SEGUNDO DADOS da Organização Mundial da Saúde (OMS, 2015), o número de pessoas obesas no mundo mais que dobrou desde a década de 1980. No Brasil, essa proporção ganha destaque, bem como a percentagem daquelas pessoas que apresentam excesso de peso1, que aumentou significativamente na última década e já ultrapassa a metade da população (Brasil, 2017).
Em primeira instância, considera-se que o combate ao excesso de peso possa se dar a partir da adesão a comportamentos simples: alimentação balanceada, com reduzidos níveis de açúcar e gorduras, e atividades físicas regulares. No entanto, ao analisar mais de perto o processo de emagrecimento, a perda de peso usualmente é vivenciada com grandes dificuldades. Sabe-se que até 80% das pessoas que procuram tratamento para a obesidade o abandonam e voltam a ganhar peso em pouco tempo (Leão et al., 2015), o que se configura num potencial aumento dos riscos para a saúde da população ao longo das próximas décadas.
Robalo (2009) discute que os determinantes da saúde são múltiplos, dentre eles os genéticos, biológicos, culturais e de estilo de vida. Assim, é reconhecido que os processos relativos à saúde, seus significados e explicações, não estão reduzidos a evidências orgânicas, mas intimamente relacionados às características de cada sociedade e de cada época (Traverso-Yépez, 2001). O corpo humano, como um objeto da saúde, insere-se inevitavelmente em sistemas sociais históricos e culturalmente situados que se constroem a partir da interação e comunicação interpessoal e grupal.
Na interface entre o individual e o social, o corpo objetivo é percebido por meio do corpo subjetivo, e essa experiência modifica a imagem corporal, a estima de si mesmo e a relação com o corpo do outro (Andrieu, 2006). A imagem corporal, para Ferreira, Castro e Morgado (2014), é a representação mental que um indivíduo tem do seu corpo. Tal representação integra os níveis físico, emocional e mental em cada ser humano, sendo também um fenômeno social, no qual há um intercâmbio contínuo entre a nossa própria imagem e a dos outros (Schilder, 1999).
Em constante transformação, o corpo é o resultado de um trabalho sobre si mesmo que resulta em atratividade e saúde (Damico & Meyer, 2006) e que envolve diversas práticas corporais. Estas são entendidas como os comportamentos relativos ao corpo, seja com vistas à manutenção da saúde, seja com vistas ao embelezamento, e podem ser, em maior ou menor grau, sustentadas pelas representações que os indivíduos têm com o seu corpo (Justo & Camargo, 2013). A adesão a dietas, ou mesmo ao consumo de alimentos light e diet, que associam o prazer da alimentação com a manutenção do corpo dentro dos padrões saudáveis (Andrade, 2003), a prática de atividades físicas, a utilização de tratamentos estéticos, medicamentos e, em última instância, a submissão a cirurgias plásticas estéticas, são práticas relacionadas ao corpo que ora se associam à obtenção de saúde, ora pendem para a busca da beleza. Além disso, refletem representações e posicionamentos a respeito do corpo, padrões normativos acerca do que é beleza ou do que é saúde, e de como o corpo deve estar ou se apresentar socialmente.
Ao considerar os dados epidemiológicos em relação ao excesso de peso da população, o controle de peso constitui-se numa preocupação da sociedade atual (Ferreira & Benício, 2015), na medida em que ele envolve ações ligadas tanto ao combate quanto à prevenção da obesidade. Por práticas de controle de peso, entendem-se, no presente estudo, aquelas ações cotidianas que visam à redução ou manutenção do peso, ou seja, práticas por meio das quais as pessoas buscam emagrecer ou manter seu peso de modo a não engordar, que englobam, por exemplo, exercícios físicos, controle alimentar e uso de medicamentos e suplementos. Especialmente no que se refere ao emagrecimento, o controle de peso consiste num fenômeno complexo, que, muito além do estabelecimento de balanços energéticos negativos, exige que se estabeleçam modificações comportamentais de modo a interferir de maneira efetiva e definitiva nos hábitos de vida (Leão et al., 2015). Por isso, pretende-se, neste artigo, estudar as práticas de controle de peso a partir de seus determinantes psicossociais.
Partindo do prisma da psicologia social, todo comportamento humano situa-se em um contexto de interdependência social (Maggi, Mugny, & Papastamos, 1998). A teoria das atitudes tem sido utilizada como uma possibilidade de integrar cognição e comportamento, na medida em que as atitudes funcionariam como predisposições para a ação (Rodrigues, Assmar, & Jablonsky, 2009) e poderiam apresentar-se como intermediárias na relação entre cognições sociais e emissão de comportamentos ou práticas. As atitudes se expressam por meio de um julgamento em relação a determinado objeto, através de respostas cognitivas, afetivas (ou avaliativas) e comportamentais (Neiva & Mauro, 2011).
