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Palabra Clave

Print version ISSN 0122-8285On-line version ISSN 2027-534X

Palabra Clave vol.11 no.2 Chia July/Dec. 2008

 

Conceitos de comunicação popular, alternativa e comunitária revisitados. Reelaborações no setor1

Concepts of popular, alternative and community communication revisited, and the re-elaborations in the sector

Cicilia M. Krohling Peruzzo2

1 Este texto aprofunda, reelabora conceitos e modifica a estrutura do paper "Revisitando os conceitos de comunicação popular, alternativa e comunitária", apresentado no Núcleo de Pesquisa "Comunicação para Cidadania", do XXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, Brasília-DF, INTERCOM/UnB, 6 a 9 de setembro de 2006.

2 Doutora em Ciências da Comunicação. Professora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Metodista de São Paulo, São Paulo, Brasil, kperuzzo@uol.com.br.

Recibido: 06/06/08 Aceptado: 03/12/08



Resumo

Estudo sobre aspectos teóricos da comunicação popular, alternativa e comunitária enfatizando as reelaborações processadas na atualidade. O objetivo é resgatar seus conceitos no contexto dos movimentos sociais e comunidades, observando suas congruências e distinções.Trata-se de uma pesquisa bibliográfica de abordagem histórico-dialética. Conclui-se que novas práticas atualizam as formas de comunicação dos segmentos subalternos da sociedade. Enquanto a vertente comunitária sobressai, o jornalismo alternativo assume diversas feições possibilitadas pelas novas tecnologias da informação e comunicação.

Palavras-chave: comunicação popular, comunicação comunitária, jornalismo alternativo.



Abstract

Study about the theoretical aspects of popular, alternative and community communication, emphasizing the re-elaborations processed nowadays. The objective is to recover its concepts in the context of social movements and communities, observing their congruence and distinctions. This is a bibliographical research with a historical/dialectical approach. We come to the conclusion that new practices update the forms of communication of poor segments of society. While the community perspective stands out, alternative journalism takes on various facets made possible by the new information and communication technologies.

Key Words: Popular communication, community communication, alternative Journalism.



Introdução

Têm surgido manifestações de comunicação popular, alternativa e comunitária que se diferenciam, em parte, daquelas constituídas nos anos de 1970 aos de 1990, o que dificulta o seu reconhecimento pelos paradigmas teóricos elaborados no referido período. O então contexto histórico era distinto e, embora esse período não se encontre num passado tão remoto, há especificidades e reelaborações que demandam novos estudos.

Este texto objetiva resgatar brevemente os principais conceitos de comunicação popular, alternativa e comunitária, situando-os a partir dos movimentos sociais e comunidades e observando suas congruências e distinções na atualidade, tendo por base a realidade brasileira. Enfatizam-se algumas das reelaborações deste tipo de comunicação na atualidade. Ao final se discute uma possível classificação que permita identificar diferenças e agrupá-las em suas proximidades estruturantes.

Os procedimentos metodológicos são relativos à pesquisa bibliográfica e documental e a abordagem é histórico-dialética.

Como o termo "comunitário" vem sendo empregado para identificar diferentes processos comunicacionais, desde formas de comunicação do "povo"3 até experiências desencadeadas no âmbito da mídia comercial de grande porte, considera-se oportuno refletir sobre as especificidades e os princípios norteadores de processos de comunicação popular, alternativa e comunitária.


Comunicação popular, alternativa e comunitária: os conceitos e suas reelaborações

A comunicação popular representa uma forma alternativa de comunicação e tem sua origem nos movimentos populares dos anos de 1970 e 1980, no Brasil4 e na América Latina como um todo. Ela não se caracteriza como um tipo qualquer de mídia, mas como um processo de comunicação que emerge da ação dos grupos populares. Essa ação tem caráter mobilizador coletivo na figura dos movimentos e organizações populares, que perpassa e é perpassada por canais próprios de comunicação. Joana Puntel (1994, p.133), referenciando-se a Robert White, ressaltou este aspecto referindo-se à comunicação nos movimentos populares vinculados à igreja católica.

A comunicação popular foi também denominada alternativa, participativa, participatória, horizontal, comunitária, dialógica e radical, dependendo do lugar social, do tipo de prática em questão e da percepção dos estudiosos. Porém, o sentido político é o mesmo: uma forma de expressão de segmentos empobrecidos da população, mas em processo de mobilização visando suprir suas necessidades de sobrevivência e de participação política com vistas a estabelecer a justiça social. No entanto, desde o final do século passado passou-se a empregar mais sistematicamente, no Brasil, a expressão comunicação comunitária para designar este mesmo tipo de comunicação, ou seja, seu sentido menos politizado.

