Introdução
O vinho do Porto é um produto muito importante para Portugal, principalmente para a economia portuguesa, pelo que é fundamental aprofundar o conhecimento sobre esse tipo de vinho e os aspetos que o envolvem, nomeadamente as características que os consumidores consideram mais relevantes no momento da sua compra. Por ser um vinho fortificado, com uma longa história e características específicas, é esperado que, assim como os hábitos de consumo, as motivações para o seu consumo sejam distintas, quando ele é comparado com outro tipo de vinho (Ferreira et al., 2020).
A escolha de um vinho requer um processo de análise das suas características e de ponderação de vários fatores que a influenciam, tendo já sido realizados alguns estudos com o objetivo de analisar os fatores de decisão da compra dessa categoria de produto (Ferreira et al., 2020; Madureira & Nunes, 2013; Monteiro et al, 2020; Santos & Ribeiro, 2012; Trindade-Carlos et al., 2019). Nesse sentido, o presente estudo teve por objetivo identificar os significados atribuídos pelos portugueses ao vinho do Porto e identificar os fatores associados com a compra por impulso dele.
Este artigo é composto em sete seções. Após a introdução, a segunda seção apresenta a fundamentação teórica, com uma revisão da literatura dividida em quatro subseções, em que são abordados a compra por impulso e os fatores influenciadores desse tipo de comportamento de compra (como a influência interpessoal e a unicidade); além disso, como é analisado com maior profundidade o produto selecionado para o estudo: o vinho do Porto. A terceira seção apresenta o objetivo principal e os objetivos específicos do estudo, enquanto a quarta seção apresenta o método utilizado para alcançá-los. A quinta seção descreve os resultados e a sexta apresenta a discussão. Por fim, a última seção é a conclusão, na qual também são apresentadas as limitações do estudo, as implicações gerenciais e as sugestões para estudos futuros.
Fundamentação teórica
A compra por impulso
Comprar é uma parte rotineira da vida. No entanto, em situações específicas, uma compra pode ser imprevista e súbita, iniciada aquando do contacto com o produto ou serviço, associada a um forte desejo, a sentimentos de prazer e a emoções (Billieux et al., 2008). Rook e Fisher (1995) definem "compra por impulso" como uma tendência do consumidor para comprar espontaneamente, sem reflexão, de forma imediata e cineticamente, acentuando uma estimulação pela proximidade física do objeto desejado.
A compra por impulso também é reconhecida como um comportamento de compra repentino, atraente e hedonica-mente complexo, no qual a rapidez da decisão da compra impede qualquer consideração ponderada e deliberada de alternativas ou implicações futuras (Sharma et al., 2010).
Existe, então, na compra por impulso, uma alta ativação emocional, um baixo controlo cognitivo e um comportamento espontâneo na proximidade de um objeto atrativo.
Segundo Stern (1962), a compra por impulso pode ser influenciada por uma variedade de fatores económicos, temporais, espaciais, culturais e de personalidade. Particularmente, consumidores com altos níveis de impulsividade têm tendência a fazer mais compras por impulso do que aqueles com baixos níveis de impulsividade (Hussain & Siddiqui, 2019; Lucas & Koff, 2014; Santini et al, 2019).
Outro fator determinante na compra por impulso é o nível de estimulação ideal (Sharma et al., 2010) que pode ser provocado por promoções que aumentam a tendência dessa compra (Chen & Wang, 2016). Chandon et al. (2000) definem dois tipos de benefícios na compra de um produto com desconto: benefícios utilitários e hedónicos. Os benefícios utilitários das promoções para o consumidor podem ser explicados por aquilo que a promoção oferece em termos de economia monetária, melhoria da qualidade do produto através da promoção, da redução de custos, da procura de informações e da tomada de decisão. Esses benefícios ajudam os consumidores a aumentar a utilidade da compra e a aumentar a eficácia da sua experiência de compra. Nesse sentido, quando um produto está com desconto, tende a levar os consumidores a vivenciar maiores níveis de impulsividade na compra.
Por sua vez, a diversão, a estimulação e a excitação geradas por uma promoção são classificadas como benefícios hedônicos. Os benefícios hedónicos das promoções podem despertar o desejo por um produto, a ponto de que esse desejo se torne uma compra por impulso (Amara & Kchaou, 2014), uma vez que esta é essencialmente uma compra emocional (Sharma et al., 2010). Além disso, as emoções também têm a sua relevância na compra por impulso, pois tanto os sentimentos de alegria como os de amor e fantasia encorajam o consumidor a comprar o que não estava planeado (Jhawar & Kushwaha, 2018).
A compra por impulso pode ser abordada por diversas expressões na literatura, como "tendência a comprar por impulso", "intenção de comprar por impulso", "impulsividade na compra", "comportamento de compra por impulso" ou apenas "compra por impulso" (Lins et al., 2016). Os termos que mencionam tendência, intenção e impulsividade referem-se ao sentimento de impulsividade presente na hora de compra, ou seja, não significa que a compra tenha sido concretizada. Enquanto as expressões referentes a comportamentos de compra por impulso ou apenas compra por impulso já preveem o ato de compra em si, o que significa que o consumidor executou uma ação que é consequente da impulsividade (Lins et al., 2016). Neste estudo, é utilizada a expressão "tendência de comprar por impulso" quando se refere ao impulso vivenciado num momento de compra.
Fatores influenciadores da compra por impulso
Existe um conjunto de antecedentes a ter em consideração na compra por impulso, os quais podem ser dispo-sicionais, situacionais ou sociodemográficos (Amos et al., 2014). Relativamente aos primeiros, correspondem às predisposições de uma pessoa, tendo um carácter relativamente permanente e consistente (Amos et al, 2014). São exemplos desse tipo de antecedentes a espontaneidade, a propensão para a procura de variedade e/ou novidade, a suscetibilidade à influência interpessoal, o prazer de fazer compras, a necessidade de conhecimento, a capacidade de regular a emoção, entre outros (Sharma et al, 2010).
Os antecedentes situacionais, ou seja, os "eventos externos, estímulos ou estados presentes que o consumidor pode encontrar no momento da influência impulsiva" (Amos et al, 2014, p. 88) são, por exemplo, sugestões sensoriais, o estado de humor e a presença de outros durante uma situação de compra. Essas variáveis geralmente não estão sob o controlo do consumidor, mas têm um impacto direto na probabilidade de comportamento de compra de impulso. Por fim, são exemplos dos aspetos sociodemográficos a idade, o género e o rendimento (Amos et al, 2014). A seguir serão apresentadas as variáveis consideradas para a realização deste estudo.
