Introdução
O cenário político, econômico e social da América do Sul passou por importantes transformações ao longo do período em que Luiz Inácio Lula da Silva foi presidente do Brasil (2003-2010). A motivação do intercâmbio econômico enquanto elemento central da cooperação regional, prevalecente nos anos 1990, deixou de ser a única força motriz do diálogo entre os países sul-americanos, embora continue presente, como evidenciado pela criação da Aliança do Pacífico. A dimensão política e a ênfase no fortalecimento da autonomia nacional e regional passaram a ser questões centrais de alguns desses processos, fruto também da percepção que o estreitamento do diálogo regional exige determinadas ações que o regionalismo aberto, alicerçado no paradigma neoliberal, não seria capaz de suprir adequadamente. Nesse contexto, surgiram dinâmicas que, apesar de suas diferenças, apontam para essas transformações, como se pode observar por meio da emergência da Aliança Bolivariana para as Américas (ALBA), da União de Nações Sul-Americanas (UNASUL) e de órgãos acrescidos ao Mercado Comum do Sul (Mercosul) como o Fundo para a Convergência Estrutural do Mercosul (FOCEM), o Tribunal Permanente de Revisão (TPR) e o Parlamento do bloco (PARLASUL). O entendimento da dimensão e da razão dessas mudanças, assim como das suas consequências em termos de governança regional, são um desafio de relevância analítica e política.
Diante disso, o foco do presente trabalho está voltado para a UNASUL e tem como objetivo compreender o comportamento brasileiro tendo em vista o aumento do escopo das iniciativas sul-americanas que passaram a incluir, formalmente, dimensões como a defesa, a infraestrutura e o financiamento da cooperação regional. A constituição e a posterior institucionalização da UNASUL, em 2008, apontam para a necessidade de se pesquisar em que medida esse organismo representaria uma nova dimensão das relações sul-americanas e da política brasileira em relação à região. Em outros termos, trata-se de entender se nos encontramos diante de uma lógica em que o Brasil consegue compatibilizar o objetivo de autonomia com o objetivo de aprofundamento dos vínculos regionais. A análise dessas três dimensões da UNASUL indica que a autonomia, em grande parte, foi alcançada por meio da construção de modalidades pouco institucionalizadas e com uma precária, ou mesmo ausente, burocracia regional que proporcione condições operacionais mínimas para sustentar as iniciativas integracionistas propostas.
Além disso, é possível observar que a UNASUL reforça o que se pode denominar de uma característica histórica da cooperação sul-americana e da política externa brasileira para a região, afinal, a baixa institucionalização e a precária burocracia regional não são aspectos exclusivos da UNASUL, mas também verificados em outras instituições regionais como o Mercosul (Camargo 2006; Mariano 2015a). Mais ainda: a preferência por esse direcionamento é notada na política externa brasileira desde ao menos meados dos anos 1990, com diferentes ênfases -ora se apoiando mais na livre iniciativa, ora enfatizando a importância da condução estatal-, em que tais particularidades nos governos Fernando Henrique Cardoso, Lula da Silva e Dilma Rousseff se mostraram uma constante.
A busca da expansão geográfica da cooperação do Cone Sul para a América do Sul tem sido uma característica central da política brasileira desde o início dos anos 1990.1 O privilégio dado à expansão geográfica relaciona-se, entre outros fatores, com o peso do tema da autonomia na ação externa do Brasil e com a permanente preocupação em manter o formato intergovernamental da cooperação regional. Essa orientação se apresenta na política brasileira desde a formação do Mercosul (Mariano e Ramanzini Júnior 2012). Do ponto de vista da estratégia brasileira de cooperação sul-americana, a consolidação da UNASUL desempenha papel importante na articulação com países que consideram a posição de membro associado, por meio de uma área de livre comércio, adequado para suas relações com o Mercosul.2 São os casos de Chile, Colômbia e Peru, que têm tarifas muito baixas ou acordos de livre comércio (TLCs) com os Estados Unidos. É importante observar que, da perspectiva institucional, a UNASUL, apesar das diferenças em relação ao Mercosul, mantém o mesmo padrão institucional, qual seja, o intergovernamentalismo. Desse modo, se as elites políticas brasileiras e dos demais países da região persistentemente constroem modalidades pouco institucionalizadas de governança regional, é relevante verificar as razões e se essas configurações contribuem para a consecução dos objetivos que motivam o seu surgimento.
De um lado, como apontam Hirst, Lima e Pinheiro (2010), durante os mandatos de Lula da Silva, há uma expressiva ascensão da política exterior do Brasil tanto no âmbito regional como no mundial. Por outro, como indicam Cervo e Lessa (2014), a partir do governo de Rousseff, há um relativo declínio da atuação internacional do Brasil. Tratando mais especificamente da América do Sul, Saraiva (2016) aponta que ocorreu um recuo do ativismo regional brasileiro no mandato de Rousseff.
Os contrastes entre o contexto -internacional e nacional- do governo de Lula da Silva com o de sua sucessora, Dilma Rousseff, nos possibilita avaliar se o processo cooperativo da América do Sul é fragilizado nessa tentativa brasileira de compatibilizar autonomia e aprofundamento. Afinal, isso ocorre tanto no momento em que o Brasil estava inserido em um cenário interno e externo favorável como quando o país se encontra em um período desfavorável.
Nos mandatos de Lula da Silva (2003-2010), houve um cenário geral favorável; com isso, o Brasil conseguiu manter a autonomia nacional e, ao mesmo tempo, sustentar as instituições regionais. O preço elevado das commodities agrícolas e minerais, a crescente internacionalização das empresas brasileiras, além de um contexto interno com maior previsibilidade política e econômica configuram o panorama geral desse período.
Mesmo em um contexto delicado instaurado com a crise financeira internacional, iniciada em 2008, o governo Lula da Silva conseguiu fornecer uma resposta doméstica para reduzir os efeitos negativos da referida crise global por meio de incentivo governamental que ampliou os gastos e os investimentos públicos, facilitou o acesso ao crédito, além de conceder isenção de alguns impostos. No entanto, no primeiro governo de Dilma Rousseff (2011-2014), as condições econômicas nacionais e internacionais foram se deteriorando, principalmente em relação às contas públicas e à diminuição dos preços das commodities agrícolas e minerais. As dificuldades domésticas se tornaram mais visíveis com a crescente instabilidade política e econômica, além da dificuldade de articulação e direcionamento do Governo Federal a partir das grandes manifestações de rua de junho de 2013, que reuniram milhões de pessoas em várias cidades brasileiras.3 Mesmo não sendo o foco deste trabalho, cabe mencionar que, a partir do segundo mandato de Rousseff, iniciado em janeiro de 2015 e interrompido por um impeachment, a instabilidade apontada acima permanece e uma crise institucional de largas proporções se aprofunda. Ao lado disso, o desenrolar das atividades da “Operação Lava Jato”, levada a cabo pela Polícia Federal, pelo Ministério Público Federal e por procuradores da República,4 diminuíram sensivelmente a previsibilidade política brasileira, aspecto importante para a manutenção das tratativas da UNASUL.
Além da crescente instabilidade política e econômica internas do Brasil, não podemos esquecer que países importantes na articulação do aprofundamento do diálogo na América do Sul, como a Argentina e a Venezuela, também passaram por um período político e econômico delicado.
