HISTORICAMENTE, OS estudos desenvolvidos na área de psicologia tiveram como foco a compreensão dos aspectos patológicos dos seres humanos, de forma que os pontos fortes e virtuosos das pessoas não foram considerados nas agendas de pesquisas (Seligman & Csikzentmihalyi, 2000). A ênfase em questões patológicas era uma necessidade à época da Segunda Guerra Mundial, uma vez que tal evento trouxe prejuízos psicológicos que precisavam ser minimizados (Seligman, 2009). Sem desconsiderar os aspectos patológicos dos seres humanos, o movimento da psicologia positiva, proposto em 1990 por Martin Seligman, tem ressaltado a importância de mudar o foco da doença para as potencialidades humanas (Grinhauz, 2015; Seligman, 2009).
Assim, Peterson e Seligman (2002) elaboraram o Values in Action (VIA) Classification of Strengths, um "manual de sanidades" que enfatizava as características positivas dos seres humanos e se contrapunha à tendência de patologização presente no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM) e da Classificação Internacional de Doenças (CID). No VIA, os autores apresentaram as 24 forças de caráter, agrupadas em seis virtudes. As forças de caráter referem-se a características de personalidade positivas dos seres humanos, de forma que os pensamentos, os sentimentos e os comportamentos contribuam para o desenvolvimento da bondade humana e tornem a vida dos indivíduos melhor (Park & Peterson, 2006; Peterson & Seligman, 2004). As forças de caráter são "ingredientes" psicológicos que interagem entre si, sendo características valorizadas moralmente (Peterson & Park, 2006; Peterson & Seligman, 2004; Seligman, 2009).
Seligman (2009) ressaltou que pessoas dotadas de forças de caráter vivenciam mais emoções positivas, maior engajamento em atividades e melhores relacionamentos interpessoais. Ademais, conhecer as forças e virtudes dos seres humanos e fazer uso de intervenções com esse foco poderiam propiciar o florescimento das potencialidades individuais, comunitárias e institucionais (Keyes & Haidt, 2003; Snyder & Lopez, 2009). Há evidências de que as forças podem se comportar como fatores protetivos contra doenças mentais como a obsessão-compulsão, a ansiedade fóbica e a depressão (Gustems & Calderón, 2014; Litman--Ovadia & Steger, 2010; Snyder & Lopez, 2009). Ainda, elas podem funcionar como recurso para o desenvolvimento saudável dos seres humanos, contribuindo com o aumento do bem-estar subjetivo e psicológico (Gustems & Calderón, 2014; Oliveira, Nunes, Legal, & Noronha, 2016; Rouse et al., 2015).
Algumas pesquisas têm destacado a relevância de incluir as forças de caráter em agendas de pesquisas, uma vez que elas estão associadas positivamente com fatores positivos da personalidade (agradabilidade e extroversão, por exemplo) e com maiores níveis de bem-estar, satisfação com a vida, autoestima e otimismo (Grinhauz, 2015; Noronha & Campos, 2018; Petkari & Ortiz-Tallo, 2016). Por serem socialmente aceitáveis e indicarem carate-rísticas de uma pessoa boa (Noronha & Campos, 2018), faz-se importante destacar aquelas forças de caráter que se relacionam ao controle de excessos, sobretudo à autorregulação, foco do presente estudo. A força de caráter autorregulação indica características do indivíduo que procura exercer controle sobre suas respostas, inclusive impulsos e emoções extremas, de forma que objetivos sejam atingidos e se viva conforme alguns padrões morais, de desempenho, ideais, entre outros (Peterson & Seligman, 2004).