Na prática, a comunicação comunitária por vezes incorpora conceitos e reproduz práticas tipicamente da comunicação popular em sua fase original e, portanto, confunde-se com ela, mas ao mesmo tempo constrói outros matizes. Por exemplo, às vezes se desconecta de movimentos sociais e assume feições diversificadas quanto às bandeiras defendidas e mensagens transmitidas. A grande mídia também incorporou a palavra "comunitário" para designar algumas de suas produções. Percebe-se, dessa forma, que o termo é de uso problemático, já que pode se referir a processos diferentes entre si. E prudente recorrer ao status original dessa modalidade comunicativa na América Latina, bem como aos conceitos de comunidade, para a caracterização mais adequada do processo. Historicamente, o adjetivo popular denotou tratar-se de "comunicação do povo", feita por ele e para ele, por meio de suas organizações e movimentos emancipatórios visando à transformação das estruturas opressivas e condições desumanas de sobrevivência5.

Muitos autores6 latino-americanos dedicaram-se a estudos nessa linha de pesquisa. O que se buscava com os estudos sobre a comunicação popular e alternativa, segundo Fernando Reyes Matta (apud Festa, 1995, pp. 131-132), era compreender esse novo fenômeno na vida dos latino-americanos e caminhar junto na busca comum das utopias libertárias. Essencialmente, essa comunicação a partir do social buscava alterar o injusto, alterar o opressor, alterar a inércia histórica que impunha dimensões sufocantes, através de uma vocação libertadora que se nutria por uma multiplicidade de experiências comunicativas.

Entre os vários estudiosos destaca-se Mário Kaplún (1985, p. 7), que, ao referir-se ao fenômeno da comunicação popular e alternativa, afirma tratar-se de "uma comunicação libertadora, transformadora, que tem o povo como gerador e protagonista". Ressaltando os aspectos educativos desse tipo de processo de comunicação, o autor (1985, p. 17) esclarece que as mensagens são produzidas "para que o povo tome consciência de sua realidade" ou "para suscitar uma reflexão", ou ainda "para gerar uma discussão". Os meios de comunicação, nessa perspectiva, são concebidos como "instrumentos para uma educação popular, como alimentadores de um processo educativo transformador".

No Brasil, entre as primeiras publicações acadêmicas sobre o tema, destacam-se as de Regina Festa, Gilberto Gimenez, Juan Diaz Bordenave, Luis Ramiro Beltran, entre outros, que trouxeram importantes contribuições para o desencadeamento de estudos nessa linha de pesquisa. Para Festa (1986, p. 25; 1984, pp. 169-170), "a comunicação popular nasce efetivamente a partir dos movimentos sociais, mas sobretudo da emergência do movimento operário e sindical, tanto na cidade como no campo", e se refere "ao modo de expressão das classes populares".

Outro conceito que circulou logo no início da praxis comunicativa popular e, portanto, marcou práticas e concepções teóricas, merecendo ser lembrado, é o de Gilberto Gimenez. Ele (1979, p. 60) entende que a comunicação popular "implica a quebra da lógica da dominação e se dá não a partir de cima, mas a partir do povo, compartilhando dentro do possível seus próprios códigos".

Juan Diaz Bordenave, com seu livro Além dos meios e das mensagens (1983), palestras e outros escritos, trouxe —além de reflexões— relatos de experiências de outros países da América Latina que muito animaram a produção brasileira.

Luis Ramiro Beltran chegou explicitando a proposta de uma comunicação horizontal, conforme será visto mais adiante.

Convém frisar, ainda, que essa linha de comunicação (na pesquisa e na prática) se inspirava em concepções de Paulo Freire sobre a dialogicidade na educação e a defesa da posição transformadora do ser humano no mundo.

Outras publicações em português subsidiaram inicialmente essa praxis comunicacional no país, desde livros até cartilhas populares como as editadas pela ALER7 Brasil em parceria com o Serviço à Pastoral da Comunicação (SEPAC)-Edições Paulinas e outras entidades. Exemplo destas publicações são livros como Comunicação grupai e libertadora (1988), de autoria de José Martinez Terrerro, da Edições Paulinas8; A comunicação alternativa na América Latina, organizado por Máximo Simpson Grinberg, publicado Editora Vozes em 1987; e Comunicação e classes subalternas (1980), coletânea organizada por José Marques de Melo, que reúne textos apresentados no 2o Ciclo de Estudos Interdisciplinares da Comunicação da INTERCOM9, realizado em 1979. Entre as cartilhas populares editadas pela ALER Brasil, IBASE/CETA10, FASE11 e SEPAC-Edições Paulinas12 são: A Noticia Popular, A entrevista, A entrevista coletiva, O riso na rádio popular, Rádio revista de educação popular, Jornalismo popular13. Outras entidades, como a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e o Centro de Comunicação e Educação Popular de São Miguel Paulista (CEMI) também divulgaram muito material de apoio, como a cartilha No ar... uma rádio populan. Trata-se de um período de fértil produção sobre o tema. São publicados dezenas de outros títulos entre artigos, ensaios, relatos, manuais, teses, dissertações e livros14, que ajudam a compor e a documentar o mosaico comunicacional de experiências de comunicação dos movimentos populares e a sistematizar conceitos teóricos e propostas de intervenção.