Desse modo, no governo Dilma Rousseff (2011-2014), há um contexto geral desfavorável que acaba por evidenciar a relativa dependência dos organismos regionais enquanto às instituições nacionais brasileiras, o que indica as contradições do direcionamento almejado pelo Brasil para o estreitamento dos vínculos regionais.
1. A UNASUL e a política externa brasileira
A UNASUL é uma iniciativa que associa os doze países da América do Sul5 e, segundo o artigo 2º de seu Tratado Constitutivo, entre outras questões, objetiva “[...] fortalecer a democracia e reduzir as assimetrias no contexto do fortalecimento da soberania e independência dos Estados”.6 Entre seus objetivos, está o fortalecimento de mecanismos de concertação regional para aumentar a conexão do espaço econômico e político sul-americano.
A UNASUL se articula com outras experiências regionais como o Mercosul e, de maneira mais estrita e rigorosa, não pode ser considerada um processo de integração regional, sendo melhor caracterizada como um fenômeno de cooperação regional dotado de alguns mecanismos que conectam diversos setores dos seus Estados-membros. Assim, a UNASUL escapa do enquadramento tradicional de integração econômica regional que aponta, basicamente, quatro etapas desse processo: área de livre comércio, união aduaneira, mercado comum e união econômica. Esse enquadramento se conecta com outros mecanismos sul-americanos como, por exemplo, o Mercosul, a Comunidade Andina e fenômenos novos como a Aliança do Pacífico. A UNASUL está inserida em uma outra lógica centrada na concertação política é dotada de alguns mecanismos que articulam esforços dos governos em busca do encaminhamento de soluções para os problemas em comum como, por exemplo, nas áreas que serão tratadas ao longo deste trabalho: defesa, infraestrutura e financiamento.
O Brasil teve papel central para a formação da UNASUL. As primeiras iniciativas contemporâneas do país que remontam à busca pela expansão geográfica da cooperação regional ocorreram no governo Itamar Franco durante a VII Cúpula do Grupo do Rio, em 1993, com o anúncio da ideia de se criar uma Associação de Livre Comércio Sul-Americana (ALCSA). Tiveram continuidade anos depois, no segundo governo Fernando Henrique Cardoso, com a realização de cúpulas presidenciais sul-americanas em Brasília (2000) e em Guayaquil (2002). No Peru, em dezembro de 2004, foi realizada a Terceira Reunião de Presidentes da América do Sul. Naquela ocasião, foi redigida a Declaração de Cuzco, cidade sede do evento, que criou as bases para a UNASUL. O projeto instaurado naquela reunião foi denominado Comunidade Sul-Americana de Nações (CASA) e, durante a Primeira Reunião Energética da América do Sul (2007), realizada na Venezuela, o nome foi modificado para UNASUL. Em maio de 2008, em Brasília, representantes dos doze países assinaram a criação da UNASUL. Com esse tratado, ela passou a ser um organismo internacional.
Diferentemente do Mercosul, a UNASUL surge em um contexto em que os Estados participantes apresentam orientações político-ideológicas diversas e em que há a necessidade de conciliar concepções diferenciadas a respeito do modelo de concertação a ser construído. Do ponto de vista do Brasil, segundo o então secretário-geral do Itamaraty, Samuel Pinheiro Guimarães (2006, 275), é indispensável trabalhar de forma “consistente e persistente em favor da emergência de um sistema mundial multipolar no qual a América do Sul venha a constituir um dos polos e não ser apenas uma sub-região de qualquer outro polo econômico ou político”. O objetivo é a existência de uma organização sul-americana, portanto não latino-americana e menos ainda hemisférica. Esse objetivo explica-se porque, nesse espaço, na percepção brasileira, podem-se criar consensos em torno de alguns setores.
De acordo com Meunier e Medeiros “[...] para o Brasil, a cooperação e a integração regional devem compatibilizar-se com os objetivos de projeção global. Deve também contribuir para o enfrentamento do unilateralismo dos países desenvolvidos” (2013, 705).
Como aponta Legler, uma novidade importante representada pela UNASUL refere-se ao fato que a “national sovereignty is interwoven with and mutually reinforced by regional sovereignty. Sovereignty authority at the domestic level within Latin American states is enhanced and protected by the creation of a regional shield against both extra-regional market forces and U.S power” (2013, 334). Essa conexão parece se afirmar com a formação e o desenvolvimento da UNASUL. Em termos conceituais, é algo relativamente novo, na medida em que os processos de aprofundamento de vínculo regional, em geral, implicam redução da capacidade de ação autônoma do Estado.
A institucionalidade da UNASUL não se sobrepõe aos Estados, mas se propõe a contribuir para o fortalecimento estatal. Isso demonstra a natureza e a motivação da cooperação entre os Estados sul-americanos. Se as regiões tendem a ter importância cada vez maior na ordem internacional, se há ou haveria uma emergente arquitetura regional da política internacional, a UNASUL, na medida em que traz novos temas e questões para a discussão em uma perspectiva sul-americana, representa o potencial de formação de um novo polo de poder internacional. Nesse sentido, Acharya considera que o “the success or failure of regional institutions can be judged normatively rather than just on the basis of material indicators like free trade” (2012, 9). Os avanços e a construção de confiança representados pelas ações do Conselho Eleitoral e a mediação da UNASUL em situações de crise e instabilidade nos países da região, como ocorreram em Bolívia, Colômbia, Equador, Paraguai e Venezuela, e são demonstrações de certa maturidade.
A busca de autonomia diante de reais ou potenciais interferências externas à região, em certa medida, impulsionam os esforços de cooperação no setor de defesa. Além disso, a região apresenta desafios que têm um papel relevante no fortalecimento de certa coesão e no estabelecimento da legitimidade da UNASUL. Os fatores endógenos que mobilizam o bloco e merecem destaque referem-se: (1) à gestão das zonas de fronteira em face às migrações e aos ilícitos transnacionais, (2) aos contenciosos que envolvem interesses de cidadãos e empresas nacionais em países vizinhos, (3) a situações de instabilidade política e, apesar do grande potencial, (4) a limitações energéticas e de interconexão física.
Na institucionalidade da UNASUL, criaram-se doze Conselhos, além de outras instâncias, para lidar com essas e diversas outras questões.7 Esses órgãos, ao longo do tempo, podem criar um quadro institucional que fortaleça a propagação de políticas públicas regionais. Segundo Lima os Conselhos podem induzir à instauração, dentro dos Estados-membros, de constituencies variadas com interesses nas questões tratadas no âmbito regional e envolver “[...] atores políticos e econômicos também diversificados e dessa forma criando, dentro das respectivas sociedades civis, atores comprometidos com a regionalização em suas múltiplas facetas” (2013, 183). Apesar disso, cabe ressaltar que o apoio doméstico necessário à implementação dos acordos, em geral, é buscado após a sua concretização; esta é uma das particularidades do diálogo regional na América do Sul se comparado com o modelo europeu.
