INTRODUÇÃO
A criação de uma universidade possui como objetivo formar seres humanos e produzir conhecimentos. Em sua essência, ser uma instância crítica de si mesma e da sociedade, além de constituir-se em um motor do desenvolvimento social e econômico1.
No Brasil, a partir de 2003, houve crescimento acelerado no quantitativo de universidades. Entre 2003 e 2016, o governo federal criou 18 novas universidades públicas. Em 2017, o país possuía 2.416 instituições de ensino superior (IES), sendo 304 públicas e 2.112 privadas, distribuídas por todos os estados da nação. Desse total, 200 são universidades e concentram-se em maior número na região Sudeste do país2.
Essas instituições possuem políticas institucionais que direcionam as atividades acadêmicas, alinhando as diretrizes nacionais para a educação às suas particularidades. Na atualidade, ganham maior destaque as políticas que incluem novos modelos pedagógicos e epistemológicos3, voltando-se a grupos sociais mais subalternizados historicamente, em especial, às pessoas submetidas a desigualdades no acesso à educação.
A diversidade desses modelos políticos das universidades, ao mesmo tempo que reflete o perfil dos estudantes, tende a definir as características dos professores. Assim, muitas vezes, o professor possui inúmeras habilidades, mas enfrenta problemas relacionados à precarização da universidade e ao sistema de controle do trabalho. Por consequência, esses aspectos interferem no ambiente universitário e trazem prejuízos tanto em caráter individual como coletivo.
Desse modo, além dos riscos ocupacionais previsíveis para essa atividade laboral, os professores universitários são expostos a fatores, como sobrecarga de trabalho, produtivismo exacerbado, pouca autonomia, injustiça (por muitas vezes, não conseguirem acessar de forma igualitária os mesmos direitos e tratamento de seus pares), estresse, entre outros. Esses aspectos ampliam o surgimento de conflitos nas relações de trabalho e possibilidades de adoecimento dessa categoria profissional4.
Diante da falta de cuidado em relação aos riscos originados nesse ambiente, o bom desenvolvimento da prática docente pode ser comprometido e, quiçá, atingir o crescimento da universidade5.
Pesquisadores já apontam a necessidade de se trabalhar a promoção de ambientes laborais mais saudáveis dentro das universidades6, mas parece que os problemas avançam sem receber a atenção da gestão universitária e sem espaços para a escuta dos profissionais7. Dessa forma, este estudo objetivou conhecer as percepções de professores universitários sobre o ambiente de trabalho, na perspectiva de despertar e fornecer alguns subsídios para o planejamento de políticas em prol de melhores condições e relações de trabalho no contexto acadêmico.
MATERIAIS E MÉTODOS
Trata-se de estudo descritivo-interpretativo, com abordagem qualitativa. O estudo foi realizado em uma universidade pública de Mato Grosso, Brasil. A escolha dessa instituição ocorreu por ser referência de ensino superior no estado e sediar-se em um dos maiores polos educacionais de Mato Grosso.
Os participantes do estudo foram professores que atenderam os critérios de inclusão e exclusão. Como critério de inclusão: exercer, no mínimo, sete anos de docência nessa instituição. Adotou-se uma evidência científica 8 que aponta que professores por volta dos sete anos de efetivo exercício na docência apresentam maiores adoecimentos, por consequência, tendência maior a afastamentos por indicação médica. Como critério de exclusão: professores da área de educação física, artes/educação artística, música, informática e línguas estrangeiras, pois, segundo a literatura 9, desempenham atividades de ensino com características bastante diferenciadas das atividades docentes mais tradicionais; em geral, envolvem dinâmicas de ensino diferenciadas.
A amostragem foi do tipo não probabilística, por conveniência, e o número amostral da pesquisa foi definido pelo método de saturação de dados baseado na exaustividade das informações de interesse.