A possibilidade de prever comportamentos a partir das atitudes já é tradição dentre os psicólogos sociais, sobretudo na sua interface com a psicologia da saúde (Stroebe, 2000). O Modelo da Ação Refletida (Fishbein & Ajzen, 1975) propôs uma forma de relacionar a atitude e o comportamento, na qual o comportamento surge como uma função da intenção em realizá-lo; nesse modelo, a atitude em relação ao comportamento e às normas subjetivas se configura como fatores importantes na decisão do indivíduo em realizar um comportamento.
Anos mais tarde, a Teoria do Comportamento Planejado (TPB; Theory of Planned Behavior) consolida-se como um desenvolvimento da teoria anterior e acrescenta a este a variável referente à percepção de controle comportamental (Ajzen, 1991, 2001, 2005). A TPB reconhece que os indivíduos agem segundo suas intenções e percepções de controle sobre o comportamento. Desse modo, as intenções são influenciadas pelas atitudes ante o comportamento, pelas normas subjetivas percebidas e também pela percepção do controle comportamental. Quanto mais favorável a atitude e a norma subjetiva, e quanto maior for a percepção do controle comportamental, maior será a intenção de um indivíduo de realizar um comportamento.
Ajzen (2005) propõe que as atitudes relativas ao comportamento resultam das crenças em relação às consequências deste (crenças comportamentais). As normas subjetivas também desempenham um papel na intenção de realizar um comportamento e consistem nas crenças de aprovação ou desaprovação dele pelo grupo de referência desse indivíduo (Ajzen, 2005), o que Torres e Rodrigues (2011) definem como uma pressão social percebida, ou seja, como o indivíduo acredita que as pessoas importantes para ele esperam que se comporte (Stroebe, 2000).
O controle comportamental percebido, o último e fundamental preditor desse modelo, está pautado nas crenças sobre a presença ou ausência de fatores facilitadores ou impeditivos à realização do comportamento. Entende-se que, quanto mais o indivíduo pensa que possui recursos e oportunidades exigidos para o comportamento, e quanto menos impedimentos ele antecipa, maior é o controle percebido sobre o comportamento (Carneiro & Gomes, 2015; Stroebe, 2000).
A fim de acrescentar mais variáveis na compreensão das práticas de controle de peso, considera-se que algumas variações de opiniões e atitudes individuais podem ser explicadas pela implicação pessoal (Lheureux, Lo Monaco, & Guimelli, 2011), que abrange ao mesmo tempo a importância e a proximidade em relação a determinado objeto. Ela é composta por três dimensões: a identificação pessoal (o quanto o objeto o afeta ou está próximo), a valorização do objeto (importância dele para o indivíduo ou grupo) e a possibilidade percebida de ação -que se aproxima da noção de controle percebido (Camargo & Bousfield, 2014; Flament & Rouquette, 2003; Gurrieri, Wolter, & Sorribas, 2007) -. Há que se considerar que o engajamento em qualquer prática requer um nível mínimo de implicação (Flament & Rouquette, 2003), sendo este um conceito imprescindível ao se abordarem relações entre cognições sociais e práticas.
Inspirado no modelo clássico para predizer comportamentos de saúde proposto por Ajzen (1991), o presente artigo busca compreender a adesão dos participantes com diferentes constituições corporais às práticas de controle de peso a partir de um modelo explicativo. Uma vez que o corpo humano é considerado um objeto multifacetado, que reúne ao mesmo tempo dimensões individuais e sociais, procura-se incluir, além dos preditores clássicos propostos pela teoria do comportamento planejado, outras variáveis que possam aprofundar a compreensão dos fenômenos em questão e maximizar, assim, a sua abrangência.
Método
Participantes
Participaram deste estudo 160 adultos com idade entre 30 e 59 anos («=41.5; DP=8.8); destes, 80 eram homens e 80 eram mulheres, divididos em dois subgrupos de acordo com o seu índice de massa corporal (IMO). Como critérios de inclusão, os participantes deveriam estar na faixa etária prevista, concordar em participar da pesquisa, residir na região da capital do estado onde foi realizada a pesquisa e não trabalhar diretamente com a temática abordada.
Quanto à escolaridade, predominou o ensino superior completo (78%), 9% mencionaram ter o ensino superior incompleto e 13% o ensino médio. A renda familiar declarada de 41% dos participantes é mais de R$7000, 25% ganha entre R$5000 e R$7000, 15% têm renda entre R$3000 e R$5000 e 15% têm renda entre R$1500 e R$3000.