Em 2006, o então presidente Lula da Silva afirmou que “um projeto tão amplo quanto o da nossa Comunidade tem que contar com instituições que permitam realizar nossos projetos. Se queremos uma comunidade forte, é necessário dotar-lhe dos instrumentos necessários”.8
Desse modo, no caso da UNASUL, permanece uma baixa importância conferida à necessidade de desenvolver um corpo técnico próprio na instituição. Sem estrutura de funcionamento e orçamento adequados, o bloco inspira dúvidas sobre sua capacidade para lidar com objetivos que são tão amplos e ambiciosos. Prevalece a lógica de concentrar a coordenação dos esforços a partir de estruturas nacionais existentes para a realização dos objetivos regionais, o que garante forte protagonismo brasileiro e preserva a histórica vulnerabilidade das experiências de regionalismo sul e latino-americano diante das instabilidades políticas e econômicas dos Estados participantes. Nesse sentido, como afirma Tussie, “[...] os atuais acordos regionais devem ser analisados como política nacional por outros meios” (2013, 264).
Posto isso, Legler considera que “there have been few explicit and systematic studies of how recent regional trends in Latin America and South America have impacted the meaning and practices of sovereignty” (2013, 326). Assim, a análise das dimensões da cooperação regional que envolvem a defesa, a infraestrutura e o financiamento pode contribuir para a compreensão de como o aumento dos laços políticos e econômicos entre os países sul-americanos se relacionam com o objetivo de fortalecimento da autonomia nacional e regional.
2. Novas dimensões da cooperação regional: o setor de defesa
Do ponto de vista do Brasil, a criação do Conselho de Defesa Sul-Americano (CDS), em dezembro de 2008, vincula-se ao objetivo de fortalecer a cooperação no setor de defesa e remete também à intenção de estabelecer um contraponto à penetração dos Estados Unidos na América do Sul, mais precisamente, na região andina.9 Do mesmo modo, há uma busca de construção de instrumentos que permitam maior confiança nas relações entre os próprios países sul-americanos, em uma tentativa de conciliar a ideia de segurança regional combinada com a preservação da autonomia nacional dos Estados. As tensões em torno das negociações sobre bases militares entre Bogotá e Washington, e a “Operação Fênix” (2008), na qual a Colômbia violou e bombardeou o território equatoriano sob a justificativa de capturar lideranças das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), respaldavam a necessidade de se caminhar em direção aos objetivos citados acima.
Em certa medida, a discussão em torno do registro de gastos militares, da restrição do uso das Forças Armadas, a instauração de Planos de Ação Anual, a criação do Centro de Estudos Estratégicos de Defesa (CEED) e da Escola de Defesa Sul-Americana (ESUDE), dentro do arcabouço de uma instituição regional que congrega todos os países da América do Sul, podem ser consideradas um importante avanço no setor. Porém, é salutar refletir sobre algumas questões que acabam por indicar que esse setor também evidencia impasses observados no histórico da concertação política de diversas instituições sul-americanas.
Em relação ao registro de gastos militares, não há grande novidade na metodologia de medição. O registro segue os padrões já consagrados na Organização das Nações Unidas (ONU), na Organização dos Estados Americanos (OEA) e na Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal). Além disso, Saint-Pierre e Palacios Junior, ao analisarem o registro dos gastos, afirmam que “esses gastos não são excessivos, são simplesmente um desperdício” (2014, 35), pois não dão a importância devida às interconexões entre os problemas nacionais e regionais, deixando de buscar soluções comuns entre os países da América do Sul.
Já os Planos de Ações Anuais foram estabelecidos com a intenção de imprimir diretrizes aos países-membros do CDS no que concerne à promoção de políticas de desenvolvimento e cooperação do campo de defesa e segurança. Uma das atividades que emergiu de um dos Planos de Ação (2009) foi a criação do CEED com sede em Buenos Aires. A proposta de criação desse Centro de Estudos teve sua aprovação em maio de 2009, porém somente foi estabelecido de fato em junho de 2011. O objetivo central do CEED é a consolidação de um pensamento sul-americano em matéria de defesa; para isso, o órgão se responsabiliza pela elaboração de reuniões, documentos e relatórios que abordam o conceito de segurança e defesa, o monitoramento dos gastos militares dos países da região, a transparência nas Políticas de Defesa para a América do Sul e medidas para a resolução dos conflitos fronteiriços, assim como questões referentes à proteção dos recursos naturais dos Estados-membros. É importante destacar que várias iniciativas inseridas nos Planos de Ações Anuais foram postergadas. Além disso, outras inúmeras medidas já existiam antes mesmo da instauração do CDS e, simplesmente, foram incorporadas como atividades dos Planos de Ações.
Dentre outras questões, a criação do CDS também abriria para o Brasil a possibilidade da retomada de escala para a sua indústria de defesa que, na década de 1980, chegou a figurar entre as maiores exportadoras de material bélico do planeta e, a partir do início dos anos 1990, perdeu parte importante do seu peso.10
De acordo com Villa e Viana (2010), diferentemente dos quatro órgãos básicos da estrutura da UNASUL,11 delineados por todos os membros em conjunto, a criação do CDS foi uma proposta que partiu originalmente do Brasil. Além disso, Vaz (2013, 245) aponta “a existência de um esforço consciente de articulação” entre a Estratégia Nacional de Defesa (END) brasileira, divulgada em dezembro de 2008, e o surgimento do Conselho. Na verdade, há uma grande convergência desse documento interno com o Plano de Ação desse Conselho da UNASUL. A Estratégia Nacional, divulgada em 2008, respalda e estimula a atuação brasileira na área de defesa tanto na esfera nacional quanto na regional. A END coloca como uma questão estratégica estimular um maior vínculo entre defesa e desenvolvimento nacional. Nesse sentido, além de buscar promover uma força militar capaz de dissuadir agressões bélicas estrangeiras, um dos principais objetivos da END é revigorar a indústria de materiais de defesa. Esse objetivo ganhou um estímulo regional quando a END indicou que “o Conselho de Defesa Sul-Americano, em debate na região, criará mecanismo consultivo que permitirá prevenir conflitos e fomentar a cooperação militar regional e a integração das bases industriais de defesa, sem que dele participe país alheio à região” (2008, 17).12
Assim, a END iniciou uma operacionalização das políticas nacionais e regionais do Brasil na área de defesa ao incorporar a cooperação regional como uma parte relevante da estratégia nacional brasileira de desenvolvimento. Contudo, tal incorporação objetiva sustentar e expandir os interesses dos agentes econômicos nacionais rumo ao restante da América do Sul, sem levar em conta os impactos que esse movimento possa ter na construção de um espaço regional com instituições mais estáveis e menos dependentes das oscilações domésticas do Brasil. Essa abordagem a respeito da concertação regional pode ser constatada, principalmente, a partir do segundo mandato de Lula da Silva, com o lançamento do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), em 2007, e a instauração da UNASUL, em 2008.
Grande parte das ações do Brasil na área de defesa teve sua concepção exposta no segundo mandato de Lula da Silva. Mas foi no primeiro governo de Dilma Rousseff (2011-2014) que tais ações foram sobretudo iniciadas. Adicionado a isso, Vaz e Cortinhas (2013) indicam que um dos aspectos centrais do governo Rousseff foi, em 2012, atualizar os documentos de defesa nacional,13 que não sofreram modificações substantivas, e publicar o primeiro Livro Branco de Defesa do Brasil, importante medida de transparência e fomento da confiança mútua no plano internacional.14 Assim, Rousseff não só deu continuidade às ações do governo anterior, mas, principalmente, tentou conferir uma maior prioridade aos investimentos em defesa ao incorporar o setor aos programas governamentais voltados às grandes obras e ao incentivo industrial; com isso, buscou fortalecer o vínculo entre defesa e desenvolvimento nacional.
