1. Introdução
O termo "gênero" é definido como a diferença sexual estabelecida em cada sociedade, se impondo por meio dos distintos papéis designado aos sujeitos de cada sexo (Ferreira, 2022). Esse termo trata da existência de indivíduos de dois sexos, agregados por características comuns, sendo um o homem e o outro a mulher (Guedes, 1995). A questão de gênero tem ganhado espaço na alta administração, envolvendo a esfera da governança corporativa. Diversos pesquisadores têm interesse em investigar o efeito da presença feminina no Conselho de Administração sobre o desempenho da Responsabilidade Social Corporativa (RSC) (Bear, Rahman, & Post, 2010; Boulouta, 2013; Celis, Velasco, Bobadilla, Alonso, & Intxaurburu, 2015; Nekhili, Nagati, Chtioui, & Nekhili, 2017; Terjesen, Sealy, & Singh, 2009).
Segundo resultados de pesquisas, um maior quantitativo de mulheres no Conselho de Administração das organizações tem a capacidade de melhorar o desempenho social da corporação, em virtude das mulheres manifestarem maior sensibilidade nesse sentido (Bear et al., 2010; Fernandez-Feijoo, Romero, & Ruiz, 2012; Hafsi & Turgut, 2013), influenciando na elaboração e divulgação dos relatórios de sustentabilidade; além de uma maior pluralidade de concepções para que os conselhos melhorem a imagem das corporações e causem impacto na comunidade (Hillman & Dalziel, 2003; Jizi, 2017). Ademais, observa-se que as mulheres demonstram uma orientação menos voltada ao interesse próprio e mais para o da sociedade (Jizi, 2017). Assim, identifica-se, como uma motivação extra para incorporar mulheres nos conselhos, o impacto positivo que causam na RSC (Celis et al., 2015).
A Responsabilidade Social Corporativa tem atraído a atenção sobre como as organizações abordam suas relações com as diferentes partes interessadas, sendo a inclusão de gênero uma de suas abordagens (Velasco, Aldamiz-Echevarría, Alonso, Bobadilla, Intxaurburu, & Larrieta, 2010). A existência de um agrupamento de indivíduos por atributos sexuais, faz com que a equidade de gênero ganhe destaque, e seja um propósito social que as organizações podem incluir voluntariamente no curso normal de suas operações; além das relações com seus parceiros, no âmbito de suas iniciativas de Responsabilidade Social (Celis, Balmaseda, Durana, Güemez, & Clemente, 2014; Medina-Vicent, 2017). A divulgação de informações é uma ferramenta importante para assegurar a transparência sobre as iniciativas de RSC; entre elas, o desempenho referente a questões de gênero, comunicando aos diversos stakeholders1 o comportamento da organização a esse respeito (Amorelli & García-Sánchez, 2020; García-Sánchez, Oliveira, & Martínez-Ferrero, 2020).
Nesse sentido, a Teoria do Tokenismo demonstra como a proporção e a quantidade das minorias na diversidade do conselho impacta na conduta dos grupos, na tomada de decisões e em suas agendas (Post, Rahman, & Rubow, 2011). Esta teoria aborda quatro grupos minoritários, com proporções variadas de indivíduos, nos quais o aumento dos sujeitos torna possível a formação de coalizões que afetem a dinâmica do grupo (Kanter, 1977a, 1977b). Caso o tamanho total do grupo minoritário seja pequeno, os tokens são considerados indivíduos solitários; ainda que existam dois tokens no grupo, esses sujeitos dificilmente desempenham uma ligação influente (Kanter, 1977b). Assim, mulheres encontrando-se sozinhas, ou em número pequeno, são consideradas tokens em grupo ocupado majoritariamente por homens. Esse contexto é frequentemente encarado pelas mulheres que atuam no campo organizacional (Kanter, 1977b). Um fundamento expressivo para promover o desempenho das mulheres em funções de altas responsabilidades, ocupando espaços em que possam tomar decisões, é o efeito multiplicador no empoderamento de outras mulheres, em todos os aspectos de suas vidas (ONU Mujeres, 2014).
Fundamentado na Teoria do Tokenismo que afirma que um indivíduo, em um grupo majoritário, tem pouco poder, e, levando-se em consideração a crença do papel das mulheres nas práticas de RSC voltadas para as ações de gênero, este estudo busca responder ao seguinte problema: qual a influência da presença de grupos de mulheres no Conselho de Administração sobre o nível de divulgação de informações de RSC relacionada ao gênero, à luz da Teoria do Tokenismo? A pesquisa se situa nos estudos sobre governança corporativa -características dos conselhos de administração- e sobre divulgação de ações de RSC; e tem como objetivo geral investigar a influência dos grupos minoritários, relacionados à presença de mulheres no Conselho de Administração, sobre o nível de divulgação de informações de RSC relacionado ao gênero, à luz da Teoria do Tokenismo. Para isto, utiliza-se uma amostra de 24.219 observações no período de 2010 a 2022 de um total de 1.863 organizações sediadas em 52 países, com dados extraídos da base Refinitiv Eikon.