A influência interpessoal
A influência interpessoal, característica disposicional, é um dos determinantes no comportamento individual (Ebren, 2009) e, por isso, a presença de outras pessoas durante um momento de compra pode também ser um fator fulcral para a tomada de decisão (Luo, 2005). Frequentemente, os modelos utilizados para explicar o comportamento do consumidor incluem a influência interpessoal (Amos et al., 2014). Nesse sentido, Bearden et al. (1989) consideram que a suscetibilidade à influência interpessoal é um traço geral que varia em todas as pessoas e que a influência relativa de uma pessoa numa situação tende a ter uma relação positiva significativa com a sua influência numa série de outras situações sociais.
A suscetibilidade à influência interpessoal é, então, a necessidade de identificar ou aprimorar a sua imagem de acordo com outros significativos, através da aquisição e do uso de produtos/marcas; a vontade de ceder às expectativas dos outros em relação às decisões de compra; a tendência de aprender sobre determinados produtos e serviços observando outros e/ou procurando informações de outros (Bearden et al., 1989). Pessoas que são altamente suscetíveis à influência interpessoal tendem a hesitar aquando da tomada de decisões e tendem, facilmente, a depender das expectativas ou sugestões de outras pessoas, prestando muita atenção às opiniões dos outros e à forma como os outros julgam o seu comportamento (Cheng et al., 2012).
Burnkrant e Cousineau (1975) definem dois tipos de manifestações de influência interpessoal, a qual pode ser normativa ou informacional. A primeira refere-se à influência que leva a ficar em conformidade com as expectativas de outra pessoa ou grupo, enquanto a influência informacional corresponde à "influência para aceitar a informação obtida de outra fonte como evidência sobre a realidade" (p. 206), ou seja, como evidência sobre o verdadeiro estado de algum aspeto do ambiente do indivíduo.
Assim, a influência informacional mede-se na tendência de um indivíduo em obter informações sobre produtos ou serviços, observando ou procurando diretamente informações de outras pessoas, enquanto a influência normativa se mede pela necessidade de um indivíduo usar aquilo que compra para se aproximar dos outros elementos do seu grupo, procurando também adequar-se às expectativas dos outros na tomada de decisão de compra. Portanto, é expectável que altos níveis de influência normativa indiquem uma vontade do indivíduo de se submeter às forças dentro do ambiente social no momento da tomada de decisão de compra (Silvera et al, 2008; de Aquino, 2019). Assim, procura-se verificar se a influência informacional e normativa estão relacionadas com a compra por impulso do vinho do Porto.
A necessidade de unicidade
Todos os indivíduos têm, de certa forma, necessidade de expressar a sua unicidade no mundo atual, onde tudo está disponível e sobressai a abundância (Ruvio, 2008). As pessoas avaliam constantemente o seu grau de semelhança ou desigualdade com os outros e agem de acordo com tais avaliações. Num extremo, algumas pessoas desejam ser exatamente como todos os outros, enquanto no outro extremo, as pessoas querem ser tão diferentes e distintas quanto possível (Ruvio, 2008).
A necessidade de unicidade dos consumidores (NUC) é definida como a característica de procurar a diferença em relação aos outros através da aquisição, da utilização e da disposição dos consumidores, com o propósito de desenvolver e aprimorar a autoimagem e a imagem social (Tian et al, 2001). A NUC apresenta três dimensões: i) a contraconformidade da escolha criativa, que reflete a habilidade individual de criar um estilo próprio, de expressar a imagem pessoal através de produtos; ii) a contraconformidade da escolha impopular, ou seja, os indivíduos selecionam ou usam produtos que não estão inteiramente dentro das normas do grupo; iii) o evitamento da similaridade, quando os indivíduos perdem o interesse, evitam a compra ou interrompem o uso dessas marcas quando se tornam comuns (Tian et al, 2001). Assim, as pessoas reagem emocional e comportamentalmente para manter um nível moderado de singularidade em relação aos outros. Por sua vez, quando as pessoas se sentem muito semelhantes aos demais, tendem a aumentar as atividades ou os comportamentos que expressam a sua singularidade (Ruvio, 2008). Essa tendência para procurar produtos exclusivos é de grande importância prática no marketing. Na verdade, os profissionais de marketing frequentemente apelam aos desejos dos consumidores por produtos únicos através de mensagens publicitárias (Tian et al, 2001), porque efetivamente existe uma relação entre a necessidade de unicidade e a tendência para comprar por impulso (Gupta, 2013).
Apesar dos poucos estudos nessa área, é espectável que um indivíduo que anseie ser único reaja impulsivamente perante produtos que possam satisfazer essa necessidade, visto que isso está associado a altos níveis de atenção a informações de comparação social, isto é, o indivíduo preocupa-se com o que as outras pessoas pensam sobre ele e procura pistas sobre a natureza das reações dos outros em relação a ele (Lennox & Wolfe, 1984).
Para além disso, a necessidade de unicidade está também associada à aprovação social de amigos e à autocons-ciência pública, visto que a unicidade dos consumidores é um meio de obter diferenciação e aprovação social ao mesmo tempo (Ruvio, 2008). Assim, pretende-se verificar se a unicidade do produto e se a procura por unicidade estão relacionadas com a compra por impulso.
O vinho do Porto
O objetivo deste estudo passa pela análise da tendência de compra por impulso a partir de um produto inteiramente português, o vinho do Porto. A seleção deste artigo deveu-se não só à relevância desse produto na região e ao impacto que tem no país, tanto a nível económico como cultural, mas também a que os estudos sobre o comportamento de compra e consumo de vinho em Portugal são escassos (Barreira et al., 2010).
A região vinhateira do Alto Douro ou Alto Douro Vinhateiro, em Portugal, foi classificada pela Unesco como património da humanidade, em 2001. Essa região produz vinhos há mais de 2.000 anos, entre os quais o mundialmente célebre vinho do Porto, que tem um esquema de consumo diferente do vinho em geral, uma vez que não é habitual tomá-lo para acompanhar uma refeição; seu consumo está mais associado a ocasiões festivas e presentes (Figueiredo & Ramos, 2003). Esse vinho tem uma enorme diversidade de tipos, uma riqueza e intensidade de aromas, numa vasta gama de doçuras e grande diversidade de cores. Os vinhos do Porto podem ser divididos em quatro estilos: ruby, tawny, branco e rosé (Instituto dos Vinhos do Douro e Porto [IVDP], 2019).