Em síntese, a comunicação popular, alternativa e comunitária15 é expressão das lutas populares por melhores condições de vida, a partir dos movimentos populares, e representam um espaço para participação democrática do "povo". Possui conteúdo crítico-emancipador e reivindicativo e tem o "povo" como protagonista principal, o que a torna um processo democrático e educativo. E um instrumento político das classes subalternas para externar sua concepção de mundo, seu anseio e compromisso na construção de uma sociedade igualitária e socialmente justa. Estes são conceitos da comunicação popular e alternativa das últimas décadas do século XX, assim como do início do século XXI.

Neste período, ao mesmo tempo em que o movimento popular continua a gerar práticas semelhantes ou equivalentes às que deram origem a centenas de estudos desse tipo de fenômeno comunicacional na América Latina, surgem outras modalidades de formatos e de meios de comunicação característicos dos novos tempos e do jogo de interesses tanto no nivel midiático como nos níveis econômico e político-ideológico. São rádios comunitárias, fanzines, canais comunitários na televisão a cabo, blogs, sites alternativos, etc.

A pressão social provocou um avanço na democratização dos meios de comunicação, o que pode ser identificado no aumento do número de emissores, principalmente por meio dos canais de uso gratuito na TV a cabo, na área do rádio de baixa potência e com a presença crescente de entidades populares na internet. Um bom exemplo são as rádios comunitárias. São cerca de 15 mil emissoras em funcionamento no país, a maioria das quais opera no formato de rádio livre, sem autorização legal para operar, em grande parte em decorrência dos entraves de natureza política.

Nada mais natural do que ter havido mudanças desde o período auge da comunicação popular até hoje. Oportuno considerar que, num ambiente democrático, caracterizado por eleições diretas e mais liberdade de organização e de expressão no conjunto da sociedade, as lutas por comunicação, simbolizadas pelo Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), obtiveram relevantes conquistas. Alterou-se também o processo de ação e de concepção da comunicação no contexto dos movimentos populares proporcionando o surgimento de formas mais plurais, avançadas e ágeis de comunicação. De uma comunicação dirigida a pequenos grupos e centrada nos aspectos combativos dos movimentos populares, passou-se —aos poucos— a ampliar seu alcance pela incorporação de meios massivos, principalmente de radiodifusão e internet, e, portanto, de novos conteúdos e linguagens16. Tais alterações provocaram a necessidade de desenvolver as atividades de comunicação de forma mais profissional (que também tem suas implicações), além de incorporar as novas tecnologias de informação e comunicação (NTIC) com todo seu potencial e exigências.

Há, pois, importantes alterações processadas no âmbito da comunicação dos próprios movimentos populares e organizações congêneres. Nessas condições, das novas formulações conceituais se requer a captação das nuances de uma comunicação gerada num patamar em que a democracia prevaleceu sobre o centralismo autoritário típico do regime militar, favorecendo o rejuvenescimento de modos tradicionais —o alto-falante para a rádio comunitária FM, da seqência de slides para o vídeo popular (que produzia documentários e vídeos educativos) e deste para a TV de rua (como a TV Tagarela —Rio de Janeiro, TV Mocoronga - Santarém/PA), e depois para o Canal Comunitário, e, ainda, a ebulição de formas alternativas (Revista Viração —São Paulo, Jornal Becos e Vielas Z/S —São Paulo, Centro de Mídia Independente-CMI —internacional e CMI Brasil—, rádio escola-comunidade) e públicas de comunicação (canais comunitários na TV a cabo e as rádios comunitárias). Sem eliminar os formatos mais tradicionais, como o alto-falante e bicicleta ou carro de som. Trata-se da comunicação do povo que sabe modificála segundo a conjuntura política e tecnológica, com sabedoria e conhecimentos acumulados.