A literatura que investiga a presença feminina na gestão, ou que ocupam cargos no Conselho de Administração, apresenta-se associada a debates mais amplos relativos à governança corporativa, à (des)igualdade de gênero e à RSC (Grosser, 2011). Observa-se a raridade de estudos que investiguem a divulgação de ações de RSC voltadas à minimização das desigualdades de gênero (Oliveira, Rodrigues Júnior, Lima, & Freitas, 2018). Assim, o debate envolvendo a diversidade de gênero na alta administração e a divulgação das ações de RSC relativas ao gênero, aflora a discussão a respeito das mulheres estarem preocupadas com o fortalecimento do gênero feminino nas empresas, e se o quantitativo da representação delas em funções de gestão, ou no Conselho de Administração, faz a diferença no alcance desse objetivo.
Dessa forma, a pesquisa contribui academicamente para a discussão acerca da influência do grupo de mulheres no Conselho de Administração nas ações voltadas a igualdade de gênero e, consequentemente, sua divulgação; diferentemente de trabalhos abordando o tema no âmbito ambiental (Jouber, 2022; Konadu, Ahin-ful, Boakye, & Elbardan, 2022), no âmbito geral da RSC (Amorelli & García-Sánchez, 2021; Hafsi & Turgut, 2013; Lim & Chung, 2021; Nerantzidis, Tzeremes, Koutoupis, & Pourgias, 2022) e no âmbito do desempenho (Kahloul, Sbai, & Grira, 2022; Mohsni, Otchere, & Shahriar, 2021). Além disso, contribui ao utilizar um suporte teórico inovador nas pesquisas contábeis, envolvendo a diversidade de gênero no campo empresarial, fundamentado na Teoria do Tokenismo, que é pouco utilizada no contexto dos estudos sobre RSC e sobre governança corporativa. Estudos contemporâneos têm se proposto a investigar questões relativas ao gênero de forma restrita, em um único país (Issa & Zaid, 2021). Assim, esta pesquisa se mostra robusta ao incorporar, em sua análise, empresas de 52 países, contribuindo academicamente com o desenvolvimento da temática da diversidade de gênero em diferentes países e contextos.
Os esforços pela equidade de gênero têm se intensificado nos últimos anos. De acordo com a Forbes (2023), em seu nono relatório anual intitulado "Mulheres no local de trabalho", a presença feminina em cargos executivos tem crescido ao longo da última década. No entanto, apesar desse avanço, há uma notável ausência de mulheres em cargos de média gestão, o que cria barreiras para sua ascensão aos primeiros níveis de liderança gerencial (Forbes, 2023). Embora alguns países, visando incentivar a equidade de gênero, estabeleçam cotas de gênero em cargos de gestão, podem-se identificar, também, empresas, cujo único foco é o lucro, com posicionamentos contrários a essa política (Nguyen, Nguyen, Nguyen, & Truong, 2021). Nessa perspectiva, esta pesquisa se mostra importante para que os gestores de empresas reconheçam a relevância do número de mulheres nos Conselhos de Administração e seu posicionamento frente às questões de RSC relativas ao gênero.
O estudo dá suporte para os policymakers2 aprimorarem a formulação de políticas públicas voltadas ao gênero, inclusive para compreender seus eventuais fracassos. Além disso, aprofunda a discussão sobre a sub-representação feminina nos cargos de alto escalão, pois avalia o estabelecimento de cotas mínimas de mulheres no Conselho de Administração. Um estudo realizado pelo World Economic Forum (WEF), mostra que serão necessários cerca de 135,6 anos para que seja possível alcançar a paridade de gênero em todo o mundo (WEF, 2021). A pandemia da COVID-19 ampliou essa lacuna de igualdade em 36,1 anos (WEF, 2021). Ademais, o estudo auxilia os interessados em atingir o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 5, da ONU, relacionado à equidade de gênero (United Nations, 2015). Portanto, o trabalho preenche uma lacuna ao abordar o tema específico de ações voltadas para o fortalecimento das mulheres nas empresas.
2. Referencial Teórico
21. Mulheres no Conselho, RSC e Divulgação de Ações Relacionadas ao Gênero
As investigações sobre Governança Corporativa têm discutido a ocupação e a representação feminina em Conselhos de Administração, comitês e diretorias (Bear et al., 2010; Fernandez-Feijoo et al., 2012; Grosser, 2011; Post et al., 2011; Rao & Tilt, 2016). Galbreath (2011) afirma que, em razão das habilidades relacionais, as mulheres nos Conselhos de Administração são mais predispostas e capazes de se envolver com vários membros e responder às suas necessidades, manifestando assim a capacidade de resposta social. Além disso, pesquisas verificam se essa representatividade na alta administração das organizações interfere na filantropia e/ou nas práticas de RSC da corporação (Celis et al., 2014; Celis et al., 2015; Fuente, García-Sánchez, & Lozano, 2017; Grosser, 2011; Hafsi & Turgut, 2013).
As aptidões, condutas e eficácia das mulheres que ocupam funções de gestão, são similares às dos homens (Everett, Thorne, & Danehower, 1996; Morrison & Glinow, 1990). Ademais, de modo geral, as mulheres são capazes de apresentar atributos que as tornam ainda mais apropriadas, para alguns cargos gerenciais, que os homens (Everett et al., 1996). As mulheres têm experiências profissionais mais variadas, podendo, assim, auxiliar as decisões do conselho de maneira mais criativa e inovadora (Burke, 1994); além de proporcionar o aumento na diversidade de opiniões.