Os dados foram coletados no período de janeiro a março de 2017, por meio de entrevista semiestruturada guiada por um roteiro elaborado pelo próprio pesquisador, o qual continha questões fechadas (dados sociodemo-gráficos e profissionais) e abertas (percepções sobre o ambiente de trabalho e atitude da chefia/coordenação). As entrevistas tiveram a duração média de 30 minutos e foram realizadas no ambiente escolhido pelo professor. A análise dos dados foi realizada a partir da análise de conteúdo. As linhas de análise partiram das fases: pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados, inferência e interpretação.
O estudo é um recorte da tese de doutorado defendida no programa de pós-graduação em Bioética, do Centro Universitário São Camilo (CUSC-SP). Foram respeitados todos os aspectos éticos em pesquisa, com a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos (CUSC), sob o parecer n.° 1.880.522.
RESULTADOS
Participaram do estudo 31 docentes universitários efetivos. Esses professores pertenciam às áreas de Ciências Humanas (n = 6), Exatas (n = 3), Engenharia (n = 5), Biológicas e da Saúde (n = 17). Prevaleceu o sexo masculino, com sujeitos entre 28 e 60 anos, em maior quantitativo entre 35 a 39 anos. Entre os participantes, a maioria se autodeclarou branca, casada, sem filhos e católica.
Após o ingresso na carreira docente nessa universidade, alguns professores (n = 11) apontam o início de adoecimento/problemas de saúde, predominando hipertensão arterial sistêmica, arritmia, estresse, pânico, depressão, gastrite, estomatites, insónia, dermatites/alergias, vitiligo, Parkinson, mialgia, lombalgia e tendinite. Houve professores com mais de uma patologia, principalmente a combinação de mialgia, lombalgia, hipertensão arterial sistêmica, estresse e dermatites.
Participantes | O que poderia ser melhorado no ambiente de trabalho | Como a chefia/coordenação deveria agir diante desse cenário |
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Negaram o adoecimento | • Melhor infraestrutura (salas, laboratórios e equipamentos). • Maior cooperação entre os pares, por meio da apresentação de seus êxitos e dificuldades. • Proporção de maior contato professor-professor. • Diminuição da distância entre os blocos e os institutos. O campus é muito isolado em suas instalações, o que não permite uma interação favorável entre os pares. • Maior integração entre os colegas e respeito ao estatuto do funcionário público. • Preocupação dos colegas de trabalho com o curso, com a forma de aprendizagem dos alunos. • Menos egoísmo, mais trabalho em equipe, com o compartilhamento de pesquisa/extensão/qualificações até para elevar o nome da instituição. • Ética entre os colegas, menos briga de egos e mais respeito mútuo. | • Não se esconder atrás de justificativas sem fundamento. • Fazer nada, pois problema de índole é difícil alterar. • Facilitar o encontro entre os professores, pois muitos são isolados e permanecem assim, e outros começam a se isolar também. • Deixar de ser menos invisível quando há conflitos entre os professores. • Identificar os professores-problema e agir para saná-los. • Promover o diálogo constante e a participação dos professores, de forma aberta. • Ser mais transparente em suas ações. • Ter boa vontade e competência/habilidades para gerenciar problemas e conflitos. |
Verbalizaram o adoecimento | • Melhor infraestrutura (salas, laboratórios e equipamentos). • Contratação de novos profissionais mais comprometidos. • Criação de área de descanso. • Relação mais próxima entre gestão e professores. • Contratação de colegas de trabalho que realmente se dediquem ao curso e apoiem a pró-reitoria. • A administração da universidade. • Melhor interação entre os professores para partilhar conteúdos semelhantes ou que se completem. • Maior envolvimento dos colegas. • Melhor amparo da universidade nos conflitos éticos. | • Ser mais imparcial diante dos conflitos. • Valorizar as falas e necessidades dos professores. • Oferecer respaldo às coordenações/chefias. Dispor de regimentos específicos. • Não favorecer este ou aquele diante de um problema, sendo justa. • Fazer a lei ser cumprida. • Ser mais firme nas decisões, mas a falta de experiência na gestão traz prejuízos para o curso. • Propor momentos de interação coletiva para práticas de ensino, pesquisa e extensão. • Acolher as demandas de todos os professores de igual maneira. |
Fonte: elaboração própria.