Se nos anos de 1970,1980 e parte dos 90 a contra-comunicação17 aparecia preponderantemente no âmbito dos movimentos populares, das organizações de base, da imprensa alternativa, da oposição sindical metalúrgica, de ONGs, de setores progressistas da igreja católica18, ou realizada por militantes articulados em núcleos de produção audiovisual, a partir dos últimos anos pipocam experiências comunicacionais as mais diversas, incluindo as do tipo popular tradicional (hoje mais conhecidas como comunitárias e se baseiam em premissas de cunho coletivo), além daquelas realizadas por associações, ONGs, grupos ou até por pessoas autonomamente. Os exemplos podem ser encontrados em jornais e rádios comunitários, nas associações de usuários dos canais comunitários na televisão a cabo19, em Organizações não-Governamentais que desenvolvem projetos coletivos de desenvolvimento social por meio da comunicação —muitos dos quais com propósitos similares àqueles antes encabeçados por movimentos populares—. Esses projetos em geral envolvem bairros, entidades sem fins lucrativos, e às vezes se destinam especificamente a adolescentes e jovens. Podem assumir um misto de mídia comunitária e alternativa20, numa dinâmica em que se descobre que a confecção de meios de comunicação pode mediar favoravelmente a melhoria da auto-estima, despertar uma perspectiva profissional e a construção da cidadania em áreas carentes.

Ao mesmo tempo, ocorre a presença cada vez mais substantiva dos setores populares na mídia convencional (comercial e educativa), que abriu mais espaço para assuntos antes restritos aos canais alternativos e populares, com destaque para a programação local e regional, o que, em tese, também favorece a abordagem de temas ligados ao desenvolvimento social e à cultura local. Nessa dinâmica, o movimento popular passa a marcar sua presença tanto de forma individual (dando depoimentos e contando histórias de projetos sociais bem sucedidos), como grupai, quando suas propostas passam a sensibilizar e a permear a programação da mídia, embora nem sempre de forma favorável ao mesmo21. Acrescentando, ainda, a conquista de espaços (principalmente no rádio local/regional) para difusão de programas próprios produzidos por organizações populares ou entidades aliadas, como a Oboré —Projetos Especiais em Comunicações e Artes. Surgiram também novos meios alternativos de comunicação, como a Aditai —Agência de Informação Frei Tito para a América Latina, Jornal Brasil de Fato, o Centro de Mídia Independente e o Observatório do Direito à Comunicação, entre outros, com liberdade para canalizar abordagens críticas sobre a mídia e a sociedade.

No espectro televisivo, há uma série de novas iniciativas com finalidade de promover a educação informal, a cultura e o desenvolvimento social22.  o caso dos canais públicos de televisão de uso gratuito no sistema a cabo, como o universitário, o comunitário (ambos espalhados pelos municípios brasileiros), o canal do Poder Judiciário, os canais legislativos (TV Câmara, TV Assembléia - nos estados e municípios e TV Senado) e os educativo-culturais. Há ainda canais privados de conteúdo educativo na televisão por assinatura, como o STV (do SESC-SENAI23) e o Canal Futura (da Globo), os quais evidenciam o interesse de aproximação das classes dominantes às demandas da sociedade civil para passar uma imagem de socialmente responsáveis.

Com o passar do tempo, o caráter mais combativo das comunicações populares —no sentido político-ideológico de contestação e projeto de sociedade— foi cedendo espaço a discursos e experiências mais realistas e plurais (quanto a tratamento da informação, abertura à negociação) e incorporando o lúdico, a cultura e o divertimento com mais desenvoltura, o que não significa dizer que a combatividade tenha desaparecido. Houve também a apropriação de novas tecnologias da comunicação e incorporação com mais clareza da noção do acesso à comunicação como direito humano.

Refere-se a pontos de passagem e de convergência entre a comunicação popular, a alternativa e a comunicação comunitária. Esta última extrapola dos movimentos populares, embora continue em muitos casos a se configurar como tal ou a representar um canal de comunicação destes movimentos, ou ainda, no mínimo, a ter vínculos orgânicos com os mesmos. Portanto, se é fácil distinguir entre comunicação comunitária e mídia local, o mesmo não ocorre entre ela e a popular e alternativa.

Do ponto de vista conceituai, as manifestações da comunicação alternativa se diferenciam mais nitidamente na sua vertente jornalística, como pode ser visto a seguir, a partir de um breve resgate de aspectos históricos.