Relativamente ao vinho do Porto, pode-se considerar que o tawny é o mais consumido e vendido no mercado, enquanto o vinho do Porto vintage (uma categoria especial do vinho do Porto estilo ruby) é a mais alta classificação que um vinho do Porto pode obter, por ser um vinho de uma única colheita, produzido num ano de qualidade excecional, suscitando, por isso, unicidade. Um exemplo desse tipo de vinho é o vinho do Porto vintage de 2011, que foi reconhecido internacionalmente e é pouco encontrado no mercado, tendo sido produzidas apenas 3.720 garrafas. Essa diferença entre os vinhos também é refletida no seu preço: enquanto um vinho do Porto tawny poderá custar entre 5,00€ e 10,00€, um vinho do Porto vintage 2011 poderá custar 50,00€, 150,00€ ou até 400,00€, dependendo da marca.
Nesse contexto, importa destacar que o vinho do Porto pode ser considerado um produto hedónico. Habitualmente, esses tipos de produtos suscetibilizam consumidores com altos traços de impulsividade a fazer compras espontâneas e a aumentar a sua tendência de comprar por impulso (Chen & Wang, 2016).
Um atributo importante do vinho é o preço. O preço é uma heurística importante para avaliar a qualidade do vinho, especialmente para os consumidores pouco envolvidos (Madureira & Nunes, 2013). Nesse sentido, as estratégias baseadas nesse atributo podem cursar com dois resultados distintos. Por um lado, o indivíduo pode comprar um vinho mais barato para reduzir o risco financeiro, mas, por outro, se se basear na relação qualidade-preço, optará por um vinho mais caro, acreditando que este será de melhor qualidade (Figueiredo & Ramos, 2003).
Um outro aspeto que afeta a inferência de qualidade e a preferência de produtos é a sua unicidade. De facto, muitas vezes, as pessoas estão dispostas a pagar preços altos por produtos únicos, particularmente quando se trata de um produto como o vinho. Essa preferência por vinhos únicos não ocorre apenas quando os vinhos são comprados como colecionáveis, mas também para o consumo diário. A abundância relativa ou a unicidade de um vinho pode ser claramente visível nas prateleiras das lojas, e essa imagem que se transmite ao consumidor, evidenciando o produto como único, influencia a sua escolha e aumenta a probabilidade de se efetuar a compra por impulso (van Herpen et al., 2014). Portanto, considerando as variáveis, preço e unicidade, espera-se que a tendência a comprar por impulso seja maior quando o consumidor estiver num contexto de compra diante de um vinho único e caro com desconto.
Para além disso, o vinho do Porto é um produto genuinamente português, com um forte apelo à identidade nacional, sendo considerado como um dos símbolos de Portugal. Assim, torna-se importante perceber como os participantes se identificam com o seu país para verificar se essa identificação nacional também influencia o comportamento de compra. Nessa direção, para além da identificação nacional, também importa verificar se o grau de importância atribuída à opinião dos portugueses e se a perceção do vinho do Porto como símbolo nacional estariam associadas à compra por impulso.
Por fim, o vinho do Porto vintage 2011 pode ser considerado um produto de luxo pelas suas particulares características, como o preço alto e a sua exclusividade. Segundo Strehlau e Aranha (2004), um dos motivos para comprar um produto de luxo é a diferenciação social, ou seja, o estatuto que se pode conseguir. Logo, também se espera que, quanto maior for o consumo por estatuto, maior será a tendência a comprar por impulso.
Objetivos do estudo
Inicialmente, tivemos como objetivo identificar os significados atribuídos pelos portugueses ao vinho do Porto, explorando o que é que os portugueses pensam quando lhes ocorre esse produto. Posteriormente, tivemos como objetivo identificar os fatores associados com a compra por impulso do vinho do Porto. Para isso, através de um estudo experimental, investigou-se como a unicidade e o desconto influenciam a tendência para comprar por impulso o vinho do Porto. Por fim, procurou-se perceber como as variáveis em estudo influenciam em cada um dos contextos experimentais e procurou-se identificar quais das variáveis em estudo predizem a compra por impulso desse produto.
As variáveis em estudo são: unicidade e desconto do vinho, emoções positivas, influência normativa, influência informacional, necessidade de unicidade, necessidade de unicidade de vinho, consumo por estatuto, identificação com os portugueses, importância da opinião dos portugueses, valor nacional do vinho do Porto e tendência de comprar por impulso.
Método
Participantes
Participaram no estudo 538 portugueses (382 mulheres e 156 homens), com idade média de 33,35 anos (DP = 12,55, mínimo = 18 [n = 23] e máximo = 72 anos [n = 1]). Os participantes são de variadas regiões do país, estando mais concentrados na região Entre Douro e Minho (n = 401: 74, 5%), seguida pela região Beira Litoral (n = 68: 12,6%).
Questionário
O estudo foi conduzido através de um questionário, dividido em duas partes. A primeira parte utilizou uma abordagem qualitativa, em que, através da técnica de associação livre de palavras, os participantes responderam a uma única questão - "Quando pensa em vinho do Porto, quais são as três palavras ou expressões que lhe vêm imediatamente à cabeça?" - para se conseguir os significados do vinho do Porto. A segunda parte utilizou uma abordagem quantitativa, e era composta por um conjunto de questões sobre hábitos de consumo do vinho do Porto, por um estudo experimental, e escalas das variáveis em estudo.
Desenho experimental
O estudo experimental tinha como objetivo avaliar de que forma a unicidade do vinho e o desconto atribuído influenciavam a tendência de compra por impulso. A seguir, um modelo experimental 2 (unicidade: produto mais popular - vinho do Porto tawny - vs. produto único - vinho do Porto vintage 2011) x 2 (desconto: sem desconto vs. com 80% de desconto).
Primeiramente, apresentou-se um texto informativo sobre o vinho do Porto, retirado do site do IVDP1, onde era descrito o tipo do vinho do Porto mais vendido e popular (tawny) e o mais raro e único (vintage 2011), seguido por questões de verificação de compreensão. Posteriormente, era apresentado o seguinte cenário experimental:
Hoje é dia de fazer as compras semanais para a sua casa e preparou uma lista com todos os produtos que não poderiam ficar esquecidos. Entra no supermercado, prepara o seu carrinho de compras e coloca a sua lista no bolso para aceder facilmente. Começa as suas compras pelos corredores habituais, passando por todas as secções que tinha planeado, desde a padaria, os frescos, os lacticínios e os congelados. O seu carrinho está quase completo, mas quando tem de atravessar o corredor dos vinhos encontra em destaque uma garrafa de vinho do Porto tawny/ vintage de 20112 sem desconto/com 80% de desconto imediato.
