Introdução
O ambiente em que os sistemas de controle operam mudou ao longo do tempo (Kaplan e Norton, 1996). As mudanças no cenário configuram-se como um dos motivos pelos quais as organizações precisam adotar estratégias e controles que levem em consideração fatores do ambiente (Heinicke et al., 2016). De acordo com Goebel e Weifienberger (2017), os controles são essenciais para as organizações e podem ser utilizados de maneira formal e informal. Eles se materializam por meio de instrumentos como orçamento, políticas, regulamentos corporativos, seleção e treinamento de funcionários, entre outros. Para Widener (2007) e Malmi e Brown (2008), pesquisas anteriores abordaram os controles de maneira isolada e com foco nos controles baseados na contabilidade. Chenhall (2003) aponta que os controles são classificados como formais quando baseados em processo de avaliação mecanicista. Abernethy e Chua (1996) afirmam que, nas organizações, esses controles são visualizados por meio do orçamento, do sistema de remuneração e recompensa, das regras devidamente detalhadas e dos procedimentos operacionais. Esses instrumentos, por sua vez, permitem que a organização alcance seus objetivos primários, voltados ao alcance da viabilidade do negócio (Chenhall et al., 2010). Para Chanhall (2003), além dos controles formais, há também os informais, que são classificados como orgânicos e considerados necessários para as organizações, dado que influenciam o comportamento dos indivíduos. Esses controles, segundo Eisenhardt (1985), são essenciais à organização, pois minimizam as preferências individuais divergentes. A importância dos controles é reconhecida por considerar que sua existência agrega conhecimento, utilidade e valor à pesquisa em contabilidade ge-rencial (Kaplan e Johnson, 1987; Otley, 2001). Heinicke et al. (2016) investigaram a relação entre a extensão de uma cultura flexível e a ênfase colocada nos controles, segundo a tipologia de Simons (1995). Nesse estudo, observaram que as crenças são mecanismos importantes em organizações que enfatizam a existência de uma cultura flexível. Heinicke et al. (2016) desenvolveram sua pesquisa com empresas de pequeno e médio porte, dado que apresentaram controles culturais específicos e muitas vezes atrelados à cultura familiar. Ao adotarem um sistema de controle, as empresas familiares têm seu desempenho positivamente impactado e tendem a aumentar seu índice de sobrevivência (Dyer, 1989; Duréndez et al., 2011). O aumento de desempenho ocorre muitas vezes quando os gestores se identificam com as organizações, e o desempenho de suas funções a partir da perspectiva de que, quanto maior os laços criados pelos funcionários, maiores serão os níveis de satisfação, o que reflete nos desempenhos pessoal e organizacional (Gok et al., 2015). Considera-se que a identificação organizacional está relacionada ao melhor desempenho e que, à medida que os indivíduos se sentem identificados com a organização, seu desempenho melhora, tendo em vista que eles criam um sentimento de pertencimento (Bhattacharya et al., 1995; Mael e Ashforth, 1995; Van Knippenberg, 2000; Kreiner e Ashforth, 2004). As pesquisas no âmbito organizacional atreladas à identificação apresentaram importantes contribuições (Kreiner e Ashforth, 2004), entretanto pouco se sabe sobre sua abrangência no contexto familiar, por isso, nesta pesquisa, busca-se explorar a identificação organizacional dos gestores de empresas familiares e sua interface com os controles gerenciais. Songini et al. (2018) apontam que os controles gerenciais são importantes para qualquer organização e que, no contexto de empresas familiares, raramente a literatura investigou as características dos controles gerenciais. Na mesma linha, Prencipe et al. (2014) sugerem que pesquisas futuras tratem dos controles em empresas familiares e, de modo específico, dos controles ffor-mais e informais. Essa mesma demanda foi apresentada por Almeida et al. (2021), ao explorarem os controles informais em uma empresa familiar brasileira. A partir dessa lacuna, tem-se a seguinte questão de pesquisa: qual a relação entre controles formais e informais, identificação organizacional e desempenho gerencial em empresas familiares brasileiras?