Como será visto ao longo deste artigo, a indução do processo de cooperação via política nacional brasileira, introduzida pelo governo Lula da Silva, tem como marco importante o suporte dado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) às grandes corporações brasileiras, com destaque para as empreiteiras, com o objetivo de que essas empresas implementassem, tanto no âmbito nacional como no regional, os projetos de infraestrutura e defesa contidos no PAC e na Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana/ Conselho de Infraestrutura e Planejamento (IIRSA/COSIPLAN).
Na operacionalização em direção à revitalização da Base Industrial de Defesa (BID), a END projetou uma atuação similar para o Brasil na área de defesa ao identificar como uma das principais dificuldades da estrutura de defesa do país as “deficiências nos programas de financiamento para as empresas nacionais fornecedoras de produtos de defesa, prejudicando-as nos mercados interno e externo” (Estratégia Nacional de Defesa 2008, 43).
O governo brasileiro atuou concedendo incentivos, incluindo a área de defesa entre os planos das grandes obras nacionais e fornecendo financiamento, especialmente, via BNDES. As ações das corporações, por seu turno, estavam mais ligadas à execução dos projetos e à absorção da tecnologia transferida, merecendo atenção o movimento da Embraer e das grandes empreiteiras brasileiras.
Não obstante, ao contrário da Embraer -que criou a divisão Embraer Defesa e Segurança no início de 2011 e tem longa familiaridade na área-, as grandes empreiteiras não possuem um histórico no setor de defesa. Essas corporações, que são grandes conglomerados voltados para a infraestrutura e não se limitam ao setor de construção, têm criado nos últimos anos uma área específica para a Defesa e a Segurança, comprado empresas nacionais de defesa e buscado articulações com grupos internacionais. A Odebrecht, por exemplo, além de estar envolvida com o Programa de Desenvolvimento de Submarinos (PROSUB), em conjunto com empresas francesas, comprou a empresa de mísseis Mectron e constantemente sinaliza o interesse de comprar a Avibras. Conglomerados como Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa, Queiroz Galvão e OAS, igualmente, têm se voltado fortemente para o setor.
Pode-se dividir as iniciativas brasileiras no setor de defesa em duas frentes. De um lado, há medidas de apoio à indústria nacional de defesa. De outro, ocorre a tentativa de instauração de projetos de longo prazo.
Grande parte das medidas de apoio à BID foi incluída no Plano Brasil Maior15 e no PAC 2 (ambos lançados em 2011), bem como no Plano de Articulação e Equipamento de Defesa (PAED),16 a despeito de movimentos anteriores como a Política Nacional da Indústria de Defesa (PNID) de 2005, ainda sob o governo de Lula da Silva. O Brasil Maior é um conjunto de medidas governamentais voltado para incentivar a indústria, a inovação e o comércio exterior do país, sendo dividido em três eixos: estímulos à produção, ao investimento e à inovação; defesa da indústria e do mercado interno; estímulos às exportações e à defesa comercial.17
Oficialmente, o setor de defesa é incorporado a esse Plano em 29 de setembro de 2011 por meio da Medida Provisória (MP) 544.18 Em 21 de março de 2012, essa MP é convertida na Lei 12.598, que sanciona “normas especiais para as compras, as contratações e o desenvolvimento de produtos e de sistemas de defesa; dispõe sobre regras de incentivo à área estratégica de defesa”.19 Em 28 de março de 2013, o Decreto 7.97020 regulamenta a lei citada acima e abre caminho para que, em 28 de novembro de 2013, 26 corporações sejam certificadas pelo Ministério da Defesa como Empresas Estratégicas de Defesa (EED).21As empresas nacionais que forem enquadradas nessa categoria recebem vantagens competitivas pelo Regime Especial Tributário para a Indústria de Defesa (RETID) e do Termo de Licitação Especial (TLE), além de terem maior facilidade de acesso aos programas de financiamento.
Em 23 de dezembro de 2013, paralelamente à certificação das EED, o Plano de Apoio Conjunto Inova Aerodefesa22 teve seu resultado final divulgado. Esse plano objetiva apoiar o adensamento da pesquisa e da inovação nas empresas brasileiras das cadeias produtivas aeroespacial, de defesa e de segurança.
A inclusão no PAC 2 acabou por fornecer suporte aos projetos de longo prazo que se conectam à segunda frente de iniciativas na área de defesa.23 Entre eles, merecem destaque o Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras (SISFRON), o Programa de Aquisição de Blindados Guarani, o Programa Sistema Astros 2020, o Sistema de Gerenciamento da Amazônia Azul (SisGAAz), o PROSUB, o Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações Estratégicas (SGDC), o Projeto KC-390 e o Programa FX-2 de Modernização de Caças.
Como foi destacado, a END e o CDS se conectam à política exterior do país. Tanto o documento como o órgão regional de defesa se ligam à busca brasileira de um alargamento da articulação sul-americana e à incorporação da região na discussão interna em torno dos planos de desenvolvimento nacional do Brasil. A partir dessa incorporação, observar as ações brasileiras no setor de defesa, como foi feito anteriormente, nos fornece alguns indicativos sobre o direcionamento almejado pelo governo brasileiro para o diálogo sul-americano.
Tanto a base conceitual, expressa na END, como as ações brasileiras no setor de defesa, indicam a disposição do governo brasileiro de arcar com os custos da inserção regional de suas grandes corporações que nutrem uma visão da América do Sul como um espaço primeiro à expansão das empresas brasileiras.
Assim, mesmo levando para a agenda de uma instituição regional sua política nacional, o Brasil indica preferir que o financiamento e a articulação das indústrias de defesa da região ocorram sob o estreito controle do governo brasileiro. Como apontado acima, o apoio do BNDES a grandes corporações nacionais com interesses em expandir seus negócios no subcontinente, a inclusão do setor de defesa em planos nacionais brasileiros como Brasil Maior, o PAC 2, o Inova Aerodefesa, a certificação EED, entre outras iniciativas, são representativos do direcionamento pretendido por Brasília.
Tal postura apresentava certa sustentação durante o período em que o diálogo se circunscrevia à cooperação militar restrita entre as Forças Armadas dos países sul-americanos. Porém, com a ampliação desse diálogo que incorporou novos atores em torno de uma tentativa de revitalização mais ampla da indústria de defesa da região, fica difícil estimular, no âmbito regional, um setor estratégico se pautando fundamentalmente em financiamentos brasileiros para empresas brasileiras. Tal atitude tende a gerar desconfiança nos demais países sul-americanos e dificulta, assim, uma cooperação setorial mais consistente e profunda.24
3. Novas dimensões da cooperação regional: o setor de infraestrutura
Em relação à concertação em infraestrutura, é possível afirmar que sua compreensão permite avançarmos na interpretação de possíveis mudanças nas posições brasileiras. Nos últimos anos, o tema da infraestrutura passou a ser visto como central para a política brasileira de cooperação, na medida em que se considera que parte das dificuldades para o adensamento do diálogo regional se relaciona com a precária conexão física entre os países (Saraiva 2010). Tal ligação seria pré-requisito para uma maior circulação de pessoas e de mercadorias. Além disso, a crescente importância dos países localizados no oceano Pacífico justifica o destaque dado pelo Brasil a essa dimensão do entendimento regional.