Variável dependente
Tendência de comprar por impulso no contexto (TCI-Contexto)
Para medir a tendência de compra por impulso no contexto de compra, foi utilizada uma escala com três itens ("Eu ficaria com vontade de comprar este vinho do Porto no impulso do momento"; "Eu ficaria com vontade de comprar este vinho do Porto espontaneamente"; "Eu ficaria com vontade de comprar este vinho do Porto assim que eu o visse"), em que 1 - discordo totalmente; 5 - concordo totalmente (α = ,93).
Manipulation check
Com intenção de validar as respostas dos participantes, foram criadas três questões finais: "No cenário do supermercado, acima descrito, o vinho do Porto estava..." ("com 30% de desconto"; "com 80% de desconto"; "sem desconto"; "não sei"); "Qual foi o vinho do Porto descrito no cenário apresentado?" ("tawny"; "vintage 2011"; "não sei"); "O vinho do Porto do cenário descrito é o mais." ("raro"; "popular"; "não sei").
Outras medidas
Emoções positivas
Com o objetivo de medir a intensidade das emoções dos participantes no cenário apresentado (1 - nada; 5 - extremamente), foram medidas as emoções positivas (empolgado/a, contente e animado/a, α = ,97) por meio de uma escala desenvolvida pelos autores da pesquisa.
Influência interpessoal
Para medir a suscetibilidade à influência interpessoal nas compras, foi utilizada a escala de Bearden e colaboradores (1989). A escala é composta por 12 itens que refletem duas dimensões de influência: i) a informacional (por exemplo, "Para ter a certeza que estou a comprar o produto ou a marca certa, muitas vezes observo o que os outros estão a comprar e a usar", α = ,80) e ii) a normativa ("É importante para mim que os outros gostem dos produtos e das marcas que eu compro", α = ,90), em que 1 - discordo totalmente; 5 - concordo totalmente).
Necessidade de unicidade
Para medir o grau de necessidade de unicidade, foi utilizada a subescala Evitar a semelhança da escala Consumer's need for uniqueness: short-form de Ruvio et al. (2008), constituída por quatro itens (por exemplo, "Muitas vezes tento evitar produtos ou marcas que sei que são comprados pela população em geral"), em que 1 - discordo totalmente; 5 - concordo totalmente (α = ,93).
Necessidade de unicidade de vinho
Para avaliar o grau de necessidade de unicidade relativamente à escolha de vinho, foi adaptada a escala Uniqueness: Desire for unique consumer products (Lynn & Harris, 1997) para esse tipo de produto. A escala é composta por sete itens (por exemplo, "Sinto-me muito atraído/a por um vinho raro; É mais provável que compre um vinho se este for único", em que 1 - discordo totalmente; 5 - concordo totalmente (α = ,93).
Consumo por estatuto
A partir da Escala de Consumo de Status, utilizada em contexto brasileiro (Strehlau & Aranha, 2004), foi adaptada a subescala Status para Portugal. A escala é composta por cinco itens ("Eu compraria um produto só porque me dá estatuto"; "Eu interesso-me por produtos que dão estatutos", em que 1 - discordo totalmente; 5 - concordo totalmente (α = ,95).
Identificação com os portugueses
Utilizou-se a Escala de Identidade Nacional de Lins e Borsa (2014) com cinco itens, adaptada à população portuguesa ("Ser português/portuguesa é importante para mim"; "Gosto de ser português/portuguesa", em que 1 - discordo totalmente; 5 - concordo totalmente (α = ,91).
Importância da opinião dos portugueses na escolha de vinho do Porto
Foi utilizado o item desenvolvido pelos autores "A opinião dos portugueses é importante na escolha do vinho do Porto" para avaliar a importância dos outros significativos na escolha desse vinho (1 - discordo totalmente; 5 - concordo totalmente).
Valor nacional do vinho do Porto
De maneira a perceber se o vinho do Porto é um importante elemento da cultura portuguesa, foram utilizados três itens desenvolvidos pelos autores: "O vinho do Porto é um símbolo nacional"; "O vinho do Porto faz parte da identidade portuguesa"; "O vinho do Porto faz parte do patrimônio nacional" (1 - discordo totalmente; 5 - concordo totalmente, α = ,91).
Tendência de comprar por impulso (TGI)
A fim de melhor perceber o impulso nas compras dos participantes, foram usados três itens: "Eu sou impulsivo/a quando estou a comprar"; "Eu costumo comprar coisas sem pensar"; "Às vezes fico com vontade de comprar coisas no impulso do momento" (1 - discordo totalmente; 5 - concordo totalmente, α = ,86).
Os itens das escalas TCI-Contexto e TCI foram retirados e adaptados da escala de compra por impulso de Rook e Fisher (1995).
Foram ainda recolhidos dados sociodemográficos, como a idade, o sexo, a nacionalidade, a região de habitação (Alentejo, Algarve, Beira Interior, Beira Litoral, Entre Douro e Minho, Estremadura e Ribatejo, Lisboa e Setúbal, Trás-os-Montes e Alto Douro, Arquipélago dos Açores, Arquipélago da Madeira), a situação profissional (estudante do ensino superior, trabalhador/a-estudante, trabalhador/a, desempregado/a) e o rendimento mensal familiar (1 - até 500€; 2 - 501€-1000€; 3 - 1001€-1500€; 4 - 1501€-2000€; 5 - 2001€-2500€; 6 - 2501€ ou mais).
Procedimento
Informou-se os participantes, no início do questionário, do anonimato e da confidencialidade das suas respostas, ressalvando a participação voluntária no estudo. Foi facultado um endereço eletrónico para qualquer esclarecimento necessário e, no final, foi apresentado um texto ao participante com o Debriefing. O questionário desta investigação foi desenvolvido numa página web (plataforma SurveyMonkey), desenvolvida especificamente para os objetivos da pesquisa. O servidor aleatorizava o cenário experimental de acordo com as diferentes condições de unicidade e desconto, e mantinha todas as outras questões iguais. O weblink do questionário foi disponibilizado na rede social (Facebook), enviado por e-mail para várias organizações de vinho. O weblink esteve disponível desde janeiro a março de 2018.
Para efetuar a análise dos significados do vinho do Porto, os dados qualitativos foram tratados segundo as regras clássicas de redução das respostas às tarefas de associação livre (Rosenberg & Jones, 1972). Por exemplo, eliminar os artigos ou as proposições e alterar os verbos para a sua forma infinitiva, reduzidas formas de uma palavra para a expressão mais comum (por exemplo, transformar "alegre" em "alegria"), e quando apareciam duas palavras com significados similares eram transformadas naquela que é mais vulgar na lista (transformar "festa" em "celebração").