Forças de Caráter e Autorregulação Emocional
Um dos construtos que podem fazer intersecção com as forças de caráter, sobretudo a força autorregulação, é a autorregulação emocional. Assim como as forças, esta pode ser um recurso importante para as exigências de adaptação intrínsecas à vida humana (Gratz & Roemer, 2004; Nelis, Quoidbach, Hansenne, & Mikolajczak, 2011). A autorregulação emocional diz respeito a um processo dinâmico que envolve esforços conscientes para controlar sentimentos, emoções e comportamentos, a fim de que objetivos estabelecidos previamente sejam alcançados (Gratz & Roemer, 2004; Santana & Gondim, 2016). O construto tem sido compreendido como a habilidade para enfrentar com sucesso as emoções aversivas, com o intuito de controlá-las em situações estressantes e que envolvam transtornos de humor (Berking, Ebert, Cuijpers, & Hofman, 2013; Berking, Wirtz, Svald, & Hofmann, 2014).
Para Weiss, Gratz e Lavender (2015), a autorregulação emocional pode ser considerada uma habilidade indispensável para as pessoas se adaptarem aos diferentes domínios e contextos, e McKnow et al. (2009) consideraram o construto como a habilidade de moderar (mudar, inibir ou ativar) a atenção e os comportamentos oriundos das situações vivenciadas. Os componentes que têm sido enfatizados ao se considerar a autorregulação emocional referem-se ao controle dos impulsos, à postergação da gratificação e à sustentação da atenção (Gratz & Roemer, 2004; McKnow et al., 2009; Thompson, 1994; Trentacosta & Shaw, 2009). Além disso, a autorregulação emocional é considerada uma estratégia de enfrentamento ou coping (Zimmer-Gembeck, 2016).
Essa habilidade de controle emocional envolve processos extrínsecos e intrínsecos que incluem o monitoramento, a avaliação e a modificação de reações emocionais, de modo que as pessoas identifiquem as próprias emoções, estabeleçam metas, busquem alcançar seus objetivos de acordo com o contexto em que estão inseridas, por meio de diferentes estratégias de regulação (Berking et al., 2014; Cruvinel & Boruchovitch, 2010; Santana & Gondim, 2016; Simon & Durand-Bush, 2015). A definição se aproxima do conceito de força de caráter autorregulação (Neto, Neto, & Furnham, 2014); Peterson & Seligman, 2004), com a diferença que a última é compreendida sob a perspectiva da autorregulação da aprendizagem (Noronha & Dametto, 2019).
Regular a expressão de emoções básicas (medo, alegria, raiva e tristeza) é uma habilidade que tende a ser desenvolvida no primeiro ano de idade (Linhares & Martins, 2015). No entanto, a adolescência é considerada o período mais importante para a avaliação dos processos autorregulatórios (Silva & Freire, 2014). Nessa fase, as mudanças socioemocio-nais do cérebro promovem um descontrole geral, que implica a busca constante por recompensas e a menor capacidade de organizar o sistema cognitivo (Welborn et al., 2016). Em outra medida, é também nessa fase que se desenvolvem as habilidades de autorregulação adaptativas (Bariola, Gullone, & Hughes, 2011).
Com o amadurecimento, as pessoas tendem a aumentar a capacidade de se autorregularem emocionalmente, quando as vivências internas são negativas (por exemplo, ao sentirem raiva) ou quando são expressões ligadas à felicidade (Batistoni, Ordonez, Silva, Nascimento, & Cachioni, 2013). Além da faixa etária, há de se considerar que as questões culturais e as habilidades autorregu-latórias dos pais podem impactar nas estratégias de autorregulação emocional a serem utilizadas, com efeitos que podem perdurar até a vida adulta (Bariola et al., 2011; Cruvinel & Boruchovitch, 2010; Pinto, Carvalho, & Sá, 2014).