Imprensa alternativa

A expressão comunicação alternativa, típica dos anos 1960 aos 1980, vem sendo retomada. Ela surgiu para designar a comunicação popular, como foi explicitada, e caracterizar o tipo de imprensa não alinhada às posturas da mídia tradicional, então sob a batuta da censura do regime militar no Brasil. Neste caso, denomina-se imprensa alternativa. Era uma época em que a maioria dos grandes jornais se alinhava à visão oficial do governo, por opção político-ideológica ou pela coerção, sob a força da censura. A imprensa alternativa representada pelos pequenos jornais, em geral com formato tablóide, ousava analisar criticamente a realidade e contestar um tipo de desenvolvimento. São exemplos, o PIF-PAF, lançado em 1964; Pasquim (1969); Posição (1969); Opinião (1972); Movimento (1975); Coo-jornal (1975); Versus (1974); De Fato (1975); Extra (1984), entre outros24. Eram jornais dirigidos e elaborados por jornalistas de esquerda, alguns ligados à pequena burguesia, que, cansados do autoritarismo, aspiravam um novo projeto social e preocupavam-se em informar a população sobre temas de interesse nacional numa abordagem crítica.

Como afirma Raimundo Rodrigues Pereira (1986, pp. 55-56), "a imprensa alternativa foi expressão da média burguesia, dos trabalhadores e da pequena burguesia, defendeu interesses nacionais e populares, portanto, condenava o regime militar".

Para Bernardo Kucinski (1991, p. XVI), a imprensa alternativa surgiu da articulação de duas forças igualmente compulsivas: o desejo das esquerdas de protagonizar as transformações institucionais que propunham e a busca, por jornalistas e intelectuais, de espaços alternativos à grande imprensa e à universidade. E na dupla oposição ao sistema representado pelo regime militar e às limitações à produção intelectual-jornalística sob o autoritarismo, que se encontra o nexo dessa articulação entre jornalistas, intelectuais e ativistas políticos.

Eram jornais que se apresentavam como alternativa de leitura aos grandes jornais então existentes. Tratavam de temas comumente enfocados pela imprensa e circulavam no mesmo circuito: eram vendidos em bancas, por assinaturas ou em locais de público flutuante (universidades, centros de convenções, etc).

No conjunto, a imprensa alternativa comportava, além de jornais com características de periódicos de circulação diária e os boletins populares, outros segmentos como o da imprensa popular ligados aos movimentos populares. Na imprensa, então dita popular, destacavam-se o Mulherio, produzido por um grupo de mulheres e que tratava da situação do público feminino na sociedade; o Porantin, do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), que abordava a questão do índio; e o Jornallivro, produzido por entidades e grupos voltados ao trabalho de educação de base. Entre os segmentos atentos à imprensa político-partidária devem ser citados os jornais Voz da Unidade, Tribuna da Luta Operária, Companheiros e Em Tempo. A imprensa sindical, por seu lado, editou jornais importantes como a Tribuna Metalúrgica e Folha Bancária25, ainda existentes.

Então, o que caracteriza o jornalismo como alternativo é o fato de representar uma opção enquanto fonte de informação, pelo conteúdo que oferece e pelo tipo de abordagem. Mas, como já ressaltado, também os pequenos jornais, boletins informativos e outras formas de comunicação (como panfletos, alto-falantes, carro de som, literatura de cordel, slides etc. -do circuito dos movimentos populares) eram chamados alternativos pela força do sentido do seu conteúdo, porém, sem dispensar a leitura de jornais convencionais. Em suma, há uma comunicação alternativa no âmbito dos movimentos populares que extrapola jornais e o jornalismo.


Comunicação popular e comunitária: diversidade e convergência

Há que se recordar que comunicação popular deriva da palavra povo, de uso não uníssono. Como enfatiza Wanderley (1979, p. 64), o termo povo pode significar o conjunto dos cidadãos (o povo brasileiro); os nacionalistas que lutam contra um colonizador estrangeiro; os pobres ou empobrecidos, sempre lembrados como "povão" ou "povinho"; as classes subalternas situadas em oposição das classes dominantes na sociedade. Pode-se ainda tomar "povo" como um conceito sempre em transformação que contém rica negatividade e está sempre em oposição aos que se apresentam como anti-povo, os opressores ou aqueles que contradizem as necessidades e interesses da maioria.

Da perspectiva de povo como conceito dinâmico, deriva-se a idéia do popular-alternativo.

Situa-se no universo dos movimentos sociais populares no processo de lutas por direitos de cidadania. Mas há outras dimensões do popular, como popular-folclórico, abarcando as manifestações culturais tradicionais e genuínas do povo presentes em manifestações de folkcomunicação (literatura de cordel etc.); e como popular-massivo, quando permeia a grande mídia privada. Esta última dimensão se manifesta em três perspectivas: culturalista (trabalha dimensões da cultura do povo), popularesca (programa midiático que se diz popular por usar o linguajar ou desfrutar de altos índices de audiência, em geral, por explorar o assistencialismo sensacionalista explorando/atendendo interesses/necessidades de pessoas) e de utilidade pública (conteúdo informativo ou motivacional com a finalidade de esclarecer sobre problemáticas de bairros e demais assuntos de interesse local ou de mobilizar socialmente)26.