As palavras foram analisadas por meio do programa de análise textual Iramuteq (Ratinaud, 2009), no qual se conseguia a nuvem de palavras, que agrupa e organiza graficamente as palavras consoante a sua frequência, e uma Classificação Hierárquica Descendente, para se obterem classes de palavras e perceber a relação entre elas (Camargo & Justo, 2013). Para examinar os efeitos da unici-dade e do desconto, foram realizadas Ancovas e testes t de Student. Para se perceberem as relações entre as variáveis, foram calculadas correlações r de Pearson e regressões lineares múltiplas.
Resultados
As dez palavras mais citadas pelos participantes foram: doce (n = 142), Douro (n = 116), Porto (n = 107), caves (n = 95), tradição (n = 67), bom (n = 66), sabor (n = 56), celebração (n = 50), álcool (n = 45) e Portugal (n = 40) (figura 1).
A análise de significados da expressão "vinho do Porto" incidiu sobre as respostas recolhidas dos 538 participantes no estudo, o que recai em 1.533 palavras, que se traduzem em 88 formas distintas. A análise da Classificação Hierárquica Descendente incidiu sobre 92,38% do material recolhido e produziu duas ramificações (figura 2). A primeira divide-se em dois grupos, associando a classe 2 e 3, e de forma mais afastada a classe 1. A segunda ramificação corresponde à classe 4.
Classe 1 - Socialização
A classe 1 é composta por 224 segmentos de texto, correspondendo a 22,89% das unidades do corpus analisado, e engloba as palavras relacionadas com os vários momentos de socialização. A classe inclui as palavras: celebração (χ2 = 102,71), amigos (χ2 = 93,69), família (χ2 = 52,15), convívio (χ2 = 40,83), alegria (χ2 = 36,48), relaxar (χ2 = 35,34), natal (χ2 = 28,66), comida (χ2 = 25,46), noite, conforto e prazer (χ2 > 10,00) e embebedar (χ2 = 9,34).
Classe 2 - Características do vinho do Porto
A segunda classe é composta por 448 segmentos de texto, ou seja, 31,96% das unidades e dela fazem parte as palavras: bom (χ2 = 85,59), doce (χ2 = 54,11), requinte (χ2 = 33,31), quente (χ2 = 32,32), forte (χ2 = 29,05), agradável (χ2 = 26,81), sabor (χ2 = 22,10), aroma e aperitivo (χ2 > 10,00).
Classe 3 - Símbolo nacional
A classe inclui 222 segmentos de texto, portanto 10,93% das unidades de contexto. A classe é caracterizada pelas palavras: qualidade (χ2 = 156,74), história (χ2 = 61,93), único (χ2 = 57,26), delicioso (χ2 = 51,89), português (χ2 = 44,16), Portugal (χ2 = 33,03), excelência (χ2 = 25,28), prazer (χ2 = 18,13), patrimônio (χ2 = 15,58) e tradição (χ2 = 6,35).
Classe 4 - Percurso do vinho do Porto
A quarta classe é a maior, com 451 segmentos de texto, o que representa 34,23% das unidades. Esta classe é caracterizada pelas características mais tangíveis do vinho do Porto, incluindo os aspetos relacionados com a produção e o seu armazenamento e com os locais mais importantes desses processos, compreendendo as seguintes palavras: caves (χ2 = 95,31), Douro (χ2 = 84,42), Porto (χ2 = 83,93), vindima, vinho, tinto, turismo, álcool, bebida, velho e barco rabelo (χ2 > 10,00), internacional, cheiro, ribeira, Gaia, casta e cálice (χ2 > 5, 80).
Com esta análise global das palavras recolhidas, percebeu-se que, quando os portugueses pensam no vinho do Porto, eles pensam no processo, no armazenamento e nos locais associados à produção do vinho (classe 4), além das suas características (classe 2), das ocasiões sociais especiais onde é usualmente consumido (Classe 1) e do seu valor cultural, sendo reconhecido como símbolo nacional (classe 3).
Ao analisar as questões sobre os hábitos de consumo do vinho do Porto (tabela 1), considerou-se que mais de metade dos inquiridos (n = 436: 80,6%) gostam do vinho do Porto e que é principalmente consumido com a família ou amigos por 81,4% (n = 439). Também 215 participantes (40%) costumam bebê-lo em eventos/festas. Ainda, 40,3% (n = 217) o consomem às vezes, e 40,3% (n = 217) costumam comprá-lo como presente.
Questões | Respostas | f | % |
---|---|---|---|
Gosta do vinho do Porto? | Sim | 436 | 81 |
Não | 102 | 19 | |
Com quem costuma beber o vinho do Porto? | Com a família ou amigos | 439 | 81,60 |
Sozinho/a | 13 | 2,40 | |
Não bebe | 86 | 16 | |
Em que contexto costuma beber vinho do Porto com mais frequência? | Eventos/festas | 215 | 40 |
Em casa | 192 | 35,70 | |
Fora de casa (cafés, restaurantes...) | 43 | 8 | |
Não bebe | 88 | 16,40 | |
Indique a frequência com que consome vinho do Porto. | Nunca | 84 | 15,60 |
Raramente | 179 | 33,30 | |
Às vezes | 217 | 40,30 | |
Frequentemente | 57 | 10,60 | |
Sempre | 1 | 0,20 | |
Costuma comprar vinho do Porto como presente? | Nunca | 93 | 17,30 |
Raramente | 163 | 30,30 | |
Às vezes | 217 | 40,30 | |
Frequentemente | 60 | 11,20 | |
Sempre | 5 | 0,90 | |
Com que frequência compra garrafas de vinho do Porto? | Nunca | 135 | 25,10 |
Raramente | 232 | 43,10 | |
Às vezes | 127 | 23,60 | |
Frequentemente | 43 | 8 | |
Sempre | 1 | 0,20 |
Fonte: elaboração própria.
Cenário experimental
Partindo agora para a análise do estudo experimental, verificou-se uma distribuição dos participantes equilibrada pelas quatro condições (tabela 2). Nesta etapa, a amostra incide apenas em 180 participantes (114 mulheres e 66 homens), com idade média de 33,38 anos (DP = 12,37, mínimo = 18 [n = 3] e máximo = 61 anos [n = 1]), que responderam acertadamente às questões de manipulation check e afirmaram gostar do vinho do Porto.
Desconto | Tipo de vinho do Porto | Total | |
---|---|---|---|
Popular (tawny) | Único (vintage 2011) | ||
Sem desconto | 39 | 38 | 77 |
Com 80% desconto | 43 | 60 | 103 |
Total | 82 | 98 | 180 |
Fonte: elaboração própria.
