1. Introdução
Considerado um tema relativamente jovem, o empreendedorismo social vem atraindo a atenção de pesquisadores devido a sua contribuição e destaque na sociedade com a geração de impacto social positivo que esse tipo de empreendimento busca como resultado. O aumento crescente de pesquisas, publicações e conferências sobre o tema evidenciam o interesse pelo assunto.
A despeito da sua relevância, o conceito de Empreendedorismo Social (ES) ainda carece de uma definição mais precisa e um paradigma unificador, capaz de delimitar um campo de estudo (Bose, 2013). Embora a maioria dos artigos apresente, no núcleo central das discussões, a questão social, a literatura sobre ES se demonstra dispersa. Nos artigos seminais é possível identificar questões que abordam a comunidade em sociedades pluralistas (Miller, 1988), o papel da inovação no contexto do ES (Ganne, 1989), programas socioeconômicos e seu impacto no desenvolvimento de ES e microempresas (Lindøe, 1994), entre outros.
O ES tem sido alvo de estudo há cerca de 30 anos, mas o aumento do interesse pelo tema é observado nos últimos 10 anos, conforme dados da base Scopus. É possível identificar discussões que buscam uma definição sobre o ES e suas características únicas, e sobre empresas sociais. Alguns autores, por exemplo, realizaram revisões sistemáticas da literatura sobre ES com o propósito de diminuir a falta de clareza no tema (Thompson, 2008), de explorar o conceito de crescimento do negócio (Hynes, 2009) e de fornecer uma visão abrangente da literatura acerca da sua implementação legal (Gurtoo, 2009). Dacin, Dacin e Tracey (2011) buscaram desenhar um campo de investigação para a área de ES e apresentaram questões de pesquisa para estudos futuros. No entanto, não foram identificados estudos que apresentassem os campos possíveis de investigação no ES capazes de nortear as tendências gerais da área.
Dessa forma, levando em consideração essa lacuna, este estudo apresenta os resultados de uma pesquisa bibliométrica cujo objetivo foi identificar a evolução do estado da arte em ES mapeando e delineando os diversos campos de estudo sobre o tema. Numa amostra composta por 296 artigos identificados na base de dados Scopus, foram realizadas análises de citações e cocitações, bem como análise fatorial para identificar os principais temas de pesquisa, o conhecimento acumulado e as tendências futuras sobre o tema.
Os resultados permitiram identificar a existência de um equilíbrio entre as publicações que tratam sobre o empreendedor social e o empreendimento social. Quatro categorias de pesquisa foram observadas: sociedade, estudos em ES, educação e políticas de habitação. Na análise fatorial exploratória (AFE) foram identificados seis fatores que mapeiam os campos de estudos em ES: ES informal e ou irregular; empreendedor e ES; contexto e campo das empresas sociais e o ES; empreendimentos sociais autossustentáveis; motivação social; ES, construções e narrativas. Não obstante os temas abordados na área, há uma preocupação dos autores em definir o fenômeno ES, as funções e motivações do empreendedor social, suas características e competências. Algumas possibilidades de futuras pesquisas são a necessidade de validar instrumentos de coletadas de dados, estudos sobre sucesso, sobre empreendedorismos e motivação nas relações sociais, so bre o desenvolvimento de iniciativas que envolvam o ES nas escolas. Os resultados também apresentam os estudos seminais, os periódicos que mais publicam sobre o tema, os contextos que descrevem o ES, os fatores teóricos que o englobam, a contribuição dos principais autores e suas agendas de pesquisas.
Na sequência desta introdução, é apresentada a seção 2, contendo o marco teórico onde foi feita uma breve revisão da literatura sobre empreendedorismo social; na seção 3, são abordados os aspectos metodológicos; na seção 4, são apresentados e discutidos os resultados, bem como apon tadas as tendências de investigação futura; por fim, na seção 5, são feitas considerações finais.
2. Marco teórico: empreendedorismo social
O tema ES vem despertando o interesse de pesquisadores, especialmente devido às suas contribuições sociais. Muitas são as interpretações, concepções, entendimento e contextos a respeitos deste campo de estudo. Algumas discussões merecem destaque, entre as quais a tentativa dos estudiosos de conceituar a natureza do ES, seu funcionamento e impacto social.