No quadro abaixo, apresenta-se a síntese das principais percepções dos participantes do estudo relacionadas à (in)satisfação quanto à ambiência de trabalho, que os levam a perceber necessidades de mudanças, bem como o que consideram ou julgam oportuno sobre o posicionamento da chefia/coordenação ante o contexto de trabalho que vivenciam no cotidiano do departamento e da universidade. Para fins de organização dos dados e observação das percepções, as sínteses foram divididas em dois grupos: professores que negaram o adoecimento e professores que verbalizaram o adoecimento.
DISCUSSÃO
Negaram o adoecimento
Os participantes que negaram o adoecimento apontaram como um dos aspectos a serem melhorados o exercício da ética entre os colegas. Segundo eles, isso pode influenciar na redução de conflitos e no aumento do respeito mútuo. Esses participantes pensam que a chefia/ coordenação deve se posicionar de forma mais rígida e notória, apresentando-se com recursos suficientes para gerenciar conflitos e ponderar situações, não deixando de identificar os professores responsáveis pelas desordens no departamento/instituto e conduzir à solução. Para tanto, devem utilizar o diálogo como instrumento para compreender as ocorrências e aproximar os envolvidos, em uma dinâmica favorável às boas relações de trabalho.
O ambiente universitário é feito de sujeitos que se relacionam em sociedade. Essas relações são marcadas tanto por diversidades e singularidades quanto por conflitos. A respeito destes últimos, esse espaço torna-se oportuno para receber intervenção, na tentativa de amenizar as tensões, encontrar soluções para o problema da falta de respeito e da falha de responsabilidade para com a pessoa do outro. Os professores assumem um papel ético que nem sempre é percebido como importante. Muitas vezes, a ética está presente em seu discurso, mas pouco visível em sua prática10.
Nesse ensejo, considera-se necessário promover o trabalho em equipe, a eficácia nas atividades laborais, que depende fundamentalmente da colaboração recíproca de todos os membros do grupo. Porém, um dos percalços causados pela reciprocidade está relacionado aos frequentes comportamentos hostis, que causam reações ríspidas ou retaliações. Dessa forma, os professores podem adotar comportamentos amistosos a fim de eliciar respostas positivas. Mas, para além dos esforços e desempenhos individuais, há sempre que se garantir ações fecundas nas relações de trabalho, tais como colaboração, comunicação favorável, capacidade de respeitar, lidar e tolerar os diferentes pontos de vistas11.
Desse modo, é preciso conscientizá-los da necessidade de saírem de si para o outro, acolher e se responsabilizar pelo outro, por meio de um relacionamento ético de abertura ao diferente, para, assim, formar pessoas também preocupadas com a alteridade. Para Emmanuel Lévinas, a saída para esse problema seria não reduzir o outro a um conceito a partir do eu, mas que, por meio da manifestação da sua face, o eu formasse uma consciência ética10,12.
Assim, de acordo com Freire13, essa prática deve ter, por princípio, o diálogo que direciona para o humanismo verdadeiro; um exercício dialógico desprovido da tentativa de invasão, de manipulação, e sempre empenhado na transformação constante da realidade. Nesse sentido, quando os sujeitos estão abertos ao diálogo e ao aprendizado interpares, há a criação de espaço para socializarem suas dificuldades, limitações e potencialidades, para que "apoiadamente" busquem alternativas de enfrentamento e proposituras. Esse trabalho se faz com investigação criteriosa e fundamentada, calcada em projeto que se expõe como exercício de constituição pública de saberes, sempre em correlação democrática e diversificada14.