Quando o conselho é mais heterogêneo, como um todo, seja no aspecto de estrutura ou demográfico, a empresa terá, à sua disposição, uma maior variedade de experiências, conhecimentos e capacidades (Post et al., 2011). Deste modo, conforme exposto por Bear et al. (2010), quanto maior a diversidade de recursos presente no Conselho de Administração, maior será a capacidade de compreensão e resolução de problemas que possibilitam ao conselho abordar, efetivamente, o ambiente corporativo e incentivar classificações positivas para a RSC.
Ademais, constatou-se que Conselhos de Administração com três ou mais mulheres em sua composição, são determinantes para a evidenciação das práticas de RSC, além de ocorrer um aumento na divulgação acerca de suas estratégias (Fernandez-Feijoo et al., 2012). O foco na constituição numérica dos grupos da alta administração é predominante na atualidade, e é observado na preocupação presente com o crescimento da quantidade de mulheres ocupando posições de Gerência Sênior e na própria Diretoria (Lewis & Simpson, 2012). As investigações neste âmbito fundamentaram-se em noções de equilíbrio numérico.
A expansão da pluralidade de gênero nos conselhos corporativos é capaz de possibilitar melhoras nas decisões organizacionais, além de aumentar a diversidade de perspectivas e de demandas a serem consideradas (Bear et al., 2010; Shahbaz, Karaman, Kilic, & Uyar, 2020; Yarram & Adapa, 2021). Observa-se que a demanda das mulheres nos conselhos das organizações ganhou notoriedade e interesse prático em nível internacional, assim como ocorreu nas pesquisas a respeito da governança corporativa (Torchia, Calabrò, Huse, & Brogi, 2010).
As ações de RSC abrangem a problemática de gênero de diversas formas: seja por meio de práticas inerentes ao gênero ou mediante programas e/ou projetos mais extensos de RSC (Grosser & Moon, 2017). Estudos anteriores averiguaram a colaboração da RSC em direção a igualdade de gênero em um arranjo de integração de gênero (Grosser & Moon, 2005). Na concepção de Velasco, Aldamiz-Echevarría, Bobadilla, Intxaurburu e Larrieta (2013) a Responsabilidade Social voltada ao gênero pode ser entendida como a busca do objetivo da equidade de gênero nas inúmeras práticas de Responsabilidade Social desenvolvidas pela empresa. Verifica-se a inserção de parâmetros de igualdade de gênero em distintos instrumentos de RSC, dentre eles, destacam-se as orientações de relatórios de RSC (Grosser & Moon, 2005).
No estudo conduzido por Burke (1993) em uma empresa canadense, 60 CEOs3 do sexo masculino foram questionados sobre o impacto da presença feminina nos Conselhos de Administração. A maioria concordou que isso influenciava positivamente a sensibilidade para com as consumidoras, o progresso das mulheres na empresa, e a compreensão dos desafios que enfrentavam. Posteriormente, Burke (1994) confirmou que as mulheres nos conselhos, incentivavam outras a almejarem posições melhores e a na busca por recrutar mais mulheres (Lazzaretti, 2012). Essa influência feminina também se refletiu em melhores avaliações de RSC (Bear et al., 2010), sensibilizando-os para práticas mais responsáveis, e indicando um compromisso com questões de gênero e de minorias, tornando a organização mais socialmente responsável (Bear et al., 2010; Williams, 2003).
Celis et al. (2015) examinaram o impacto da presença feminina em vários níveis de liderança, incluindo Conselhos de Administração e Gestão de Departamentos de RSC, na implementação de políticas de equidade de gênero. Suas descobertas indicam que empresas com maior representação feminina tendem a implementar mais ações de RSC relacionadas à igualdade de gênero, enquanto aquelas com menor representação podem estar sujeitas ao fenômeno do tokenismo (Bear et al., 2010; Celis et al., 2015; Konrad, Kramer, & Erkut, 2008). Por outro lado, Oliveira et al. (2018), investigaram como as características dos Sistemas Nacionais de Negócios (SNN) afetam a divulgação de práticas de RSC relacionadas ao gênero em empresas latino-americanas signatárias dos Princípios de Empoderamento das Mulheres (WEPs). Eles observaram que empresas com forte liderança corporativa em igualdade de gênero tendem a divulgar mais informações sobre RSC. Além disso, García-Sánchez et al. (2020) constataram que a presença de mulheres nos conselhos está associada a uma maior divulgação de informações de RSC relacionadas ao gênero.
Mallidis, Giannarakis e Sariannidis (2024) examinaram a relação entre a diversidade de gênero nos Conselhos de Administração e a Responsabilidade Social Corporativa, com foco no desempenho de controvérsias ambientais, sociais e de RSC. Usando dados do índice STOXX Europe 600, de 2006 a 2021, constatou-se que uma maior presença feminina está associada a um melhor desempenho ambiental e social, embora moderadamente afetada pelo envolvimento com padrões como a ISO 14000 e o Pacto Global da ONU. Um estudo recente analisou o impacto ocasionado pela implementação das quotas de gênero pela lei francesa de 2011, revelando um aumento no desempenho ambiental e social pós-implantação, atribuído à maior participação das mulheres nos conselhos, que também lideraram comitês ambientais e sociais (Ginglinger & Raskopf, 2023). Outro estudo corroborou esses achados, destacando que um equilíbrio de gênero melhorado, está associado a avanços na Responsabilidade Social Corporativa, evidenciando a importância de um conselho diversificado para práticas empresariais mais éticas e socialmente responsáveis, destacando, nesse aspecto, especialmente o papel das mulheres na liderança (Yarram & Adapa, 2021).
