1. Introdução
A remuneracao dos acionistas (payout) e uma decisao central dentro do contexto das financas corporativas e, por isso, e objeto de analise de diversos estudos. De acordo com a Teoria da Politica de Payout desenvolvida por Lambrecht e Myers (2012), para sua compreensao, esta deve ser posta em conjunto com as politicas de financiamento e de investimento da firma. Portanto, ha uma relacao de interdependencia entre as diferentes decisoes financeiras da empresa.
No que diz respeito especificamente as decisoes de investimento, Ardestani, Rasid, Basiruddin e Mehri (2013) sugerem que, alem de sua relevancia para o crescimento das firmas, elas sao capazes de exercer impacto sobre a politica de payout das empresas. Dessa forma, os gestores podem preferir adotar um nivel baixo de payout, utilizando, assim, a retencao do lucro para aproveitar oportunidades de investimento (Myers & Majluf, 1984). Por outro lado, um elevado pagamento de dividendos pode reduzir os fluxos de caixa livres a disposicao dos gestores, minimizando problemas de agencia, e desencorajando os gestores de investirem em projetos destruidores de valor (Lepetit, Meslier & Wardhana, 2017). Para Lambrecht e Myers (2012), o investimento determina a renda permanente da empresa (anuidade equivalente ao valor presente de todo o lucro futuro da empresa) e e com base nessa renda que os gestores determinam o nivel de payout. Para os autores, investimento e payout podem aumentar simultaneamente
No que diz respeito as decisoes de financiamento, estas guardam relacao com o payout a medida em que uma elevada remuneracao dos acionistas pode aumentar a necessidade de financiamento externo. Em outras palavras, caso a empresa nao consiga gerar recursos internos suficientes, pode acabar recorrendo a recursos externos a fim de fazer frente as necessidades de manutencao de suas operacoes, novos investimentos ou politica de payout (Damijan, 2018).
Para Lambrecht e Myers (2012), as decisoes de financiamentos podem ser usadas para absorver choques no lucro liquido a fim de manter suavizadas a remuneracao dos acionistas e a renda do gestor (salarios, estabilidade no emprego e outras vantagens financeiras ou nao financeiras). A estrategia de suavizacao do payout por parte dos gestores e defendida por Lintner (1956). Para o autor, os gestores tendem a nao alterar a politica de dividendos por acreditarem que os acionistas nao so preferem, como tambem valorizam taxas de payout mais estaveis. Sob outra perspectiva, Lambrecht e Myers (2012) sugerem que os gestores tomam decisoes a fim de que nao haja alteracoes abruptas na politica de dividendos. Isso ocorre porque os gestores querem maximizar o valor presente de sua utilidade, a partir dos ganhos atuais e futuros que obterao da empresa. Para isso, eles precisam entregar um retorno adequado aos investidores em cada periodo, para que esses nao venham a interferir na gestao da empresa.
A despeito da relacao existente entre as politicas de financiamento, investimento e payout, grande parte da literatura sobre o tema tem analisado a politica de payout sem levar em conta outras decisoes financeiras (i.e. DeAngelo, DeAngelo & Skinner, 1996; Nissim & Ziv, 2001; Simon, Procianoy & Decourt, 2019; Forti & Freitas, 2020). Uma parcela muito menor de estudos analisa a dinamica conjunta das tres diferentes decisoes financeiras (i.e. Loss & Sarlo Neto, 2006; Lambrecht & Myers, 2012; Hoang & Hoxha, 2015; Barros, Matos & Sarmento, 2020).
Os estudos que analisaram se as politicas de investimento e financiamento podem ser ajustadas com vistas a gerenciar a restricao orcamentaria da empresa e, com isso, manter o nivel de payout suavizado, se concentraram em um contexto especifico: os Estados Unidos da America (EUA). Isso abre oportunidade para que novas pesquisas sejam realizadas a fim de verificar se os resultados evidenciados para as empresas dos EUA tambem podem ser encontrados em um contexto substancialmente diferente.
Neste sentido, o Brasil se apresenta em um contexto diferente ao norte-americano. Em primeiro lugar, por ser um pais de economia emergente, o grau de eficiencia informacional e de protecao legal para investidores tende a ser menor do que em paises desenvolvidos (La Porta, Lopez-De-Silanes, Shleifer, & Vishny, 1997), o que pode aumentar a preferencia pelo recebimento de dividendos por parte dos investidores, afetando, assim, a decisao de payout das firmas. Alem disso, no Brasil, existem algunas idiossincrasias como o estabelecimento de dividendo minimo obrigatorio (Lei 6.404/1976) e a distribuicao de lucro por meio de juros sobre capital proprio (Lei 9.249/1995).
O contexto brasileiro impoe ao menos dois grandes desafios a conjuntura teorica estabelecida. O primeiro refere-se a harmonizacao de uma possivel influencia dos emprestimos e financiamentos sobre a remuneracao dos acionistas com a legislacao brasileira, a qual define na Lei 6.404/1976 que os dividendos devem derivar do lucro gerado pelas companhias, e impoe a figura do dividendo obrigatorio no caso de estatuto omisso. Ademais, no Brasil, conforme mencionado, muitas empresas pagam dividendos minimos, de forma legal e contratual, privilegiando a estabilidade na politica de distribuicao de lucros (Vancin & Procianoy, 2016). O segundo desafio e o de conciliar a citada interdependencia das politicas financeiras com circunstancias de desinvestimento, algo nao previsto inicialmente no arcabouco teorico, e que marcou o periodo amostral analisado (2010 a 2018) para uma quantidade relevante de empresas brasileiras.
Diante do exposto, esta pesquisa apresenta a seguinte questao central: as decisoes de investimento e de financiamento nas organizacoes, tem relacao com a variacao do payout das firmas brasileiras? Com isso, objetiva-se analisar se as politicas de investimento e de financiamento das companhias brasileiras estao relacionadas a politica de payout, sob uma perspectiva que foge ao mainstream. A principal contribuicao deste estudo e a compreensao de como as decisoes de financiamento e investimento se relacionam com a remuneracao dos acionistas, sob um arcabouco teorico de mercados imperfeitos e gestores avessos ao risco, que nao visam a maximizacao do valor de mercado da firma.