O conceito ES abarca dois elementos principais na sua definição: o empreendedor e o social. Waddock (1988) relacionou o elemento social às práticas socialmente responsáveis nos negócios. O elemento social é relacionado com “iniciativas em busca de estratégias alternativas de financiamento ou gerenciamento de esquemas para criar valor social” (Mair e Marti, 2006, p. 37) e visto como meio de aliviar problemas sociais e catalisar a transformação social (Alvord, Brown e Letts, 2004). O elemento empreendedor, por sua vez, está relacionado com a personalidade do empreendedor social e a natureza empreendedora, abordando questões sobre o intraempreendedorismo no setor empresarial e social, e a inovação no processo empresarial (Mair e Marti, 2006). Ainda sobre a definição do termo ES, a Foundation Schwab define o ES como a busca por tentar resolver problemas sociais por meio de ideias inovadoras, evidenciando os elementos social e empreendedor (Oliveira, 2004).
Com relação aos motivos que vêm movimentando as pesquisas sobre ES, Peredo e Mclean (2006) mencionaram três. O primeiro motivo diz respeito à relevância de conhecer os diferentes padrões de avaliação do ES. O segundo está relacionado à possibilidade de o ES ser um instrumento promissor para abordar as necessidades sociais. O terceiro trata sobre as competências gerenciais dos em preendedores sociais.
A evolução dos estudos na área de Empreendedorismo Social centra-se no domínio das organizações não lucrativas e não governamentais (Assaf Neto, Procópio de Araújo e Ferraz do Amaral, 2006). São abordadas questões relati vas às condições de vida dos pobres e menos privilegiados, ao desenvolvimento econômico, social e da comunidade e aos efeitos da realização da missão social (Weerawardena e Mort, 2006), com atenção especial ao setor do voluntaria do (Thompson, 2002).
Arin, Huang, Minniti, Nandialath e Reich (2015) mencionaram que a pesquisa sobre ES pode estar vinculada ao contexto estudado. No referido estudo, os autores exploraram os comportamentos dos empreendedores sociais no terceiro setor e as atividades do pré-empreendimento que acontece antes da criação de uma organização sem fins lucrativos. Ao final, constataram que o ES, enquanto processo, pode ser considerado uma emergência social cujo o ponto de partida é a família, caminhando em direção à formação da organização para atender desafios da sociedade.
Outra abordagem trata o ES como uma construção multidimensional enraizada na missão social da organização e no seu foco na sustentabilidade (Weerawardena e Mort, 2006). De acordo com essa concepção, o empreendedor social é aquele que apresenta um comportamento inovador com o propósito de assegurar o acesso aos recursos para o empreendimento, ao tempo em que cria um valor social para a organização onde atua.
Embora o ES possa ser apresentado sobre muitos tipos e formas, a literatura mostra-se incipiente sobre quais os tipos de política que devem visar as ações empreendedoras e qual o impacto desejado pelos decisores políticos a partir dessas ações (Terjesen, Bosma e Stan, 2015). Emerge, pois, a necessidade de estudos aprofundados sobre ES para definição de eixos temáticos que possam apoiar estudos e ações do tema. Após essa breve retomada conceitual sobre o campo de estudos do ES, a seguir, apresenta-se o método de pesquisa.
3. Metodologia
Com o objetivo de analisar as publicações sobre empreendedorismo social e mapear os eixos de estudo sobre o tema, o presente artigo é resultado de um estudo bibliométrico, método pautado nas leis de Bradford, Lotka (LL) e Zipt (Fonseca, 1986). A bibliometria facilita a análise do conhecimento acumulado em determinado assunto, por meio da incidência de palavras, dos autores e coautores, das ins tituições e países aos quais os pesquisadores são filiados e outros dados que permitem a análise do estado da arte do tema em estudo. A base de dados Scopus foi utilizada como ferramenta para a seleção de dados, a partir do uso da palavra-chave “Social Entrepreneur”, o termo empreendedorismo social nos títulos, resumos e/ou palavras-chave, restringindo a busca somente a artigos quanto ao tipo de documento. A busca foi feita no dia 21 de março de 2016 e retornou com 304 artigos. Foi realizada a leitura dos títulos, resumos e palavras-chave dos artigos para verificar se re almente tratavam sobre empreendedorismo social. Nessa triagem, oito artigos que não se enquadravam no contexto foram removidos, totalizando uma base de 296 artigos.
Os artigos foram analisados quanto ao ano de publicação, periódicos em que foram publicados, autores, palavras mais frequentes, similaridade de palavras e eixos temáticos. Para a análise dos artigos por similaridade de palavras, fez-se uso do software Iramuteq, que considera o método de Reinert (1993) para organizar a coocorrência das palavras, para analisar corpus de texto (Sbalchiero e Tuzzi, 2016). A Análise Fatorial Exploratória (AFE), feita com o software Bibexcel, foi usada para averiguar as possíveis linhas conceituais (eixos temáticos) dentro do grande tema ES. Também foi usada a Análise Fatorial de Correspondência (AFC), por meio do software SPSS.