2.2. Teoria do Tokenismo
A inclusão do gênero em pesquisas que buscam explicar a dinâmica do comportamento corporativo ganhou espaço na obra Men and Women of the Corporation de Rosabeth Moss Kanter, em 1977, na qual a autora identificou os efeitos das proporções na vida em grupo. Assim, Kanter (1977b) sugeriu a Teoria do Tokenismo em estudo realizado em uma corporação industrial pertencente à Fortune 500. A indústria, em 1972, apresentou a primeira mulher no quadro de vendedores. Em 1974, havia cerca de 20 mulheres em treinamento, em um universo de 300 homens no setor de vendas da indústria. Com isso, dividiram-se em grupos compostos por 10 a 12 vendedores, onde havia apenas 1 ou 2 mulheres em cada grupo.
A Teoria do Tokenismo de Kanter pondera as consequências dos benefícios e malefícios numéricos das questões relacionadas à visibilidade dos grupos minoritários nas corporações (Lewis & Simpson, 2012). Rixom, Jackson e Rixom (2022) conceituam o termo "tokenismo" como desequilíbrio distorcido entre membros de um grupo onde alguns, são considerados dominantes, enquanto outros são considerados tokens.Patel, Romani, Oberoi e Ramasamy (2021), apoiando-se na teoria do tokenismo, argumentam quea estrutura de um grupo determina os processos. Nessa perspectiva, afirma-se que os tokens podem passar por dificuldades que afetam a sua participação no grupo como: visibilidade, polarização e assimilação (Biswas, Roberts, & Stainback, 2021). Kanter (1977b) explica em que "proporções" são os números relativos de indivíduos social e culturalmente distintos, pertencentes a um determinado grupo, que é crítico na formação dinâmica da interação na vida em grupo (Kanter, 1977b, 1977a).
Kanter construiu uma tipologia que consiste em quatro distribuições distintas, sendo considerados "majoritários" os tipos de indivíduos mais presentes dentro de um grupo, e "minoritários" os sujeitos menos frequentes do grupo (Childs & Krook, 2008). Com isso, são identificadas quatro categorias de grupos, com base em conjuntos proporcionais variados (Kanter, 1977b, 1977a; Lewis & Simpson, 2012), onde, grupos com proporções distintas de indivíduos, diferem em dinâmica e processo.
Os grupos "uniformes" apresentam somente um padrão de indivíduo, sendo este uma classe social significativa (Kanter, 1977b). Esses conjuntos são capazes de gerar suas próprias diferenças. Entretanto, eles são considerados homogêneos no tocante a aspectos como gênero, raça ou etnia (Kanter, 1977b).
Grupos "enviesados" ou "distorcidos" são aqueles onde ocorre uma tendência de um tipo de indivíduo em relação ao restante do grupo, ou seja, há uma predominância de um sobre os outros. É o caso da presença de sujeitos dominantes e de tokens, conhecidos como "símbolos". Os dominantes conduzem o grupo e, consequentemente, a cultura em que este funcionará. Já os tokens são considerados representantes da sua classe, e, devido a sua baixa representatividade, são denominados "símbolos" (Kanter, 1977b). Se o tamanho do grupo enviesado for relativamente pequeno, as pessoas consideradas símbolos podem ser igualmente apontadas como sujeitos solitários, sendo o único existente no grupo. Contudo, ainda que haja dois tokens no grupo classificado como enviesado, permanece complicado destes dois formarem uma coalizão que tenha a força suficiente para fazer a diferença, dentro do grupo dominante (Kanter, 1977b).
Grupos "inclinados" caminham para divisões menos extremas. Nesse caso os majoritários são meramente uma maioria que representa os indivíduos minoritários que possuem uma eminente capacidade de formar alianças, buscando impactar a cultura do grupo (Kanter, 1977b). Em grupos "equilibrados" há possíveis subgrupos originados a partir dos majoritários e dos minoritários. A cultura e a interação são características marcantes que retratam o equilíbrio encontrado nesse tipo de grupo (Kanter, 1977b). Os resultados para sujeitos pertencentes a um grupo de pares tão equilibrado, independente de qual tipo seja, dependerão de demais fatores estruturais e pessoais, englobando a criação de subgrupos ou papéis e competências diferenciadas (Kanter, 1977b).
Os atributos inerentes ao grupo "enviesado" sustentam um ponto de partida essencial para o entendimento dos efeitos da proporção. Apesar do grupo representar uma instância extrema do fenômeno, é identificado por uma vasta quantidade de mulheres em diversos grupos e corporações, no qual as distribuições numéricas têm beneficiado historicamente os homens (Kanter, 1977b). Esses grupos envolvem uma grande quantidade de um tipo social (dominantes) em detrimento de outro (tokens).
Com base na perspectiva de quatro grupos caracterizados a partir de proporções distintas de sujeitos, o estudo de Kanter (1977b) decorre da investigação de somente um desses quatro tipos de grupos; uma conjuntura na qual a proporção de homens para mulheres é distorcida, sendo favorável aos homens, visto que sua preocupação central é a de desvendar o que acontece com as mulheres que ocupam a condição de símbolos em meio a um grupo repleto de homens (Kanter, 1977b). Os efeitos de números relativos podem alterar a interpretação dos resultados encontrados em pesquisas (Kanter, 1977b). Números relativos em um teste afetam do que homens ou mulheres são capazes de realizar de forma natural (Kanter, 1977b).
