes descritivos presentes na realidade estudada.
Quanto aos procedimentos, foi adotada a pesquisa bibliográfica, a Design Science Research e o estudo de caso. Jung (2004) argumenta que uma pesquisa bibliográfica busca conhecer diversas contribuições científicas de determinado assunto ou experimento, desde que realizadas e publicadas. Para Yin (2015), um estudo de caso preserva as características abrangentes e significativas de eventos na vida real, como ciclos de vida individuais, processos administrativos e institucionais. A Design Science Research auxiliou na elaboração do método. De acordo com Dresch (2013), essa metodologia é indicada para estudos que tenham como objetivo projetar ou desenvolver artefatos, assim como solucionar problemas, seja em ambiente acadêmico, seja em ambiente empresarial.
Método de trabalho
O método de trabalho proposto tem por finalidade encontrar as variáveis que interferem na formação do problema e na busca da sua solução. Na figura 3, está apresentada a metodologia seguida neste projeto baseada na Design Science Research (Dresch, 2013). O método de trabalho iniciou com a identificação do problema, a partir da aplicação da ARA na empresa analisada. A conscientização do problema por parte da alta gerência ocorreu com a avaliação dos efeitos indesejáveis inerentes à ARA. Paralelamente a isso, o pesquisador consultou bases de conhecimento científico para identificar elementos ligados à MA, úteis ao objetivo do projeto de pesquisa.
Na etapa seguinte, foram elaborados dois questionários com elementos encontrados na revisão teórica, de acordo com alguns efeitos indesejáveis da ARA. De acordo com Gil (2009), como técnica de coleta de dados, um questionário é a transmissão dos objetivos de uma pesquisa em questões específicas, uma vez que as respostas descrevem características da amostragem.
O primeiro questionário identificou os principais elementos ágeis necessários à empresa. O segundo questionário mensurou o nível atual de agilidade no contexto da empresa e solicitou sugestões de ações aos respondentes. Os questionários foram aplicados simultaneamente, inicialmente em um pré-teste aos colaboradores com o nível educacional mais alto, os quais sugeriram modificações nas questões. O teste final foi aplicado aos 50 colaboradores da empresa, obtendo 72% de taxa de resposta. Os dois questionários foram comparados para obter conclusões e implicações para a pesquisa.
Com os dados coletados, foi realizada a análise de conteúdo, que gerou interpretações, com as quais foram definidas técnicas e ferramentas para projetar o artefato a ser implantado. Por meio de procedimentos organizados, a análise de conteúdo descreve textos, mensagens ou entrevistas, o que permite inferir conhecimentos do pesquisador e originar conclusões e implicações para uma pesquisa (Bardin, 2011).
Podem-se perceber, na figura 4, algumas técnicas, ferramentas e elementos que serviram de condução para a aplicação do método. Dentre alguns, destacam-se: treinamentos que visam ao alcance da multifuncionali-dade; gestão visual, utilizada para que todos tenham sob a visão os indicadores ágeis; controle de qualidade, tanto na fonte como inspeção sucessiva; TRF, com finalidade de reduzir o tempo de setup; e diagrama de Gantt, com vistas a reduzir o lead time de lotes em processo. O método de estratégia de manufatura, necessariamente, deve estar difundido na cultura organizacional desde o topo da hierarquia, com vistas a um processo de melhoria contínua, que elimina a acomodação de todos os envolvidos.
O artefato foi desenvolvido conforme níveis do planejamento estratégico de uma organização, à proporção que prioriza os objetivos estratégicos defendidos pela MA. Na fase posterior do método de trabalho, foi aplicado o método de estratégia da manufatura a partir de estudo de caso. Nessa perspectiva, foram coletados dados de retrabalho, eficiência, produtividade, setup, entre outros, para avaliação, explicitação de resultados, conclusões e generalização. Pesquisas que utilizam a Design Science Research como instrumento de condução são passíveis à generalização para uma classe de problemas, buscando uma solução satisfatória para o problema de pesquisa (Dresch, 2013).
Resultados
A sequência de implantação do método desenvolvido (figura 4) iniciou buscando o objetivo estratégico adaptabilidade. A alta direção da empresa foi sensibilizada sobre a necessidade em estabelecer uma estratégia de gestão da manufatura e comprometeu-se em disponibilizar os recursos que fossem necessários para a condução.