A base de dados Scopus possui uma ferramenta de seleção que permite classificar a busca em diversas categorias, dentre as quais por autor, data, título, citação ou relevância. Foram selecionados os 20 artigos mais relevantes da amostra, que originaram um quadro com a consolidação dos seus respectivos objetivos, contribuições e indicações de pesquisas futuras.
4. Análise e discussão dos resultados
Os 296 artigos foco deste estudo representam a totalidade de artigos sobre ES indexados publicados na Base Scopus, disponibilizada até a data de consulta realizada em março de 2016. O primeiro artigo foi publicado em 1988, de autoria de Irwin Miller (1988). Um maior interesse no tema é observado entre 2008 a 2015, quando mais de 80% dos artigos foram publicados. Os periódicos que mais publi caram são: Journal of Social Entrepreneurship (17 artigos), Journal of Business Ethics (13 artigos) e Entrepreneurship Theory and Practice (11 artigos).
4.1. Contextos do Empreendedorismo Social
Foi identificada a formação de quatro clusters representando quatro contextos ou grupos polissêmicos com associação de termos de significado léxico. A priori, pode-se argumentar que dentre os 296 resumos dos artigos recuperados e analisados sobre ES, há quatro contextos que descrevem o tema: o contexto 1, representante de 37,3% do conteúdo total; o contexto 2, de 35,3%; o contexto 3, de 13,5%; o contexto 4, de 13,4% do conteúdo. Esses 4 clusters foram gerados pelo software de análise de conteúdo Ira muteq (“Iramuteq - IraMuTeQ”) com o objetivo de oferecer uma interpretação sobre o conteúdo dos 296 artigos, triangulando os conteúdos analisados por meio de múltiplas técnicas, gerando a classificação hierárquica descendente (CHD), por similaridade. A CHD realiza a delimitação e a relação hierárquica entre os clusters (Camargo e Justo, 2013). Porém, para compreensão do fenômeno e campo de ES, é preciso ir além das análises exploratórias e analisar o significado léxico das palavras identificadas nos resumos dos artigos. A análise das palavras permite compreender o sentido da comunicação, além alcançar o dicionário para cada um dos contextos identificados.
A tabela 1 apresenta os quatro contextos identificados no total de artigos publicados, demonstrando que os autores e pesquisadores têm se concentrado nas mesmas explicações gerais sobre ES. As palavras e seus significados permitiram denominar cada um dos contextos. O contexto 1, por exemplo, foi denominado sociedade porque as palavras que o compõe levam a explicações gerais sobre questões de saúde, problemas sociais de uma forma geral, riscos, pobreza e miséria. A análise desse contexto é útil para identificar experiências e necessidades sociais não satisfeitas que levam ao reconhecimento de oportunidades de formação de empreendimentos sociais.
O contexto 2 foi nominado como estudos em empreendedorismo social. Os autores focaram na apresentação de aspectos que tratam da importância da compreensão do termo empreendedorismo, do seu valor social, do papel das organizações e do grupo, da extração de teorias, da análise das tendências, dos estudos e pesquisas realizados na área e, principalmente, da importância de disseminar o conhecimento. A análise desse contexto pode auxiliar na compreensão do campo de estudo, especialmente na definição e diferenciação dos fenômenos que envolvem empresas sociais, empreendedorismo social e empreendedores sociais.
O contexto 3 foi denominado educação. Nele é possível observar o papel da universidade sendo questionado, enquanto agente da promoção e disseminação do conhecimento, retratado nos projetos de pesquisa e extensão. Ele pode auxiliar a compreender quais questões sociais vêm motivando o fomento à pesquisa, estudos e experiências. O contexto 4, por fim, foi nominado como políticas de habitação devido à preocupação dos autores com a acessibilidade, criação de políticas de governo que favoreçam o acesso à propriedade aos menos favorecidos, aos pobres e miseráveis, assim como criar políticas de desenvolvimento, custos e planos a longo prazo para que a sociedade não tenha problemas habitacionais. Esse contexto pode auxiliar na compreensão das questões relativas às políticas públicas voltadas para as questões sociais.
A análise fatorial de correspondência (AFC) dos resumos permite averiguar as distâncias ou disposições de um contexto em relação ao outro, bem como o agrupamento de temas (Camargo e Justo, 2013) nos 4 contextos identificados na tabela 1. Com essa técnica, foram agrupadas as 28 principais palavras de cada contexto. O cálculo foi realizado pelo Iramuteq com base no Chi quadrado. Essa técnica permite observar o contexto léxico a partir dos clusters criados e compreender as suas formas. A proximidade das palavras forma os contextos (figura 1) e considera os fatores calculados no AFC (Camargo e Justo, 2013).