O objetivo do estudo é analisar a relação entre controles formais e informais, identificação organizacional e desempenho gerencial em empresas familiares brasileiras. A pesquisa se justifica dado que busca responder à lacuna apresentada por Songini et al. (2018) de investigar a percepção de gestores de empresas familiares sobre o uso dos controles e sua relação com o desempenho. De-preende-se que, ao mesmo tempo que esses controles impactam no desempenho dos gestores, também podem influenciar no desempenho da organização (Dyer, 1996; Duréndez et al., 2010). Estudar o comportamento dos gestores de empresas familiares configura-se como um fator importante, visto que esse tipo de empresa é o mais comum e recorrente no meio organizacional. Assim, entender como os controles são usados e desenhados de maneira específica torna-se relevante à literatura (Songini et al., 2018).
O estudo gera contribuições para a literatura ao mostrar que, em empresas familiares, alguns controles tendem a se destacar mais do que outros. Esse fato se deve ao modelo de organização, às crenças e às normas muitas vezes mais atuantes. Complementarmente, Prencipe et al. (2014) efe-tuaram revisão de estudos atrelados à temática de empresas familiares e apontaram que as pesquisas na área de contabilidade financeira totalizaram quase 60 %, no entanto, na área de contabilidade gerencial, foi de 22 % e os demais em outras áreas. Por meio desse posicionamento, é susceptível afirmar que a apresente pesquisa contribui para esse campo de pesquisa. Também permite verificar se as empresas familiares brasileiras adotam ou não os controles gerenciais a partir da percepção dos gestores na perspectiva de avançar em relação ao estudo de López e Hiebl (2015), que constataram que as empresas familiares tendem a adotar os controles em menor escala.
No âmbito prático, geram-se recomendações para a gestão de empresas familiares, tendo em vista que elas representam grande parte das organizações no mundo (Songini et al., 2018). Além disso, melhor compreensão e alinhamento dos objetivos na implementação dos controles pode gerar maior eficiência dos negócios. Ao propor que as empresas familiares se atentem aos controles de ação, resultado, pessoais e culturais, o presente estudo contribui para que os gestores dessas empresas considerem a importância dos controles e reflitam sobre sua capacidade de influenciar o ambiente de trabalho. Do ponto de vista social, a pesquisa busca coadjuvar a fim de que as empresas familiares alcancem melhores desempenhos e, por sua vez, possam gerar mais empregos, o que coopera de forma direta para melhorar a qualidade de vida em seu entorno. O método adotado na pesquisa foi a análise fato-rial e a regressão da mediana, razão pela qual é caracterizado como quantitativo. A presente pesquisa está estruturada por esta introdução, seguida do referencial teórico, da metodologia, das análises e da discussão dos resultados, e das conclusões.
Referencial teórico
Controles gerenciais e desempenho gerencial
Ao abordar o sistema de controle gerencial (SCG), geralmente parte-se do estudo seminal de Anthony (1965), que apresentou essa temática sob um olhar clássico e restrito numa perspectiva eco-nômica, ao definir o scc como o processo com o qual os gerentes se asseguram de que os recursos organizacionais sejam utilizados de maneira racional. Essa definição recebeu críticas, dado que os controles podem ser vistos de diferentes maneiras e não apenas em uma visão económica (Goebel e Weifienberger, 2017). Ouchi (1979) buscou ampliar essa abordagem ao elencar duas estratégias distintas de controle: de um lado, tem-se controles de produção e, de outro, controles comportamentais. Os controles podem ser desenhados de maneira mais formal, com regras devidamente detalhadas, procedimentos padronizados, orçamento, sistema de remuneração e recompensa para garantir a eficácia e eficiência económica (Abernethy e Chua, 1996; Chenhall, 2003; Chenhall