Assim, há mais o que diferenciar entre as formas de comunicação ditas populares ou comunitárias que são dirigidas ao "povo" por intermédio dos meios de comunicação comerciais —ditas populares— e aquelas protagonizadas por cidadãos ou movimentos e entidades associativas de interesse público, do que entre comunicação popular e comunitária. As primeiras, apesar de desenvolverem dimensões que podem ser comunitárias ou populares, nem sempre visam a emancipação cidadã, nem modificam a lógica de manipulação característica da grande mídia comercial, ressalvando algumas exceções.

A comunicação popular e comunitária pode ser entendida de várias maneiras, mas sempre denota uma comunicação que tem o "povo" (as iniciativas coletivas ou os movimentos e organizações populares) como protagonista principal e como destinatário, desde a literatura de cordel até a comunicação comunitária.

Comunicação comunitária, na forma como vem se desenvolvendo nos últimos tempos significa: o canal de expressão de uma comunidade (independente do seu nível sócio-econômico e território), por meio do qual os próprios indivíduos possam manifestar seus interesses comuns e suas necessidades mais urgentes. Deve ser um instrumento de prestação de serviços e formação do cidadão, sempre com a preocupação de estar em sintonia com os temas da realidade local" (Deliberador; Vieira, 2005, p. 8).

Portanto, do ponto de vista teórico e das práticas sociais recentes, a comunicação comunitária recorre princípios da comunicação popular, podendo haver certa distinção entre uma experiência e outra, segundo as características de cada situação. E comum, por exemplo, existirem casos em que o comunitário se torna mais plural ao atuar num bairro, numa cidade ou região onde há diversidade de atores sociais, e em cuja realidade certas características comunitaristas (ação conjunta, participação na gestão, propriedade coletiva) se diluem, mas outras permanecem, como o sentido orgânico do vínculo local, participação na programação e a transmissão de conteúdos de interesse público.

Por tudo o analisado, a comunicação comunitária —que por vezes é denominada popular, alternativa ou participativa— se caracteriza por processos de comunicação baseados em princípios públicos, como não ter fins lucrativos, propiciar a participação ativa da população, ter —preferencialmente— propriedade coletiva e difundir conteúdos com a finalidade de desenvolver a educação, a cultura e ampliar a cidadania. Engloba os meios tecnológicos e outras modalidades de canais de expressão sob controle de associações comunitárias, movimentos e organizações sociais sem fins lucrativos. Por meio dela, em última instância, realiza-se o direito de comunicar27 ao garantir o acesso aos canais de comunicação. Trata-se não apenas do direito do cidadão à informação, enquanto receptor - tão presente quando se fala em grande mídia -, mas do direito ao acesso aos meios de comunicação na condição de produtor e difusor de conteúdos.

Luis Ramiro Beltran (1981, pp. 30-32), ressaltando as contribuições de precursores como Fernando Reyes Matta, Miguel Azcueta, Juan Diaz Bordenave, Josiane Josuet e João Bosco Pinto, além do informe final da Reunión sobre la Autogestión, el acesso y la Participación en Material de Comunicación, da Unesco, realizada em Belgrado (1977), na explicitação da comunicação horizontal, já falava em direito à comunicação como: acesso (direito de receber mensagens); diálogo (direito de receber e emitir mensagens); e participação (direito de participar efetivamente dos processos de comunicação).

Há muito tempo se sabe que a participação ativa do cidadão em todas as fases da comunicação, como protagonista, propicia a constituição de processos educomunicativos favoráveis ao desenvolvimento mais ágil do exercício da cidadania. Desse modo, apesar da validade de meios comunitários que prezam apenas a difusão de conteúdos de interesse público e aderentes às localidades ao invés de provocar a participação avançada das pessoas no que fazer comunicativo, o ideal é possibilitar a oportunidade de aprendizado não só pelas mensagens divulgadas mas também pelo envolvimento direto na sua produção e difusão. Não se discute a importância da difusão de conteúdos educativos, mas não é só por meio deles que se conscientiza.