Ao avaliar a autorregulação emocional, alguns autores têm destacado o controle das emoções positivas e negativas (Gondim et al., 2015; Gratz & Roemer, 2004; Weiss, Gratz, & Lavender, 2015). Weiss et al. (2015) ressaltaram que o controle de emoções positivas (por exemplo, a alegria) se faz importante pelo fato de las contribuírem com o aumento da autoestima e da satisfação com a vida, e, ao controlá-las, as pessoas se distraem menos e tomam decisões mais adequadas ao estabelecerem metas de longo e curto prazo. No que se refere às emoções negativas (o medo, a raiva e a tristeza), controlá-las é relevante por minimizarem problemas relacionados ao sono (Berking et al., 2013, 2014) e diminuírem os níveis de estresse (Gratz & Roemer, 2004).
Apesar de reconhecida a importância das forças de caráter e da autorregulação emocional, há de se considerar que os construtos ainda carecem de pesquisas, sobretudo no contexto brasileiro (Batista & Noronha, 2018; Peterson & Seligman, 2002; Santana & Gondim, 2016). Alguns autores propõem que os estudos sobre as forças de caráter sejam ampliados a fim de compreender as possíveis diferenças no que tange ao sexo, à idade, à escolaridade e a outras variáveis demográficas (Noronha & Batista, 2017; Noronha & Campos, 2018; Noronha, Dellazana-Zanon, & Zanon, 2015).
Especialmente, quanto à autorregulação emocional, Santana e Gondim (2016) ressaltam que os estudos no cenário brasileiro ainda estão iniciando e ampliar pesquisas se faz necessário, uma vez que altos níveis de autorregulação emocional relacionam-se à aprendizagem autorregulada, à boa capacidade de desenvolvimento de metas, à motivação e aos bons desempenhos académicos, além de indicar características positivas no desenvolvimento de relacionamentos interpessoais no contexto educativo ou organizacional (Ahmed, Van der Werf, Kuyper, & Minnaert, 2013; Bzuneck, 2018; Mega, Ronconi, & De Beni, 2014; Pekrun, Goetz, Frenzel, Barchfeld, & Perry, 2011). Berking et al. (2013) ressaltaram que as dificuldades de regular as próprias emoções podem impactar em baixa capacidade no manejo e na adaptação diante de adversidades ou eventos.
Nesse particular, o ambiente universitário requer mais investigações, uma vez que a vivência de prazos, provas e apresentações de trabalho podem ser considerados, em alguns casos, eventos negativos, proporcionando aos alunos sentimentos negativos, como a sobrecarga emocional e o estresse (Nogueira et al., 2018), a ansiedade, o tédio, a vergonha, o medo e a desesperança (Ahmed et al., 2013; Bzuneck, 2018; Pekrun et al., 2011). Além disso, é possível que estudantes e docentes inseridos no contexto universitário apresentem pouca esperança na vida e considerem a possibilidade de realizar suicídio, tal como destacado por Kleinnman, Asselin e Henriques (2014).
Contudo, no ambiente universitário, também existe a possibilidade da vivência de emoções positivas como a esperança, o alívio, o orgulho e a satisfação (Bzuneck, 2018; Pekrun et al., 2011), sendo que o desenvolvimento das forças de caráter pode ampliar os repertórios das pessoas para a realização de ações desejadas com vistas a atingir suas metas (Gustems & Calderon, 2014; Oliveira et al., 2016). Além disso, o incentivo à vivência de emoções positivas como a alegria ou o contentamento facilitaria o desenvolvimento dos recursos intelectuais, emocionais e sociais por conta dos relacionamentos entre docentes e estudantes e da obtenção de resultados acadêmicos favoráveis (Gustems & Calderon, 2014).