A presente pesquisa difere da maioria das pesquisas que procuram relacionar a politica de payout com características da firma como rentabilidade, concentracao acionaria, ciclo de vida, setor, tamanho e receitas de venda. O modelo utilizado aqui tem como base um sistema deterministico que iguala as fontes de recursos com as suas respectivas aplicacoes. Espera-se que os resultados auxiliem no aprimoramento da tomada de decisao de gestores financeiros e investidores, alem de contribuir com a crescente literatura empirica que explora a interrelacao entre diferentes decisoes financeiras (i.e. Abor & Bokpin, 2010; Hoang & Hoxha, 2015; Lambrecht & Myers, 2017; Hoang & Hoxha, 2020).
A proxima secao apresenta a Teoria da Politica de Payout e define as hipoteses de pesquisa. A secao 3 descreve os procedimentos metodologicos utilizados e identifica os dados, as variaveis e o modelo de analise. A secao 4 apresenta a analise dos resultados, enquanto a secao 5 sintetiza as principais conclusoes e consideracoes finais.
2. Teoria da Política de Payout
Em funcao do objetivo de investigar como as decisoes de investimento e de financiamento se relacionam com as decisoes de payout nas organizacoes brasileiras, a presente pesquisa toma como fundamentacao teorica a Teoria da Politica de Payout, elaborada por Lambrecht e Myers (2012). Os autores postulam, em sua obra, que a politica de payout depende da renda permanente da empresa (ou lucro permanente), e nao do lucro liquido relatado no periodo vigente. A partir disso, o payout depende do investimento porque e ele que determina a renda permanente. Uma vez que o investimento e definido, os gestores procuram suavizar o payout e, se necessario, eles utilizam financiamentos externos em eventuais choques de receita para nao incorrer em alteracoes abruptas na politica de payout vigente.
A suavizacao da politica de dividendos, na qual se baseia parcialmente a Teoria da Politica de Payout, e originaria da pesquisa de Lintner (1956), na qual o autor sustenta, por meio de observacoes empiricas, que o pagamento de dividendos tende a ser funcao do montante pago em momentos passados. Segundo Lintner (1956), os gestores tendem a ter, por objetivo, a nao alteracao da politica de dividendos. Isso acontece, conforme aponta Lintner (1956), justamente pelos gestores acreditarem que os acionistas nao so preferem como tambem valorizam taxas de payout mais estaveis. Este foi um comportamento comum encontrado por Lintner (1956) entre os gestores de empresas. O autor enfatiza que quando o resultado da empresa exige alteracao na distribuicao de dividendos, tal mudanca e aplicada apenas parcialmente no periodo em vigor. Ajustes adicionais sao feitos gradativamente, nos anos subsequentes, reduzindo, assim, possiveis reacoes adversas por parte dos acionistas e, consequentemente, quedas substanciais no valor de mercado das acoes.
Geralmente, as discussoes sobre a forma como as empresas administram sua politica de dividendos tem sua relevancia estritamente ligada a maximizacao do retorno dos acionistas. No entanto, Lambrecht e Myers (2012) consideram um modelo baseado no comportamento de agencia de gestores avessos ao risco, que nao maximizam o valor de mercado da firma e, por isso, acabam investindo menos do que o investimento que maximizaria o valor da firma. O modelo de Lambrecht e Myers (2012) e aplicado em empresas de capital aberto, maduras, lucrativas, e com elevada capacidade de credito para equilibrar suas restricoes orcamentarias. Lambrecht e Myers (2012) propoem uma teoria para o modelo de Lintner (1956). Segundo os autores, Lintner (1956) nao utilizou nenhuma teoria subjacente e isso dificulta saber em quais condicoes o modelo se aplica. Diferentemente do modelo original, a teoria de Lambrecht e Myers (2012) diz que o modelo de Lintner nao deve ser aplicado somente no payout pago em forma de dinheiro (dividendos), mas sim sobre o payout total, definido por eles como dividendos + recompras liquidas (recompras - aumento de capital). Tambem, de acordo com a Teoria da Politica de Payout, a meta de payout depende da renda permanente da empresa. Essa renda permanente e a anuidade equivalente ao valor presente de todo o lucro futuro da empresa.
Para a Teoria da Politica de Payout, os ganhos dos gestores e o payout se movem em sincronia porque uma tentativa de suavizar os ganhos sem suavizar o payout violaria a restricao do mercado de capitais. Os gestores tomam decisoes com base nas previsoes de renda permanente, sendo que a aversao ao risco e a formacao de habitos dos gestores levam a suavizacao dos ganhos e do payout. Sobre o subinvestimento causado pelos gestores, Lambrecht e Myers (2012) argumentam que, a resposta rapida e gradual do ganho e payout as mudancas nas previsoes de renda permanente (formacao de habitos), e a principal responsavel por atenuar o subinvestimento.
Lambrecht e Myers (2012) consideram mercados sem custos de transacao, custos de agencia ou outros atritos financeiros. Em um mercado de capitais perfeito, as decisoes de payout nao tem ligacao com o valor de mercado da empresa (Modigliani & Miller, 1961). Contudo, quando sao considerados mercados imperfeitos, a hipotese de dependencia entre diferentes decisoes financeiras passa a ser uma possibilidade ainda mais plausivel. Higgins (1972) aponta que a utilizacao dos recursos da organizacao, para fins de investimento, e o financiamento de dividas, sao alguns dos fatores que podem influenciar a politica de payout. Mais especificamente, novas dividas de longo prazo exercem influencia positiva sobre a quantidade de dividendos pagos, se o lucro e o investimento permanecerem nos mesmos niveis. Alem disso, choques economicos tambem impactam as decisoes de remuneracao dos acionistas (Akbar, Rehman & Ormrod, 2013; Lim, 2016).