O trabalho de Kanter acarretou uma linha de investigações dentro das pesquisas voltadas ao gênero e às organizações, onde foi testada a Teoria do Tokenismo em distintas circunstâncias de trabalho (Kanter, 1977b; Lewis & Simpson, 2012). Este corpo de pesquisa abrange investigações voltadas à Ciência Política (legisladoras do sexo feminino) (Bratton, 2005; Childs & Krook, 2008; Dahlerup, 1988) e à Ciência Social (mulheres em Conselhos de Administração) (Broome, Conley, & Krawiec, 2011; Erkut, Kramer, & Konrad, 2008; Singh & Vinnicombe, 2004; Torchia, Calabrò, & Huse, 2011). No momento em que um grupo "enviesado" ou "distorcido" se transforma em um grupo "inclinado", como defendido por Kanter, verifica-se uma modificação na dinâmica do grupo (Kanter, 1977b, 1977a; Lewis & Simpson, 2012). Desta maneira, sujeitos que antes eram considerados "símbolos", passam a ter mais força dentro do grupo. Considerando as evidências empíricas encontradas, a presente pesquisa propõe testar a seguinte hipótese:
Hipótese 1: Grupos com maior quantidade de mulheres no Conselho de Administração, sob a ótica da Teoria do Tokenismo, influenciam positivamente o nível de divulgação de RSC relacionada a gênero.
3. Metodologia
3.1. Amostra
Diferentemente de trabalhos que buscam dados em relatórios de sustentabilidade, optou-se por utilizar dados disponibilizados pela Refinitiv Eikon, como os estudos de Birindelli, Iannuzzi e Savioli (2019), Gangi, Daniele, Varrone, Vicentini e Coscia (2021), Qureshi, Kirkerud, Theresa e Ahsan (2020) e Uyar, Kuzey, Kilic e Karaman (2021). A Refinitiv Eikon é uma empresa que capta informações e conecta comunidades financeiras de diferentes localidades do mundo. Atualmente ela tem incorporada à sua base, mais de 40 mil instituições de aproximadamente 190 países (Refinitiv, 2022). A Refinitiv cobre informações ambientais, sociais e de governança, com mais de 450 métricas, de cerca de 80% do valor de mercado global, de 76 países (Refinitiv, 2022).
Nessa perspectiva, trabalhou-se com uma amostra intencional, obtida na base de dados da Refinitiv Eikon, que abrange todas as empresas listadas que apresentam informações sobre as ações de RSC relativas ao gênero, e dados sobre a composição do Conselho de Administração. Ao todo foram coletadas 24.219 observações de 1.863 organizações pertencentes a 52 países, no período de 2010 a 2022. O ano referência para o início da coleta de dados da pesquisa é justificado pelo lançamento dos Princípios de Empoderamento das Mulheres (WEPs), os quais apontam o caminho para as melhores práticas empresariais relativas ao gênero, que ocorreu em 2010 (ONU Mulheres & UNGC, 2017).
Os dados foram coletados em 2024, momento em que a base de dados da Refinitiv Eikon apresentava informações até o período de 2022. Para isso, vale destacar que mesmo que os dados tivessem sido coletados em relatórios de sustentabilidade, sempre haverá uma defasagem temporal entre os relatórios divulgados e o ano corrente em virtude de ser uma informação voluntária, sem posição para data de divulgação.
3.2. Variáveis
Para a consecução do objetivo da pesquisa, que busca investigar a influência dos grupos minoritários relacionados à presença de mulheres no Conselho de Administração, sobre o nível de divulgação de informações de RSC relacionada ao gênero, à luz da Teoria do Tokenismo, foi calculado o índice de divulgação de ações de RSC relativas ao gênero, composto por 10 indicadores selecionados na base da Refinitiv Eikon. Na Tabela 1 são apresentados os indicadores que compõem o índice de divulgação de RSC referente às práticas que revelam o compromisso das organizações quanto às questões de gênero. O indicador foi pontuado com 0 (zero) quando não divulgado pela empresa, e com 1 (um) quando divulgado. Assim, a pontuação anual do nível de divulgação obtida por cada empresa da amostra podia variar entre 0 e 10.
Índice de divulgação de ações de RSC relativas a gênero -Pontuação máxima por empresa: 10 pontos |
---|
Indicadores |
01. Divulgação de políticas de diversidade do conselho 02. Divulgação do percentual de mulheres no conselho 03. Divulgação de gênero dos executivos 04. Divulgação de funcionárias mulheres 05. Divulgação de mulheres gerentes 06. Divulgação da disponibilização de serviço de creche 07. Divulgação de flexibilidade no horário de trabalho 08. Divulgação de controvérsias de diversidade 09. Divulgação de políticas de diversidade e oportunidades 10. Divulgação de metas de diversidade e oportunidades |
Fonte: indicadores extraídos da base de dados da Refinitiv Eikon.
Na elaboração do índice descrito na Tabela 1, os pesquisadores empregaram uma variedade de indicadores abrangendo aspectos sociais, econômicos e ambientais, os quais são avaliados pela Refinitiv Eikon. Essa seleção foi fundamentada nas palavras-chave identificadas nos estudos de Morgan Stanley Research (2016) e de Van Huijgevoort (2017), que abordam questões como licença maternidade, cargos gerenciais, ocupação de cargos, promoções e creche. Posteriormente, foram examinados todos os indicadores disponíveis na Refinitiv Eikon, relacionados a essas temáticas.