Os elementos negativos e positivos do contexto acadêmico ressaltam a importância de investigar as forças de caráter e a autorregulação emocional em amostras de universitários. Dessa feita, a proposta do presente estudo foi analisar a predição de cada uma das forças de caráter em relação aos fatores de uma escala que avalia a autorregulação emocional diante de eventos tristes, além de identificar as magnitudes de correlação entre os construtos. Como hipótese geral do estudo, espera-se encontrar associações de magnitudes fracas e moderadas entre as forças de caráter (Escala de Forças de Caráter - EFC) e a autorregulação emocional (Escala de Autorregulação Emocional - EARE-AD) (Field, 2009), sendo positivas (forças e fator estratégias de en-frentamento da EARE-AD) e negativas (forças e fatores pessimismo, paralisação e externalização de agressividade da EARE-AD). Tais resultados são esperados, pois os dois construtos contribuem para o estabelecimento de melhores relacionamentos interpessoais, com maior engajamento no trabalho e com maior capacidade de adaptação diante das dificuldades (Berking et al., 2014; Gratz & Roemer, 2004; Gustems & Calderón, 2014; Littman-Ovadia, Lavy, & Boiman-Meshita, 2017; Seligman, 2009; Simon & Durand-Bush, 2015).
Em relação às hipóteses específicas, inicialmente, espera-se que a força de caráter autorregulação seja a que apresente associações significativas de maiores magnitudes e com mais fatores da Eare--ad, sobretudo pelo fato de ambos se referirem ao controle de emoções e à realização de metas (Neto et al., 2014; Noronha, Baptista, & Batista, 2019; Peterson & Seligman, 2004). Outra hipótese é que a força vitalidade possua associações significativas com mais fatores da Eare-AD pelo fato de ela indicar entusiasmo e vivacidade, um vigor físico e mental de indivíduos que estão sempre em movimento, ativos (Ryan & Frederick, 1997), além de estar intimamente associada à perspectiva de que coisas boas acontecerão na vida (Noronha, Martins, Alves, Silva, & Batista, 2016; Peterson, 2000). Esperam-se tais associações pelo fato de as características da vitalidade serem opostas às que se encontram em pessoas com sentimentos e sintomas depressivos (American Psychiatric Association [APA], 2014) e as habilidades autorregulatórias contribuírem para que a duração de tais sentimentos sejam prevenidos ou durem menos tempo (Berking et al., 2013; Weiss et al., 2015). Ademais, Kleiman, Adams, Kashdan e Riskind (2013) identificaram que sentimentos depressivos e de desesperança podem ser atenuados por atitudes e sentimentos de gratidão. Nesse sentido, espera-se que as forças gratidão e esperança também sejam as que mais apresentem correlações significativas com fatores da EARE-AD.
Método
Participantes
A amostra do presente estudo foi constituída por 233 estudantes de nível superior de duas universidades particulares do estado de São Paulo, Brasil, com idades entre 18 e 52 anos (M=23.20; DP=5.588), sendo 54.5% do sexo masculino (n=127). Os participantes pertenciam aos cursos de arquitetura (19.3%; n=45), educação física (16.3%; n=38), engenharia civil (15,9%; n=37), engenharia de produção (14.6%; n=34), psicologia (14.6%; n=32), engenharia elétrica (12.4%; n=29) e engenharia mecânica (7.7%; n=18).
Instrumentos
Questionário sociodemográfico. Elaborado para o presente estudo com o intuito de identificar o sexo, a idade e o curso dos participantes.
Escala de Forças de Caráter - EFC (Noronha & Barbosa, 2016). O instrumento foi desenvolvido para o contexto brasileiro e tem seus pressupostos teóricos baseados em Peterson e Seligman (2004). A EFC avalia as 24 forças de caráter em pessoas com idades entre 14 e 65 anos. O respondente indica o quanto a frase o descreve em uma escala Likert de 5 pontos (de 0 - nada a ver comigo a 4 - tudo a ver comigo). A EFC possui 71 itens, sendo que cada força possui três itens que a descrevem, com exceção da força apreciação da beleza que possui dois itens. Os itens da EFC estão dispostos em uma estrutura unidimensional com alfa de Cronbach de .93. Exemplos de itens: "Penso muito antes de tomar uma decisão" (força prudência) e "Não guardo mágoas se alguém me maltrata" (força perdão).