Em conformidade com a linha argumentativa de interdependencia entre as diferentes decisoes financeiras, Brav, Graham, Harvey and Michaely (2005) entrevistaram 407 executivos financeiros sobre a decisao de remuneracao dos acionistas. Os autores constataram que quase 50% dos entrevistados disseram que alterariam a politica de dividendos em funcao de oportunidades de investimento, embora cerca de 80% deles tenham afirmado que alterariam as decisoes de recompras de acoes em funcao de tais oportunidades. Para Bravet et al. (2005), as decisoes de dividendos e investimentos sao co-determinadas.
O estudo de Hoang e Hoxha (2015) oferece evidencias empiricas acerca da relacao entre as politicas de investimento e financiamento e o payout das firmas. Os autores analisaram 7.544 empresas listadas na base Compustat. Entre os resultados, os autores verificaram que o payout e negativamente relacionado com os investimentos organizacionais, e positivamente relacionado com os financiamentos e o lucro. Para os autores, os resultados encontrados sao consistentes com a ideia de que as politicas de investimento e financiamento podem ser ajustadas, com a finalidade de gerenciar a restricao orcamentaria da empresa e, com isso, manter o nivel de payout suavizado.
Cumpre mencionar que um teste empirico aplicado em um contexto diferente daquele de Hoang e Hoxha (2015), como e o caso do Brasil, pode apresentar resultados distintos, como uma nao-relacao significativa entre as diferentes politicas financeiras. Entretanto, as empresas brasileiras apresentam certa estabilidade na politica de distribuicao de lucros (Futema, Basso & Kayo, 2009), o que pode ser reflexo de um pagamento minimo (e constante) de dividendos. Sobretudo para as empresas com controle acionario concentrado, que sao a maioria no mercado brasileiro (Vancin & Procianoy, 2016). Taxas de payout mais estaveis e uma premissa importante da Teoria da Politica de Payout, uma vez que, para fazer frente a remuneracao dos acionistas, a empresa utilizara das decisoes financeiras de investimento e financiamento.
2.1 Decisões de Investimento e Payout
Lambrecht e Myers (2012) argumentam que a política de investimento, quando delineada, exerce influencia significativa na decisao de estabelecer uma politica de remuneracao dos acionistas. Os autores ainda defendem que, apos o estabelecimento inicial, ambas as politicas (de investimento e payout) tendem a correr isoladas uma da outra. No entanto, os autores ponderam que os investimentos exercem impacto sobre os prospectos da companhia e, estes, por seu turno, sobre a remuneracao dos acionistas. Em outras palavras, essa maior (ou menor) expectativa quanto aos resultados futuros, e refletida no nivel atual de remuneracao dos acionistas (suavizacao do payout). Dessa forma, Lambrecht e Myers (2012) consideram uma influencia positiva e indireta do investimento sobre o payout vigente, fornecendo subsidios para conjecturar-se a seguinte hipotese de pesquisa (H1):
Hipótese 1 (H1): as decisoes de investimento das empresas brasileiras de capital aberto sao positivamente relacionadas as decisoes de payout.
Ressalta-se que a relacao previamente exposta entre remuneracao dos acionistas e investimento, estipulada pela Teoria da Politica de Payout, nao preve o comportamento de companhias que estejam em dificuldades financeiras, e que tenham que incorrer em politicas de desinvestimento, como afirmam Lambrecht e Myers (2012).
Contudo, a relacao positiva entre investimentos e payout e tambem evidenciada em circunstancias de baixas oportunidades rentaveis de investimento. No contexto estadunidense, Grullon e Michaely (2004) analisaram 4.443 eventos de payout, entre 1980 e 1997, e constataram que as reaquisicoes acionarias tendem a ser afetadas pelos mesmos fatores determinantes dos dividendos, de forma que, em circunstancias de mitigacao das oportunidades de investimentos, ha uma elevacao do payout. Contrariamente a esse resultado, Hoang e Hoxha (2015) encontraram uma relacao negativa entre payout e investimento. A luz da Teoria da Politica de Payout, que analisa sob o pressuposto de restricao orcamentaria, esse resultado faz sentido quando a politica de financiamento for mantida fixa, sem mudancas no lucro liquido e quando a politica de investimento da companhia for expansiva. Algumas evidencias de estudos brasileiros apontam para uma relacao negativa entre payout e investimento, no sentido de que as duas decisoes concorrem pelos mesmos recursos (Martins & Fama, 2012; Vancin & Procianoy, 2016).
2.2 Decisões de Financiamento e Payout
Para Lambrecht e Myers (2012), a politica de financiamento, por sua vez, e a unica variavel que pode ser considerada livre no contexto de restricao orcamentaria vivenciado pelas empresas. De maneira mais detalhada, uma vez que a empresa tende a estabelecer sua estrategia de investimento, e, alem disso, busca suavizar o payout, os financiamentos figuram-se como uma opcao a empresa, para o balanceamento de seu orcamento (fontes/origens = aplicacoes). Dessa forma, Lambrecht e Myers (2012) asseguram que a divida da empresa nao tende a seguir um modelo de ajuste alvo (target adjustment model). Por esta razao, os autores argumentam que a teoria por eles desenvolvida se aproxima da chamada Teoria do Pecking Order proposta por Myers e Majluf (1984) e Myers (1984).
Em suma, ao sustentar que parte dos recursos destinados ao payout tem como origem o proprio lucro da companhia, a Teoria da Politica de Payout se coloca em conformidade com a legislacao brasileira. Isso acontece tendo em vista que a legislacao estabelece, por meio da Lei das Sociedades por Acoes (Lei 6.404/1976), em seu artigo 202, que os dividendos sao obrigatorios para as sociedades anonimas, sendo essa remuneracao dos acionistas decorrente da obtencao de lucro em suas atividades organizacionais.
A Lei 6.404/76 e, posteriormente, a Lei 10.303/01 preveem um minimo de distribuicao de dividendos de 25% do lucro ajustado, no caso de estatuto omisso. Ademais, em 1996, a politica de distribuicao de dividendos passou a ser influenciada pela legislacao fiscal, onde a Lei 9.249/95 introduziu outra opcao para as empresas remunerarem o capital proprio: por intermedio do pagamento dos juros sobre capital proprio (JSCP).