et al., 2010). Por sua vez, a organização pode usar informalmente controles que influenciam o comportamento do indivíduo a fim de que promova neles a motivação intrínseca (Goebel e Weifienberger, 2017), o que terá reflexo no seu desempenho e satisfação. Os mecanismos de controle foram classificados de diferentes maneiras, como administrativos (Langfield-Smith, 1997; Malmi e Brown, 2008), burocráticos e de clã (Ouchi, 1979; Otley et al., 1995; Davila, 2005), cibernéticos (Langfield-Smith, 1997; Malmi e Brown, 2008; Chenhall e Moers, 2015), de ação, resultado, pessoais e culturais (Merchant, 1985; Abernethy e Brownell, 1997; Merchant e Van Der Stede, 2007), habilitante e coercitivo (Adler e Borys, 1996), diagnóstico, in-terativo, limites e crenças (Simons, 1995; Widener, 2007), entre outros. Nesta pesquisa, adota-se a tipologia de Merchant (1985), Abernethy e Brownell (1997) e Merchant e Van der Stede (2007), uma vez que será usada a classificação dos controles de ação, de resultado, pessoais e culturais. Estudos anteriores como de Shields et al., (2000) relacionaram o sistema de controle ao desempenho no trabalho. A partir de dois métodos (direto e indireto), os autores demonstraram que, quando há uma variável comportamental como o estresse, o sistema de controle apresentava maior influência no desempenho quando não incluída. Goebel e Weifienberger (2017) relacionaram os controles gerenciais ao desempenho, tendo adotado a tipologia de controles de ação, resultados, pessoais e culturais. Os resultados evidenciaram uma relação positiva e significativa, principalmente quando mediada pelo comprometimento e pela eficácia organizacional. Santos et al. (2018) relacionaram o scc com o desempenho individual. Embora trataram do uso do sistema (score keeping e uso abrangente) a partir da tipologia de Vandenbosch (1999), seus achados sustentam esta pesquisa, haja vista que, ao tratarem do desempenho em uma perspectiva multidimensional (tarefas, contextual e geral), salientaram a importância do scc para o alcance do desempenho. A partir disso, evidencia-se a primeira hipótese:
H1 - Existe relação positiva entre os controles formais (H1a) e informais (H1b) com o desempenho gerencial.
Identificação organizacional
Há uma crescente literatura que aborda a identificação organizacional, já que essa temática tem uma importante implicação para o cenário organizacional em geral (Kreiner e Ashforth, 2004). Ashforth e Mael (1989) entendem que a identificação é a percepção de um determinado indivíduo sobre seu pertencimento a certo grupo humano. Haslam (2001) atesta que é um estado que reflete a prontidão do indivíduo em se considerar membro de determinado grupo social. Conceitua-se que a identificação organizacional é uma forma específica de identificação social do funcionário com o grupo (Epitropaki e Martin, 2005) e que provoca percepções de valores compartilhados e lealdade com a organização (Cheney, 1982). Na mesma linha, Mael e Ashton (1995) apontam que o funcionário, ao se identificar com a organização, se sente como parte dela. Para Van Knippenberg e Sleebos (2006), a identificação organizacional reflete de certo modo no nível de sobreposição da identidade do indivíduo com o da organização. De acordo com Gok et al. (2015), ao se identificar com a organização, o funcionário desenvolve laços que resultam no aumento da sua satisfação. Na mesma linha, Van Knippenberg et al. (2007) salientam que os gerentes e supervisores têm um papel importante, dado que podem influenciar positivamente seus subordinados e aumentar sua identificação com a organização. Lange et al. (2015) apontam que os gerentes (CEO) se identificam com a organização quando seus objetivos estão interligados, e isso se traduz no estreitamento das metas organizacionais às pretensões pessoais. Wang et al. (2017) apontam que, à medida que valores, metas e normas da organização são incorporados pelo indivíduo, sua identificação com a organização aumenta.