Escala de Autorregulação Emocional-Adulto - EARE-AD (Noronha et al., 2019). Amparada nos pressupostos teóricos de Gratz e Roemer (2004), Nelis et al. (2011) e Weiss et al. (2015), a EARE-AD avalia a autorregulação emocional diante de algum evento triste. O respondente considera o quanto os comportamentos, os sentimentos e os pensamentos melhor o descrevem diante da tristeza em uma escala Likert de 5 pontos (0 - nunca e 4 - sempre). O instrumento possui 34 itens e 4 fatores. O fator 1, estratégias de en-frentamento adequadas (capacidade de solucionar problemas, refletir sobre os próprios sentimentos e fazer outras coisas ao vivenciar a tristeza), possui 15 itens (α=.95). O fator 2, paralisação (encontrar soluções adequadas ao vivenciar as emoções negativas ou ficar paralisado, pensando sem parar na situação), explica 6 itens (α =.87). Externalização da agressividade (agir com raiva e agressividade consigo mesmo, com objetos e pessoas) é o fator 3, composto por 7 itens (α =.88). O fator 4, pessimismo (sentir-se capaz de resolver problemas, avaliar o futuro de forma negativa ou não), possui 6 itens (α =.96). Quanto maior a pontuação total, maior o nível de autorregulação emocional do respondente. As pontuações dos itens dos fatores 2, 3, e 4 devem ser invertidas, ou seja, quanto maior a pontuação em tais fatores, menos características destes. Exemplos de itens: "Quero bater nos outros" (fator 3) e "Acho que nada do que pode ser feito vai adiantar" (fator 4).
Coleta de Dados
Inicialmente, foi solicitada a autorização das universidades para a realização da pesquisa. Dada a autorização, o projeto foi encaminhado e aprovado pelo Comitê de Ética (Certificado de Apresentação para Apreciação Ética n.° 53659716.8.0000.5514). As coletas de dados foram realizadas conforme a disponibilidade dos participantes, de forma coletiva, em salas de aula das instituições. O consentimento individual de participação na pesquisa se deu por meio da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Após o esclarecimento de dúvidas, os participantes responderam ao questionário sociodemográfico, à EARE-AD e à EFC. Em média, o tempo para preenchimento dos instrumentos foi de 35 minutos.
Análise dos Dados
Os dados coletados foram analisados por meio do programa Statistic Package for Social Sciences (SPSS). Para os instrumentos aplicados, foram utilizadas as estatísticas descritivas e in-ferenciais (médias e desvios-padrão). O teste de correlação de Pearson foi utilizado para identificar a relação entre a EFC e a eare-ad, com base na interpretação de valores de Field (2009). Reali-zou-se a regressão linear múltipla pelo método Enter a fim de verificar se as 24 forças de caráter (variáveis independentes) seriam preditoras dos quatro fatores da EARE-AD (variáveis dependentes).
Resultados
Foram utilizadas estatísticas descritivas e inferenciais para comparações de médias referentes às 24 forças de caráter e aos quatro fatores da EARE-AD. Os resultados estão dispostos na Tabela 1.
De acordo com o exposto na Tabela 1, destaca-ram-se com as médias mais altas as forças gratidão, imparcialidade, curiosidade, persistência e esperança, ao passo que as forças com menores médias no presente estudo foram perdão, autorregulação, sensatez, criatividade e inteligência social. No que se refere aos fatores da EARE-AD, os participantes apresentaram maiores médias nos fatores pessimismo e externalização da agressividade.
Com intuito de identificar as magnitudes das correlações entre a efc e a eare-ad, utilizou-se o teste de correlação de Pearson. Com exceção da força espiritualidade, todas as forças de caráter se correlacionaram significativamente com pelo menos um dos fatores da EARE-AD, de forma que as magnitudes foram de fracas a moderadas (r entre .14 e .47). As forças autorregulação, vitalidade, gratidão e esperança se correlacionaram significativamente com todos os fatores da EARE-AD, sendo que apreciação da beleza e humor se correlacionaram com três fatores, conforme apresentado na Tabela 2.