No entanto, a Teoria da Politica de Payout reconhece que, em circunstancias de reducoes repentinas (choques) do lucro obtido por suas atividades, as companhias utilizam o financiamento externo para a manutencao ou mesmo para o aumento gradativo do payout, como elucidam Lambrecht e Myers (2012). Sendo assim, a captacao de emprestimos tambem tende a figurar-se como uma origem de recursos para remuneracao dos acionistas.
Essa necessidade de recursos externos para o financiamento do payout em periodos de choque no lucro das companhias, ficou ainda mais nitido na crise do subprime, quando houve uma mitigacao do credito ofertado no mercado financeiro. De acordo com Bliss, Cheng e Denis (2015), cerca de 89% das companhias listadas na base Compustat reduziram seus gastos em recompras de acoes, sendo que os autores atribuem essa queda, em parte, as restricoes de emprestimos e financiamentos concedidos no periodo, e nao somente as reducoes do lucro. Lim (2016) destaca que a maioria das empresas passou por um processo de desalavancagem e reducao do pagamento dos dividendos, em resposta a crise economica mundial.
Ainda que o lucro tenha de ser a fonte da qual derive os dividendos, sendo evidenciado como um dos principais integrantes da remuneracao aos acionistas no Brasil (Martins & Fama, 2012), a presente pesquisa defende que a utilizacao de emprestimos para a manutencao ou alteracao gradativa da politica de payout tambem e valida na conjuntura juridica-economica brasileira. De fato, o pagamento de dividendos, JSCP e recompras de acoes se configuram como fontes de decrescimos dos recursos financeiros da companhia. Por outro lado, essa saida de caixa pode implicar na necessidade de recursos para a realizacao de novos investimentos (Futema, Basso & Kayo, 2009). Portanto, o esperado e uma relacao positiva (indireta) entre payout e divida, implicando na seguinte hipotese de pesquisa (H2):
Hipótese 2 (H2): as decisoes de financiamento das empresas brasileiras de capital aberto sao positivamente relacionadas as decisoes de payout.
Nos casos de suavizacao da politica de remuneracao dos acionistas e de choques no lucro, as companhias brasileiras podem necessitar de emprestimos para que, apos o pagamento de dividendos, juros sobre o capital proprio ou a recompras de acoes, os recursos restantes sejam capazes de manter a politica vigente de investimento, ou ate mesmo as atividades operacionais. Por outro lado, tambem ha evidencias de estudos brasileiros que apontam para uma relacao negativa entre payout e financiamento, pois, a medida que os juros de emprestimos e financiamento aumentam, ha uma diminuicao de recursos internos e, por consequencia, uma diminuicao do payout (Vancin & Procianoy, 2016).
No campo academico, o estudo da relacao entre investimento, financiamento e payout ainda e incipiente. As pesquisas costumam se concentrar em uma unica politica corporativa. Os estudos sobre payout ou dividendos tem explorado diversos aspectos, tais como: (ir)relevancia da politica de dividendos e os possiveis impactos sobre o valor da firma; os determinantes da politica de dividendos relacionados aos fatores intrinsecos das empresas, como rentabilidade, endividamento, oportunidades de crescimento, ciclo de vida e setor economico; alem da analise de teorias utilizadas para explica-las, como Sinalizacao, Efeito Clientela, Impostos, Fluxo de Caixa Livre, Incentivos de Catering, dentre outras (Baker & Wurgler, 2004; Forti, Peixoto & Alves, 2015; Zagonel, Terra & Pasuch, 2018; Neves, 2018; Rodrigues, Fodra, Ribeiro, & Cruz, 2019; Baker, Ridder & Rasbrant, 2020).
Ao analisar a relacao das decisoes de investimento e de financiamento com as decisoes de payout nas companhias brasileiras de capital aberto, este trabalho avanca no entendimento da dinamica entre as diferentes decisoes financeiras, ou seja, na compreensao da forma como as empresas brasileiras tomam decisoes a fim de administrar a restricao orcamentaria.
3. Material e Métodos
3.1 Dados e amostra
A presente pesquisa objetiva analisar se as politicas de investimento e de financiamento das companhias brasileiras estao relacionadas a remuneracao dos acionistas. Para essa finalidade, foram analisadas as companhias nao financeiras listadas na Brasil, Bolsa, Balcao (B3). Alem das exclusoes das companhias financeiras, a amostra teve a retirada das empresas cujo numero de observacoes fosse inferior a dois anos. Os dados foram coletados da base de dados Economatica.
Com base nos criterios expostos, a pesquisa examinou, entre o periodo de 2010 a 2018, uma amostra constituida por 307 companhias, envolvendo 2.122 observacoes. O periodo de analise e justificado pela uniformidade das normas contabeis, posto que as companhias brasileiras tiveram que adotar, obrigatoriamente, os padroes contabeis fixados pelas normas internacionais de contabilidade a partir do primeiro ano amostral, ou seja, o ano de 2010.
Para minimizar impactos de outliers, sejam eles oriundos de anomalias temporais em determinados segmentos de mercado ou mesmo fruto de erros da base de dados, todo o conjunto de variaveis foi winsorizado a 1% e 99%.
3.2 Modelo examinado
Por meio da analise de dados da amostra dispostos em painel, o modelo adotado para o exame da relacao entre investimento, financiamento e payout partiu inicialmente da igualdade contabil da origem e aplicacoes de recursos, tal como fundamentado no estudo de Lambrecht e Myers (2012), e evidenciado na equacao a seguir:
Essa equacao representa, inicialmente, que os recursos de financiamento das companhias, bem como os oriundos de atividades organizacionais, tendem a ser aplicados no financiamento de seus novos investimentos e na remuneracao de seus acionistas. Por meio do desenvolvimento da equacao, e formulada a hipotese intrinseca do modelo de analise de que as remuneracoes dos acionistas tem origem nas fontes de recursos supracitados, sendo maior ou menor, respectivamente, conforme menores ou maiores forem os investimentos realizados.