A IIRSA, lançada no ano 2000, por ocasião da Cúpula de Brasília, no governo Cardoso, foi um referente importante nesse tema e se dava em um momento ainda marcadamente favorável à ideia de um aumento dos vínculos regionais orientada pelo mercado. Sua operacionalização foi estruturada sob a égide do BID, da Corporação Andina de Fomento (CAF) e do Fundo Financeiro para o Desenvolvimento da Bacia do Prata (Fonplata). Em junho de 2009, já em outro contexto político regional, a IIRSA se tornou órgão técnico do COSIPLAN da UNASUL, passando a receber diretrizes políticas dos países que compõe esse bloco. O papel do BID, da CAF e do Fonplata passaria a ser técnico e de financiamento aos projetos (Padula 2010). Segundo o estatuto de criação do COSIPLAN, buscou-se “fomentar la cooperación regional en planificación e infraestructura, mediante alianzas estratégicas entre los Estados Miembros de la UNASUR”.25
A criação do COSIPLAN, portanto, foi vista pelo governo brasileiro como uma forma de aumentar a influência estatal na condução do processo. No discurso, esse aspecto aparece quando se atribui um sentido estratégico ao entendimento em torno das questões de infraestrutura. A partir dessa justificativa, busca-se diminuir a influência de uma lógica mais centrada na livre iniciativa, entendida como uma forma de subordinar os objetivos nacionais às necessidades do mercado, que estaria mais preocupada em articular as economias nacionais aos fluxos comerciais globais, em detrimento da necessidade de aumentar a interdependência intra-regional. Nesse quadro, verifica-se que grande parte das decisões que irão impactar o setor de infraestrutura regional foi tomada no contexto do final do segundo governo Lula da Silva (2007-2010), com sua implementação efetiva concentrando-se no primeiro governo Dilma Rousseff (2011-2014).
As áreas privilegiadas continuaram as mesmas (transportes, energia e comunicações), mas com um enfoque distinto. Enquanto na IIRSA a lógica de mercado e dos corredores de exportação informavam de forma mais ampla aquela iniciativa, no COSIPLAN, mesmo não abandonando a lógica de mercado, o imperativo de fomento e incremento de trocas comerciais intrabloco e de uma nova musculatura de desenvolvimento econômico é o que se destaca.
Busca-se, portanto, ressaltar o sentido estratégico da interconexão física, ligado às demandas econômicas, sociais e culturais dos países, com destaque à necessidade de superação das assimetrias. Um exemplo desse tipo de esforço foi a decisão tomada no âmbito do COSIPLAN, em março de 2012,26 de criar uma rede de conectividade sul-americana, cujo objetivo é construir uma infraestrutura de comunicação na região composta de uma rede de fibras ópticas terrestres e submarinas com o intuito de melhorar a qualidade das comunicações, diminuir custos, garantir que uma parte maior de transferência de dados se dê na própria região e promover o intercâmbio de conteúdos gerados no subcontinente. Essa decisão foi consequência do processo iniciado pelos Ministros das Comunicações da UNASUL, em novembro de 2011, que discutiram o projeto de construção de um anel óptico sul-americano no qual, além do objetivo de diminuir custos e melhorar a qualidade do tráfego de dados na região, se articularia com os princípios da UNASUL de aumentar a autonomia da região em relação ao sistema internacional, já que uma das intenções seria fazer com que os dados trafegassem mais internamente à região, aumentando a segurança e diminuindo a dependência de conexões internacionais -tudo isso com a importante consequência de criação de centros de distribuição de conteúdos e fabricação de equipamentos na América do Sul-.27 Diante disso, é possível verificar o direcionamento para que as obras de infraestrutura não se limitem apenas aos seus objetivos econômicos imediatos, mas também contemplem questões como as relacionadas à soberania estatal, ao desenvolvimento social e à valorização da diversidade cultural da região.
A questão da energia vista no âmbito da interconexão de infraestrutura, apesar desta ter um tratamento diferenciado por parte da UNASUL, havendo inclusive um Conselho específico para o tema, apresenta-se como uma das questões centrais na concertação do subcontinente a partir de meados dos anos 2000, configurando-se como um dos temas considerados mais promissores, em virtude da disponibilidade energética regional e também por ter sido palco de um desentendimento importante entre o Brasil e a Bolívia em torno do gasoduto que liga os dois países, o que demonstra a sensibilidade do tema às mudanças nacionais e a necessidade de mecanismos de concertação política mais bem estabelecidos. No entanto, em termos práticos, a interconexão energética tem sido um dos temas de menor desenvolvimento na região, em contraste com as intenções iniciais dos governos e o potencial existente, o que evidencia a dificuldade para tratar assuntos relacionados à interconexão física, havendo inclusive o reconhecimento oficial dessa situação.28
Em geral, o setor de infraestrutura regional envolve uma diversidade de questões sensíveis, que exigem negociações complexas e grande comprometimento dos Estados para implementar as decisões tomadas, além de estrutura burocrática com capacidade técnica para manter e gerenciar os compromissos, garantindo o acesso a investimentos estatais e privados necessários. Pressupõe-se uma situação de estabilidade econômica e política dos Estados -desdobrada em segurança jurídica- compatível com a previsibilidade necessária para que os agentes econômicos possam investir e, no longo prazo, alcancem um retorno dos investimentos iniciais, que são muito altos. Ademais, é um setor em que o investidor precisa conciliar interesses nacionais, regionais e internacionais e ter uma boa interlocução entre a iniciativa pública e privada. O trecho a seguir, expresso em discurso da presidente Dilma Rousseff em Lima, em julho de 2011, demonstra uma parte dos assuntos que estão inter-relacionados: “[...] devemos estabelecer modalidades consistentes de financiamento às exportações, devemos desenvolver convênios de crédito recíprocos, aperfeiçoar meios para superar barreiras pontuais. Enfim, avançando na integração física, energética, logística e na cooperação na área de ciência e tecnologia”.29
Muitas vezes, dificuldades políticas, econômicas e operacionais predominam e acabam dificultando a cooperação, mesmo havendo forte potencial integrativo, como é o caso da interconexão energética sul-americana, que, além das dificuldades características do setor energético mundial, sofreu nos últimos anos mudanças importantes, tanto devido à produção do óleo e do gás de xisto quanto ao descobrimento do pré-sal.
Portanto, pode-se verificar que, no caso da energia, além das dificuldades do próprio tema que extrapola a vontade dos Estados, há também uma dificuldade de articulação governamental. Existem um potencial e uma expectativa alta sobre o setor, mas uma efetividade baixa que perpassa o tema desde o início do diálogo, não sendo uma exclusividade do período Dilma Rousseff.
O caso do projeto de construção da rede de conectividade sul-americana pode ser entendido como um dos exemplos que demonstra as fragilidades dos Estados sul-americanos e das instituições regionais para a coordenação dos esforços nacionais ante a dimensão da infraestrutura regional, uma vez que a análise do processo negociador e de viabilização do projeto demonstrou que boa parte dos esforços foi concentrada em mapear as ações já existentes em cada Estado, comprovando que o problema do desconhecimento sobre as realidades nacionais e a dificuldade em obter informações organizadas e confiáveis também são obstáculos a serem superados.