Treinamento e multifuncionalidade
Com o objetivo de alcançar flexibilidade, polivalência e multifuncionalidade, foram proporcionados treinamentos em costura à máquina e manutenção preventiva aos colaboradores. Na NR-12, item 12.136, é mencionado que qualquer empregador deve oferecer capacitação aos trabalhadores, tanto de operação e de manutenção quanto de inspeção, abordando a realização de uma função, assim como os riscos e as medidas de proteção necessárias. É importante ressaltar que a NR 12 é uma norma brasileira, que define referências técnicas, princípios fundamentais e medidas de proteção para garantir a saúde e a integridade física dos trabalhadores e estabelece requisitos mínimos para a prevenção de acidentes e doenças do trabalho nas fases de projeto e de utilização de máquinas e equipamentos de todos os tipos, e ainda à sua fabricação, importação, comercialização, exposição e cessão a qualquer título, em todas as atividades econômicas, sem prejuízo da observância do disposto nas demais normas brasileiras.
Os treinamentos aconteceram semanalmente e eram ministrados e supervisionados pelo gestor de produção. Através de conteúdo programático para a capacitação, com, aproximadamente, 20 horas de duração, a prática inicial era feita através de folhas guias (figura 5). A capacitação do colaborador encerrava-se logo que este tivesse aptidão para costurar em cabedais; então a aprovação era concedida pelo gestor de produção.
A evolução das pessoas passou a ser monitorada no Quadro de Multifuncionalidade à medida que é relacionado o conhecimento de cada colaborador para cada função existente dentro da empresa. Esse quadro, apresentado na figura 6, passou a ser atualizado mensalmente e fica sob os cuidados da direção da empresa que, tanto acompanha o desenvolvimento da capacitação como o utiliza para fazer a gestão de cargos e salários para cada colaborador.
Gestão visual
Foi elaborado um quadro de gestão visual para acompanhar indicadores da produção, tais como produtividade, eficiência, retrabalho e meta de produção. Esse quadro (figura 7) é atualizado pelo responsável do fechamento de lotes a cada hora e, por meio de um dashboard manual, possibilita que todos tenham conhecimento e visibilidade do alcance da meta. Colaboradores foram capacitados em conversas e reuniões para entender o quadro e comprometer-se com o alcance da meta estabelecida.
Controle de qualidade
O objetivo estratégico qualidade compreende a implantação do controle de qualidade na fonte e a inspeção sucessiva. Conforme Shingo (1996), o controle de qualidade na fonte é a verificação de fatores que possibilitam que uma condição provoque a ocorrência de defeitos na origem. Entretanto, de acordo com Antunes, Alvarez, Klippel, Bortolotto e Pellegrin (2008), na inspeção sucessiva, trabalhadores inspecionam o processo que os antecede antes de processarem o seu e assim sucessivamente acontece na linha produtiva.
Reuniões semanais ministradas pelo diretor da empresa e pelo gestor de produção, com duração média de 10 minutos, esclareceram aos colaboradores sobre a necessidade em oferecer serviços de qualidade aos clientes. Dessa maneira, foram transmitidos os conceitos acima definidos e as especificações predeterminadas de qualidade a serem levadas em consideração. Trata-se de uma atividade humana, uma vez que o produto que apresentava inconformidade era retirado manualmente da linha produtiva.
Os colaboradores receberam cartilhas com fotos que relatavam cada operação da forma correta e da forma incorreta. Além disso, cada colaborador foi instruído individualmente sobre como proceder tal atividade em conjunto com sua função. Dessa forma, com o auxílio de gabaritos e de uma visão criteriosa, cada colaborador identificava as inconformidades e as excluía da linha produtiva para que fossem corrigidas.
Os modelos de calçados foram subdivididos em famílias de produtos, conforme a semelhança e o grau de elaboração, considerando as alterações no portfólio de produtos que ocorrem ao longo do ano, de acordo com as novas campanhas de vendas e das estações do ano. Assim, comparando o período em que iniciou o controle de qualidade na fonte e a inspeção sucessiva, de março a agosto de 2016, com o período do ano anterior, de março a agosto de 2015, percebe-se uma queda de 52,4% no índice de retrabalho total. A figura 8 demonstra a redução do índice de retrabalho devido à intervenção realizada a partir de abril de 2016.