Com relação à composição do Conselho de Administração, foram utilizadas variáveis dummy4 para identificação da presença de grupos uniformes (0% de mulheres - UNIFORME), grupos enviesados (de 0,01% até 15% de mulheres - ENVIESADO), grupos inclinados (de 15,01% até 40% de mulheres - INCLINADO) e de grupos equilibrados (de 40,01% até 50% de mulheres - EQUILIBRADO). Adotou-se o valor 1 (um) quando a empresa apresentava determinado grupo, e o valor 0 (zero) em casos contrários.
Dessa forma, a Tabela 2 apresenta as variáveis independentes do estudo, e suas respectivas opera-cionalizações e embasamento teórico. Além disso, expõe, também, a variável dependente e as variáveis de controle da pesquisa, bem como suas respectivas operacionalizações e embasamento teórico.
Constructo | Variável dependente | Operacionalização | Embasamento teórico |
---|---|---|---|
RSC relacionada a gênero (DISCGENERO) | Índice de divulgação de informações de RSC relacionadas ao gênero (DISCGENERO) | Pontuação obtida pela organização com os indicadores que compõem o DISCGENERO. Varia de 0 a 10 | Morgan Stanley Research (2016) e Van Huijgevoort (2017) |
Constructo | Variáveis independentes | Operacionalização | Embasamento teórico |
Composição do Conselho de Administração (COMP_CADM) | Variável categórica a partir do percentual de mulheres no Conselho de Administração, conforme Teoria do Tokenismo (TOKENISMO) | Grupo uniforme 0% de mulheres no conselho; grupo enviesado de 0,01% até 15% de mulheres no conselho; grupo inclinado de 15,01% até 40% de mulheres no conselho; grupo equilibrado de 40,01% até 50% de mulheres no conselho | Kanter (1977b) |
Grupos uniformes quanto à presença de mulheres no Conselho de Administração (UNIFORME) | Variável dummy: 1 - para observações englobadas nos grupos uniformes quanto ao Conselho de Administração; 0 - para as observações com a presença de grupos distintos | Kanter (1977b) | |
Grupos enviesados quanto à presença de mulheres no Conselho de Administração (ENVIESADO) | Variável dummy: 1 - para observações englobadas nos grupos enviesados quanto ao Conselho de Administração; 0 - para as observações com a presença de grupos distintos | Kanter (1977b) | |
Grupos inclinados quanto à presença de mulheres no Conselho de Administração (INCLINADO) | Variável dummy: 1 - para observações englobadas nos grupos inclinados quanto ao Conselho de Administração; 0 - para as observações com a presença de grupos distintos | Kanter (1977b) | |
Grupos equilibrados quanto à presença de mulheres no Conselho de Administração (EQUILIBRADO) | Variável dummy: 1 - para observações englobadas nos grupos equilibrados quanto ao Conselho de Administração; 0 - para as observações com a presença de grupos distintos | Kanter (1977b) | |
Variáveis de controle (CONT) | Tamanho do Conselho de Administração (TAM_CADM) | Total de membros do Conselho de Administração | Galbreath (2011) e García-Sánchez et al. (2020) |
Tamanho da empresa (TAM) | Logaritmo natural de ativo total | García-Sánchez et al. (2020) e Torchia et al. (2011) | |
Retorno sobre o ativo (ROA) | Divisão entre o lucro líquido e o ativo total | Bear et al. (2010) e García-Sánchez et al. (2020) | |
Setor de atividade (SETOR) | Setor de atividade da empresa (dummy) | García-Sánchez et al. (2020) |
Fonte: elaboração própria.
Conforme visto na Tabela 2, ressalta-se que o estudo apresenta como variáveis de controle o tamanho do Conselho de Administração (TAM_CADM), o tamanho da empresa (TAM), o retorno sobre o ativo (ROA) e o setor de atividade (SETOR). A utilização dessas variáveis no estudo deve-se à relevância das mesmas em pesquisas que trabalham temáticas semelhantes às do presente trabalho (Bear et al., 2010; Galbreath, 2011; García-Sánchez et al., 2020; Pucheta-Martínez, Bel-Oms, & Olcina-Sempere, 2019; Torchia et al., 2011).
3.3. Tratamento e análise de dados
Para se alcançar o objetivo proposto no estudo e verificar o comportamento dos dados, foram realizadas análises descritivas dos dados, com o propósito de observar as características das variáveis da pesquisa e averiguar diferenças e semelhanças quanto aos grupos. Foi realizada a análise de variância (ANOVA) buscando verificar se o nível de divulgação de RSC relacionada ao gênero é diferente nos distintos grupos minoritários apresentados pela Teoria do Tokenismo.
A ANOVA apresentou significância estatística. Assim, posteriormente, foi realizado o teste de Post-Hoc de Tukey-Kramer para se comparar as médias duas a duas, dos grupos indicados pela Teoria do Tokenismo. Em seguida, foi realizada a análise de correspondência (Anacor), com o objetivo de se investigar a associação entre os países e os grupos existentes, identificados com base em várias representações proporcionais de tipos de pessoas nas organizações, sendo considerada, nesse estudo, a proporção de mulheres existentes no Conselho de Administração. Os grupos foram divididos de acordo com a Teoria do Tokenismo.