Para isso, podemos considerar que os principais avanços foram, além da incorporação da IIRSA ao COSIPLAN, a definição do Plano Estratégico 2012-2022 e o estabelecimento da Agenda de Projetos Prioritários de Integração (API). Não obstante, diante do problema de falta de informações disponíveis, destaca-se a criação de um mecanismo de controle e transparência denominado Sistema de Informação do COSIPLAN, que visa mapear e inventariar os projetos do COSIPLAN e da API.30 É um sistema informatizado que permite não só o acompanhamento técnico em tempo real do que está ocorrendo, mas também corresponde a um mecanismo de transparência para quem tiver interesse em saber o que está ocorrendo, contribuindo para orientar as expectativas dos agentes econômicos assim como fornecer instrumentos de acompanhamento e controle das decisões tomadas.
Posto isso, em relação ao que tem sido investido e ao prazo de execução, o sistema de acesso às informações -diante de um histórico de processos de cooperação na América do Sul muito falhos- pode ser considerado como uma importante novidade em termos de mecanismos de implementação e controle.
Contudo, apesar de ser um fator positivo para a interconexão de infraestrutura, esse sistema de informação também pode ser visto como um exemplo de dificuldade para o governo brasileiro na tentativa de mudar a orientação do processo negociador com a criação do COSIPLAN, pois, em grande parte, o desenvolvimento deste se deveu aos quadros técnicos e conhecimentos herdados da IIRSA, que tem seu dinamismo centrado no Comitê de Coordenação Técnica (CCT), composto pelo BID, CAF e Fonplata -instituições financeiras que, em grande medida, fortaleceram a lógica de mercado dos projetos desenvolvidos no âmbito da IIRSA-. A Secretaria do CCT está a cargo do Instituto para a Integração da América Latina e do Caribe (INTAL) desde o ano 2000, lembrando que este é um órgão criado pelo BID em 1965.
Assim, os poucos avanços que ocorrem na interconexão em infraestrutura demonstram a necessidade de se contar com estruturas burocráticas com conhecimento técnico especializado. Tal burocracia regional permite manter documentação, sistemas de verificação e controle, orientação técnica, gerenciamento, além de permitir o acúmulo de conhecimento sobre as questões relativas à interconexão de infraestrutura.
A partir de meados dos anos 1980, o regionalismo ganhou importância na política externa brasileira e se manteve enquanto elemento central para sua inserção internacional. As fragilidades institucionais da UNASUL não são de responsabilidade exclusiva do Brasil, mas sim de todos os membros do bloco. Todavia, pela importância política e econômica do país na região bem como por seu posicionamento levantado neste trabalho, merece destaque a crônica falta de disposição brasileira em apoiar o desenvolvimento de algum tipo de corpo burocrático, seja na UNASUL, seja ou mesmo no Mercosul. Tal opção acaba por diminuir a capacidade operacional das instituições criadas e, por outro lado, mantém a relação de forte dependência da vontade política e dos quadros burocráticos nacionais colocados à disposição pelos principais Estados envolvidos. A lógica intergovernamental presente nas iniciativas sul-americanas reforça essa dinâmica, mas não justifica a opção pela quase ausência de burocracias regionais. Como resultado geral, tem-se uma situação de constante vulnerabilidade das instituições regionais em relação às mudanças de governo e às instabilidades domésticas, o que evidencia a fragilidade institucional da UNASUL, que não se cinge ao setor de infraestrutura.
4. Novas dimensões da cooperação regional: o setor de financiamento
A questão do financiamento da cooperação regional, como veremos, está diretamente relacionada à questão da interconexão da infraestrutura e também à defesa. Na estrutura institucional da UNASUL, não há um órgão específico responsável pela questão, de modo que analisaremos a evolução em torno da formação do Banco do Sul e sua relação com a agenda da UNASUL, e, do mesmo modo, as ações do BNDES na região para viabilizar os projetos encaminhados. Relevante será verificar as distintas lógicas que orientam as discussões sobre a ação do Banco do Sul e do BNDES, e o comportamento da política externa brasileira.
No final dos anos 1990 e início dos 2000, a posição do Brasil era a de que o BNDES poderia cumprir o papel de financiador de projetos comuns na região, diminuindo pressões dos países do Mercosul e, ao mesmo tempo, detendo importante papel decisório (Mariano 2015b). Nesse momento inicial, apesar de configurar-se como uma novidade da ação brasileira na região, a concepção a respeito do financiamento respondia mais aos efeitos da crise do Mercosul, agravada com a desvalorização do Real em 1999 e com a difícil situação econômica e social da Argentina na virada do século. Assim, o objetivo imediato era criar condições para manter uma coesão mínima no bloco e procurar alternativas de cooperação além do Cone Sul.
Já a partir de 2003, em virtude da nova conjuntura nacional, com a posse de Lula da Silva, e regional, com a emergência de novas lideranças e as mudanças políticas ocorridas em vários países da região -no que muitos adjetivaram como “onda rosa”-, iniciou-se um processo de reformulação da estratégia de inserção internacional brasileira e, consequentemente, redefiniu-se o papel da concertação regional sul-americana na política externa do Brasil (Vigevani e Cepaluni 2011).
Nesse contexto, o BNDES ganhou novas funcionalidades e, com isso, expandiu sua capacidade de financiamento para além das fronteiras nacionais, sofrendo alterações internas para dar conta de suportar atividades de empresas brasileiras no exterior e, principalmente, fornecer recursos direcionados para os projetos de interconexão de infraestrutura no continente sul-americano. Dessa forma, a política externa brasileira passa a contar com mais um instrumento de influência na arena internacional e, em especial, na região (Moniz Bandeira 2006; Lima e Hirst 2006; Saraiva 2010).
Em menor escala, a ação brasileira de financiamento na região também conta com o Programa de Financiamento às Exportações (PROEX)31 e o Programa de Substituição Competitiva de Importações (PSCI),32 sendo que este último é resultado de uma iniciativa direta do Ministério das Relações Exteriores e articula-se com outros órgãos nacionais, como a Secretaria de Comércio Exterior (SECEX-MDIC), o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), a Receita Federal, entre outros.
Já em relação aos mecanismos regionais de financiamento, vale destacar a iniciativa do Banco do Sul, resultante da articulação entre Argentina, Bolívia, Brasil, Equador, Paraguai, Uruguai e Venezuela, que assinaram em setembro de 2009 o seu Convênio Constitutivo. O intento geral desse Banco é ser um instrumento de fomento do desenvolvimento da região e apoiar os projetos de infraestrutura e a interconexão das cadeias produtivas. Ao lado disso, também prevê a possibilidade futura de um sistema monetário sul-americano, além da criação de fundos para o desenvolvimento social e de emergência em caso de calamidades naturais.