Para a análise da figura 1, considera-se o quadrante em que o grupo se encontra, bem como as possibilidades que são traçadas pela intersecção. Também é possível observar o motivo pelo qual o grupo de palavras 1 (estudos em ES) e o grupo de palavras 2 (sociedade) se encontram mais próximos e, em alguns momentos, misturados; e o porquê do grupo de palavras 3 (educação) e do grupo de palavras 4 (políticas de habitação) estarem mais distantes, porém, com palavras interligadas. Estudos em ES (grupo de palavras 1) estão misturados com sociedade (grupo de pala vras 2) no centro da discussão. Nas periferias, tem-se as discussões que permeiam a educação (grupo de palavras 3), com alguns elementos próximos ao núcleo central da discussão; do outro lado, as políticas de habitação (grupo de palavras 4). O grupo que representa educação, diz respeito aos artigos sobre a formação para empreendedores sociais, pesquisas sobre eles e seus empreendimentos, métodos, conceitos, definições, entre outros aspectos. Há algumas interpretações, a exemplo de um artigo que trata o professor como um empreendedor social (Chand e Misra, 2009), mas em geral os artigos procuram disseminar o ES por meio da educação. Nas discussões sociais, comumente, surge o aspecto habitação, que é uma preocupação vá lida tendo em vista que faz parte de uma necessidade primária do ser humano (Ferreira, 2004). Por se tratar de uma preocupação social, é certo que alguns empreendedores sociais se dediquem à habitação, leis e regulamentos, políticas públicas para habitação, acesso, incentivo, planeja mento e desenvolvimento.
Apresentadas as palavras que compõe os 4 contextos, foi realizada uma análise de similaridade (Neto e Moita, 1998). Buscou-se destacar as formas predominantes dentro do cluster configurando os limites dos nós de rede para a frequência mínima de 20 ocorrências, por meio da técnica de construção de rede de formas (Ramos e Bräscher, 2009). A figura 2 se origina da análise de conteúdo dos resumos dos artigos usando a técnica de similaridade.
O cluster de palavras está amplo e ap esenta dispersão, embora apresente ligação direta com o núcleo central, que é a sociedade. O desenho resultante se assemelha a uma flor, onde cada “pétala” representa um subcluster. No centro, tem-se um cluster gigante, com a palavra social, permeada por diversas palavras relacionadas. As pétalas mostram proximidade: algumas distantes, umas mais pró ximas também a outras pétalas, outras coladas ao núcleo, evidenciando pesquisas sobre a questão social pulverizadas em diversos ângulos e vertentes. Algumas pétalas são relacionadas ao poder público e ao poder privado, a empreendimentos de pequena e grande escala. É tratado sobre modelos, valores, estudos, implicações, desenvolvimento e limitações.
4.2. Principais referências cocitadas em Empreendedorismo Social
Para a análise dos fatores teóricos que englobam o ES, foi utilizada a análise fatorial exploratória (AFE) com o método de rotação Varimax (Hair, Black, Babin e Anderson, 2010). Para tanto, os autores foram agrupados de acordo com a sua linha conceitual. Foram considerados os valores maiores que 0,4 de correlação (Hair et al., 2010). A AFE foi calculada a partir da matriz de cocitação das referências bibliográficas dos 296 artigos e extraída do software Bibexcel .Artigos que tratam de uma mesma linha conceitual possuem alta carga fatorial em um mesmo fator.
O resultado da AFE apresentou total da variância explicada de 75,42%, KMO > 0,6 e Teste de esfericidade de Bartlett < 0,05, resultados considerados adequados (Hair et al., 2010). A tabela 2 apresenta o resumo da AFE, já com os componentes separados por fator, com autores e ano da publicação. A partir desse agrupamento, procurou-se analisar qualitativamente os padrões apresentados pela maioria dos resumos, métodos e conclusões de cada uma das publicações cocitadas. De um total de 54 artigos cocitados resultantes da AFE, seis foram ou excluídos da tabela ou mantidos em apenas um fator que melhor o representasse: Eisenhardt (1989); Bhide e Stevenson (1990); Leadbeater (1997); Wallace (1999); Mair e Marti (2006); Austin, Stevenson e Wei-Skillern (2006). As exclusões das cocitações aconteceram pela não identificação do artigo completo cocitado na base de dados, restando 48 artigos.