Sob a suposicao de que os gestores buscam reduzir a variacao do payout, ou seja, suavizar o montante de gastos em recompras de acoes e dividendos, Lambrecht e Myers (2012) argumentam que os investimentos tendem a ser ajustados periodicamente, no intuito de manter relativamente constante a remuneracao dos acionistas. Em funcao disso, a supracitada equacao pode ser rearranjada, como expresso na equacao 2.
A equacao 2 fundamenta o modelo central de analise da presente pesquisa, o qual e representado na equacao 3.
Na equacao 3, para cada companhia i, o conjunto integral de variaveis e mensurado pelo logaritmo natural da respectiva variavel, em cada tempo t. O conjunto de variaveis, por sua vez, e composto por Payout, que representa o somatorio de dividendos, juros sobre capital proprio e aumento liquido de capital (recompras de acoes - aumento de capital), assim como em Lambrecht e Myers (2012). ΔDivida ou Var_Divida equivale ao Passivo Oneroso Total em t, menos o Passivo Oneroso Total em t-1. O Lucro Liquido e o resultado contabil das atividades organizacionais, sendo medido pelo regime de competencia; e Capex e total de gastos em bens de capital. Foram considerados os JSCP efetivamente reconhecidos pela empresa (que e a soma dos JSCP recebidos pelos acionistas mais o imposto de renda sobre os JSCP) e o valor das recompras foi calculado pela equacao: Recompras = Payout - Dividendos - JSCP + Aumento de Capital; que tem como base o calculo do payout apresentado na equacao 2.
Diferentemente de Lambrecht e Myers (2012), o presente estudo tambem calcula a variavel Payout sem o componente “Aumento de Capital”, ou seja, somando apenas dividendos, JSCP e recompras. Essa modificacao permite representar mais diretamente a remuneracao dos acionistas, pois nao leva em conta os recursos recebidos de novos acionistas.
Os parametros β1 a β3 medem os efeitos das variaveis explicativas sobre a variacao logaritmica do Payout; α0 equivale ao termo constante; e, por fim, εit designa o erro aleatorio. O modelo de analise mensura a variacao percentual do Payout em relacao as variacoes percentuais do conjunto de variaveis dependentes.
Com base na Teoria da Politica de Payout, a expectativa e de que o parametro β2 seja positivo, demonstrando que aumentos (reducoes) do lucro implicam necesariamente em aumentos (reducoes) da remuneracao dos acionistas, corroborando, inclusive, a forca legal de que os dividendos, um dos principais componentes do payout no Brasil, sao oriundos da geracao de lucro.
Segundo a Teoria da Politica de Payout, em circunstancias de reducoes repentinas (choques) do lucro, as companhias utilizam o financiamento externo para a manutencao ou mesmo aumento gradativo do seu payout. Em funcao da instabilidade economica e politica verificada no Brasil ao longo do periodo amostral, na qual se observou a crise financeira internacional de 2008, a recessao interna do produto interno bruto entre 2015 e 2016 e o impedimento presidencial em 2016, ha tambem uma expectativa de que a correlacao entre os passivos onerosos e a remuneracao dos acionistas seja positiva (β1positivo). Dessa forma, demonstra-se que a manutencao do payout ou mesmo a sua reducao gradativa, concomitantemente a manutencao da politica de investimentos e da atividade empresaria, demanda a contracao de recursos externos, ou seja, emprestimos e financiamentos.
A expectativa em torno da relacao entre investimentos e remuneracao dos acionistas, no entanto, nao e tao clara quanto as relacoes supracitadas. A Teoria da Politica de Payout preve que o crescimento dos investimentos gera uma ascensao do lucro esperado no longo prazo. Nao obstante, a instabilidade economica do Brasil, descrita anteriormente, pode caracterizar esse periodo como sendo de desinvestimento para uma porcentagem significativa da amostra. Sendo assim, mesmo nao contempladas na teoria, e possivel que, em circunstancias de desinvestimento, a relacao entre investimento e payout tambem seja positiva (β3 positivo), uma vez que tal desinvestimento, possivelmente, possa gerar decrescimos no lucro esperado em momentos futuros, culminando em reducoes na remuneracao dos acionistas mesmo em momentos presentes.
Porem, a mesma instabilidade economica pode implicar em que o periodo seja de baixas oportunidades de investimento para uma expressiva quantidade de companhias na amostra. Essas baixas oportunidades de investir, podem provocar aumentos do payout em funcao da simples ausencia de outras possiveis fontes vantajosas de alocacao dos recursos, como argumentado por Grullon e Michaely (2004).
O modelo econometrico utilizado neste estudo e o de dados em painel. Como decisao concernente a utilizacao do modelo, foi preciso optar, com base em suporte estatistico, entre o uso de efeitos fixos, aleatorios ou por minimos quadrados ordinarios agrupados (pooled). No primeiro caso, a constante α sera considerada um parametro a ser estimado para cada companhia analisada. Favero (2013) salienta que, apesar da terminologia, os efeitos fixos sao, na verdade, randomicos para cada observacao.
Se, entretanto, o parametro α puder ser considerado puramente aleatorio, como explica Favero (2013), nao tendo qualquer correlacao com os regressores, entao a adocao de efeitos aleatorios culminara em resultados mais precisos. O autor ainda elucida que a principal vantagem dos efeitos aleatorios e a possibilidade de estimar todos os coeficientes, inclusive os regressores, que sejam constantes na dimensao do tempo. Por outro lado, o mesmo autor indica, com notavel desvantagem, a possibilidade de estimacao inconsistente dos parametros, restringindo esse cenario, no entanto, ao caso em que os efeitos fixos representem a escolha mais adequada.
Para este estudo, utilizou-se o teste de Hausman, para decidir entre o modelo de efeitos fixos e o de efeitos aleatorios, e o teste de Chow para decidir entre modelos pooled e de efeitos fixos. Os testes estatisticos apontaram para o uso do modelo de efeitos fixos da firma. Alem do suporte estatistico, a justificativa para essa escolha se concentra na capacidade que o modelo de efeitos fixos tem de captar diferencas existentes entre empresas da amostra por meio do parametro α. Dessa forma, posto que as decisoes financeiras das firmas sao caraterizadas por certa idiossincrasia, tal capacidade se revela ainda mais pertinente para o presente estudo. Por fim, cumpre ainda mencionar que a regressao do modelo foi realizada por meio do software StataR.