Em princípio, a ideia de uma instituição de financiamento comunitária seria uma grande inovação em relação ao histórico da participação brasileira nos processos de cooperação regional. No entanto, é possível verificar diversas dificuldades em relação ao encaminhamento da questão. Diferentes opiniões sobre o papel e o alcance dessa proposta e os obstáculos para sua implementação podem ser verificados pela grande morosidade do processo de negociação, que se iniciou em 2007 e se prolonga até os dias atuais (Carvalho et al. 2009; Cia 2012; Gomes 2012). Somente em 12 de junho de 2013, ocorreu a 1ª Reunião do Conselho de Ministros do Banco do Sul. Nela, foram iniciadas as discussões de aspectos operacionais essenciais, tais como: regulamentos, cronograma de aportes de capitais, a composição organizacional da instituição, definição dos objetivos estratégicos iniciais, entre outros pontos.33
O Banco do Sul, diferentemente de outras iniciativas na região dos últimos dez anos, originalmente não teve o impulso inicial por parte do Brasil, sendo uma proposta conjunta da Venezuela em concordância com a Argentina. Diante disso, o Brasil, que já atuava na região a partir da utilização de estruturas nacionais de financiamento, aliado aos interesses econômicos governamentais e das empresas brasileiras na região, não poderia deixar de participar dessas negociações, que, em tese, poderiam assumir características comunitárias. Assim, segundo Calixtre e Barros:
[...] observa-se o dilema brasileiro entre, de um lado, avançar unilateralmente nos investimentos -tendo o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) como principal instrumento financiador dos megaprojetos regionais de empresas brasileiras- e, de outro, optar multilateralmente pela constituição definitiva de um banco regional de desenvolvimento econômico e social, o Banco do Sul. (2010, 19)
A Venezuela apresentou-se ao longo do tempo como o país mais ambicioso enquanto à ideia e ao alcance de um banco regional, e o Brasil, mesmo do ponto de vista oficial não sendo desfavorável à criação da instituição, demonstrou maior cuidado nas negociações, e foi um elemento importante para entender os interesses envolvidos na concertação sul-americana. Esse país, não tendo como obstaculizar a proposta, visto que não conseguiu alterar a correlação de forças favoráveis ao Banco, resolveu aderir, mas adicionando importantes elementos de salvaguardas jurídicas que deveriam acompanhar a instituição do empreendimento, demandadas pelas posições sobretudo do Ministério da Fazenda e do Banco Central do Brasil. Um dado relevante que demonstra a posição de cautela ou protelatória adotada pelo Brasil foi o fato de o pedido do Executivo para ratificação da proposta pelo Congresso ter sido enviado somente em fevereiro de 2012, ou seja, mais de dois anos após a assinatura do Convênio Constitutivo.
A estratégia de postergar a ratificação do Banco do Sul pode ser vista como relacionada à percepção difusa de que o debilitamento da situação econômica da Venezuela era uma questão de tempo e que, com isso, a iniciativa perderia um de seus principais fiadores. Nessa mesma perspectiva, as dúvidas em torno do acordo, firmado em 2005, entre Brasil e Venezuela para a construção da Refinaria Abreu e Lima em Pernambuco, relacionam-se com as dificuldades da situação econômica da Venezuela. Em 2013, uma vez que a PDVSA não apresentou os investimentos e as garantias necessárias a esse tipo de empreendimento, o Brasil, por meio da Petrobras, passou a ser o único responsável pela obra,34 o que pode trazer consequências negativas para o aprofundamento das relações no setor de energia entre esses dois países.
Ainda existe uma série de interrogações em relação ao Banco do Sul. De todo modo, uma das possíveis motivações da mudança (relativa) na posição do Brasil a respeito do Banco do Sul está relacionada à impossibilidade de utilizar recursos do BNDES para financiar investimentos de empresas estrangeiras fora do Brasil. Trata-se de mudança que sinaliza posições cooperativas em um tema em que a questão do aprofundamento do diálogo não se apresenta e que pode ter como consequência o fortalecimento da autonomia
Como já argumentado em relação aos setores de defesa e infraestrutura, fica visível que a questão do financiamento adquire um caráter central que não se limita aos setores apresentados neste trabalho. Contudo, financiamentos em processos liderados pelo Brasil apresentam-se como uma questão sensível para o País. A utilização do BNDES como instrumento de suporte à política externa brasileira é um aspecto que demonstra a importância que essa questão tem assumido
No governo Lula da Silva, foram realizados os ajustes necessários nesse órgão para viabilizar o financiamento de empresas brasileiras não apenas na América do Sul, como também em outras partes do mundo. Assim, o BNDES passa a ser um instrumento importante de promoção tanto de internacionalização das empresas nacionais quanto de ampliação dos interesses nacionais em várias frentes.
A circunscrição do apoio do BNDES a empresas de origem brasileira gera uma dificuldade de relacionamento entre os Estados da região, haja vista indicar aos demais membros da UNASUL que o financiamento privilegiará os interesses dos agentes econômicos do Brasil, podendo ser um dos fatores de aumento da desconfiança das intenções brasileiras em relação aos projetos de aprofundamento do diálogo regional. Aqui temos uma questão problemática, pois, para que exista um aumento dos vínculos entre os Estados, é fundamental o estabelecimento de uma relação de confiança.
Assim, no governo Dilma, esse papel do BNDES se mantém, principalmente até 2012, mas já ficava evidente nas declarações dos formuladores brasileiros a vontade de priorizar um avanço nas questões relativas ao BRICS (bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) em vez de, por exemplo, fortalecer o Banco do Sul. As tratativas em torno do BRICS, nomeadamente, da formação de um banco voltado para suporte a investimentos em infraestrutura, acaba sendo o eixo mais dinâmico da política externa de Rousseff. Muitas vezes no discurso oficial brasileiro, é ressaltado o papel adicional do FOCEM, que parcialmente também é utilizado para financiar projetos de infraestrutura nos países de menor economia no Mercosul e que, de alguma forma, também se une aos esforços de interconexão em infraestrutura da América do Sul. Todavia, a limitação orçamentária é visível, e o tempo de aprovação e execução desses projetos também demanda uma ação de longo prazo.
A sensibilidade do tratamento da questão do financiamento também se dá em função da dependência da visão dominante dos governos que conduzem o processo, o que evidencia o posicionamento brasileiro em relação aos processos de cooperação, mas também demonstra os limites operacionais que a UNASUL precisa lidar e os enormes desafios para executar projetos que são ambiciosos, complexos, demandantes de grande quantidade de recursos e que, em geral, necessitam de um longo tempo para sua conclusão.
Considerações Finais
A formação do CDS, a incorporação da IIRSA pelo COSIPLAN e o apoio, mesmo que reticente, à formação do Banco do Sul representaram novidades importantes na forma como o Brasil atua em temas que exigem coordenação regional. Porém, passada a fase inicial de articulação e formulação das iniciativas que seriam efetuadas em cada setor, é necessário começar a fase de implementação das prioridades estabelecidas e, a partir desse momento, observamos inúmeros impasses e contradições nas ações da UNASUL.
Se, por um lado, a fase da formulação ocorreu de forma relativamente rápida e, em grande parte, ainda no governo Lula da Silva, por outro, a fase de implementação se dá, principalmente, no governo Rousseff -ainda que de maneira tímida- e em um contexto em que o Brasil passa a privilegiar uma inserção internacional de mais protagonismo por meio da concertação em torno do BRICS. Em 2014, o apoio presidencial para a formação do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD) -oficialmente criado em Fortaleza durante a Sexta Cúpula do BRICS- e do Arranjo Contingente de Reservas (ACR) no âmbito desse grupo político de cooperação aponta para esse direcionamento brasileiro.