Realizou-se uma Ancova (unicidadex desconto) para se averiguar os efeitos principais e de interação das variáveis independentes na variável dependente. Controlando a Tendência para Comprar por Impulso (TCI), F(4, 175) = 17,17, p <0 ,001, eta 2 = ,28, verificou-se que existe um efeito principal da unicidade, F(1,175) = 11,33, p <0,001, eta2 = ,061, ou seja, a TCI-Contexto é maior quando se trata de um vinho do Porto vintage 2011 (M = 3,16, DP = 1,27) do que quando se trata de um vinho do Porto tawny (M = 2,54, DP = 1,21); e um efeito principal do desconto, F(1,175) = 17,86, p <0,001, eta2 =0,093. Quando o produto está com desconto (M = 3,25, DP = 1,21) existe mais tendência para comprar por impulso do que quando o produto está sem desconto (M = 2,37, DP = 1,20).
Verificou-se também o efeito de interação da unicidade com o desconto, F(1,175) = 7,94, p=0,005, eta2 =0,043 (figura 3). Podem-se observar diferenças entre os tipos de vinho no contexto sem desconto (sem desconto: tawny: 1,84; vintage 2011: 2,91), t(75) = 4,31, p <0,001), e uma diferença dos tipos de descontos no vinho tawny (tawny: sem desconto: 1,84; com 80% desconto: 3,16, t (80) = 5,83, p <0,001. Portanto, quando o vinho tawny está sem desconto, apresenta a menor média, ou seja, é nesse contexto que a impulsividade na compra é menor. Já quando é o vinho vintage 2011, não importa se está ou não com desconto, a impulsividade é semelhante (vintage 2011: sem desconto: 2,91; com 80% desconto: 3,30), t(96) = 1,50, p = ,136).
Relações entre as variáveis do estudo
Em todas as condições (tabela 3), verificaram-se correlações positivas entre as emoções positivas e a TCI-Contexto, sendo essas relações muito fortes. Também há uma correlação positiva entre a necessidade de unicidade de vinho e a TCI -Contexto em todas as condições, exceto na condição do vinho tawny, com 80% desconto.
Variáveis em estudo | Tipos de vinho do Porto | M (DP) | |||
---|---|---|---|---|---|
Popular (tawny) | Único (vintage 2011) | ||||
Sem desconto | Com 80% desconto | Sem desconto | Com 80% desconto | ||
Emoções positivas | 0,81** | 0,72** | 0,79** | 0,78** | 3,06 (1.27) |
Influência normativa | 0,10 | 0,39** | 0,25 | 0,37** | 1,91 (0.82) |
Influência informacional | 0,05 | 0,42** | 0,17 | 0,29* | 2,90 (0.91) |
Necessidade de unicidade | 0,15 | 0,09 | 0,32 | 0,36** | 2,09 (1.04) |
Necessidade de unicidade de vinho | 0,45** | 0,27 | 0,56** | 0,53** | 2,66 (1.11) |
Consumo por estatuto | -0,00 | 0,18 | 0,20 | 0,34** | 1,74 (0.97) |
Identificação com os/as portugueses/as | -0,10 | 0,12 | -0,05 | 0,26** | 4,18 (0.77) |
Importância da opinião dos/as portugueses/as | 0,08 | 0,38* | 0,08 | 0,13 | 2,86 (1.32) |
Valor nacional do vinho do Porto | -0,04 | 0,09 | 0,01 | 0,14 | 4,74 (0.57) |
Tendência de comprar por impulso | 0,18 | 0,37* | 0,29 | 0,42** | 2,24 (0.96) |
** p < ,01; * p < ,05
Fonte: elaboração própria.
Nas condições em que o vinho do Porto estava com 80% de desconto, obtiveram-se correlações positivas entre a influência interpessoal (normativa e informacional) e a TCI com a TCI -Contexto. Realça-se que a relação entre a TCI e a TCI -Contexto é mais forte quando se trata de um vinho do Porto vintage 2011. Quanto à condição de vinho do Porto tawny com 80% de desconto, verificou-se que, quanto maior é a importância atribuída à opinião dos/ as portugueses/as, maior é a TCI -Contexto. Por fim, relativamente à condição de vinho do Porto vintage 2011 com 80% de desconto, identificou-se que a necessidade de unicidade, a identificação com os/as portugueses/as e o consumo por estatuto se correlacionam positivamente com a TCI -Contexto.
Explorando a correlação significativa entre o consumo por estatuto e a TCI -Contexto na condição "Vinho do Porto vintage 2011 com 80% de desconto", explorou-se se o consumo por estatuto desempenhava um efeito moderador entre a necessidade de unicidade e a TCI -Contexto (figura 4). Para realizar esta análise, foi utilizada a macro Process (Modelo 1; Hayes, 2017). Foi verificado um efeito moderador significativo, b = -0,32, SE =0,14, t = 2,23, p =0,030, 95% [IC= -0,60; -0,03], de modo que essa relação é mais forte quando o consumo por estatuto é menor, b =0,60, p =0,004, e moderada, b =0,34, p =0,008, e inexistente quando o consumo por estatuto é elevado, b =0,02, p =0,88. Isso significa que, na condição com um vinho do Porto único e com um grande desconto, a necessidade de unicidade não leva a comprar por impulso quando se procura consumir um produto que suscita estatuto.
Com o objetivo de identificar as variáveis em estudo que influenciaram diretamente a TCI no TCI -Contexto, foi testado um modelo de regressão linear múltipla (método Stepwise, tabela 4). No cálculo dessa regressão, as variáveis unicidade (0 = vinho do Porto tawny; 1 = vinho do Porto vintage 2011) e desconto (0 = sem desconto; 1 = com 80% de desconto) foram transformadas em dummy variabels. Os resultados revelaram que o desconto, β =0,12, as emoções positivas, β =0,67, a necessidade de unicidade de vinho, β =0,09, e a TCI, β = ,16, são preditores da TCI -Contexto, o que explica em conjunto 69,10% da variância total, R 2 Aj = 0,683, F(4, 178) = 96,78, p <0,001. Importa destacar o forte poder preditivo das emoções positivas.