Essa necessidade também foi apontada pelos participantes no presente estudo como imprescindível para o bom funcionamento da dinâmica de trabalho. No entanto, conforme pesquisa realizada em uma grande universidade brasileira, as chefias de departamento pouco dialogam, não possuem saberes teóricos amplos para o exercício do cargo, ficam limitadas à legislação da IES e não se sentem preparadas para o enfrentamento dos conflitos suscitados nesse cotidiano15.
Todavia, mesmo diante de conflitos, esses gestores normalmente não assumem tais problemáticas, uma vez que, ao admitirem que essa situação exista, pode-se evidenciar uma falta de gerência, o que indica possível falha na dinâmica organizacional e adiamento de uma ação efetiva para amenizar essas situações11.
Esses profissionais não negam que os relacionamentos interpessoais são um dos maiores desafios na gestão e, diante disso, cobram da universidade treinamentos para a função de chefe. No entanto, esses treinamentos nunca ocorrem, já que há maior prestígio em atividades ligadas à pesquisa e à pós-graduação, em detrimento das atividades de gestão e ensino na graduação15.
O exercício do cargo de chefe ainda é deixado à "livre escolha" daqueles que contratam com base em outros critérios que não promovem o desempenho eficaz da função. Ainda, são contratadas pessoas que se dizem competentes para exercer tais funções a partir de critérios subjetivos (ser "bom" professor; precisar de titulação; não haver outras opções para o cargo etc.), os quais, provavelmente, não contribuam para a instituição. Isso leva a crer que essas pessoas desempenhem uma função que não é a de líder. Por sua vez, o cargo de chefia/coordenador de ensino superior existe e precisa ser executado por quem tenha competência para exercê-lo16.
Com relação ao paradigma organizacional contemporâneo, verifica-se que há premência de se instaurar modelos de gestão democrática, participativa e, por consequência, integradora. Contudo, muitas gestões não se enquadram na satisfação dos profissionais e, por conseguinte, predominam gestões despersonalizadas, centralizadas, verticais e fechadas em suas decisões. Nesse contexto, os profissionais docentes se encontram desestimulados e desmotivados, carentes de ambiente qualitativo e de uma gestão que contemple seus anseios, desejos e que tenham maior seriedade na condução das atividades17.
Os professores com tarefas administrativas são, em geral, aqueles que lideram seu grupo profissional e, nesse sentido, têm uma grande probabilidade de influenciar as normas dominantes, os valores e as práticas profissionais18. Essa realidade evoca a noção de papel social, entendido como conjunto de atividades, comportamentos e práticas característico de uma dada situação. O papel social resulta de um processo contínuo de construção e que é desempenhado pelo sujeito em grupos dos quais se originam expectativas e sobre os quais ele exerce influência19.
Dentro de uma IES, o professor universitário assume diferentes papéis sociais, sendo os mais centrais o de docente, o de pesquisador, o de extensionista e o de gestor. Os papéis sociais desse professor sofrem influências do ambiente organizacional em que se encontra, quer seja o de uma universidade pública, quer seja de uma privada18.
Em específico, a universidade pública brasileira alterou radicalmente sua cultura institucional ao passar por tantas mudanças de perfil e se ver diante de novos compromissos, para os quais não foi criada. Apesar disso, essa é somente uma parte do problema, pois se deve reconhecer que a subordinação vislumbrada nos dias atuais não é uma imposição externa à universidade, que mecanicamente é seguida pelos que nela trabalham, mas resulta da adesão de uma parcela (cada vez mais considerável) de docentes a essa refuncionalização da universidade20. Isso ocorre em prol de demandas e produção de conhecimentos instrumentais, distantes dos ideais de emancipação, tais como: democracia, igualdade, respeito à diversidade, inclusão social e cidadania14.