Como indicado na Tabela 2, o fator estratégias de enfrentamento se correlacionou significativa e positivamente com 22 das 24 forças, sendo que somente com espiritualidade e bravura não foram encontradas correlações significativas. No fator externalização da agressividade, foram obtidas correlações significativas e negativas com 13 das 24 forças de caráter, de forma que a correlação entre esse fator e a força autorregulação foi a de maior magnitude das correlações significativas do presente estudo (r=-.47). Por sua vez, no fator paralisação, foram encontradas apenas cinco correlações significativas com as forças, sendo quatro negativas (vitalidade, autorregulação, gratidão e esperança) e uma positiva (bravura). Por fim, no fator pessimismo, oito forças de caráter se correlacionaram negativa e significativamente: persistência, vitalidade, amor, autorregulação, apreciação da beleza, gratidão, esperança e humor.
Com o objetivo de compreender se as forças de caráter poderiam predizer os fatores da EARE-AD, foram realizadas análises de regressão linear múltiplas, sendo as 24 forças utilizadas como variáveis independentes (vi) para cada um dos fatores da EARE-AD (variáveis dependentes - VD). Conforme apresentado na Tabela 3, os resultados encontrados indicam que a força vitalidade foi preditiva de todos os fatores da EARE-AD e ao menos três forças de caráter predisseram os fatores da EARE-AD.
As forças sensatez, vitalidade e prudência foram mais preditivas do fator estratégias de en-frentamento da EARE-AD (R2 ajustado=.26). Por sua vez, pensamento crítico, vitalidade e autorregulação foram as forças que melhor predisseram o fator paralisação (R2 ajustado=.13). O fator pessimismo da EARE-AD (R2 ajustado=.13) foi predito pelas forças vitalidade, amor e prudência. Por fim, pensamento crítico, persistência, vitalidade, prudência e autorre-gulação melhor predisseram o fator externalização da agressividade (R2 ajustado=.33).
Discussão
O objetivo do presente estudo foi analisar a predição das forças de caráter em relação à au-torregulação emocional diante de eventos tristes e identificar as magnitudes das correlações entre os construtos em estudantes universitários. Em relação às estatísticas descritivas e inferenciais, as forças com maior endosso se referiam à transcendência, a relacionamentos interpessoais e à aquisição de conhecimentos: gratidão, imparcialidade, curiosidade, persistência e esperança (Peterson & Seligman, 2004). As cinco forças com maiores médias no presente estudo também foram as mais endossadas em outros estudos com amostras de universitários e populações gerais (Gustems & Calderon, 2014; Noronha & Batista, 2017; Noronha & Martins, 2016). Destaca-se que a força gratidão apresentou a maior média tanto para universitários (Noronha & Martins, 2016) quanto para participantes da população geral (Noronha & Batista, 2017).
No que se refere à autorregulação emocional, as médias dos participantes nos fatores pessimismo e externalização da agressividade podem indicar que eles conseguem controlar adequadamente as próprias emoções quando vivenciam situações que causam tristeza, de forma que comportamentos de desesperança e de agressividade sejam evitados (Noronha et al., 2019). Duas forças mais endossadas pelos participantes foram a esperança e a gratidão. A esse respeito, Kleiman et al. (2013) ressaltaram que os baixos níveis de esperança podem ser atenuados por sentimentos e atitudes de gratidão, o que possibilitaria que as pessoas agissem de forma menos agressiva. Assim, possivelmente, a gratidão minimizaria comportamentos agressivos em relação a objetos e a outras pessoas, enquanto a esperança contribuiria para que pensamentos negativos fossem menos frequentes.