Para a divisão dos subgrupos, entre as mulheres, considerou-se sem sobrepeso aquelas com IMO<25.0, mesmo critério utilizado pela OMS (2015), e, para os homens, esse critério foi adaptado, sendo considerados com excesso de peso aqueles com o IMO superior a 26.5, valor que se mostra mais condizente com a constituição corporal dos brasileiros, em que uma maior massa não necessariamente está associada ao acúmulo de gordura, mas ao desenvolvimento muscular, amplamente valorizado pela cultura brasileira entre os homens.
Instrumentos
Utilizou-se um questionário fechado desenvolvido para atingir os objetivos deste estudo. A implicação pessoal em relação ao tema era mensurada por meio de três questões com resposta dicotômica (sim/não), com foco exclusivamente na dimensão de identificação pessoal com o assunto do controle de peso. Para operacionalizar a TPB, havia uma questão relativa à atitude, três itens sobre o contexto normativo, cinco relativos à percepção do controle, três à intenção comportamental e cinco relacionados aos comportamentos passados relativos ao controle de peso.
A autoimagem mensurada a partir de uma escala de 15 silhuetas (Kakeshita, Silva, Zanatta, & Almeida, 2009), cujas silhuetas entre 1 e 3 configuram baixo peso, entre 4 e 6 caracterizam peso saudável, 7 e 8 sobrepeso, e 9 ou acima caracterizam obesidade de acordo com os critérios de IMO definidos pela OMS (2015). Além da percepção, tal escala permitiu avaliar insatisfação corporal e, para isso, solicitou-se aos participantes que escolhessem uma imagem que representasse seu corpo tal como ele ou ela o via naquele momento (autoimagem corporal) e outra que representasse o corpo que ele ou ela gostaria de ter (imagem ideal). A medida da diferença entre a silhueta ideal e a silhueta real (autoimagem corporal) indicada na escala representa a insatisfação corporal dos participantes (Dany & Morin, 2010), sendo que o valor negativo indica o desejo de ter um corpo mais magro.
Ademais, utilizou-se uma escala de autoestima composta por dez itens, com validade e fidedignidade significativas à população adulta brasileira (a=.90; Hutz & Zanon, 2011). Ao final, solicitava-se, por meio de questões de múltipla escolha, que os participantes indicassem quais práticas de controle de peso realizaram nos últimos sete dias, assim como seu peso e sua altura, para cálculo do IMO. Além desses itens, o instrumento apresentava questões sociodemográficas como: sexo, idade, escolaridade, profissão e renda familiar.
Para chegar à sua versão final, realizou-se um pré-teste com 20 participantes de modo a verificar a consistência dos itens, seguido de uma análise de juízes especialistas em psicologia social e de um segundo pré-teste com dez participantes, o qual visou à adequação semântica.
Procedimento
Os participantes foram contatados nas instituições de trabalho vinculadas a instituições públicas de uma capital do sul do Brasil e convidados pessoalmente a participarem da pesquisa. A aplicação dos questionários era realizada individualmente, ou em pequenos grupos (até cinco pessoas), e o preenchimento destes foi sempre acompanhado pela pesquisadora (primeira autora), a qual se mostrava disponível para prestar esclarecimentos sobre o instrumento, bem como sobre a pesquisa (ao final do preenchimento). O projeto obteve parecer favorável do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos e todas as diretrizes éticas foram seguidas. Todos os participantes eram voluntários e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Análise de Dados
Os dados foram submetidos a análises descritivas (frequência, média e desvio-padrão) e relacionais (t, ANOVA). Por fim, buscou-se identificar relações lineares entre as variáveis envolvidas, por meio de análises de regressão múltipla e regressão logística (Agresti & Finlay, 2012), com auxílio do software SPSS (versão 17.0), após a validação das medidas por meio de extração fatorial.
Resultados
IMO e Autoimagem
O IMO dos participantes variou de 17.6 a 39 kg/m2 (M=26.16; DP=4.5), isto é, desde o baixo peso até a obesidade grau II. Os participantes foram divididos em dois grupos de acordo com o seu IMO, e ambos os grupos eram pareados em relação ao sexo (haviam 40 homens e 40 mulheres em cada grupo). Como critério de corte, entre as mulheres, considerou-se sem sobrepeso aquelas com IMO<25.0 e, para os homens, aqueles com o IMO<26.5. No que diz respeito à validade do cálculo de IMO a partir de peso e altura autorreferidos, Peixoto, Benício e Jardim (2006) apontam que, embora seja constatada uma pequena subestimação do IMO dos participantes a partir de medidas antropométricas autoatribuídas, ela não possui significância capaz de inviabilizar o uso dessa medida, a qual foi considerada válida para avaliar a presença de excesso de peso corporal na população brasileira.