Aplicação da Troca Rápida de Ferramentas
A Troca Rápida de Ferramentas (TRF) e a identificação dos postos de trabalho através de box numerados contemplam o objetivo estratégico agilidade. A TRF visa à melhoria do setup, tempo decorrente da preparação da linha produtiva desde a última peça de um lote até a primeira peça do lote seguinte, respeitando os padrões de qualidade. Shingo (1996) defende técnicas que possibilitam a redução de qualquer tempo do setup para abaixo de dois dígitos. São quatro estágios para a condução da TRF, os quais foram seguidos neste trabalho.
As atividades realizadas em cada estágio conceitual, segundo Shingo (1996), são: (i) estágio preliminar - não há diferenciação entre setup interno e externo, apenas é verificado o atual procedimento de setup; (ii) estágio um - atividades de setup interno são separadas de setup externo; (iii) estágio dois - analisar e determinar quais atividades de setup interno podem ser convertidas em setup externo; (iv) estágio três - examinar atividades de setup interno e externo, observando possibilidades de melhoria, padronizar e racionalizar aspectos das operações de setup.
No estágio preliminar da TRF, foram coletadas amostragens de setup e eficiência da hora pós-setup, assim como a realização de filmagens das trocas de modelo de calçado na linha produtiva. A hora pós-setup é o período de aceleração da produção que, de acordo com Sugai, Novaski, Omizolo e Moraes (2011), é a fase posterior ao setup, em que a linha produtiva, os operadores e o maquinário estão se adaptando a um novo produto. É um período de instabilidade da produção, tanto que passa despercebido por gestores, uma vez que a meta de produção dificilmente é atingida.
No estágio um da TRF, o pesquisador mostrou as filmagens ao gestor de produção, ao auxiliar de produção e ao mecânico. As filmagens mostraram que o gestor de produção destinava muito tempo ensinando o novo modelo de calçado aos colaboradores. Outro fator identificado nos vídeos foi referente à regulagem de máquinas para o novo modelo de calçado, realizada pelo mecânico simultaneamente à linha produtiva. Este profissional demorava para acertar a regulagem, enquanto os operadores deviam aguardar a regulagem de suas máquinas.
No estágio dois, foram tratadas algumas peculiaridades identificadas no estágio anterior; após examinadas, abordaram o que seria modificado. O novo modelo de calçado passou a ser ensinado externamente à linha produtiva, através de um par de teste de produção, contanto que fosse disponibilizado pela empresa contratante com um dia de antecedência. O layout do novo modelo continuou sendo desenvolvido antecipadamente, normalmente no dia anterior à troca, assim como o teste de produção, para que cada operador aprendesse sua função para o próximo modelo de calçado.
No momento do teste, foi entregue a cada operador um cartão com a posição (BOX) informada para onde deveria se dirigir no próximo modelo, portanto cada operador foi informado externamente ao setup da linha produtiva. Segundo Lopes, Moraes e Lopes (2007), BOX numerados em ordem crescente e cartões informativos posicionam e direcionam operadores em uma linha produtiva, para cada layout de um novo modelo de calçado. Máquinas específicas para o próximo modelo de calçado passaram a ser reguladas no teste de produção, de forma que reduziu a espera por regulagem em meio à linha de produção.
No estágio três, as operações de setup foram padronizadas, ou seja, as mudanças solicitadas tornaram-se rotina na troca de layout da linha de produção. Os colaboradores foram conscientizados sobre a importância de seguir a padronização. Quando termina a última peça do modelo A, o operador segue com seu equipamento até seu posto de trabalho (figura 9), para o modelo B, desde que esteja informado no cartão. Esse é considerado um dispositivo automático na troca de layout da linha produtiva, porém realizado por força humana.