Pesquisas anteriores testaram a identificação organizacional de diferentes maneiras. Cantisano e Domínguez (2007) investigaram a influência da identificação organizacional na satisfação dos funcionários. A amostra foi de 133 funcionários e os resultados apontaram que a identificação organizacional funciona como preditor da satisfação. Também testaram o estilo de liderança, mais propriamente com a liderança transformacional. A partir de uma amostra de 502 funcionários, observaram relação positiva e significativa com a identificação organizacional. Gok et al. (2015) investigaram a relação entre identificação organizacional e satisfação no trabalho, e os achados demonstraram relação positiva e significativa. Matherne et al. (2017) observaram a relação entre identificação organizacional e familiar, e comprometimento organizacional. A partir de uma amostra de 173 funcionários, os resultados indicam relação significativa e positiva. Outros estudos evidenciaram que a identificação organizacional está positivamente associada ao desempenho e ao comportamento de cidadania, e negativamente à rotatividade (Bhattacharya et al., 1995; Kreiner e Ashforth, 2004; Mael e Ashforth, 1995).
Diferentemente das pesquisas supracitadas, neste estudo, o foco será o desempenho, pois trata-se de uma variável de resultado. Carmo et al. (2010) destacam que, quanto mais o indivíduo se identifica com a organização, maior seu resultado no trabalho, ou seja, seu desempenho. Tem-se ainda que, quanto mais identificado com a organização, mais satisfeito estará o indivíduo e, consequentemente, maior será seu desempenho no trabalho (Cheney 1982; Carmeli et al, 2007). Dutton et al. (1994) defendem que, quanto maior for a identificação com a organização, maior será sua sinergia com ela e com seu senso de sobrevivência, razão pela qual direcionará seus esforços em favor dela. Carmeli et al. (2007) descrevem que o funcionário que se identifica fortemente com a organização desempenha melhor suas tarefas. A partir dessas evidências, considera-se que a identificação organizacional ajudará a explicar a relação entre controles formais e informais e desempenho gerencial. Diante disso, apresenta-se a segunda hipótese da pesquisa: H2 - A relação entre os controles formais e informais com o desempenho gerencial ocorre por meio da identificação organizacional.
Metodologia
População e amostra
A população da pesquisa abrange os gestores intermediários e do topo de empresas familiares brasileiras. Considera-se empresa familiar a que tem gestão familiar e é controlada pelo menos por duas gerações pela mesma família (Miller et al., 2007). O contato inicial com as empresas ocorreu por meio de uma empresa de consultoria, que viabilizou a distribuição dos questionários para empresas familiares distribuídas nos estados brasileiros. A survey foi operacionalizada durante o mês de fevereiro de 2019. Optou-se por empresas familiares dada a peculiaridade do tipo de organização, sua contribuição para a economia (Cromie et al., 1995; Chrisman et al., 2007) e a necessidade de mais pesquisas que abordem tais empresas.
A amostra final foi de 98 respostas válidas. Foram enviados 107 questionários e todos responderam; no entanto, nove respostas foram excluídas por não terem preenchido o questionário de maneira completa. O questionário foi enviado via e-mail, em formato Word e Excel, a fim de facilitar o preenchimento pelos gestores.
Mensuração das variáveis e procedimentos de análise
O instrumento era formado por nove questões referentes aos controles informais e outras nove tratavam dos controles formais. Para capturar a identificação organizacional, cinco questões foram utilizadas e, para o desempenho dos gestores, outras cinco. Os construtos controles formais e informais basearam--se nas adaptações de Van der Kolk et al. (2019). A variável identificação organizacional foi desenvolvida por Mael e Ashforth (1992); para o desempenho gerencial, foram consideradas as assertivas desenvolvidas por Van de Ven e Ferry (1980) e adaptadas por Spekle e Verbeeten (2014). A aferição das respostas com relação ao controle gerencial e à identificação organizacional foi ope-racionalizada com o uso de escala Likert de cinco pontos: 1 - discordo totalmente e 5 - concordo totalmente. Para o desempenho, foi questionado como o gestor avalia seu desempenho quanto a outros gestores na organização, a partir da escala Likert de cinco pontos: 1 - muito abaixo da média e 5 - muito acima da média. Para preservar o sigilo da informação pontual e dos respondentes, e por não comprometer os propósitos da pesquisa, as empresas e os respondentes não serão identificados neste estudo.