Além disso, a medida da silhueta percebida por meio de uma escala de silhuetas (Kakeshita et al., 2009) confirmou as diferenças entre grupos encontradas por meio do IMO. Essa escala também foi utilizada para avaliar a imagem corporal e aplicou-se ainda uma escala de autoestima (Hutz & Zanon, 2011), cujos principais resultados encontram-se descritos na Tabela 1.
Com exceção da escala de autoestima, todas as demais variáveis mensuradas apresentaram diferenças significativas entre os grupos. O IMO médio dos participantes foi 26.16 e observou-se que ele foi mais baixo entre as mulheres sem excesso de peso e mais alto entre as mulheres com excesso de peso, as quais tiveram um IMO maior que os homens nessa condição. Já no que se refere à silhueta percebida, a média na escala de silhuetas foi de 7.47, enquanto na silhueta considerada ideal, o valor médio foi 5.97 (1.5 pontos de diferença). Há uma correlação positiva (r=.69; /K.001) entre o IMO e a silhueta percebida. Verificou-se que as mulheres tendem a escolher maiores silhuetas que os homens como as silhuetas atuais, o que também ocorre com a silhueta ideal escolhida, ainda que nesta a diferença seja menos evidente.
Conforme a escala de silhuetas Kakeshita et al. (2009), a silhueta média percebida se aproxima da classificação de imc inferida a partir do peso e altura autoatribuídos. Quando se observam as médias relativas à silhueta ideal, verificou-se que, para os participantes sem excesso de peso, as silhuetas indicam peso normal, e, para aqueles com excesso de peso, a média fica entre o peso considerado saudável e o sobrepeso, o que ocorre tanto para os homens como para as mulheres.
A insatisfação corporal constatada é significativamente menor entre as pessoas sem excesso de peso e maior entre as mulheres. Os homens magros obtiveram mínima insatisfação corporal, a qual sobe para próximo de um ponto entre as mulheres sem excesso de peso, para dois entre os homens com excesso de peso e para quase três pontos entre as mulheres acima do peso. A autoestima não apresentou diferenças significativas entre os grupos e tem fraca correlação com a insatisfação corporal (r=.24; p<.01).
Implicação
A implicação dos participantes em relação ao tema foi examinada a partir de três questões e não houve nenhuma diferença significativa entre os grupos; 82% dos participantes mencionaram se interessar pelo assunto do controle de peso; 89% mencionaram conhecer pessoas próximas que aderem a práticas de controle de peso, e 58% declararam que gostam de conversar sobre o assunto do controle de peso; sobre este último aspecto, a maioria é feminina (57%). A partir desses itens, foi criado um escore para essa variável, caracterizado pela soma do número de respostas afirmativas aos itens, o qual teve valor médio igual a 2.28 (DP=0.89), sendo este significativamente mais alto entre as mulheres, t(22)=6.14; p<.001. Numa pontuação que poderia variar de zero a três, obtiveram-se 52.5% dos participantes com implicação máxima (três pontos), 27% com implicação mediana (dois pontos), 14% com implicação mínima (um ponto) e 5% com nenhuma implicação declarada.
Comportamento Passado quanto ao Controle de Peso
Procurou-se mensurar o quanto as práticas de controle de peso fazem parte da rotina dos participantes e, para isso, solicitou-se que eles informassem o grau de adesão a essas práticas ao longo dos últimos três meses, por meio de uma escala de sete pontos (1=nunca; 7=diariamente). Os comportamentos mais frequentes (Tabela 2) foram: evitar determinados tipos de alimentos e subir em uma balança para se pesar. Já o uso de chás e shakes foi mais significativo entre as mulheres e entre as pessoas com excesso de peso. Quando questionados se buscaram recentemente consultar profissionais para o auxílio no controle de peso, apenas 14 participantes responderam positivamente, dos quais 10 apresentavam excesso de peso.
Normas Subjetivas, Controle Percebido e Intenção Comportamental: Predição das Práticas de Controle de Peso
As normas subjetivas em geral tiveram posicionamento favorável, com distribuição homogênea entre os grupos. O desejo de ficar mais atraente ao parceiro foi a norma subjetiva mais saliente. Em seguida, vêm os conselhos dos amigos e, por último, a família, um grupo praticamente neutro no que se refere à prescrição normativa para o controle de peso.
Quanto à percepção de controle, em todos os grupos, a condição financeira apareceu como o fator que menos dificulta o controle do peso, e fazer exercícios foi identificado como o mais difícil. As atividades cotidianas são neutras para aqueles com sobrepeso e não dificultam o controle dos participantes magros.
A intenção comportamental dos participantes no que se refere às práticas de controle de peso foi consideravelmente alta (M=5.18; DP=1.55; a=.74) e notavelmente maior entre os participantes com excesso de peso, t(150.59)=2.42; p<.05. A alimentação é a prática mais almejada e compartilhada por todos os grupos, seguida pela ideia de controlar o peso como parte do dia a dia.