Os processos de comunicação popular e comunitária têm maior visibilidade, especialmente em duas situações: quando os desafios estão, por exemplo, na apropriação de instrumentos de comunicação dirigida, como pequenos jornais, panfletos, cartazes, faixas, troças carnavalescas, peças de teatro, slides, alto-falantes, TV de rua etc. Oportuno lembrar que os meios artesanais foram os que se mostraram viáveis no período inicial da ação dos movimentos populares. Já em outra situação, quando há o empoderamento social das tecnologias de comunicação, que passa pelo videocassete, alto-falante, rádio em freqência modulada, televisão comunitária no sistema cabo, e mais adiante, sites, blogs, fotologs e listas de discussão na internet. Empoderamento, de empowerment, em inglês, quer dizer participação popular ativa com poder de controle e de decisão nos processos sociais (políticas públicas relacionadas à educação, saúde, Comunicação, transporte, questões de gênero, geração de renda), e como tal, também, a apropriação de meios de comunicação. O desafio atual é justamente avançar no empoderamento qualitativo e amplo das novas tecnologias de comunicação, ao mesmo tempo em que as antigas modalidades comunicativas continuam tendo seu lugar.


Comunicação comunitária e comunidade: aproximações conceituais

Assim como o adjetivo popular é constitutivo da expressão "comunicação popular" e deriva da palavra povo, a expressão "comunicação comunitária" tem ligação com os conceitos de comunidade. Estes são complexos e estão em transformação. Originalmente enfatizam-na como urna unidade em que os laços entre os seus membros são orgânicos e espontâneos - sejam eles baseados na vizinhança, laços de sangue ou espiritual (Tönnies, 1973,1995), pressupõem uma base geográfica específica [sic] e a existência de coesão social (Maciver; Page 1973, p. 122), ou ainda se vislumbra a formação de uma organicidade capaz de constituir uma "comunidade universal", a partir de uma sintonia de interesse pela vida (Buber, 1987), ou seja, a formação de uma "comunidade de ideias", entre outros aspectos.

Em meio a críticas no que se refere ao caráter utópico de comunidade, como concebida pelos clássicos, desde as últimas décadas do século XX, quando lhe foi atribuído um sentido extemporâneo e se decretou sua possível morte enquanto fenômeno social. Porém, ao que tudo indica, a comunidade nunca deixou de existir, apesar das alterações em suas configurações e dos (des)entendimentos teóricos, e continua fazendo parte do debate na atualidade.

Há mudanças substanciais nas concepções de comunidade, ao mesmo tempo em que alguns de seus princípios ainda se verificam. O sentimento de pertença, a participação, a conjunção de interesses e a interação, por exemplo, são características que persistem ao longo da história, enquanto a noção de lócus territorial específico como elemento estruturante de comunidade está superada pelas alterações provocadas pela incorporação de novas tecnologias da informação e comunicação. Sem menosprezar que a questão do espaço geográfico continua sendo um importante fator de agregação social em determinados contextos e circunstâncias.

Enfim, a comunicação comunitária pressupõe a existência de uma praxis que vai além do simples estar próximo ou compartilhar das mesmas situações. Pertencer a uma mesma etnia ou morar num mesmo bairro ou usar o mesmo transporte coletivo, não quer dizer que existam relações comunitárias. A comunidade se funda em identidades, ação conjugada, reciprocidade de interesses, cooperação, sentimento de pertença, vínculos duradouros e relações estreitas entre seus membros.

Portanto, nem todo meio de comunicação local é comunitário, apenas por se dirigir a uma audiência próxima, usar a mesma linguagem ou falar das coisas do lugar. Este pode simplesmente reproduzir os padrões da mídia comercial privada em termos de interesses econômicos e políticos, além de se basear na mesma lógica de gestão e programação, distanciando-se da perspectiva comunitarista.

Assim, à comunicação comunitária são reservadas exigências de vínculos identitários: não possuir finalidades lucrativas, e estabelecer relações horizontais entre emissores e receptores com vistas ao empoderamento social progressivo da mídia e ampliação da cidadania.

Há outro nível de mudança que interfere no conceito de comunidade e que tem tudo a ver com a comunicação comunitária, qual seja, a mística em torno da justiça social. Esta é construída na praxis dos movimentos populares, associações comunitárias, sindicatos, setores progressistas de igrejas, ONGs de base social e demais organizações do terceiro setor. Mesmo não seja possível identificá-los como comunidades específicas, estes atores buscam a transformação das condições de opressão e sofrimento de segmentos da população brasileira com vistas a efetivação de um mundo em que todos possam ter dignidade e seus direitos de cidadania respeitados. Têm algo em comum, a partir do qual se poderia vislumbrar a constituição de uma "comunidade de idéias". E neste nível que a comunicação comunitária vai se cruzando com outras formas de expressão e com os próprios fazeres sociais, afinal ela não é algo que acontece à parte, mas, imbricada nos processos associativos mais amplos.


Considerações fináis

As práticas comunicacionais geraram conceitos que permitem tomar as expressões comunicação popular, alternativa e comunitária como sinônimos, quando se referem às lutas de segmentos subalternos por sua emancipação, mesmo havendo algumas características próprias em cada um dos processos.