4. Análise dos Resultados
4.1 Estatísticas Descritivas
A Tabela 1 apresenta as estatisticas descritivas das variaveis (equacao 2), cujos resultados estao em milhares de reais. Nota-se, a partir da Tabela 1, que, em media, entre 2010 e 2018, as empresas brasileiras distribuiram recursos aos acionistas (payout) no valor de R$ 209 milhoes e obtiveram lucro liquido medio de aproximadamente R$ 307 milhoes. O Payout* que considera dividendos, JSCP e recompra de acoes foi de R$ 275 milhoes, em media, para o periodo analisado. Essas empresas realizaram investimentos em bens de capital (Capex) na media de R$ 563 milhoes. Alem disso, durante esse periodo, a media da divida foi de mais de R$ 3 bilhoes e a media da variacao da divida foi de quase R$ 42 milhoes.
Variaveis | Obs. | Media | Desvio Padrao | Minimo | Maximo |
Payout | 2.122 | 209.008 | 930.100 | -1.790.396 | 6.076.304 |
Payout* | 2.122 | 274.631 | 867.977 | 0 | 6.656.489 |
Capex | 2.122 | 562.576 | 1.321.963 | -314,56 | 8.849.942 |
Lucro | 2.122 | 306.955 | 1.382.123 | -3.279.245 | 10.500.000 |
Divida | 2.122 | 3.487.232 | 7.906.309 | 0 | 54.600.000 |
Var_Divida | 2.122 | 41.930 | 1.909.695 | -9.765.598 | 9.191.551 |
Notas: Payout = Dividendos e Juros Sobre Capital Proprio + Recompras de Acoes - Aumento de Capital; Payout* = Dividendos e Juros Sobre Capital Proprio + Recompras de Acoes; Capex: Capital Expenditure; Lucro: Lucro Liquido; Divida = Passivo Oneroso Circulante + Passivo Oneroso Nao Circulante; Var_Divida = Passivo Oneroso Total de t - Passivo Oneroso Total de t-1.
Fonte: elaboracao propria.
A Tabela 2 mostra as medias entre grupos de empresas segregadas com base nos quartis da variavel payout. Em suma, os dados da Tabela 2 indicam que as empresas que remuneraram mais (menos) seus acionistas foram as que, em media, investiram mais (menos), obtiveram maiores (menores) lucros e aumentaram (reduziram) as suas dividas.
Payout | |||||
Ln_Payout | Ln_Payout* | Ln_Capex | Ln_Lucro | Ln_Var_Divida | |
1° quartil | -6,92 | 2,16 | 8,83 | -2,43 | -0,61 |
2° quartil | 3,12 | 3,15 | 7,53 | -1,20 | -1,19 |
3° quartil | 10,48 | 10,41 | 10,23 | 7,83 | 1,16 |
4° quartil | 13,18 | 13,16 | 12,15 | 11,41 | 2,07 |
Notas: Ln: Logaritmo Natural; Payout = Dividendos e Juros Sobre Capital Proprio + Recompras de Acoes - Aumento de Capital; Payout* = Dividendos e Juros Sobre Capital Proprio + Recompras de Acoes;Capex: Capital Expenditure; Lucro: Lucro Liquido; Var_Divida = Passivo Oneroso Total de t - Passivo Oneroso Total de t-1.
Fonte: elaboracao propria.
A Tabela 3 apresenta a matriz de correlacao das variaveis. Como esperado, a maior correlacao do payout e com o lucro (em ambas as medidas de payout, a que considera o aumento de capital e a que nao considera payout*). A correlacao positiva entre essas duas variaveis (payout e lucro) indica que aumentos (reducoes) do lucro sao acompanhados de aumentos (reducoes) da remuneracao dos acionistas. Esse resultado nao poderia ser diferente uma vez que a politica de payout consiste na determinacao entre a distribuicao ou retencao dos lucros, desde que haja lucro para ser distribuido, conforme a legislacao brasileira (Lei 6.404/1976).
Ln_ Payout | Ln_ Payout* | Ln_ Capex | Ln_ Lucro | Ln_Var_ Divida | |
Ln_Payout | 1 | ||||
Ln_Payout* | 0,6981 | 1 | |||
Ln_Capex | 0,1756 | 0,3133 | 1 | ||
Ln_Lucro | 0,4642 | 0,5698 | 0,2213 | 1 | |
Ln_Var_Divida | 0,0850 | 0,1235 | 0,1035 | 0,0839 | 1 |
Notas: Ln: Logaritmo Natural; Payout = Dividendos e Juros Sobre Capital Proprio + Recompras de Acoes - Aumento de Capital; Payout* = Dividendos e Juros Sobre Capital Proprio + Recompras de Acoes;Capex: Capital Expenditure; Lucro: Lucro Liquido; Var_Divida = Passivo Oneroso Total de t - Passivo Oneroso Total de t-1.
Fonte: elaboracao propria.
Alem da relacao positiva entre payout e lucro, os resultados, tanto da Tabela 2 quanto da Tabela 3, indican uma relacao positiva entre a remuneracao dos acionistas e a variacao das dividas, o que estaria de acordo com os pressupostos de Lambrecht e Myers (2012) e as evidencias empiricas de Hoang e Hoxha (2015). Com base na Teoria da Politica de Payout, a manutencao da politica de remuneracao dos acionistas exige a tomada de recursos externos, diante de restricoes orcamentarias ou choques inesperados sobre a geracao de recursos internos.
As Tabelas 2 e 3 tambem indicam uma relacao positiva entre payout e Capex, o que e interessante, ja que o mais comum e esperar uma reducao das distribuicoes aos acionistas quando ha aumento de investimento por parte das empresas (Futema, Basso & Kayo, 2009; Vancin & Procianoy, 2016). Isso porque as empresas necessitam de mais recursos financeiros disponiveis para os novos gastos de capital. Mesmo nao sendo o resultado mais comum, Lambrecht e Myers (2012) justificam uma possivel relacao positiva entre payout e Capex devido ao fato de que o investimento em capital aumenta a previsao de lucros futuros, o que, por consequencia, aumenta a renda permanente e o payout corrente. Segundo os autores, os gestores suavizam o payout com base nas previsoes de renda permanente.