Variáveis | Estatística | ||
---|---|---|---|
β | t | ||
Unicidade | 0,07 | 1,58 | 0,114 |
Desconto | 0,12 | 2,78 | 0,006 |
Emoções positivas | 0,67 | 13,62 | <0,001 |
Influência normativa | 0,04 | 0,98 | 0,326 |
Influência informacional | -0,06 | 1,25 | 0,213 |
Necessidade de unicidade | -0,01 | 0,11 | 0,914 |
Necessidade de unicidade de vinho | 0,13 | 2,65 | 0,009 |
Consumo por estatuto | -0,06 | 1,17 | 0,244 |
Identificação com os/as portugueses/ as | -0,05 | 1,17 | 0,242 |
Importância da opinião dos/as portugueses/as | -0,08 | 1,66 | 0,099 |
Valor nacional do vinho do Porto | 0,05 | 1,26 | 0,211 |
Tendência de comprar por impulso | 0,16 | 3,58 | <0,001 |
Coeficiente de correlação múltipla | 0,83 | ||
% Variabilidade explicada | 69,10% | ||
Significância da amostra | f4J78 = 96,78, p < 0,001 |
Fonte: elaboração própria.
Discussão
Relativamente aos resultados da parte qualitativa, os resultados indicaram que os portugueses pensam no vinho do Porto em várias vertentes. Assim, ele foi considerado um vinho bom e doce, usual para momentos de celebração e reconhecido como um grande triunfo da região, com as suas caves, o rio Douro e a suas vinhas. Este é também um vinho de qualidade e com muita história, reconhecido nacional e internacionalmente, inteiramente português e único.
De facto, para os portugueses, o vinho do Porto faz já parte do seu patrimônio. Segundo Figueiredo e Ramos (2003), este é muito mais do que um vinho de mesa e tem efetivamente um importante papel na cultura portuguesa, arrecadando maior envolvimento afetivo e social e estando associado a ocasiões especiais. Sendo este um produto tão bem-conceituado e importante para a economia do país (Pires, 2013), a investigação dele e da forma como se comporta o seu mercado é de extremo valor para o seu desenvolvimento.
No que respeita ao estudo experimental, os resultados não confirmaram o que esperávamos, isto é, que a TCI seria maior quando o consumidor estivesse diante de um vinho único e caro com desconto. O que se verificou foi que, quando o vinho mais popular (tawny) estava sem desconto, a impulsividade na compra é menor. Entretanto, os resultados corroboram os achados de van Herpen e colaboradores (2014), que defendem que a mera unicidade do produto, sem diferenças de preço, afeta a escolha dele. Assim, como o vinho do Porto vintage dispõe de uma quantidade limitada no mercado, ele pode desencadear o princípio de escassez. Esse princípio afirma que as oportunidades parecem mais valiosas e desejadas quando parecem ser mais limitadas (Cialdini, 2015).
Por sua vez, quando se trata de um vinho do Porto tawny, o desconto aplicado já é um fator determinante na tendência para comprar por impulso. Esse tipo de vinho é um produto popular que, por isso, é tipicamente associado a alto valor utilitário e a preços acessíveis (Steinhart et al., 2014). O desconto é também um dos fatores ambientais de uma loja, que estimula o desejo do consumidor para comprar por impulso (Badgaiyan & Verma, 2015), criando uma rica experiência emocional de prazer, diversão, exploração e autoestima (Amara & Kchaou, 2014). Se o produto está com desconto, o preço deixa de ser uma limitação, e o desejo de passar à compra é mais provável (Amara & Kchaou, 2014).
O preço mais baixo pode também ser usado como meio para racionalizar a compra e justificar a lembrança de que "foi um bom negócio" (McGoldrick et al, 1999), tornandose num elemento desencadeador da compra. A existência de promoções predispõe a compra por impulso, na medida em que uma redução de preço leva a uma perda de controle individual e induz emoções positivas relacionadas com o desejo de fazer um bom negócio (Amara & Kchaou, 2014). É precisamente nesses contextos com descontos que os consumidores estão mais suscetíveis tanto à influência informacional como à normativa.
Ao analisar as associações das variáveis em estudo em função dos cenários experimentais, curiosamente, consumo por estatuto correlacionou-se positivamente com a TCI no cenário em que havia um vinho do Porto único com 80% de desconto. No entanto, os consumidores normalmente associam essa unicidade do produto com luxo e preços altos (Wright et al., 2013), ou seja, grandes promoções devem ser incompatíveis com sinais de unicidade, prejudicando a sua credibilidade (Wu & Lee, 2016).
Um dos fatores que tem um grande impacto na tendência para comprar por impulso são as emoções, principalmente as positivas. Essas emoções positivas foram um dos principais preditores da TCI-Contexto e apresentaram uma relação muito forte em todas as condições do estudo. As emoções positivas foram relatadas como fatores determinantes da compra por impulso (Verplanken et al., 2005). Baumeister (2002) sugere que o processo de compra pode deixar o consumidor feliz e o afeto positivo parece produzir mais impulsos para comprar impulsivamente. Para além disso, o conjunto dos fatores ambientais da loja cria emoções positivas nos consumidores e essa emoção eleva o prazer, o humor e o desejo hedónico, tendo também influência na sua tendência para comprar por impulso (Chang et al,, 2011).
Na condição do vinho do Porto tawny com 80% de desconto, verificou-se que a importância da opinião dos portugueses na escolha de vinho do Porto tinha uma relação moderada com a TCI-Contexto, evidenciando que, quando o consumidor procura um vinho popular e este está com desconto (aumentando a perceção de controlo), o seu comportamento tende a ser influenciado pelas expectativas ou sugestões de outras pessoas, valorizando mais as opiniões dos que o rodeiam. De fato, a recomendação de amigos/ familiares é um dos principais fatores que influencia a decisão de compra de um vinho (Nunes et al, 2016).
Reforça-se que ambos os tipos de influência, normativa e informacional, são significativos quando o produto está com desconto, o que salienta o papel determinante da suscetibilidade à influência interpessoal quando se procura um produto que é valorizado pelos demais (Cheng et al., 2012), mas que está acessível à compra. Assim, quando os consumidores estão num ambiente de compra, tendem a aplicar estratégias para a redução de risco, como o apoio da opinião dos pares (Wu & Lee, 2016) e informações prévias, como o desconto, que ajudaria a reduzir o risco psicológico e aumentar a disposição para comprar (Outreville & Desrochers, 2016), tal como acontece nessa condição.
Adicionalmente, a análise de regressão revelou que, juntamente com o desconto, as emoções positivas, a TCI, também a unicidade do vinho foi um preditor significativo da TCI-Contexto; assim, o alinhamento entre os objetivos do consumidor (ou seja, ser único) e a causa da unicidade (isto é, a oferta limitada) é importante porque, quando existe uma correspondência entre objetivo e causa de unicidade, o produto único é preferido mais do que um produto popular (van Herpen et al, 2014). A unicidade do vinho é então um fator determinante, por isso, segundo os mesmos autores, não são apenas as propriedades do próprio vinho que importam, mas também quantas garrafas estão disponíveis para venda. Apesar do papel significativo da unicidade, foram as emoções positivas que desempenharam um papel mais forte na compra por impulso do vinho, como explicado anteriormente.