Ao final, foram realizadas as regressões para a análise dos dados. A partir das variáveis elencadas na Tabela 2, para se investigar a influência dos grupos minoritários relacionados à presença de mulheres no Conselho de Administração, na divulgação de informações de RSC relacionada ao gênero, foram adotados os seguintes modelos econométricos, definidos com o intuito de testar a hipótese levantada:
As informações utilizadas foram analisadas por meio do modelo de regressão pooled OLS. Destaca-se, ainda, que a aplicação dos testes estatísticos citados nesta seção foi realizada por meio da utilização do software Stata.
4. Apresentação e Análise dos Resultados
A Tabela 3 apresenta a estatística descritiva das variáveis do estudo. Observa-se uma média de divulgação de informações de RSC relacionada ao gênero de 8,09 pontos, que ultrapassa a metade do valor máximo que o índice pode alcançar (10 pontos por organização). Esse resultado sugere que as organizações investigadas estão propensas a divulgar questões que envolvem as práticas de RSC relativas ao gênero, indicando uma variação do fenômeno observado no intervalo de tempo e nos países estudados, se comparado aos resultados alcançados por Oliveira et al. (2018) de 7,41 de 28 pontos relativo às organizações latino-americanas e por Rodrigues Júnior, Oliveira, Alves e Rodrigues (2017) de 7,2 de 28 pontos referente a organizações brasileiras.
Na Tabela 3, observa-se que 21,96% da amostra é composta por grupos uniformes, 26,90% por grupos enviesados e 43,44% por grupos inclinados; enquanto apenas 7,70% é composta por grupos equilibrados. Assim, pode-se verificar o baixo equilíbrio nos Conselhos de Administração, das observações investigadas quanto à presença de mulheres. Em contraponto, é observada uma maior adesão das observações da amostra aos grupos inclinados, uma vez que 43,44% têm, em seus conselhos, uma presença feminina que varia entre 15,01% e 40%.
Variáveis | Obs. | Média | Mediana | DP | CV | Mínimo | Máximo |
---|---|---|---|---|---|---|---|
DISCGENERO | 24.219 | 8,0969 | 8,0000 | 0,9535 | 0,1178 | 2,0000 | 10,0000 |
TAM_CADM | 24.219 | 11,2446 | 11,0000 | 3,5385 | 0,3147 | 1,0000 | 38,0000 |
TAM | 24.219 | 23,4450 | 23,2353 | 1,6143 | 0,0689 | 18,7439 | 29,4711 |
ROA | 24.219 | 0,0358 | 0,0323 | 0,0378 | 1,0558 | -0,1488 | 0,1498 |
Tokenismo | |||||||
Uniforme | Enviesado | Inclinado | Equilibrado | ||||
5.319(21,96%) | 6.516 (26,90%) | 10.518 (43,44%) | 1.866 (7,70%) |
Notas: DP: Desvio padrão; CV: Coeficiente de variação.
Fonte: elaboração própria.
A Figura 1 apresenta a análise de correspondência (Anacor). Realizou-se uma análise do percentual de mulheres no Conselho de Administração em cada observação do estudo. Em seguida, verificou-se em quais países cada observação se enquadrava , em quais grupos, respectivamente: se os países das observações se encaixavam em "uniformes", "enviesados", "inclinados" ou "equilibrados",. Assim, a Anacor possibilitou a identificação dos países da amostra com seus respectivos grupos da Teoria do Tokenismo.
Fonte: elaboração própria.
Nota. Siglas dos países apresentados na Anacor. AE: Emirados Árabes; AT: Áustria; AU: Austrália; BE: Bélgica; BR: Brasil; CA: Canadá; CH Suíça; CL: Chile; CN: China; CO: Colômbia; CZ: República Tcheca; DE: Alemanha; DK: Dinamarca; EG: Egito; ES: Espanha; FI: Finlândia; FR França; GB: Reino Unido; GR: Grécia; HK: Hong Kong; HU: Hungria; ID: Indonésia; IE: Irlanda; IL: Israel; IN: Índia; IT: Itália; JO: Jordânia; JP Japão; KR: Coreia do Sul; KW: Kuwait; LU: Luxemburgo; MA: Marrocos; MX: México; MY: Malásia; NG: Nigéria; NL: Holanda; NO: Noruega; NZ Nova Zelândia; PA: Panamá; PH: Filipinas; PL: Polônia; PT: Portugal; QA: Qatar; RU: Rússia; SA: Arábia Saudita; SE: Suécia; SG: Cingapura; TH Tailândia; TR: Turquia; TW: Taiwan; US: Estados Unidos e ZA: África do Sul.
A partir das informações apresentadas na Anacor, verificou-se que as observações dos seguintes países integram o grupo "uniforme": Arábia Saudita, Chile, China, Cingapura, Coreia do Sul, Emirados Árabes, Indonésia, Japão, Kuwait, Marrocos, Panamá, Qatar, Rússia e Taiwan. Enquanto o grupo "enviesado" é composto pelos seguintes países: Brasil, Colômbia, Egito, Filipinas, Grécia, Hong Kong, Hungria, Índia, Jordânia, México, Portugal, República Tcheca, Tailândia e Turquia. O grupo uniforme é caracterizado pela não-presença de mulheres nos Conselhos de Administração, ou seja, conselhos formados exclusivamente por membros do sexo masculino. E o grupo enviesado é caracterizado por conselhos que apresentam um percentual de participação feminina de pelo menos 0,01% até 15%.