Quanto aos procedimentos de análise, foi utilizada a técnica de modelagem de equações estruturais.
Nessa técnica, os construtos são submetidos à avaliação de mensuração, com a aferição da con-fiabilidade e da validade (Hair Jr et al., 2019). Na segunda etapa, é avaliado o modelo estrutural e realizado o teste das hipóteses. Adicionalmente, inclui-se a análise de Fuzzy set Qualitative Comparative Analysis (FSQCA) para complementar os achados do PLS-SEM. Essa técnica tem sido adotada nas pesquisas em controle gestão (Lunkes et al., 2020; Kaya et al., 2020).
Análise dos resultados
Perfil dos respondentes
Os respondentes da pesquisa apresentam um perfil diversificado, dado que as empresas nas quais desempenham suas funções são familiares. Destarte, na Tabela 1, evidenciam-se os seguintes dados dos respondentes: gênero, formação, cargo, idade e experiência.
Fonte: dados da pesquisa (2020).
A partir da Tabela 1, observam-se os dados demográficos dos participantes da pesquisa, verifica-se que 31 % são do gênero feminino, enquanto 69 %, do gênero masculino. Com relação à faixa etária, 49 % têm idade superior a 40 anos, seguido de 28 % entre 31 e 40 anos. Essas evidências permitem inferir que a maioria das empresas familiares é conduzida por homens, os quais têm idade superior a 30 anos de idade. Esse fato é convergente com as afirmações de Shanker e Astrachan (1996), considerando que, nesse modelo de empresa, a gestão tende a se concentrar nos membros da família e que, pela sua identificação com a organização, acabam diminuindo o índice de rotatividade do pessoal.
No que tange ao grau de formação, 80 % dos respondentes têm ensino superior concluído, seguido de 14 % com superior incompleto. Esses dados demonstram que grande parte da amostra apresenta nível elevado de formação, o que contribui para melhorar a tomada de decisão, ao mesmo tempo que evidencia que as empresas familiares demonstram preocupação em ter no seu pessoal de alto escalão indivíduos com formação superior, com vistas a contribuir para o alcance dos objetivos organizacionais.
Complementarmente, investigou-se a experiência dos respondentes no cargo, já que pode sinalizar que as decisões, quando tomadas por gestores mais experientes, muitas vezes tendem a ser mais adequadas, tendo em vista a maior legitimidade que possuem nas suas decisões (Miller, 1993). Observou-se que 32 % estão de seis a dez anos no cargo, seguido de 27 % de gestores, com até cinco anos no cargo. Salienta-se que 24 % dos gestores estão há mais de 16 anos no cargo. Esses dados são confirmatórios sob o ponto de vista do modelo organizacional, visto que a tendência dos membros da família é dar continuidade ao negócio da família (Ballinger e Marcel, 2010).
No tocante ao cargo, observa-se que 38 % são controllers e 26 % gerentes, o que indica que os participantes da pesquisa têm poder de tomar decisões na empresa ou influenciá-las. Salienta-se que grande parte dos controllers é indivíduos que, além de terem grau sanguíneo de primeira geração, geralmente também são sócios.
Modelagem de equações estruturais
Modelo de mensuração
Essa etapa consiste na avaliação da confiabilidade e da validade dos construtos. Para tal, operaciona-lizou-se a técnica de algoritmo PLS, a qual seguiu 300 iterações, conforme recomendação de Hair Jr. et al. (2016). A Tabela 2 apresenta o modelo de mensuração dos construtos.
Fonte: elaboração própria.
Nota: confiabilidade composta (CC) > 0,70; variância média extraída (AVE) > 0,50; variance inflation factor (VIF) < 5,00. Na diagonal, a matriz Fornell e Larcker.