Essas melhorias reduziram o tempo de setup em 74%. Nas 30 amostragens antes, a média de tempo de setup era de 21,8 minutos. Nas 30 amostras seguintes, feitas após a TRF, o tempo de setup reduziu para 5,6 minutos em média, conforme demonstrado na figura 10. Percebe-se que, na amostragem 6, ocorreu um outlier, pois houve quebra de uma máquina essencial ao novo modelo de calçado em meio à troca de setup, mesmo assim, foi mantida a informação no gráfico.
Nas mesmas amostragens, foi mensurada a eficiência na hora seguinte à troca de modelo de calçado, ou seja, o período de aceleração da produção. As melhorias foram responsáveis por manter os operadores menos ociosos durante uma troca de layout. Com isso, a eficiência pós-setup, que anteriormente permanecia em uma média de 45%, ficou 79% maior, mantendo uma média de 81% de eficiência. O resultado que demonstra o aumento da eficiência no período de aceleração da produção é informado na figura 11. Assim como na figura 10, a figura 11 possui um outlier na amostra 6, em razão da situação anteriormente descrita.
Discussão
Com a aplicação do método, percebeu-se o impacto em alguns indicadores de desempenho que a empresa prioriza, comuns aos objetivos estratégicos da MA. Na tabela 1, está identificada a relação dos indicadores no período analisado com o mesmo período do ano anterior.
O método de estratégia de manufatura teve início de aplicação em abril de 2016 com treinamentos e inspeção da qualidade, no entanto seu formato atual foi estabelecido posteriormente, com a inclusão da TRF, do Diagrama de Gantt e do quadro de gestão visual. Através dos indicadores de desempenho analisados, observa-se uma gradual melhoria já no primeiro mês de aplicação. A produtividade subiu 5,9% em relação a 2015, na proporção em que foi desenvolvido e utilizado o quadro de gestão visual. Quando foi aplicada a TRF, em junho de 2016, consolidaram-se os números, e a eficiência aumentou 7,1%, em média, na comparação com o mesmo período do ano anterior.
O índice de pontualidade teve aumento de 13,3%, já que os produtos passaram a ser entregues em menor prazo, o que reduziu os atrasos de entrega. No entanto, o diagrama de Gantt na programação da produção, interferiu na redução do lead time dos lotes em processamento. O índice de retrabalho, que mede a qualidade dos produtos da empresa, teve uma gradativa melhoria, quando reduziu 52,4% em média, comparado com o mesmo período de 2015.
O controle de qualidade na fonte e a inspeção sucessiva trouxeram conscientização aos colaboradores da empresa quanto às consequências causadas pelo retrabalho, o que repercutiu no índice de retrabalho. Na tabela 2, apresenta-se a redução do custo com retrabalho, calculado a partir da média do tempo de conserto para as famílias de modelos. O tempo de conserto, ou retrabalho, foi considerado a partir do tempo despendido para refazer um pé de calçado, somado aos insumos utilizados de modo geral para todas as famílias de modelo de calçado, o que resultou em R$ 1,12 para cada pé de calçado retrabalhado.
Nota-se que, no mês de junho de 2016, o custo com retrabalho não reduziu, todavia o índice de retrabalho manteve a tendência de queda. Uma razão para isso é que, em junho de 2015, a empresa concedeu férias coletivas aos seus colaboradores, apresentando uma diminuição significativa na produção de pares de calçados. Dessa maneira, houve uma redução média de R$ 633,55 a cada mês e, no total dos seis meses, uma economia de R$ 3.801,28. Também se pode considerar que, com a redução do índice de retrabalho, a empresa ganhou maior confiabilidade ante o cliente.
De acordo com os dados coletados de tempo de setup, bem como a eficiência no período de aceleração da produção (pós-setup), puderam-se fazer algumas análises da perda com as paradas de linha produtiva. Estão esboçados na tabela 3 os custos estimados referentes ao tempo de setup, eficiência na hora pós-setup e no retrabalho. O cálculo considerou um custo por minuto de cada pessoa de R$ 0,26, para 38 pessoas envolvidas diretamente na linha produtiva.
Após a aplicação da TRF, o tempo de setup foi reduzido, na medida em que a eficiência na hora pós-setup foi melhorada. A ineficiência foi calculada a partir do percentual que diferencia os dados antes e depois, ou seja, 36%. Considerando o custo para esses indicadores e para o retrabalho, de acordo com a média de setups realizados por mês, foi possível perceber uma diferença mensal de r$ 7.992,17. Portanto, houve uma redução monetária de 7,26% sobre o custo médio mensal, em torno de r$ 110.000,00 mensais, após a aplicação do conjunto de ferramentas que formulam a estratégia da manufatura desenvolvida.