O primeiro fator, constituído por 15 artigos, foi nomeado como Empreendedorismo social informal e ou irregular. Os autores, de uma forma em geral, iniciaram suas discussões e argumentações ao definirem os fenômenos empresas sociais, ES e empreendedores sociais (Thompson, 2008; Lyon e Sepulveda, 2009), visando a formação de um campo de investigação. Houve a tentativa de identificar a empresa social ideal, a partir da análise de possíveis enquadramentos legais, políticas públicas, estruturas de apoio e políticas de compras públicas que apoiam o desenvolvimento destas empresas (Defourny e Nyssens, 2010). Outros, a exemplo de Frith e Mcelwee (2007), deram atenção espe cial à implementação jurídica da empresa social. Nessa mesma perspectiva, Mair e Marti (2006) apresentam uma visão de ES como um processo que catalisa a transformação social e responde às necessidades sociais importantes sem benefícios financeiros diretos para os empresários. Essas questões ficam claras nos artigos que tratam sobre o empreendedorismo informal (Gallin, 2001; Ram et al., 2007; Williams, 2007; Aidis et al., 2007; Gurtoo, 2009; Smith e Christou, 2009) e irregular (Bouchard e Dion, 2009; Antonopoulos e Mitra, 2009). No que se refere ao empreendedorismo informal, por exemplo, os autores procuraram examinar o empreendedorismo de rua, em estudo realizado com cafetões e prostitutas (Smith e Christou, 2009); identificar questões sobre a organização das mulheres no emprego informal (Gallin, 2001), considerando haver pouca investigação sobre o empreendedorismo feminino, especialmente em países em transição (Aidis et al., 2007). Destacaram a presença de uma cultura empresarial oculta na economia informal ao tempo em que exploraram uma orientação estratégica para esse setor, com o propósito de desenvolver e aproveitar os proprietários de microempresas (Gurtoo, 2009). Também discutiram acerca das ques tões laborais e seu pequeno efeito sobre as empresas que operam na economia informal (Ram et al., 2007).
Por outro lado, destacaram que na União Europeia, por exemplo, um terço dos empresários são movidos por objetivos sociais, em vez de lucro, e que as culturas de empreendedorismo variam entre grupos e áreas populacionais, com populações rurais e marginalizadas exibindo maior pro pensão a se envolver com lucros sociais (Williams, 2007). A respeito do empreendedorismo irregular, os autores tra taram sobre a relação simbiótica entre os empresários de cannabis e hidroponia (Bouchard e Dion, 2009); e sobre o contrabando de cigarros como uma atividade economica mente produtiva e pouco investigada (Antonopoulos e Mitra, 2009). De uma forma geral, esses estudos constataram que a criação de valor social e a geração de lucro não são mutuamente excludentes na empresa social (Hynes, 2009).
O segundo fator foi intitulado Empreendedor e empreendedorismo social, sendo constituído por 14 artigos. Essa denominação se deve à busca dos autores pela construção de um novo campo de investigação, sendo esse um dos pontos mais significativos da convergência e similaridade entre os estudos aqui apresentados. Tracey e Jarvis (2007), por exemplo, examinaram a relevância das duas principais teorias usadas para entender o formato de negócio em franquias de empreendimento social: Teoria da Escassez de Recursos e Teoria da Agência. Dacin, Dacin e Tracey (2011) sugeriram uma série de áreas de investigação e questões de pesquisa para estudos futuros. Thompson, Alvy e Lees (2000) consideraram o papel crucial do setor privado no ES no contexto de um sistema de bem-estar social. Peredo e McLean (2006) analisaram de forma crítica, analítica e sintética, o termo ES e concluíram que os objetivos sociais podem ser perseguidos ao reconhecer e explorar oportunidades para criar esse valor, considerando, especialmente, limitações nos recursos disponíveis. Mair e Marti (2006) trataram o ES como um processo que catalisa a transformação social e que responde às necessidades sociais importantes. Ao final, introduziram o conceito de incrustação com um nexo entre perspectivas teóricas para o estudo do ES. Dacin, Dacin e Matear (2010) buscaram identificar o que é único sobre ES e quais as vias criam oportunidades para o futuro do campo.
Para pesquisas futuras, mencionaram os insights inerentes aos aspectos de empreendedorismo convencional, cultural e institucional existentes no contexto do ES. Waddock e Post (1995) buscaram definir ES e identificar qual o seu papel no domínio público. Di Domenico et al. (2010) fizeram uma bricolagem social das bases conceituais de várias disciplinas, identificando suas principais constru ções na área do ES, dentre elas a criação de valor social, a participação das partes interessadas e a persuasão. Weerawardena e Mort (2006) abordaram as implicações do ES para a teoria social do espírito empresarial, as práticas de gestão e as orientações políticas. Sharir e Lerner (2006) se propuseram a identificar os fatores que afetam o sucesso dos empreendimentos sociais, apresentando oito variáveis que contribuem para o sucesso dos empreendimentos so ciais. Thompson et al. (2000) consideraram o papel crucial do setor privado no ES no contexto de um sistema de bem -estar social. Dorado (2006) abordou o estudo de ES sob a ótica do processo empreendedor, considerando questões como gênero, raça, etnia e riqueza dos empresários, a na tureza tecnológica dos produtos ou serviços oferecidos, ou a localização geográfica de empreendimentos. Short et al. (2009) demonstraram a importância da observância das desigualdades sociais, os desafios ambientais e a inovação para desenvolver soluções criativas e sustentáveis no con texto do ES. Zahra et al. (2009) se propuseram a explicar as forças que contribuem para a formação dos empreen dimentos sociais.