Observa-se que os construtos se apresentam válidos com relação à validade convergente, uma vez que a AVE de todos os construtos foram superiores a 0,50, com exceção do desempenho gerencial. Quanto à validade discriminante, o critério Fornell e Larcker também foi confirmado, o que indica que os construtos são distintos entre si. No que tange à confiabilidade, a cc de todos os construtos foi superior a 0,70. Destaca-se que, embora a AVE e a cc do desempenho gerencial tenham sido de 0,40 e 0,66, respectivamente, manteve-se no modelo devido a sua importância e a ter atendido à validade discriminante, como recomendado por Hair et al. (2016). De modo geral, confirma-se o atendimento do critério de mensuração. Efetua-ram-se também testespost hoc e os viés do método comum e da não resposta não constituem uma preocupação para o modelo. Quanto à colineari-dade do VIF, foi inferior a 0,50, o que demonstra ausência da multicolinearidade.
Modelo estrutural
Para avaliar as hipóteses, torna-se necessária a execução do modelo estrutural. Assim, a técnica boos-trapping foi inicializada com 5000 subamostras, conforme recomendado por Hair Jr. et al. (2017). Na Tabela 3, é apresentado o modelo estrutural.
Variáveis independentes | Desempenho gerencial |
---|---|
β(T-value) | |
Controles informais | 0,454 (2,959***) |
Controles formais | 0,131 (0,988) |
Identificação organizacional | 0,203 (1,205) |
Controles informais -Identificação organizacional | -0,026 (0,288) |
Controles formais -Identificação organizacional | 0,019 (0,294) |
Fonte: dados da pesquisa (2020).
Notas: *significância ao nível de 10 %; ** significância ao nível de 5 % e ***significância ao nível de 1 %; R2= 27,7 %.
A primeira hipótese sugeriu que existisse uma relação positiva entre os controles formais (Hia) e informais (Hib) com o desempenho gerencial. Os resultados confirmam que os controles informais, consubstanciados nos controles culturais e de pessoal, levam ao maior desempenho gerencial em empresas familiares (β = 0,454; p < 0,01). Entretanto, não confirmaram o efeito significativo dos controles formais.
Na segunda hipótese, avaliou-se o papel mediador da identificação organizacional na relação entre controles formais e informais e o desempenho gerencial. Os achados demonstraram que a identificação organizacional não reforçou o efeito dos controles formais e informais no desempenho gerencial, o que demonstra que o nível de identificação dos gestores das empresas familiares investigadas é baixo.
Fussy set Qualitative Comparative Analysis
Adicionalmente, explorou-se a técnica FSQCA para complementar os achados. Para a execução dessa técnica, faz-se necessário seguir os procedimentos de calibração, análise das condições necessárias e análise das condições suficientes.
Calibração e análise das condições necessárias
O processo de calibração permite reescalonar os construtos originalmente capturados, em escala Likert de cinco pontos, para o conjunto difuso (de 0 a 1). Para tanto, seguiu-se o método indireto de calibração e estabeleceu-se como pontos mínimos 2, ponto médio 3 e ponto máximo 4, conforme recomendado por Ragin (2009). Ademais, essas ancoras limites de calibração seguiram o estudo de Muñoz e Kibler (2016). Após a calibração, effetuou-se a análise das condições necessárias para se identificar as necessidades (quase sempre ou sempre) da presença dos antecedentes nas soluções. Apresentam-se, na Tabela 4, as condições necessárias.
Condições | Consistência | Cobertura |
---|---|---|
Controle cultural | 0,755201 | 0.850239 |
-Controle cultural | 0,388075 | 0.708857 |
Controle de pessoal | 0,808526 | 0.829301 |
-Controle de pessoal | 0,354673 | 0.769793 |
Controle de ação | 0,753296 | 0,815543 |
-Controle de ação | 0,368737 | 0,720172 |
Controle de resultado | 0,773366 | 0,805585 |
-Controle de resultado | 0,373572 | 0,785340 |
Identificação organizacional | 0,771169 | 0,812220 |
-Identificação organizacional | 0,366100 | 0,752938 |
Fonte: elaboração própria.
A Tabela 4 revela que o construto controle de pessoal é quase sempre necessário, enquanto o controle cultural, de ação e de resultado apresentaram consistências inferiores a 0,80, o que aponta a necessidade de prosseguir na análise e executar a truth table (tabela verdade).