Para além de descrever as variáveis estudadas, objetivou-se propor um modelo preditivo capaz de explicar a intenção comportamental e a adesão aos comportamentos. A Tabela 4 apresenta os dados descritivos de cada uma das medidas utilizadas no modelo, assim como os valores de correlação entre eles. A atitude em relação ao controle de peso foi mensurada a partir de um item único do tipo diferencial semântico (com resposta em escala de sete pontos): No que se refere a controlar o peso, sou: contra (i) vs. a favor (7).
Um procedimento de regressão hierárquica múltipla foi realizado a fim de apresentar um modelo preditivo para a intenção comportamental, sendo inseridas oito variáveis preditoras: normas subjetivas, atitudes e controle comportamental percebido ante as práticas de controle de peso -variáveis clássicas do modelo do comportamento planejado (Ajzen, 1991)-, assim como o controle percebido como variável moderadora da atitude, a implicação, a insatisfação corporal e a autoestima. O modelo final mais parcimonioso indicado pelo menor valor de Akaike manteve sete variáveis preditoras, das quais seis apresentam poder explicativo à variável intenção comportamental, conforme elucida a Tabela 5.
O modelo de regressão explica 55% da variância da intenção comportamental e propõe que a norma subjetiva seja o preditor mais forte da intenção comportamental para o controle de peso, seguido pelo comportamento passado e pela insatisfação corporal, assim como pela atitude quanto ao controle de peso e implicação. A variável atitude, por sua vez, é moderada pelo controle percebido, conforme pode ser confirmado pela Tabela 6, na qual foi testada a predição da atitude sobre a intenção comportamental para dois subgrupos de participantes com níveis distintos de percepção de controle.
A partir desta análise de moderação, constatase que a atitude é um preditivo mais forte quando há alta percepção de controle. Em contrapartida, ela tem uma significância considerada marginal quando a percepção de controle é baixa. Tais resultados vêm a corroborar com a ideia de que as atitudes, sozinhas, não seriam bons preditores do comportamento, ou mesmo da intenção comportamental, embora não se possa negar sua contribuição dentro de modelos mais complexos na explicação do comportamento.
As últimas variáveis sobre as quais foram realizadas análises de regressão se tratam de uma medida indireta das práticas de controle de peso, a partir do questionamento junto aos participantes se estes realizaram duas práticas nos últimos sete dias; estas foram diretamente relacionadas ao controle de peso (não apenas ao emagrecimento, mas também à manutenção deste). São elas: (a) praticar exercícios físicos regulares -ao menos três vezes na semana, por no mínimo uma hora-, (b) controle alimentar evitar ingerir alimentos ricos em açúcares ou gorduras. Na impossibilidade de acompanhar qual seria o comportamento real dos participantes após a aplicação do questionário para avaliar o efeito preditivo da intenção comportamental, perguntou-se em relação às suas práticas durante a última semana como uma estimativa do que seria esse comportamento (futuro). A resposta às questões acerca das práticas nos últimos sete dias era categorial dicotômica (sim/não) e, por esse motivo, foi utilizada a técnica da análise de regressão logística múltipla, por etapas. A síntese dos resultados encontra-se na Tabela 7.
Num primeiro bloco, tanto para a prática de exercícios quanto para o controle alimentar, testou-se o poder preditivo da intenção comportamental, que foi significativo para ambos os comportamentos, porém mais forte preditor do controle alimentar (r2=.10; B=.46). No segundo bloco, foi adicionada a variável controle percebido, que, por sua vez, contribuiu apenas para predizer a prática de exercícios. O terceiro bloco teve a adição da variável implicação, que foi significativa em ambos e reduziu, em ambos os comportamentos, o poder explicativo da intenção comportamental. Por fim, adicionaram-se os hábitos (comportamento ao longo dos últimos três meses) no quarto bloco da análise de regressão e observou-se que estes são significativos para os dois modelos, em diferentes intensidades. No que se refere aos exercícios físicos, os hábitos mostraram-se os mais fortes preditores do comportamento, aumentando em mais do que duas vezes o poder preditivo do modelo de regressão.
Em contrapartida, no que se refere ao controle alimentar, os hábitos tiveram menor valor preditivo que a implicação, a qual foi a mais forte preditora do comportamento. Em ambos os casos, verificou-se que os hábitos tiveram efeito mediador na intenção comportamental conforme os critérios de Baron e Kenny (1986) para os exercícios físicos (z=4.26; p<.001) e para o controle alimentar (z=3.96; p<.001).