Os dados anteriores e posteriores às intervenções foram submetidos a testes estatísticos para validar a confiabilidade dos resultados. Foi utilizado o software spss, da IBM. Primeiramente, foi calculado o coeficiente de confiabilidade Alfa de Cronbach. Segundo Hair et al. (1999), o Alfa de Cronbach mede a consistência interna das amostras coletadas, em que o limite inferior de validação aceitável é 0,7. Todos os resultados do coeficiente de confiabilidade confirmaram a confiabilidade dos resultados pois todos os valores de Cronbach mostraram-se superiores a 0,7. Adicionalmente, os dados foram analisados pelo Teste-t para duas amostras emparelhadas, o qual testa a diferença entre itens em momentos distintos. Conforme Martins e Domingues (2011), o Teste-t necessita alcançar um nível de significância abaixo de 0,05 (5%) para rejeitar a hipótese de igualdade das médias das amostras (tabela 4). Nota-se que o resultado do Teste-t para a pontualidade no mês está acima de 0,05. Portanto, é possível sugerir que há semelhança entre as médias das amostras correlacionadas. Enquanto para os demais indicadores, é possível considerar que a médias das amostras são estaticamente diferentes.
A partir dos resultados da Tabela 4, é possível sugerir que, para atender aos resultados positivos obtidos, o capacitador MA relacionado às pessoas foi o mais difundido no âmbito da empresa com a implantação do modelo. Para Gunasekaran (1999), é importante os colaboradores sejam polivalentes e multi-habilitados para assegurar um ambiente ágil. Entretanto, o fator primordial é a qualificação, a experiência e a adaptabilidade que as pessoas podem possuir e desenvolver. Essa lacuna foi compreendida com a capacitação e o acompanhamento da evolução das pessoas no quadro de multifuncionalidade. Assim como no estudo de Lopes et al. (2007), o presente estudo conseguiu atender o objetivo da TRF, ou seja, reduziu o tempo de setup de uma linha produtiva de calçados para abaixo de 10 minutos.
Através de entrevistas, diagrama de Gantt e ferramentas ICT, Bertolini, Bottani, Rizzi e Bevilacqua (2007) propuseram uma redução de 30% do lead time em fabricantes de calçado. À proporção que se utilizaram outras técnicas (tabela 1), entre elas, entrevistas e Brainstorming,Godinho Filho, Hayashi e Rufo (2013) reduziram em 58% o lead time total de uma indústria calçadista, com 92% da redução apenas na etapa de costura. Em um comparativo com as pesquisas, o trabalho aqui realizado utilizou questionários, brainstorming e diagrama de Gantt. Dessa forma, resultou em uma redução de 41°% no lead time dos processos da terceirizada de costura de calçado, tanto que atingiu resultados semelhantes aos pesquisadores acima citados.
De acordo com Sugai et al. (2011), muitos gestores apenas se preocupam com a perda causada no momento de setup, a qual é tratada com a TRF, ignorando fatores antes e depois do setup. Consequências do período de aceleração da produção foram constatadas pelos autores como longos períodos sem produção mesmo com o término do setup. Na empresa analisada, foi mensurada a eficiência no período de aceleração. Antes da aplicação da TRF, não existia a preocupação em atingir a meta de produção na primeira hora em que o novo modelo de calçado fosse processado. Essa analogia foi eliminada, o tempo de setup foi reduzido, e a eficiência no período de aceleração da produção teve aumento aproximado de 79%. A amplitude que isso representa foi percebida pelos gestores a partir do cálculo que informou a perda de produção devido à ineficiência. Como visto na tabela 3, as atitudes representaram uma economia mensal de R$ 4.268,16, uma redução de perdas ineficiente.