Acrescido a essa nova prioridade, a gradativa instabilidade política e econômica que ganhou espaço a partir de 2013 é um elemento fundamental para que os esforços de cooperação, relacionados às três dimensões tratadas ao longo deste trabalho, tenham crescente dificuldade para compatibilizar o fortalecimento simultâneo da autonomia nacional e do aprofundamento dos entendimentos regionais.
É possível observar que as novidades no setor de defesa foram decididas no período Lula da Silva, no qual se buscou estabelecer uma nova dinâmica de interlocução política dentro de um arcabouço institucional que não havia anteriormente nos fenômenos de regionalismo. Desse modo, nesse período, ocorreu um predomínio da atividade decisória no campo da defesa centrada na formulação e articulação, mas boa parte da implementação ocorre durante o primeiro governo Rousseff. Isso é visto, por exemplo, nos Planos de Ação e com a criação do CEED, decidido em 2009, mas tendo início somente a partir de 2011. Em verdade, são atividades que requerem muita articulação e, por ser um setor sensível, acabam demandando mais tempo para sua efetivação.
Em artigo que antecedeu a criação do CDS, Hirst (2008), fazendo uma análise sobre o cenário de segurança internacional na região, considerou que o fim da Guerra Fria propiciou maior liberdade para que as regiões pudessem ampliar a responsabilidade sobre suas respectivas agendas de segurança. Até então, na perspectiva da autora, a América do Sul teria feito uso modesto dessa oportunidade. Pela análise realizada do Conselho de Defesa da UNASUL, é possível dizer que essa situação mudou?
Seguramente é cedo para um diagnóstico definitivo. Ainda assim, a concretização do CDS, na medida em que estimula a possibilidade de respostas institucionais sul-americanas para lidar com as complexas questões de defesa que a região enfrenta, em uma perspectiva coordenada, representa uma importante novidade. Isso é representado na articulação de posições para o combate às diferentes formas de ameaças locais e globais, na necessidade de defesa territorial, na proteção de recursos energéticos ou naturais, no desenvolvimento de formas próprias para lidar com tensões bilaterais e na maior coordenação de respostas às pressões estratégicas (notadamente dos Estados Unidos). Junte-se a isso a questão da definição de Planos de Ação comuns na temática de segurança e defesa, o estabelecimento de medidas de confiança mútua, a criação do CEED, a instituição da ESUDE, a construção de uma metodologia comum de medição dos gastos em defesa, entre outros pontos. Tudo somado, caminha-se no sentido da passagem de um arranjo regional baseado na segurança coletiva para outro, alicerçado na segurança cooperativa, mas de desdobramentos ainda incertos.
Do mesmo modo, é relevante apontar o crescente envolvimento dos mais variados atores domésticos com as iniciativas brasileiras na área de defesa. Nessa direção, é significativo observar o peso que as grandes construtoras brasileiras, como a Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa, OAS, Odebrecht e Queiroz Galvão, adquirem na região. Essas empresas rapidamente expandem seu campo de atuação, circunscrito inicialmente à infraestrutura, passando a abranger também a área de defesa. Em torno de seus empreendimentos, orbitam uma diversidade de outros atores domésticos e internacionais que acabam criando expectativas sobre o desenrolar das iniciativas de infraestrutura e de defesa. Todo o movimento interno no Brasil na área de defesa parece ter por objetivo capacitar a indústria para exportar materiais bélicos. Os projetos nacionais do Brasil não contemplam o fortalecimento e a inclusão das poucas indústrias de defesa dos demais países sul-americanos, estando ausente a tentativa de explorar as possíveis complementaridades e sinergias. As parcerias com países da América do Sul para o desenvolvimento, por exemplo, do Embraer KC-390, para a modernização da aeronave EMB-312 Tucano, e mesmo as iniciativas, no âmbito do CDS, de se construir um VANT e um Sistema de Monitoramento e Controle da América do Sul estão claramente voltadas para garantir um mercado às corporações brasileiras.
Já a interconexão da infraestrutura pode ser considerada não só uma novidade, mas também o início de um processo há muito esperado e comumente diagnosticado como um dos principais problemas para a efetivação de qualquer acordo regional sul-americano, dada a necessidade de superação da enorme deficiência em termos de conexões físicas entre os países. Medidas importantes nesse sentido, ainda que insuficientes, se intensificaram nos últimos anos e acabam por fazer emergir as contradições existentes no processo cooperativo. Isso ocorre porque a interconexão física exige ativa participação do setor privado, mas, sobretudo, da presença do Estado no encaminhamento dos projetos envolvidos, pois estes mobilizam grande quantidade de recursos que se viabilizam na medida em que há segurança política, econômica e jurídica para que os investimentos se realizem ao longo do tempo. Dessa forma, em tese, os Estados e a própria arquitetura institucional da concertação regional deveriam cumprir a função de manter as expectativas dos agentes econômicos orientadas no sentido de fortalecer e ampliar os investimentos necessários.
Como foi visto, uma das principais conclusões deste texto se refere a que as dimensões do diálogo regional tratadas acima são recentes e apresentam grande complexidade e sensibilidade, o que demanda disposição política para que as divergências entre os membros da UNASUL não inviabilizem os entendimentos, evitando a criação de impasses que dificultem a formação de uma visão de longo prazo necessária para que projetos dessa magnitude possam ser implementados a contento.
As dimensões trabalhadas ao longo deste artigo colocam em xeque o posicionamento do Brasil ante a região e retomam a questão sobre o papel da América do Sul na política externa brasileira. O discurso político do governo Lula da Silva apontou para uma crescente importância da América do Sul e, de certa forma, o sentido geral foi mantido no governo Dilma Rousseff, reservando à região um papel relevante na estratégia de inserção internacional brasileira. Entretanto, torna-se cada vez mais importante refletir sobre que medidas são tomadas e quais são postergadas diante de um quadro internacional, regional e nacional incertos.
Nesse quadro, como visto, o governo Rousseff não conseguiu que o Congresso Nacional completasse a tramitação do Convênio Constitutivo do Banco do Sul e deu maior ênfase às tratativas em torno do BRICS e a acordos bilaterais em detrimento de uma ação mais efetiva em relação aos projetos do subcontinente. Diante disso, fica clara a fragilidade da arquitetura institucional escolhida. A opção por não desenvolver uma burocracia regional própria, com capacidade técnica para garantir a memória institucional e encaminhar as decisões tomadas torna a UNASUL vulnerável às mudanças governamentais e aos períodos de forte instabilidade doméstica dos países participantes.
Por fim, cabe destacar que não é possível atribuir somente ao governo Rousseff os atrasos e a falta de disposição por parte do Brasil, pois esta é uma constante do padrão de comportamento brasileiro em relação às instituições regionais da América do Sul. A suspensão da VIII Cúpula de Presidentes da UNASUL, que ocorreria em agosto de 2014, e a fala seguinte do presidente equatoriano Rafael Correa por ocasião da inauguração da sede da UNASUL em Quito, em dezembro de 2014, indicam que os próprios membros da instituição reconhecem suas fragilidades: “assim não podemos avançar, temos que rever a institucionalidade para sermos mais eficientes”.35