Discussão
As diferenças significativas em relação de IMO refletiram diretamente na escolha das silhuetas reais e ideais, bem como na satisfação corporal, embora o desejo de uma silhueta mais magra seja um consenso entre os participantes. Esse desejo revela uma norma corporal compartilhada, cujas referências não necessariamente condizem aos padrões de saúde (OMS, 2015). Mesmo quem se encontra com o IMO considerado desejável exprime o desejo de emagrecer, o que se mostrou mais flagrante entre as mulheres e corroborou estudos anteriores (Justo & Camargo, 2013).
Segundo Dany e Morin (2010), as mulheres teriam maior tendência a internalizar as normas, pois sofrem uma maior pressão normativa em relação ao corpo. Historicamente, a aparência feminina tem sido valorizada e ligada a padrões estéticos (Andrade, 2003; Andrieu, 2006; Dany & Morin, 2010). Se, por um lado, a emancipação feminina a inseriu no mercado de trabalho, associando-a a outras formas de poder que vão além do seu corpo, por outro lado, verifica-se que tais mudanças não refletiram numa menor importância atribuída à aparência corporal, e sim uma complexificação desta. Nos últimos anos, verifica-se que a internalização do padrão do corpo magro expressa-se através de normas de saúde, mais valorizadas que as estéticas (Justo, Camargo, & Alves, 2014) e amplamente disseminadas pela mídia, tão ou mais severas que os padrões de beleza a indicar ideais de corpo e de comportamentos, que refletem diretamente na formação da autoimagem.
Ao adentrar nas práticas de controle de peso, a alimentação foi o comportamento mais relatado entre os participantes para controlar o peso (restrição nos tipos de alimentos ingeridos). Embora o exercício físico seja sabidamente o mais consistente fator em relação à redução e manutenção do peso, e os conhecimentos relativos aos seus impactos benéficos à saúde sejam compartilhados, ele ainda é uma prática consideravelmente pouco adotada (Carneiro & Gomes, 2015) e teve uma adesão mediana entre os participantes deste estudo.
Sabe-se que os comportamentos autodeclarados são menos fidedignos que os comportamentos diretamente observados (Armitage & Conner, 2001), especialmente quando consideramos o comportamento de "evitar a ingestão de determinados tipos de alimentos", que pode se tornar um tanto subjetivo. Entretanto, o presente estudo enfatiza os aspectos psicossociais do controle de peso, considerando as representações e percepções sociais, e, portanto, priorizados os comportamentos autodeclarados, os quais se mostram válidos para atingir os objetivos do estudo.
Robertson, Mullan e Tod (2014) apontaram que não é a falta de informação que impede as pessoas de emagrecerem ou controlarem o peso, mas existe uma complexidade maior em relação à adesão a tais comportamentos. Nesse sentido, buscou-se prever a intenção comportamental e o comportamento de controlar o peso a partir de variáveis psicossociais, dentre elas, as referentes ao modelo do comportamento planejado (Ajzen, 1991, 2001, 2005).
O controle de peso é um fenômeno em que se percebe normas sociais bastante evidentes e compartilhadas. Há uma espécie de pressão social percebida (Torres & Rodrigues, 2011), em que os grupos de referência teriam papel importante no comportamento dos indivíduos. Destes, o parceiro amoroso é quem exerce o maior poder normativo. Por sua vez, a família e os amigos exercem menor pressão. Estes últimos são contextos nos quais a influência estética é menor e são privilegiados outros aspectos na interação social, com menor importância atribuída à aparência física.
Ao considerar a situação socioeconômica privilegiada dos participantes, eles relataram que sua condição financeira é um facilitador do controle de peso e que apenas os exercícios físicos envolvem baixo controle percebido. Verificou-se ainda que, quanto menor a força das normas subjetivas, maior o controle comportamental percebido, dado este que nos leva a pensar no processo de internalização das normas sociais (Bertoldo & Castro, 2016) em relação ao controle de peso, as quais passariam a normas pessoais, na medida em que fazem parte dos valores e expectativas do indivíduo em relação a si mesmo.
As pessoas em geral apresentam alta intenção de controlar o peso; mais uma vez mostra-se a força da norma social, sendo a alimentação a prática de maior ênfase quando comparada ao exercício físico. As intenções comportamentais revelam fatores motivacionais e indicam o quanto de esforço será investido para efetivar a realização do comportamento (Ajzen, 2011). Novamente, constata-se que não é o IMO, mas um conjunto de características psicossociais que se mostram determinantes da intenção para controle de peso.
De acordo com Ajzen (2011), o comportamento é usualmente predito pela intenção comportamental e pelo controle comportamental percebido. Por sua vez, a intenção comportamental é usualmente predita pela atitude, norma subjetiva e percepção de controle. Entretanto, como esse modelo não é suficiente para prever a totalidade do comportamento, sugere-se que sejam propostas outras variáveis ligadas a um comportamento específico. Em se tratando do objeto de estudo em questão, acredita-se ser relevante acrescentar variáveis psicossociais, tais como percepção e satisfação corporal ou mesmo mais psicológicas, como é o caso da autoestima.