Dessa forma, para a Teoria da Politica de Payout, os gestores decidem sobre remunerar os acionistas e investir em bens de capital simultaneamente. Depois que o investimento e definido, a suavizacao do payout prossegue de acordo com o modelo de Lintner (1956). No entanto, o payout nao precisa ser diminuido para financiar o Capex, porque a suavizacao e efetuada por emprestimos ou financiamentos. Assim, os gastos com investimentos e a distribuicao de recursos aos acionistas podem aumentar simultaneamente.
4.2. Análise das regressões de dados em painel
A Tabela 4 apresenta os resultados da regressao do modelo de dados em painel. Nessa primeira regressao do modelo, os sinais de todos os coeficientes apresentaram-se positivos com a variavel dependente, contudo, apenas a variavel Capex nao se mostrou estatisticamente significante. Ressalta-se que a variavel payout foi calculada com base na metodologia elaborada por Lambrecht e Myers (2012) que leva em conta a igualdade contabil entre as origens e aplicacoes de recursos, ou seja, a soma da variacao da divida com o lucro liquido (origens) deve ser igual a soma do Capex e do payout (aplicacoes).
Variavel Dependente: Payout (Dividendos e JSCP + Recompras - Aumento de Capital) | |
Ln_Capex | 0,054 |
(0,054) | |
Ln_Lucro | 0,180*** |
(0,018) | |
Ln_Var_Divida | 0,049*** |
(0,013) | |
Constante | 3,882*** |
(0.542) | |
Observações | 2.122 |
R2 | 0,2167 |
Prob>F | 0,000 |
Notas: Ln: Logaritmo Natural; Payout = Dividendos e Juros Sobre Capital Proprio + Recompras de Acoes - Aumento de Capital; Capex: Capital Expenditure; Lucro: Lucro Liquido; Var_Divida = Passivo Oneroso Total de t - Passivo Oneroso Total de t-1. Erro padrao entre parenteses. *** coeficiente significante ao nivel de significancia de 1%; ** coeficiente significante ao nivel de significancia de 5%; * coeficiente significante ao nivel de significancia de 10%.
Fonte: elaboracao propria.
A Tabela 5 apresenta os resultados da regressao com uma modificacao no modelo inicialmente examinado. A variavel payout passou a ser composta por dividendos, juros sobre capital proprio e recompras de acoes (payout*). Ou seja, o componente “Aumento de Capital” foi excluido do calculo do payout. Com essa modificacao, a variavel passou a representar tao somente o fluxo de recursos que e destinado aos acionistas, ao passo que, anteriormente, em sua composicao, tambem se levava em consideracao o fluxo de recurso recebido de novos acionistas.
Variavel Dependente: Payout* (Dividendos e JSCP + Recompras) | |
Ln_Capex | 0.188*** |
(0.028) | |
Ln_Lucro | 0.132*** |
(0.009) | |
Ln_Var_Divida | 0.017** |
(0.007) | |
Constante | 4.950*** |
(0.2813) | |
Observações | 2.122 |
R2 | 0,4123 |
Prob>F | 0,000 |
Notas: Ln: Logaritmo Natural; Payout* = Dividendos e Juros Sobre Capital Proprio + Recompras de Acoes; Capex: Capital Expenditure; Lucro: Lucro Liquido; Var_Divida = Passivo Oneroso Total de t - Passivo Oneroso Total de t-1. Erro padrao entre parenteses. *** coeficiente significante ao nivel de significancia de 1%; ** coeficiente significante ao nivel de significancia de 5%; * coeficiente significante ao nivel de significancia de 10%.
Fonte: elaboracao propria.
Ao fazer este ajuste, a variavel dependente ficou ainda mais representativa do ponto de vista da real remuneracao aos acionistas, eliminando qualquer ruido que o aumento de capital poderia trazer ao modelo. Ao fazer isso, o modelo obteve maior poder explicativo (R2 = 0,4123) e a variavel Capex ganhou significancia estatistica.
Como analise adicional, a fim de manter a ideia de igualdade contabil proposta por Lambrecht e Myers (2012), foi regredido um modelo em que a variavel payout e calculada considerando apenas os dividendos, juros sobre capital proprio e recompras de acoes e a variavel “aumento de capital”, por sua vez, foi acrescentada como variavel explicativa do modelo. A Tabela 6 apresenta os resultados dessa regressao. Os resultados da Tabela 6 sao semelhantes aos da Tabela 5. As variaveis explicativas Capex, Lucro e Var_Divida mantem a relacao positiva e estatisticamente significante com o payout (payout*), enquanto a variavel representativa do aumento de capital das empresas nao apresenta significancia estatistica com o payout das empresas brasileiras.
Os resultados apresentados nas tabelas 4, 5 e 6 corroboram com a Teoria da Politica de Payout de que o financiamento das companhias brasileiras apresenta relacao significante com a remuneracao dos acionistas. Portanto, a segunda hipotese de pesquisa (H2) foi confirmada. Tambem e verificado que o payout examinado apenas pela remuneracao dos acionistas e sem interferencia de novas emissoes de acoes, tem relacao significativa e positiva com as decisoes de investimento em bens de capital, confirmando H1. Dessa forma, o payout nao so representa os fluxos de caixa dos acionistas como tambem contem informacoes das demais decisoes gerenciais.
Variavel Dependente: Payout* (Dividendos e JSCP + Recompras) | |
Ln_Capex | 0,188*** |
(0,028) | |
Ln_Lucro | 0,132*** |
(0,009) | |
Ln_Var_Divida | 0,017** |
(0,007) | |
Ln_Aumento_Capital | 0,008 |
(0,018) | |
Constante | 4,940*** |
(0.282) | |
Observações | 2.122 |
R2 | 0,4120 |
Prob>F | 0,000 |
Notas: Ln: Logaritmo Natural; Payout* = Dividendos e Juros Sobre Capital Proprio + Recompras de Acoes; Capex: Capital Expenditure; Lucro: Lucro Liquido; Var_Divida = Passivo Oneroso Total de t - Passivo Oneroso Total de t-1. Erro padrao entre parenteses. *** coeficiente significante ao nivel de significancia de 1%; ** coeficiente significante ao nivel de significancia de 5%; * coeficiente significante ao nivel de significancia de 10%.