A comunicação alternativa se recria continuamente. Sua vertente comunitária vem ganhando expressividade e distinção no Brasil desde o final dos anos 1990. Recentemente, a comunicação popular-alternativa e o jornalismo alternativo se atualizam e assumem diversas feições. As motivações para tanto possivelmente vêm do interesse social presente nos cidadãos e nas organizações civis em interferir nos sistemas geradores e mantenedores da desigualdade, além das possibilidades inovadoras, como a efetiva interatividade, que as novas tecnologias de informação e comunicação (NTIC) oferecem.



Pie de Página

3 Aquelas que têm segmentos da população como protagonistas.

4 Ver Peruzzo (2004a)

5 Ver Perazzo (2004a) e Festa (1986).

6 Fernando Reyes Matta, Mário Kaplún, Rafael Roncagliolo, Felipe Espinosa, Jorge Merino Utreras, Rosa Maria Alfaro, Eduardo Contreras, Alfonso Gumucio Dragón, Fernando Ossandron, Aldfredo Paiva, Máximo Simpson Grinberg, Josiane Jovet, Carlos Monsivais, Miguel Azcueta, Luis Ramiro Beltran, Juan Diaz Bordenave, Ana Maria Nethol, Maria Cristina Mata, Diego Portales, Daniel Prieto, Hector Schumcler, José Ignacio Vigil, José Martinez Terrerro, Esmeralda Villegas Uribe, Regina Dalva Festa, Luiz Fernando Santoro, Marco Morel, Pedro Gilberto Gomes, Joana Puntel, Denise Cogo, Cicilia M.Krohling Peruzzo e muitos outros.

7 Asociación Latinoamericana de Educación Radiofônica, com sede em Quito, Equador.

8 Traduzido do castelhano de publicação editada pelas Edições Paulinas de Buenos Aires.

9 Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação.

10 Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas/Centro de Treinamento Audiovisual.

11 Federação de àrgãos para Assistência Social e Educacional.

12 Serviço à Pastoral da Comunicação / Irmãs Paulinas.

13 Todos traduzidos de textos originais em castelhano, de responsabilidade da ALER —América Latina—, com sede em Quito, e escritos por José Ignacio López Vigil ou Andréa Geerts.

14 Entre eles o livro da própria autora, Comunicação nos movimentos populares: a participação na construção da cidadania (2004), originalmente uma tese de doutorado, defendida em 1991.

15 Ver Peruzzo (2004a, pp. 124-126).

16 Ver Peruzzo (1998).

17 Comunicação das classes subalternas e em oposição à comunicação favorável ao status c¡uo.

18 Por exemplo, o Centro de Pastoral Vergueiro (CPV), que iniciou suas atividades em 1969 e se fortaleceu nos anos de 1970, tendo realizado um trabalho de catalogação, editoração e difusão de publicações populares, e do Centro de Comunicação e Educação Popular de São Miguel Paulista (CEMI), que teve um trabalho muito importante de comunicação popular na Zona Leste. Segundo Festa (1986, pp.184-189), em 1979 o CPV divulgou 150 títulos de publicações populares. Em 1980 foram mais de 280, em 1981, 418 e em 1982, 523 publicações.

19 Tal tipo de associação extrapola os parâmetros da comunicação popular-comunitária típica por configurar-se num processo que aglutina diferentes modalidades de entidades (sindicatos, associações de moradores, igrejas, entidades culturais e filantrópicas etc.) e dirigir-se a uma audiência diversificada, embora seja de uma mesma cidade.

20 Exemplos: Revista Viração (São Paulo), Jornal Becos e Vielas Z/S (São Paulo), Joinha Filmes (São Paulo), Agência de Notícias Raio X Comunicação (São Paulo), Coletivo Metareciclagem (www.liganois.com.br) (São Paulo), Jornal Cidadão (Rio de Janeiro), etc.

21 A mídia massiva comercial passou a abrir mais espaço para assuntos antes restritos aos meios alternativos e comunitários, como também para programação regional, o que favorece a abordagem de temas ligados à cidadania, desenvolvimento social e cultura local.

22 Se bem que essa finalidade caberia a qualquer meio de comunicação. No entanto, a mídia audiovisual comercial é dada fundamentalmente ao entretenimento, não importando se o seu teor agride "minorias" ou provoca repercussões destrutivas de valores humanos e culturais.

23 Serviço Social do Comércio e Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial.

24 Ver Kucinski (1991) e Pereira (1986).

25 Ver Festa (1986) e Kucinski (1991).

26 Ver mais detalhes em Peruzzo (2004a, pp. 116-120).

27 Ver Peruzzo (2004b).



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