O terceiro fator foi denominado Contexto e o campo das empresas sociais e o empreendedorismo social. Composto por 10 artigos, tem como ponto de convergência a exploração das características que envolvem a formação das empresas sociais, organizações sem fins lucrativos e voluntariado, fornecendo quadros e modelos explicativos para o fenômeno do ES. Fowler (2000), por exemplo, buscou explorar a medida em que o ES e a inovação cívica poderiam fornecer um novo quadro para organizações sem fins lucrativos. Dart (2004) desenvolveu um sentido explicativo para a empresa social baseado em perspectivas institucionais. Thompson (2002) forneceu um novo mapa para a compreensão da complexidade e das muitas facetas do mundo do empreendedor social e do setor do voluntariado. Spear (2006) desenvolveu um quadro que permitiu analisar o empreendedorismo econômico e o social. Seu propósito foi o de acomodar a dimensão coletiva ou pluralista muitas vezes negligenciada no estudo do empreendedorismo; baseou-se na abordagem comportamental com o propósito de adotar uma definição simples de ES, focada na criação de uma empresa social (cooperativa, organização mútua ou voluntária). Haugh (2005) estudou a natureza do ES do ponto de vista das atividades associadas à percepção de oportunidades para criar valor social na criação de organizações com finalidade social. Hemingway (2005) propõe que a Responsabilidade Social Empresarial não é apenas guiada por questões econômicas, mas também pode ser defendida como resultado de uma moralidade pessoal, inspirada por valores pessoais de cunho social. O artigo des taca como os valores podem funcionar como motores do nosso comportamento e presta especial atenção aos valores do empreendedor, ligando o debate existente no âmbito moral com o campo da responsabilidade social corporativa. Shane e Venkataraman (2000) partiram do pressuposto de que o ES carece de um quadro conceitual e basearam-se nas pesquisas realizadas nas diferentes disciplinas das ciências sociais e áreas de negócios para criar uma estrutura conceitual para o campo. Seelos e Mair (2005) demonstraram que o ES oferece insights que podem estimular ideias para estratégias de negócios mais socialmente aceitos e sustentáveis. Esses mesmos autores (Seelos e Mair, 2007) ilustram um quadro estratégico que reduz a complexidade gerencial, com o propósito de construir novos mercados capazes de incluir as necessidades dos mais pobres e gerar retornos financeiros.
O fator quatro representa os estudos sobre Empreendimentos sociais autossustentáveis, com 5 artigos. No argumento de Chell (2007), as empresas sociais são modeladas com princípios de não lucro, porém, a longo prazo, percebe-se que as empresas sociais devem ser autossustentáveis e, a partir dessa premissa, sugere que a definição de empreendedorismo deve incluir a criação de valor econômico e social. Para Shaw e Carter (2007), foi importante explorar os antecedentes históricos e teóricos de em presas sociais, assim como as práticas contemporâneas, para posteriormente fazer comparações entre empresas com fins lucrativos e sem fins lucrativos. Essa comparação incluiu observar o processo empresarial, em particular, o reconhecimento de oportunidade, o enraizamento da rede, a natureza do risco financeiro e lucro, o papel do indivíduo contra a ação coletiva na gestão e estruturação de empresas, criatividade e inovação. Os resultados sugerem diferenças significativas. Nicholls (2010) mostra um papel crítico para a pesquisa acadêmica sobre o ES em termos de resolução de discursos conflitantes, apontando a necessidade de desenvolvimento paradigmático da área. Corner e Ho (2010) utilizaram-se da teoria indutiva para identificar padrões na criação de valor social. Zahra et al. (2009) busca explicar as forças que contribuem para a formação e internacionalização de empreendimentos sociais, usa a teoria comportamental da empresa para destilar os principais atributos de oportunidades sociais e mostrar como es ses atributos influenciam o calendário e o âmbito geográfico das operações internacionais dos empreendimentos sociais.