Influenciados por essas práticas pedagógicas e de gestão convencionais, em que a relação do sujeito com o mundo e com si mesmo, por vezes, é desprezada, a única resistência contra os estados de dominação está na constituição de uma ética de si, num resgate do "cuidado de si". Contudo, trata-se de regras facultativas, ou seja, de uma escolha do sujeito ante a vida. Diferentemente da moral, a importância do cuidado de si está nas atitudes, e não nas normatizações instituídas. Dessa maneira, tais cuidados podem constituir a criação de novos modos de existência21,22.
A partir disso, essa condição ultrapassa as normatizações acadêmicas, transforma mais do que formata. Por meio dela, reside uma possibilidade de hoje reconstruirmos uma estética e uma "ética de "si"; de acolhermos o convite de Foucault e inventarmos modos de existências que escapem das subjetividades capitalísticas22, nas quais o produto é visto de modo isolado, sem a atenção ao monitoramento e sem o controle das tensões geradas nesse processo.
Verbalizaram o adoecimento
Os participantes que verbalizaram o adoecimento acreditam que há a necessidade de amparo da universidade para o desenvolvimento das atividades docentes, bem como de contratação de profissionais mais comprometidos. O possível esgotamento pode estar conduzindo-os para novas demandas, como a disponibilidade de espaços para o descanso na universidade.
Quando refletiram sobre como a chefia/direção deveria se posicionar nesse contexto, demonstraram evidente insatisfação, transparecendo sinais de direitos violados, injustiça e revolta diante das circunstâncias que viven-ciam, já que vislumbram a universidade como espaço de desigualdade.
Nesse âmbito, apesar de vislumbrar a expansão das universidades públicas brasileiras, com a ampliação do capital humano, da produtividade científica e de outras variáveis pertinentes, percebe-se que o sofrimento humano se acentua diante do hiperfuncionamento e da má gestão universitária 23.
Alguns pesquisadores destacam que os professores universitários experimentam sentimentos bons e ruins que se misturam e se confundem: ora se sentem aceitos e reconhecidos, ora sofrem e se decepcionam ao não receberem retorno do seu trabalho e de suas demandas24. São inúmeros fatores que os levam a se sentirem cada dia mais desencorajados, desacreditados de suas funções, o que os aproxima do adoecimento psíquico e físico25. Muito embora se acredite que os conflitos vivenciados nas relações interpessoais com chefias e colegas26, como já mencionado anteriormente, tenham grande importância para esse acometimento.
Estudo evidencia que, em certas ocasiões, o aumento das oscilações de humor, a recusa para momentos de lazer e o abuso de substância psicoativas, mesmo quando percebidas, rapidamente são ocultadas pelos docentes e seus colegas de labor. Essas ocorrências são de difícil caracterização como sequelas de uma intensificação no ou do trabalho, com a sua desumanização paulatina. No entanto, trata-se de manifestações silenciosas. Porém, o efeito mais deletério dessas mazelas é a negação, por parte dos docentes, de que elas existem. Ademais, a intensa psicologização que caracteriza essas patologias também é um impeditivo para o seu diagnóstico27.
Somada a isso, a invisibilidade desse adoecer para a gestão da universidade do presente estudo parece também influenciar na inexistência de políticas institucionais que contemplem medidas de proteção e amparo ao professor diante de algum conflito no cotidiano docente ou na condição de adoecido. Dessa forma, o professor, cada vez mais, acostuma-se a suportar o fardo do cansaço e dos dias superdimensionados, o que contribui para a intensificação do seu adoecimento27.
Pesquisa realizada no sudoeste goiano com professores da rede municipal identificou que 90,9 % dos profissionais adoecidos, principalmente por distúrbios osteomusculares e distúrbios psicossociais, não receberam nenhuma assistência de saúde por parte da instituição de ensino onde trabalhavam ou da unidade que gerenciavam. Esses professores relatam o desejo dessa assistência como forma de valorização profissional e resgate da autoestima28.