Análise das condições suficientes
Para a execução das condições suficientes, operacionaliza-se a truth table, com a qual é possível verificar as configurações de solução que levam ao alto desempenho gerencial. Apresentam-se, na Tabela 5, os antecedentes que formam as configurações que preveem alto desempenho gerencial.
Nota: Círculos pretos (•) indicam presença da condição, círculos com x indicam (⊗) ausência e espaços em branco indicam "indiferença". Círculos maiores indicam soluções centrais, e círculos menores, soluções periféricas.
Fonte: elaboração própria baseada em Ragin (2009).
A primeira solução compartilhada por 17 % indicou a seguinte configuração ~Controle de pessoal x Controle de resultado x ~Identificação organizacional. Já a segunda solução formada por Controle cultural x Controle de pessoal x Controle de resultado foi compartilhada por 55,6 % dos gestores. A terceira solução compartilhou a percepção de 56,6 % dos gestores e teve como configuração Controle de pessoal x Controle de ação x Controle de resultado. Enquanto a quarta solução apresentou ~Controle cultural x ~Controle de pessoal x Controle de ação x ~Controle de resultado e foi compartilhada por 13,5 % dos gestores. A quinta solução sugeriu a solução Controle cultural x Controle de pessoal x ~Controle de ação x ~Identificação organizacional e foi compartilhada por 15,9 % dos gestores, e a sexta solução foi compartilhada por 46,9 % dos gestores e teve a solução Controle cultural x Controle de pessoal x Controle de ação x Identificação organizacional. A sétima solução demonstrou a configuração de -Controle cultural x Controle de pessoal x ~Controle de ação x ~Controle de resultado x Identificação organizacional, que foi compartilhada por 12,8 % dos gestores.
De modo geral, essas soluções foram consistentes porque apresentaram consistência superior a 0,80 e são igualmente efetivas por meio do princípio da "equifinidade" (Fiss, 2011).
Discussão dos resultados
A partir dos achados quanto aos controles formais, formados pelos controles de ação e de resultado, percebeu-se que os gestores em empresas familiares geralmente são pouco favoráveis a formas de controle mais rígidas, levando-os muitas vezes a comportamentos disfuncionais. Infere-se que, em organizações de pequeno porte, a existência de controles de ação leva os gestores a alcançarem menor desempenho. Aduz-se que, à medida que os gestores percebem que as regras e os procedimentos são rígidos, que as atividades dos funcionários monitoram o desempenho, menor são os esforços para melhorar o desempenho nas tarefas. De acordo com Chenhall et al. (2010), esses instrumentos são desenhados para garantir que o processo de trabalho seja eficiente e eficaz, e, por conseguinte, que seja mantida a viabilidade financeira da organização.
Com relação aos controles de resultado, infere-se que as empresas de pequeno porte tendem a apresentar fracos controles de resultado, isso ocorre porque muitas vezes não se tem um sistema de remuneração e recompensa, e as metas de desempenho são atribuídas de maneira diferente ou desproporcional entre os funcionários. Por conta da baixa adoção dos controles de resultado em empresas familiares, não foi possível constatar sua influência no desempenho dos gerentes. A falta de um sistema de incentivos que motiva o indivíduo no ambiente de trabalho pode mitigar a motivação, fato que influencia na diminuição do desempenho dos gestores e consequentemente da organização. Goebel e Weifienberger (2017) ressaltam que os controles formais estão associados às recompensas extrínsecas em função do desempenho alcançado pelo indivíduo. Logo, a ausência de controles que estimulem a busca por melhor desempenho pode estar na base dessas constatações. No que concerne aos controles informais, é possível confirmar sua influência no desempenho ge-rencial. Os controles pessoais estão relacionados às oportunidades de formação e capacitação dos funcionários na organização. Além disso, as organizações de pequeno porte dedicam esforços investindo na qualificação de seu pessoal, o que permite seu maior engajamento nas tarefas. O controle de pessoal se mostrou uma solução central na FSQCA, o que indica que sua presença nas configurações é essencial. Assim, empresas familiares precisam dedicar atenção para essa variável, uma vez que pode determinar o alto desempenho dos gestores. Quanto aos controles culturais, percebe-se que sua presença contribui para o aumento do desempenho dos gerentes. Isso ocorre porque as empresas familiares apresentam uma cultura bem-disseminada, sendo uma extensão dos valores familiares (Almeida et al., 2021). Logo, à medida que o gestor percebe que os valores da família estão sendo considerados nas decisões da empresa, sente-se mais confortável, representado e motivado, o que consequentemente melhora seu desempenho. A partir dos achados, pode-se observar que a identificação organizacional adotada como variável mediadora não interferiu na relação entre os controles gerenciais e o desempenho gerencial. Esse resultado sinaliza que os gestores, enquanto membros da família, tendem a não demonstrar altos nível de identificação com a organização, principalmente quando relacionado com mecanismos de controle, usados para orientar as tarefas. Conjectura-se que a falta de congruência entre os objetivos, fruto da cultura construída de resistência à mudança, possa estar no centro da baixa identificação dos gestores com a organização.