O fator cinco refere-se à Motivação social, com dois artigos. No primeiro, Miller et al. (2012) afirmam que a compaixão pode completar motivações tradicionais, auto-orientada no sentido de incentivar o ES. Pesquisaram a compaixão e a motivação social, com o objetivo de construir um modelo de três mecanismos: pensamento integrativo; análise custo-benefício pró-social; e compromisso em ali viar outros sofrimentos; estes mecanismos transformam compaixão em ES, e contribuem para identificar as condições institucionais sob as quais eles são mais propensos a fazê-lo. Austin et al. (2006) oferecem uma análise comparativa do empreendedorismo comercial e social, evidencian do as motivações sociais, consolidando um quadro sobre como abordar o processo empresarial social de forma mais sistemática e eficaz.
O sexto fator foi denominado Empreendedorismo social, construção e narrativas, com 2 artigos. Dey e Steyaert (2010) fazem uma reflexão crítica como forma de analisar e multiplicar as narrativas circulantes de ES, com o objetivo de avançar conceitualmente por meio da observação da for ma como a política do inconsciente opera na narração do ES e como ela limita novas formas de pensar e falar. Sugerem compreensão não heroica da prática de ES, guiada pela ideia de messianismo sem messias. Em outro estudo desse fator, Roberts e Woods (2005) afirmam que o ES é a aplicação do empreendedorismo na esfera social, e preenche uma lacuna importante entre empresas e benevolência. Como campo, o ES está em uma fase inicial, com pouca definição teórica e alto índice de motivação e paixão. Na visão dos autores, o desafio para a academia é transformar o ES em uma área de pesquisa mais rigorosa e objetiva. Já para os profissionais, o desafio é promover mais consciência, apoio e participação. Inerente a ambos os desafios é a necessidade de uma definição simples que foca e aumenta a compreensão, constrói credibilidade, estimula novos questionamentos e o avanço da área.
4.3. Estado da arte em empreendedorismo social: objetivos, contribuições e pesquisas futuras indicados nos estudos
Esta seção teve como base os 20 principais artigos extraídos e organizados da base Scopus por relevância, com o intuito de identificar os objetivos, contribuições e pesquisas futuras apontados pelos autores estudados.
O principal objetivo dos artigos, em geral, foi definir o que os empreendedores sociais fazem e sua importância no desenvolvimento da comunidade; identificar suas motivações, os fatores de atração, como a consciência da injustiça social, e aqueles que os impulsionam, como a insatisfação com o trabalho; identificar os principais desafios enfrentados nas atividades que vislumbram o ES. As ideias que sustentam o conceito de “empreendedores sociais” também são influenciadas pelos professores. Portanto, deve-se dar atenção aos métodos, ensino e pesquisa do tema. Igualmente importante é a identificação dos atribu tos de empreendedores sociais e filantropos, dentre eles, a diferenciação e a determinação dos principais processos que influenciam os resultados da vida social e da atividade empresarial do empreendedor social.
As contribuições identificadas nos artigos versam em responder a esses objetivos e mostram definições do em preendedor social, suas motivações e limitações. Buscam a compreensão da complexidade e as muitas facetas do mundo do empreendedor social e do setor do voluntaria do (Thompson, 2002). Estudam empreendimentos sociais e fornecem novos valores e novas formas de gerir os mercados e as organizações empresariais, apontando os riscos e as oportunidades que esses modelos apresentam para um apoio e uma economia social (Neal, 2009). Propõe os modelos dos empreendedores sociais que operam com fins lucrativos e internacionalmente construídos, utilizando as dimensões de mentalidade, reconhecimento de oportunidade, redes sociais, e resultados (Scott-Cato e Hillier, 2010). Existem fatores importantes, tais como socialização precoce, experiência de trabalho na comunidade, educação e saúde, que diferenciam empresários sociais e filantropos e a relação entre as instituições formais e informais, traços pessoais e habilidades sociais de empreendedores sociais, e como influenciam os resultados de desenvolvimento social (Dhesi, 2010).