Ademais, cabe destacar que 22 forças se correlacionaram significativamente com o fator estratégias de enfrentamento, o que indica que as forças de caráter, características positivas e bem estruturadas dos seres humanos, permitem a vivência de mais emoções positivas mesmo diante de adversidades (Park & Peterson, 2006; Seligman, 2009). Além disso, o fator estratégias de enfrentamento da EARE-AD se correlacionou significativamente com a força amor pelo aprendizado, possivelmente, porque o indivíduo que possui essa força busca organizar os seus estudos sem muitos incentivos exteriores e, para tal, busca controlar suas emoções e comportamentos, não se permitindo que eventos tristes o desviem do foco do aprendizado (Bortoletto & Botuchovitch, 2013; Peterson & Seligman, 2004). Os resultados são coerentes com o que foi encontrado por Gustems e Calderón (2014), à medida que as forças de caráter e os sintomas depressivos se associaram negativamente em uma amostra de universitários, o que indica que conhecer e desenvolver os próprios pontos fortes de caráter auxiliam as pessoas a pensar mais positivamente sobre as situações estressantes que vivenciam, tornando a vida melhor.
Em relação à hipótese geral do presente estudo, esperava-se encontrar associações significativas que variassem de fracas a moderadas entre a EFC e a EARE-AD, o que foi confirmado. As magnitudes de correlação encontradas são pertinentes, pois a autorregulação emocional e as forças de caráter podem minimizar dificuldades psiquiátricas e comportamentos desadaptativos (Berking et al., 2014; Gratz & Roemer, 2004; Gustems & Calderón, 2014), além de auxiliarem no enfrentamento de adversidades (Noronha et al., 2019; Noronha & Martins, 2016).
Quanto às hipóteses específicas, todas se confirmaram. Em relação à força autorregulação, era esperado que esta apresentasse as associações mais elevadas com mais fatores da EARE-AD. Observou-se que a força autorregulação predisse dois fatores da EARE-AD e se correlacionou significativamente com os quatro fatores da EARE-AD, o que pode ser explicado pelo fato de ambos se referirem ao controle de emoções e à realização de metas (Neto et al., 2014; Noronha et al., 2019; Peterson & Seligman, 2004), sobretudo quando se considera o fator externalização da agressividade. Além de predizê-lo, a força autorregulação teve a correlação mais alta do presente estudo com tal fator, resultados estes que ressaltam que pessoas com mais facilidade de se autorregularem emocionalmente controlam melhor comportamentos desajustados que podem indicar perigo eminente, a saber, utilização de substâncias psicoativas e automutilação (Gratz & Roemer, 2004; Pekrun et al., 2011; Weiss et al., 2015).
Em relação à vitalidade, a hipótese foi confirmada à medida que essa força foi preditora e se correlacionou com todos os fatores da EARE-AD, o que pode ser explicado, por exemplo, quando se considera a depressão. Essa é caracterizada por humor deprimido, energia diminuída, sentimentos de baixa autoestima e culpa, anedonia, alterações no sono, além de ser acompanhada por sintomas de ansiedade (APA, 2014). Berking et al. (2013) identificaram que habilidades de autorregulação emocional bem estruturadas podem contribuir na prevenção ou na diminuição e duração de estados de disfóricos que reativam padrões de pensamentos de depressão (Berking et al., 2013). Em direção diferente da depressão, a força vitalidade inclui estados de entusiasmo, animação, vigor e energia, além de uma perspectiva otimista do futuro (Peterson, 2000; Ryan & Frederick, 1997). Ainda que a amostra avaliada não tenha sido de pessoas diagnosticadas com depressão, existe coerência com os resultados encontrados e as respectivas definições.