Conclusões
A pesquisa consistiu em analisar a relação entre controles formais e informais, identificação organizacional e desempenho gerencial em empresas familiares brasileiras. Para tanto, a amostra envolveu 98 gestores de empresas familiares sediadas no Brasil. Os resultados informam que os controles informais influenciam positivamente no desempenho gerencial. Entretanto, os controles formais não influenciam no desempenho gerencial; logo, infere-se que, por esses controles estarem mais focados nas metas de desempenho, as empresas familiares tendem a negligenciá-los. Já os controles informais se consubstanciam nas normas e nos valores da empresa familiar, que são uma extensão da cultura da própria família, por isso motivam os gestores a desempenharem suas funções com zelo e determinação.
Quanto à identificação organizacional, observou-se que ela por si só não exerceu influência sobre o desempenho gerencial. Esse achado pode sinalizar que muitas vezes os gestores, embora pertencentes à família controladora da empresa, não se identificam com a organização por possuírem objetivos destoantes dos da empresa familiar. Esta pesquisa gera implicações teóricas ao apontar que os controles informais impactam no desempenho gerencial dos gestores de empresas familiares. Além de informar diferentes configurações que levam ao alto desempenho gerencial, sendo o controle de pessoal uma solução essencial. Essas evidências geram novos conhecimentos à literatura que trata sobre empresas familiares por duas razões. Primeira, os resultados mostram que as empresas familiares procuram implementar seus valores por meio dos controles culturais que orientam o cotidiano das operações. Segunda, os controles pessoais adotados implicam o investimento em formação contínua dos gestores e colaborados em geral, fazendo com que os serviços e produtos sejam oferecidos com maior qualidade. Assim, cabe destacar que as empresas familiares, ao implementarem controles de pessoal que visam oportu-nizar, capacitar e viabilizar maior interação entre os indivíduos, alcançam melhor desempenho. Do ponto de vista prático, o estudo gerou implicações para o cotidiano dos gestores das empresas familiares, pois os resultados mostram que a gestão deve prestar mais atenção aos controles gerenciais. Isso porque esses controles muitas vezes são pouco adotados por essas empresas, podendo, nesse caso, afetar o desempenho dos gestores e consequentemente da organização. Quanto aos valores, às regras e aos procedimentos adotados enquanto controles culturais e aos controles de pessoal, constatou-se que eles levam a melhor desempenho; logo, sugere-se atenção especial. O método adotado no presente estudo pode-se configurar como uma limitação, por conseguinte, futuros estudos podem compreender melhor esse fenómeno, por meio de pesquisa qualitativas. Além disso, futuras pesquisas podem testar os controles gerenciais e o desempenho, tendo por mediação o engajamento no trabalho. Ainda, pode-se averiguar os controles em empresas de grande porte e verificar como podem ser relacionados ao desempenho, bem como identificar e analisar fatores que levam os gestores a se identificarem com a organização.