A norma subjetiva foi o preditor mais forte da intenção comportamental para o controle de peso. Isso significa que, em grande medida, as pessoas se motivam para controlar o peso a partir de influências normativas advindas de certos contextos que lhe são importantes. Tal resultado contraria uma série de estudos dentro da TPB, sistematizados por Armitage e Conner (2001), os quais afirmaram que as normas subjetivas usualmente têm sido as mais frágeis preditoras da intenção comportamental. Conforme a literatura mais recente, entretanto, no que se refere ao comportamento sedentário, as normas subjetivas foram igualmente as maiores preditoras para a intenção comportamental (Prapavessis, Gaston, & De-Jesus, 2015), assim como no que se refere às práticas alimentares (Leske, Strodl, & Hou, 2017), o que se aproxima dos dados encontrados em relação às práticas de controle de peso.
Pode-se dizer que tanto as normas sociais como as normas subjetivas são elementos fundamentais na construção da imagem corporal. Nesse sentido, destaca-se que a insatisfação corporal também foi importante preditora no modelo proposto, o que fora igualmente identificado por Ramos, Rivera, Pérez, Lara e Moreno (2016).
Em geral, quanto maior a atitude em relação ao comportamento, maior será a intenção comportamental (Malek, Umberger, Makrides, & Shaojia, 2017; McDermott et al., 2015). No entanto, no presente estudo, essa intenção se mostrou moderada pela percepção de controle, tipo de interação já descrita na literatura, conforme aponta Conner (2014). Verificou-se, a partir da moderação identificada pelos critérios de Baron e Kenny (1986), que a atitude é melhor preditora da intenção quando há alta percepção de controle. Tais resultados vêm a corroborar com a ideia de que as atitudes, sozinhas, não seriam bons predi-tores do comportamento, ou mesmo da intenção comportamental, embora não se possa negar a sua contribuição dentro de modelos mais complexos na explicação do comportamento.
A implicação também é uma variável que contribui na predição da intenção comportamental, fator este que já fora identificado por Lheureux et al. (2011). Segundo esses autores, a intenção comportamental viria menos do seu "porquê" e mais em função de sua percepção enquanto ação importante pelo indivíduo. As variáveis de caráter mais individual (psicológicas e comportamentais) também foram significativas à predição. Destas, a insatisfação corporal mostrou a maior força, seguida pelo comportamento passado. Quanto mais insatisfeitos, maior é a pressão normativa e maior o desejo de mudança da forma corporal.
McEachan, Conner, Taylor e Lawton (2011) apontam que atividade física e dieta são os comportamentos de saúde melhores preditos pela teoria do comportamento planejado, com 24% e 21% da variância explicados respectivamente. No presente estudo, em relação ao exercício físico, os principais preditores foram a percepção de controle e os hábitos; estes últimos foram os que mais contribuíram ao modelo. Esses dados vão ao encontro dos resultados descritos por Carneiro e Gomes (2015), em que o comportamento passado no modelo preditivo para a prática de exercícios tem contribuição significativa. A intenção comportamental, preditiva no modelo inicial, teve seu efeito totalmente mediado pelo comportamento passado.
Já no comportamento de controle alimentar, os principais preditores foram a implicação e o comportamento passado -nenhum deles componentes originários da teoria do comportamento planejado (Ajzen, 1991) -. A intenção comportamental também foi mediada pelo comportamento passado, de modo semelhante ao ocorrido no exercício físico. A diferença é que, para o comportamento alimentar, o controle percebido não exerceu influência, ao passo que a implicação pessoal foi preditora do comportamento de controle alimentar.
Collins e Mullan (2011) distinguem os comportamentos alimentares em dois tipos: hedonista/ imediatos ou com benefícios em longo prazo, sendo a intenção comportamental mais importante para os primeiros e os hábitos mais importantes para os segundos, que estão mais associados ao controle alimentar identificado no presente estudo. A ausência da contribuição da percepção de controle para o comportamento alimentar fora recentemente encontrada também por Aguiar Palacios, Magallanes Rodríguez, Martínez Alvarado, Negrete Cortes e García Gomar (2017). Sugere-se que as pessoas tendem a atrelar o comportamento alimentar ao controle volitivo e considerá-lo de fácil execução (Collins & Mullan, 2011). Acredita-se que, por ser considerado um comportamento no domínio da vontade, o controle comportamental não exerceria a mesma influência (Armitage & Conner, 2001).