Lamentavelmente, poucos são os estudos que fazem indicações a pesquisas futuras, e mesmo os que fazem, deixam muito aberto ou pedem replicação em um outro contexto. Algumas indicações foram: estudos que ampliam a visibilidade do empreendedor social e do empreendedorismo social (Thompson, 2002); abordagem baseada em uma visão mais ampla do homem e em obras de alguns economistas clássicos como Adam Smith, como alternativa à abordagem da escolha racional para abordar a questão do desenvolvimento da comunidade (Dhesi, 2010); estudos sobre como os educadores podem desenvolver iniciativas de empreendedorismo social dentro e fora de suas esco las (Kickul, Janssen-Selvadurai e Griffiths, 2012); busca por conhecer os fatores que influenciam o reconhecimento de oportunidades para empreendedores sociais (Sun e Cai, 2013); e formas de melhor determinar o impacto real de um empreendimento social (Malunga, Iwu e Mugobo, 2014). Também são apontadas as necessidades de pesquisas mais aprofundadas sobre o perfil do ES, e a validação do instrumento de coleta de dados (Tigu, Iorgulescu, Ravar e Lile, 2015), assim como estudos sobre sucesso, empreendedorismo, motivação e relações sociais do ES (Christopoulos e Vogl, 2015). Para avançar com as pesquisas na área, é preciso que os autores sejam mais colaborativos no momento de escrever as limitações e indicações de pesquisas futuras, buscando realmente contribuir com a ciência (Bertero, Caldas e Wood, 1999).
A área de ES demonstra estar em construção. Após as análises fatorial e de conteúdo, associadas às métricas realizadas, foram encontradas quatro categorias denominadas Estudos em ES, sociedade, educação e políticas de habitação. A análise fatorial exploratória permitiu identificar seis fatores considerados como sendo seis campos diferenciados de estudos dentro da área de ES. O primeiro deles diz respeito aos estudos que focam o ES informal ou irregular, tanto do ponto de vista do indivíduo quanto do desenvolvimento dos negócios. O segundo fator trata sobre o empreendedor social e o ES, estando busca dos autores por definir o fenômeno como um campo de investigação. Acredita-se que estes dois primeiros fatores estejam relacionados à primeira categoria - estudos em ES. O terceiro fator foi nomeado como contexto e campo das empresas sociais e do ES. O quarto fator está relacionado aos empreendimentos autossustentáveis. Estes dois últimos fatores estão relacionados às categorias sociedade e habitação, que envolvem discussões sobre problemas sociais, riscos, pobreza, miséria, dentre outros. O quinto fator identificado foi a motivação social e o sexto trata sobre as construções e narrativas acerca do ES, ambos sendo associados à cate goria educação.
5. Conclusões
O tema Empreendedorismo Social demonstra-se amplo, talvez por ainda não ter uma definição amplamente aceita, o que fica demonstrado pela pulverização de publicações em journals de diversas áreas do saber. Embora seja crescente o número de publicações e pesquisas sobre ES nos últimos anos, ainda não há um conceito consolidado e universalmente aceito que defina o empreendedor social e qual a sua área ou campo de atuação. Também é intrigante perceber que o foco de muitas pesquisas gira em torno da busca por identificar as motivações de empreender socialmente. Tal fato pode estar associado à não compreensão de atividades que não geram lucro, normalmente e erroneamente associadas aos Empreendimentos Sociais. Ressalta-se que no passado as empresas sociais foram modeladas em princípios de organizações sem fins lucrativos, de caridade, filantropia, que atraíam capital humano e social com motivações pró-social, espírito comunitário, e com estratégias de sobrevivência baseadas nas premissas de dependência e de subvenções. Vale ressaltar que os empreendimentos sociais podem ter fins lucrativos além da finalidade social, e existem pesquisas que abordam esse aspecto, na tentativa de diferenciar ou conceituar algumas diferenças e similaridades entre os empreendedores sociais que buscam ou não fins lucrativos, ou autossustentabilidade financeira além do objetivo social. Acredita-se que as empresas sociais devam ser autossustentáveis e, para tal, devem incluir a criação de valor econômico além da criação de valor social.
As limitações do presente estudo estão na busca efetuada em uma base de dados internacional, que embora considerada relevante, não aborda especificamente autores nacionais. Indica-se, portanto, analisar a evolução das publicações nacionais, ou ainda por temas, podendo utilizar como recorte da pesquisa as quatro categorias que foram denominadas Estudos em ES, Sociedade, Educação e Políticas de Habitação, ou ainda utilizar os seis fatores considerados neste estudo como sendo seis campos diferenciados de estudos dentro da área de ES.
Sobre as tendências futuras de pesquisas na área de empreendedorismo social indica-se também a necessidade de validação de instrumentos de coletas de dados, estudos sobre sucesso de empreendimentos sociais, empreendedorismos e motivação nas relações sociais, estudos sobre o desenvolvimento de iniciativas que envolvam o ES nas escolas; a consideração das questões relativas ao ambiente e crescimento econômico como medidas de soluções sustentáveis desejáveis, a combinação de fatores que influenciam o reconhecimento de oportunidades com foco na construção de um quadro sólido rico sobre o ES. Uma análise sistemática na área de ES pode identificar novas visões e percepções acerca do fenômeno, indicando outras oportunidades para pesquisas futuras.