Fonte: elaboracao propria.
A relacao do payout com o lucro e devido a sua proximidade com a geracao de recursos internos e a legislacao brasileira, para a qual as empresas sao obrigadas a pagar dividendos quando obtem lucro. Ja em relacao ao endividamento, por mais que a concessao de credito se torne mais restrita em periodos de crise, o que acarretaria uma diminuicao do endividamento corporativo mediante restricoes ao credito externo, as empresas financeiramente mais solidas conseguem se alavancar (Damijan, 2018). A fim de manter o desempenho, o investimento e os niveis de payout, as empresas podem apresentar dificuldades para financiar suas atividades com maior proporcao de recursos internos, recorrendo assim a maiores niveis de alavancagem financeira.
No Brasil, as decisoes de investimento influenciam o payout, mas nao em um “trade-off” entre investir e remunerar os acionistas, como poderia ser esperado. E como encontrado por Hoang e Hoxha (2015), para os EUA, e por Vancin e Procianoy (2016), dentre outros estudos, para o Brasil. Ressalta-se que as evidencias para o mercado brasileiro nao foram analisadas sob o prisma da Teoria da Politica de Payout.
A relacao positiva entre payout e Capex evidenciada no presente estudo, pode ser um indicativo de que o investimento em capital fixo aumenta a expectativa de lucros futuros e de payout, ou, ainda, de um cenario em que os gestores decidem sobre investimento e payout simultaneamente, embora nao se tenha testado essas hipoteses. Na hipotese de decisoes simultaneas, apos a definicao do plano de investimento, a suavizacao do payout acontece de acordo com o proposto por Lintner (1956), sendo que o investimento nao precisa ser cortado para o financiamento do Capex, uma vez que a suavizacao e efetuada, indiretamente, por financiamentos.
Esse resultado esta em linha com os resultados de Futema, Basso & Kayo (2009) para o Brasil, que encontraram que, diante de dividendos estaveis, eventuais variacoes de investimentos sao absorvidas por emprestimos e financiamentos.
A suavizacao do payout deriva, em parte, de sua sensibilidade informacional, pois os dividendos possuem potencial de transmitir um sinal ao mercado sobre o desempenho futuro da empresa, ainda mais em periodos de crise economica (Akbar, Rehman & Ormrod, 2013). Alem de evidenciar a relacao significativa entre as decisoes de payout, investimento e financiamento, este estudo mostra que as firmas brasileiras de melhor desempenho atual e futuro sao as que mais remuneram os seus acionistas.
5. Considerações Finais
O presente estudo investigou a relacao entre investimento, financiamento e payout ou, em outras palavras, analisou-se se as decisoes de investimento e de financiamento nas organizacoes estao relacionadas a variacao do payout das firmas brasileiras. Esta pesquisa tem como base de sustentacao a Teoria da Politica de Payout (Theory of Payout Policy), desenvolvida por Lambrecht e Myers (2012), na qual os autores defendem que decisoes de investimento e financiamento possuem relacao com a politica de payout, seja direta ou indiretamente.
Este estudo contou com uma amostra composta por 307 companhias listadas na B3 durante o periodo 2010-2018, envolvendo 2.122 observacoes. O modelo escolhido para analise foi o de dados em painel (modelo de efeitos fixos para a empresa).
Os resultados evidenciaram que as decisoes de investimento e financiamento possuem relacao com o payout das firmas brasileiras. No Brasil, as empresas que mais investem em bens de capital sao as que mais distribuem recursos aos acionistas. Outro ponto que merece ser abordado diz respeito a variavel lucro. Em parte, a relacao positiva e significante entre investimento e payout pode ser explicada pelo lucro das firmas. Em linhas gerais, o lucro representa o desempenho financeiro da empresa e, com isso, aquelas que apresentam bom desempenho (maiores lucros) podem ser as que, concomitantemente, investem em bens de capital, remuneram seu acionista e, ainda, se mostram capazes de obter recursos externos. Este cenario pode ser percebido ao analisar as estatisticas descritivas deste estudo, contudo, carece de maiores investigacoes.
O financiamento, por sua vez, tambem apresentou relacao significativa com o payout das empresas brasileiras. O resultado sinaliza que, em media, quanto maior e a distribuicao de lucro ao acionista, maior podera ser o volume de dinheiro necessario com captacao externa. Conclui-se, entao, que ha relacao significativa entre as diferentes decisoes financeiras no Brasil e que a politica de payout deve ser posta em conjunto com as politicas de financiamento e de investimento para uma melhor compreensao da primeira.
Este estudo contribui para a literatura ao oferecer evidencias empiricas para a relacao de interdependencia entre investimento, financiamento e payout, a partir de um contexto divergente daquele presente na maioria dos estudos anteriores. Alem disso, os resultados aqui encontrados contribuem para uma melhor elaboracao de estimativas de payout a partir das decisoes financeiras adotadas pelas empresas, aprimorando, assim, a tomada de decisao por parte de investidores e analistas.
Cumpre ainda mencionar que uma das limitacoes do estudo diz respeito a uma possivel endogeneidade no modelo econometrico. No entanto, deve-se ponderar que este trabalho nao teve como objetivo explorar relacoes causais entre as variaveis. Ou seja, o estudo se concentrou em analisar como as decisoes de investimento e financiamento se relacionam com as decisoes de remuneracao dos acionistas.
Para futuras pesquisas, relacoes causais podem ser testadas a partir de tecnicas econometricas apropriadas. Ademais, pode-se explorar a relacao entre investimento, financiamento e payout de diferentes grupos de empresas, como, por exemplo, de acordo com a concentracao do controle acionario, ciclo de vida, ou pagamentos que divergem do minimo legal e contratual.