Estudo em IES do sul do Brasil revela que tanto instituições públicas quanto privadas geram altos índices de estresse entre os docentes. Os sintomas indicadores de estresse são bastante variados, porém se constatou a prevalência de sintomas psicológicos na amostra da IES privada e prevalência de sintomas físicos na IES pública 29. Ainda que ambos os sintomas sejam encontrados nos atestados médicos, os adoecimentos com manifestações físicas são aqueles que recebem maior atenção nas universidades, enquanto outras formas de adoecimento informadas à gestão universitária costumam despertar desconfiança, culminando, por vezes, em investigação para confirmar a veracidade 30.
Esse contexto também foi observado no presente estudo, no qual inúmeros docentes universitários apresentaram sinais de esgotamento, mas, por não possuírem diagnóstico médico formal ou representatividade de doenças concretas, mesmo percebendo exaustão, seguem extenuados, negando o adoecimento e a interferência deste na qualidade do seu trabalho.
Embora universidades estrangeiras já possuam a iniciativa de implantar serviços de apoio e desenvolvimento humano, de forma organizada e sistematizada 31,32, no Brasil, em geral, prevalecem iniciativas incipientes e tímidas, planejadas predominantemente para o suporte psicológico dos estudantes. A universidade do estudo, por exemplo, dispõe de vários cursos na área da saúde, porém ainda não oferece nenhum tipo de serviçoin locopara o atendimento à saúde dos docentes. Diante disso, é necessário pensar em espaços plurais que também atendam a esses profissionais, onde eles possam expor suas ansiedades, incertezas e descontentamentos. É importante que esses espaços não tenham como objetivo "descobrir dificuldades", mas sim um espaço de apoio onde um professor possa auxiliar o outro em seus impasses, construindo e desconstruindo as limitações e as potencialidades de ser professor universitário 33.
Logo, quando gestões ignoram o valor e o impacto do trabalho, sua intensidade e repercussões, contribuem para o distanciamento dos professores tanto dentro da sala de aula como nas demais relações que se estabelecem no universo acadêmico 34. O sofrer prolongado, marcado pelo esgotamento e acrescido de recompensa insuficiente e ausência de justiça, pode os conduzir ao diagnóstico de síndrome por esgotamento 35.
Estudo recente, realizado em uma universidade de Ubá (estado de Minas Gerais, Brasil), confirma essa consequência, já que os professores, com o passar dos anos, mostram uma diminuição da energia para o trabalho e possíveis alterações na saúde mental 36. Outro estudo conduzido no Equador com professores de diversos níveis de ensino também ressalta o desiquilíbrio entre o esforço e o retorno desse investimento como causadores de um adoecimento progressivo37.
Com isso, há também a possiblidade de emergir a insatisfação perante o posicionamento da chefia/coordenação, marcado pela parcialidade diante dos conflitos, pela pouca valorização da fala e das necessidades dos professores, enfim, o desvelar do sentir-se injustiçado. Estudo realizado em uma universidade no interior de São Paulo aponta que, simultaneamente ou por conta da insatisfação com a chefia/coordenação, há dissabor na profissão quanto às questões éticas e à sobrecarga de atividades, categorias que também foram identificadas como indicadores desfavoráveis da profissão38.
Outros participantes do presente estudo também percebem essa dificuldade em gerenciar os conflitos e, por consequência, os comprometimentos posteriores, afirmando que a gestão até poderia intervir mais efetivamente, mas a própria universidade não oferece o respaldo necessário. Assim, em algumas universidades, faltam procedimentos e técnicas (ou seja, como fazer) que possibilitem ao coordenador (aquele que está gerenciando o curso de ensino superior) realizar uma análise do ambiente organizacional para promover a execução de suas devidas funções39.
A relação entre a percepção de injustiça e o adoecimento faz com que os colaboradores sintam cada vez menos vontade de fazer parte da organização, afastando-se do sentimento de pertencimento e enclausurando-se como forma de defesa ou proteção dos gatilhos de tensão ou desacordos40,41.