O estudo realizado mostrou algumas limitações. Alguns resultados poderiam ser mais bem estabelecidos, desde que houvesse menos resistência por parte de algumas pessoas, tanto na aplicação dos questionários quanto na inspeção sucessiva e na TRF. De acordo com Gunasekaran (1999), uma empresa pode perder a componente que a torna ágil, caso haja resistência dos recursos humanos em serem dinâmicos e ativos. O dinamismo deve seguir do topo da hierarquia para alcançar todos dentro de uma organização, porém houve essa desconfiança inicial ao projeto. Não obstante, este passou a ser aceito a partir do momento em que todos os colaboradores foram envolvidos para responder aos questionários. Portanto, a resistência dos seres humanos foi tratada de forma pontual, a fim de que se sentissem responsáveis, contribuindo com suas ideias para um ambiente de mudança.
Em síntese, os resultados alcançados com a aplicação do método de estratégia da manufatura trouxeram melhorias para a empresa em estudo. Foi notável a redução do retra-balho, a redução do tempo de setup, o aumento da eficiência, a produtividade e a pontualidade com a redução do lead time dos lotes em processo. Porém, não houve melhorias na lucratividade devido aos fatores externos já mencionados na ARA, tais como oscilação no abastecimento e baixa remuneração por parte da contratante. Contudo, a empresa passou a ser mais ágil internamente, de modo que acrescentou mais uma família de modelo de calçado, o tênis, mantendo um desempenho expressivo. Dessa forma, foram atingidos os objetivos estratégicos da MA, e os clientes da empresa, por sua vez, foram os principais beneficiados, com qualidade assegurada e entrega em menor tempo.
Conclusões
Esta pesquisa apresentou os resultados de um estudo exploratório que teve como objetivo propor um método sob a perspectiva da MA, para definir a estratégia de manufatura de uma empresa terceirizada do setor calçadista. Com os resultados obtidos na pesquisa, foi possível apontar que o método de estratégia melhorou o desempenho da empresa. Como a empresa analisada não possuía uma estratégia de manufatura formalmente estabelecida, os processos para confrontar os efeitos indesejáveis (figura 2) presentes em sua estrutura eram mal elaborados. Dessa maneira, a partir da revisão teórica, foram elaborados dois questionários que identificaram o nível atual de agilidade e as necessidades de agilidade interna à empresa. As respostas foram interpretadas e, assim, elaborado o método, a fim de atender aos objetivos estratégicos da MA.
Dentre as intervenções realizadas pelo método, podem-se destacar algumas a partir dos resultados alcançados. Primeiramente, consideram-se o controle de qualidade na fonte e a inspeção sucessiva, o que reduziu em 52,4% o índice de retrabalho. Além disso, é relevante a aplicação da TRF, que levou à redução de 74% no tempo de setup, assim como ao aumento de 79% da eficiência na hora pós-setup. Portanto, o método desenvolvido obteve resultados satisfatórios, uma vez que permanece um processo de melhoria contínua, à medida que o artefato obtém novos caminhos na busca incessante pela agilidade para a empresa.
Quanto às limitações, teve-se dificuldade em encontrar uma unidade de análise que fosse totalmente adequada para mensurar um ambiente ágil. No entanto, foi necessário desenvolver uma implementação integrada de práticas e ferramentas, para que a empresa se garantisse acima da concorrência. De acordo com a revisão teórica, esta pesquisa pode ser considerada pioneira em relação à aplicação de conceitos ágeis em indústrias calçadistas no contexto brasileiro.
A elaboração do método demandou esforços pelo fato de não existir na literatura nenhum artefato semelhante que compreendesse os interesses da organização em estudo, o que foi uma implicação para a pesquisa. Devido ao método ter sido desenvolvido exclusivamente para a referida empresa, recomenda-se a aplicação em outras empresas terceirizadas do ramo calçadista, a fim de que sejam comprovados e validados os resultados obtidos na pesquisa. Para estudos futuros, sugere-se a aplicação dos questionários desenvolvidos neste trabalho a diretores e gestores de diversas empresas, de diferentes segmentos de atuação. Com o levantamento dos dados obtidos, pode-se elaborar um método amplo e genérico, que satisfaça as empresas de um modo geral. Recomenda-se também que as proposições sobre balaceamento da capacidade e de fluxo productivo de Pacheco et al. (2014) sejam incoporadas em futuras perquisas sobre o tema da MA.