Contrário ao modelo tpb (Ajzen, 1991), no presente estudo, a intenção comportamental não foi determinante para a predição dos comportamentos quando acrescidas às outras variáveis. Destaca-se que as práticas aqui mencionadas são fortemente normatizadas e com alta desejabilidade social. Em consequência, a intenção comportamental mostrou-se demasiado compartilhada e globalmente alta na maior parte dos participantes, o que inviabilizou seu poder preditivo para o comportamento. Além de um possível efeito da desejabilidade da resposta, verifica-se que a norma do controle do corpo é instaurada no modelo de sociedade vigente. Ainda que nem todas as pessoas o executem, ele é valorizado e considerado importante, inclusive por questões de saúde, o que leva as pessoas a concordarem com os itens de intenção comportamental.
Passando a uma variável um pouco mais objetiva, ao considerar a importância do comportamento passado, notam-se contradições em relação à literatura produzida na área quanto à predição dos comportamentos. Há um consenso de que o comportamento passado é o melhor preditor do comportamento futuro, já que este é um jargão sustentado por muitos dados empíricos, atestando a estabilidade temporal do comportamento (Ajzen, 2011). Para o desenvolvedor da teoria, o comportamento passado não seria uma variável adequada a se inserir no modelo de predição. Porém, considera-se que ele é capaz de expressar a contribuição de outras variáveis importantes e demasiado complexas, as quais não foram inseridas no modelo (Ajzen, 2011). Ainda no que se refere ao papel do comportamento passado, pode-se dizer que a intenção comportamental é mais preditiva quando o comportamento passado tem menor força, enquanto o comportamento passado mais forte torna o indivíduo menos susceptível a variações contextuais (Verplanken & Aarts, 1999).
Conclusões
A pressão social percebida mostrou-se determinante à intenção comportamental para o controle de peso e sugeriu uma contradição: uma população favorável, implicada e com forte intenção de controlar o peso, que, no entanto, vem ganhando peso ao longo dos últimos anos. Ficou evidente a intensa normatização referente ao controle do corpo, o qual deve manter-se dentro de determinados padrões, considerados "saudáveis" Há identificação ou proximidade em relação ao controle de peso: mesmo aqueles que não adotam, relatam o desejo de aderir às práticas. Acredita-se que a adesão aos comportamentos, entretanto, envolva variáveis mais complexas, dentre elas normas pessoais (ou normas sociais internalizadas), que seriam inversamente proporcionais às normas sociais expressas e diretamente atreladas ao controle percebido.
A alimentação prepondera sobre a prática de exercícios dentre as práticas de controle de peso. Há uma crença de maior controle comportamental atrelada à primeira, que seria dependente da "vontade" individual. Esse tipo de crença tende a corroborar com o processo de culpabilização individual das pessoas em relação ao peso em excesso, o que não se mostra favorável ao estabelecimento de rotinas de controle de peso. Uma indicação possível, a se considerar o forte poder normativo do fenômeno em questão, trata-se de propor atividades (principalmente os exercícios físicos, que possuem menor adesão e menor controle percebido) que se executem em âmbito coletivo, incluindo os contextos sociais relevantes (parceiros, colegas de trabalho, amigos ou até mesmo a família) de modo a aproveitar as pressões normativas para estabelecer uma rotina e instalar hábitos protetivos à saúde.
Uma das limitações do estudo reside na estratégia de mensuração das variáveis estudadas, que resultou na fiabilidade marginal em algumas das escalas utilizadas. No entanto, não se pode deixar de considerar que o fenômeno estudado se trata de um objeto complexo e que envolve não apenas um comportamento, como nos estudos propostos dentro da teoria do comportamento planejado, mas também uma gama de comportamentos distintos relativos ao controle de peso. Tal característica torna complexa a compreensão da prática, em consequência, dificulta sua mensuração. Vale ressaltar que, mesmo quando cuidadosamente acessados, raramente os constructos envolvidos na teoria do comportamento planejado exibem consistência superior a .75 ou .80, sendo considerados razoáveis os construtos com coeficientes em torno de .60 (Ajzen, 2011).
Além disso, a homogeneidade na distribuição das respostas revela o caráter hegemônico dos pensamentos e normas compartilhados sobre o fenômeno estudado, em que o controle do corpo adquire um status moral. No mundo contemporâneo, o corpo magro mostra-se inevitavelmente como referencial, e a mídia enfatiza a necessidade de buscar a saúde, que é equacionada ao "entrar em forma" e não apresentar "quilos em excesso". Nesse cenário, o controle diário reflete um hábito de manutenção da saúde, valor central em nossa sociedade.
O estudo traz avanços nas explicações do controle de peso a partir de uma abordagem psicossocial, que explicita as relações entre variáveis sociais, comportamentais e psicológicas, que se articulam nas formas de sentir, mover e viver o corpo. Como indicações de futuros estudos, consideram-se a complexidade do comportamento alimentar, que merece maiores aprofundamentos, assim como o papel das normas sociais e seus processos de internalização.