Diante disso, melhorar a qualidade de vida e realizar um trabalho preventivo com esses profissionais, preparando-os para o dia a dia da profissão, bem como diminuir as situações geradoras de conflito podem ser alternativas que abreviem os índices de doenças ocupacionais. Traçar linhas de ação que consolidem uma política de valorização do trabalhador em educação é uma das medidas a serem tomadas para minimizar os afastamentos do trabalho28.
Outras estratégias possíveis podem ser baseadas na organização de oficinas inspiradoras, no fortalecimento de movimentos de categoria ou na aquisição de habilidades de enfrentamento para combater as fontes geradoras de estresse no ambiente com as quais os professores lidam37. Quando os professores conhecem esses riscos, podem planejar novas formas de relacionamento. À medida que compreendem os limites e possibilidades de apoio mútuo do coletivo, redescobrem suas próprias limitações e desafios no espaço docente42.
Muitos estudos têm avançado nessas propostas, porém sem, muitas vezes, levar em conta as condições de trabalho e a motivação do professor, portanto não consideram sua dimensão humana dentro das instituições de ensino. Em outras palavras, o professor quase nunca é visto como um ser humano no exercício de suas competências profissionais43. Além de ser um problema de caráter profissional, isso estagna o desenvolvimento do professor universitário e fere sua dignidade 44, o que também se constitui um problema ético.
Diante disso, lutar pelo cumprimento das leis e por seus direitos passa a ser uma questão de dignidade para o professor. A busca pela valorização de seu trabalho enquanto profissional avança para além de uma necessidade de sustento ou uma simples vocação, repousa no anseio por um espaço adequado para sua prática, onde a convivência permita o estabelecimento de vínculos e menor possibilidade de adoecimentos45.
CONCLUSÕES
Com o estudo, verificou-se que o ambiente de trabalho dos professores universitários entrevistados parece estar degradado pelas relações de trabalho conflituosas ou por problemas de gestão da dinâmica de trabalho e condução das atividades docentes.
Apesar de os participantes do estudo terem apontado certa insatisfação quanto às condições de infraestrutura, revelam que, sem o comprometimento, a cooperação e o espírito de equipe dos colegas, a qualidade e o desenvolvimento da universidade ficam comprometidos. Além disso, transparecem sinais de direitos violados, injustiça e revolta diante das circunstâncias que vivenciam, já que percebem a universidade como espaço de desigualdade. Ademais, consideram que falhas na liderança do grupo, somadas à ausência de princípios éticos e ao desrespeito à pluralidade dos colegas, aumentam a ocorrência de conflitos. E, por não vislumbrarem gerenciamento adequado destes, seu bem-estar é afetado, com repercussões para sua saúde.
Os participantes sinalizam para a necessidade de maior diálogo na relação professor-professor e professor-chefia, o que pode auxiliar na redução de situações prejudiciais ao pleno convívio e colaborar para uma atmosfera mais saudável. Contudo, reconhecem que a universidade deveria disponibilizar recursosin locopara o acolhimento, a assistência e o acompanhamento diante de algum sofrimento ou adoecimento do docente.
Dessa forma, entende-se que o ambiente universitário possui riscos à saúde do professor, mas carece de maior interesse ou disponibilidade dos gestores, especialmente, quanto à promoção de um espaço mais harmonioso e de relações de trabalho com maior igualdade e justiça.
Este estudo não pretende esgotar as particularidades dos problemas existentes nas relações de trabalho no contexto acadêmico, embora aponte indícios de conflitos que devem receber a atenção da gestão universitária para as mediações possíveis. Dessa forma, sugere-se a realização de novos estudos que abordem como os professores universitários lidam, em seu cotidiano, com as patologias que possuem e como isso impacta em suas atividades profissionais.