O vinho do Porto é um produto de luxo. O que se averiguou no presente estudo foi que, quando o vinho do Porto único está com um grande desconto, a necessidade de unicidade do consumidor não o leva a comprar impulsivamente, se o consumidor está à procura de diferenciação social (consumo por estatuto). Assim, parece que o desconto de 80% fez com que o vinho do Porto vintage 2011 perdesse um pouco a caracterização de um produto de luxo, não oferecendo mais o estatuto inerente a esse tipo de produto.
Conclusões
O presente estudo teve como objetivo identificar os significados do vinho do Porto pelos portugueses e determinar como a unicidade e o desconto influenciam a TCI. Foram encontradas quatro classes de significados, percebendo que o vinho do Porto é muito mais do que um vinho comum, mas sim um vinho único, com história e tradição, ideal para as ocasiões especiais.
Concluiu-se que, quando se falava de um vinho do Porto vintage 2011 (produto único), a TCI não dependia da existência dos 80% de desconto. Para estudos futuros, recomenda-se a mudança desse valor para perceber se o resultado se mantinha (por exemplo, com 20% e 50% de desconto). Por sua vez, quando se tratava de um vinho do Porto tawny (popular), o desconto de 80% já influenciava a TCI. Na presença de desconto, a tendência aumentava significativamente. Em todas as condições do estudo, verificou-se uma grande influência das emoções positivas, sendo esta um dos maiores determinantes da TCI.
No estudo experimental, foi indispensável garantir que os participantes percebiam o questionário e respondiam com atenção. Por isso, por um lado, as questões finais de manipulação foram fundamentais para assegurar a veracidade das respostas, mas, por outro, a amostra diminuiu para mais de metade quando se começou a explorar o cenário experimental.
A variabilidade de métodos utilizados ao longo deste estudo foi uma vantagem na exploração dos resultados. Para estudos futuros, seria interessante aprofundar a influência interpessoal na tendência para comprar vinho por impulso e, desse modo, recomenda-se examinar se a pessoa que sugere o vinho do Porto (endogrupo vs exogrupo) é importante na compra por impulso; se a perceção do tamanho do grupo que já adquiriu o produto é importante na compra por impulso de vinho do Porto e se o consumidor estava a efetuar a compra sozinho ou acompanhado.
Quanto às limitações da investigação, a generalização dos resultados pode ser limitada porque, apesar de os participantes serem de várias regiões do país, a maioria destes são da região de Entre Douro e Minho (n = 401, 74,5%) e da região Beira Litoral (n = 68, 12,6%), ou seja, a amostra não é representativa da população do país. Outro fator que pode ser considerado uma limitação na investigação é a idade média dos participantes ser relativamente baixa (idade média 33,35 anos). Seria relevante realizar esta investigação em participantes mais velhos, pois espera-se que sejam estes os principais consumidores de vinho do Porto. Para além disso, outros estudos identificaram os homens como os principais consumidores de vinho (Ferreira et al., 2020), e a amostra deste estudo foi maioritariamente composta por mulheres.
Dado que o presente estudo se baseia em dados de um único tipo de vinho (vinho do Porto tawny), estudos futuros poderiam ser pertinentes para explorar os fatores de influência na compra de outros tipos de vinho, como ruby, branco e rosé. Adicionalmente, tendo em conta que a maioria dos participantes desta investigação se concentra na região entre Douro e Minho e que a média de idades dos participantes é relativamente baixa, seria uma mais valia replicar este estudo com um grupo mais diversificado de participantes, mais representativo da população do país, com o intuito de verificar se os resultados obtidos neste estudo seriam corroborados.
Por fim, seria interessante, em estudos futuros, avaliar varáveis como, preço da garrafa, o número de prémios dos vinhos e a atenção visual dos rótulos (Monteiro et al., 2020). Como também recomenda-se investigar a influência de outras variáveis que influenciam na compra de vinho que não foram consideradas neste estudo, como a ocasião que se compram garrafas (por exemplo, ocasiões espaciais e presentes ou para consumo diário; Hlédik & Harsányi, 2019), e o grau do envolvimento do consumidor com o produto (por exemplo, consumidores mais experientes os consumidores ocasionais) (Madureira & Nunes, 2013).
Este estudo fornece informações relevantes para que o mercado possa identificar características sobre o perfil, hábitos e atitudes dos consumidores portugueses relativamente ao comportamento de compra do vinho do Porto. Os produtores/vendedores de vinho podem beneficiar dos resultados obtidos pelo presente estudo para readaptar as suas estratégias de comunicação e promoção do produto. Tendo em consideração que o fator principal de motivação da compra de vinho do Porto por impulso é a necessidade de sua unicidade, os produtores/vendedores podem investir nessa característica para melhorar a visibilidade do seu produto.
Para o marketing, compreender o comportamento do consumidor é uma chave para descobrir novos nichos de mercado, definir com clareza objetivos, fidelizar os clientes, aumentar a sua satisfação e, assim, criar uma marca mais sólida. Posto isso, a valorização de um produto inteiramente português e a exploração do mercado de vinho do Porto é de grande relevância para o setor, conseguindo-se informações pertinentes para aqueles que aproximam o produto das necessidades dos consumidores.
Esses dados poderão ser de grande pertinência para a expansão inteligente desse produto inteiramente português, permitindo avanços no desenvolvimento estratégico do produto para os marketeers (por exemplo, considerando que os consumidores valorizam as opiniões dos seus pares, pode-se colocar pequenas referências de valorização social quando se lança alguma promoção). Assim, tendo em conta que os consumidores de vinho do Porto estão expostos a ambientes com muitas variáveis quando procuram o vinho ideal, e o processo de entender como essas variáveis são percebidas pelos consumidores, torna-se uma vantagem para os profissionais de marketing, para os gerentes e os técnicos de vendas.
Os consumidores são confrontados com uma enorme quantidade de informações sobre preços, marcas e origem do vinho, que são muitas vezes determinantes no momento de compra (Outreville & Desrochers, 2016); por isso, a compra de uma garrafa de vinho é muitas vezes marcada por expectativas e incertezas quanto à sua qualidade. Este estudo foi relevante para se melhor perceber que informações têm mais força, levando o consumidor a comprar vinho por impulso.