A hipótese em relação às forças gratidão e esperança era que elas apresentassem correlações significativas com mais fatores da EARE-AD, o que se confirmou parcialmente, uma vez que gratidão apresentou correlações significativas com três fatores e esperança com quatro. Em relação à gratidão, o que foi encontrado também pode ser explicado ao se considerar a depressão, posto que a gratidão pode minimizar sentimentos de desesperança que são próprios de pessoas que se encontram em estados depressivos (Kleiman et al., 2013). Uma das formas de ser grato é buscar fazer o bem a outrem por algo de bom recebido, o que pode explicar a associação dessa força com estratégias de enfrentamento adequadas. Ou seja, a pessoa que reconhece ter recebido coisas boas da vida e de outras pessoas busca retribuir pelo que recebeu (Doré, Morris, Burr, Picard, & Ochsner, 2017; Noronha et al., 2019; Peterson & Seligman, 2004).
Já em relação à esperança, as associações com magnitudes mais altas foram com o fator pessimismo e estratégias de enfrentamento, respectivamente. A explicação está no fato de a esperança e de o pessimismo indicarem uma expectativa, positiva ou negativa, relacionada ao futuro (Noronha et al., 2019; Peterson & Seligman, 2004). Se o indivíduo possui a força esperança, possivelmente, enfrentará de forma mais adequada as situações que lhe surgirem ao vivenciar emoções tristes (Kleiman et al., 2013; Noronha et al., 2019; Peterson, 2000).
Além das hipóteses iniciais, foi identificado que a força bravura explicou três fatores da EARE-AD, quais sejam, estratégias de enfrentamento, pessimismo e paralisação. Tais resultados podem ser compreendidos pelo fato de a bravura ser uma força que se refere ao enfrentamento das dificuldades com valentia, o que inclui posturas intelectuais ou emocionais para superar situações que causem medo ou que são assustadoras (Peterson & Seligman, 2004). Os resultados indicam que possuir tal força de caráter contribui para que os eventos tristes da vida sejam enfrentados com uma perspectiva positiva de que tais questões serão resolvidas (Noronha et al., 2019; Peterson & Seligman, 2004).
Considerações Finais
Os objetivos do presente estudo foram alcançados à medida que os resultados encontrados são satisfatórios e estão em consonância com o que já fora observado na literatura sobre as forças de ca-ráter e a autorregulação emocional (Berking et al., 2013; Gratz & Roemer, 2004; Noronha et al., 2016; Noronha & Martins, 2016; Weiss et al., 2015). O que foi apresentado permite refletir que, possivelmente, a autorregulação e a vitalidade sejam as forças de caráter que mais contribuem para que os sentimentos de depressão e ansiedade sejam minimizados, impactando no bem-estar e na vivência de afetos positivos das pessoas. Além disso, encontrar associações significativas entre amor pelo aprendizado e estratégias de enfrentamento adequadas em uma amostra de estudantes universitários é importante à proporção que pode demonstrar que os alunos possuem um foco para realização de metas.
Em contrapartida, há de se considerar que novos estudos precisam ser realizados a fim de compreender melhor alguns resultados, como as relações encontradas com a força apreciação da beleza e os fatores da eare-ad, uma vez que ainda não existem muitas evidências que possam explicar o achado. É possível que as questões culturais possam interferir nos níveis de forças de caráter e autorregulação emocional. Nesse sentido, faz-se relevante avaliar os construtos em estudantes universitários considerando outros construtos e variáveis, como a depressão e a ansiedade, mencionadas, com frequência, no presente estudo, além da autoeficácia, da autoestima e da percepção de suporte social. Ademais, as diferenças relacionadas às variáveis sociodemográficas dos participantes, tais como, sexo, idade, curso, tempo dedicado ao estudo e se trabalham concomitantemente ao estudo precisam ser consideradas em pesquisas futuras. Tais considerações são importantes a fim de que intervenções sejam realizadas para desenvolver as potencialidades e uma maior vivência dos afetos positivos de estudantes e docentes, bem como minimizar o impacto das emoções negativas oriundas de eventos estressantes no ambiente universitário.