Ao analisar os resultados, observou-se que esses grupos contam com a presença de países pertencentes ao Médio Oriente e Norte da África (MENA) (Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes, Jordânia, Kuwait, Marrocos e Qatar). Os resultados obtidos corroboram com os estudos de Arayssi, Jizi e Tabaja (2020), Issa & Fang (2019) e Issa & Zaid (2021), nos quais os achados evidenciaram a baixa participação feminina nos Conselhos de Administração das empresas localizadas em países do MENA. Nessa perspectiva, deve-se destacar que países pertencentes ao MENA são considerados extremamente conservadores, onde homens e mulheres podem ser espiritualmente iguais, porém com funções e obrigações divergentes (Hourani, 2005; Salloum, Jabbour, & Mercier-Suissa, 2019).
Nos resultados apresentados anteriormente, observou-se também, a presença de países asiáticos nos grupos "uniforme" e "enviesado" (Arábia Saudita, China, Cingapura, Coreia do Sul, Filipinas, Hong Kong, Indonésia, Japão e Tailândia). Esses países, têm se destacado no desenvolvimento emergente da governança corporativa e, consequentemente, na diversidade de gênero. O resultado da pesquisa vai ao encontro com o exposto no estudo de Yasser, Al Mamun & Ahmed (2017), que evidenciou a baixa nomeação de uma ou mais mulheres conselheiras para o Conselho de Administração das empresas da região.
Na Figura 1, verificou-se que o grupo considerado "inclinado" abrange as organizações dos seguintes países: África do Sul, Alemanha, Áustria, Canadá, Espanha, Estados Unidos, Holanda, Irlanda, Israel, Malásia, Nigéria e Suíça. Já o grupo "equilibrado" foi composto pelas observações localizadas na Austrália, Bélgica, Dinamarca, Finlândia, França, Itália, Luxemburgo, Noruega, Nova Zelândia, Polônia, Reino Unido e Suécia. O grupo "inclinado" tem a presença de mulheres nos Conselhos de Administração entre 15,01% e 40%. Enquanto o grupo "equilibrado" é caracterizado por conselhos com a presença feminina entre 40,01% e 50%.
Salienta-se que esses dois grupos contêm países nórdicos (Dinamarca, Finlândia, Noruega e Suécia), que apresentam elevados Índices de Desenvolvimento Humano (IDH). Os países nórdicos são conhecidos por sua luta em prol da igualdade de gênero (Nielsen & Huse, 2010). A Noruega, por exemplo, tem políticas de cota mínima para a presença de mulheres em Conselhos de Administração, sendo essa cota de 40% (Nielsen & Huse, 2010; Smith, 2018). Essa situação acaba pulverizando a questão do tokenismo.
Destaca-se que o enquadramento de um país em um respectivo grupo, não está relacionado à unanimidade das observações nesse determinado grupo, mas sim a predominância de observações do país em um respectivo grupo (Tabela 4).
Fonte: elaboração própria.
Estudos sugerem que mulheres são mais sensíveis às questões envolvendo as iniciativas de RSC (Bear et al., 2010; Hafsi & Turgut, 2013). Dessa forma, realizou-se uma análise de variância (ANOVA), buscando verificar se o nível de divulgação de RSC relacionada ao gênero é diferente nos diferentes grupos minoritários apresentados pela Teoria do Tokenismo. A ANOVA apresentou um F-test = 911,28 e o p-value< 0,001, indicando que ao menos uma das médias do nível de divulgação de RSC relativa ao gênero de um grupo é significativamente diferente de outra.
Em seguida, realizou-se o teste de Post-Hoc de Tukey-Kramer para as comparações das médias de divulgação de RSC relativa a gênero entre os diferentes grupos do tokenismo (Tabela 5).
Comparação dos grupos da Teoria do Tokenismo | Divulgação de gênero | |
---|---|---|
EQUILIBRADO-ENVIESADO | 0,7998 | *** |
INCLINADO-ENVIESADO | 0,3872 | *** |
UNIFORME-ENVIESADO | -0,2207 | *** |
INCLINADO-EQUILIBRADO | -0,4126 | *** |
UNIFORME-EQUILIBRADO | -1,0206 | *** |
UNIFORME-INCLINADO | -0,6079 | *** |
Nota. O símbolo de * indica que a variável é significante a 10%; ** a 5% e *** a 1%.
Fonte: elaboração própria.
Os resultados apontam que empresas com uma maior proporção de mulheres no Conselho de Administração apresentam uma maior média de divulgação de RSC voltada ao gênero (Tabela 5). Ou seja, as observações enquadradas no grupo "equilibrado" apresentam uma maior média de divulgação de RSC relativa ao gênero, se comparadas com as observações enquadradas nos outros grupos da Teoria do Tokenismo.
A Tabela 5 também demonstra que as empresas enquadradas nos grupos de baixa proporção de mulheres no Conselho de Administração (uniforme e enviesado) têm um nível inferior de divulgação de RSC voltado ao gênero que as empresas que apresentam uma maior proporção feminina no conselho; cenários em que é perceptível a ocorrência do tokenismo (Bear et al., 2010; Celis et al., 2015; Konrad et al., 2008). Além disso, destaca-se que foi encontrada diferença estatisticamente significante ao comparar os valores de divulgação de gênero entre o grupo "uniforme" e o grupo "enviesado". Verificou-se que o grupo uniforme apresenta uma média inferior em relação ao grupo enviesado.
Utilizou-se a regressão pooled OLS para a divulgação de gênero sob a ótica da Teoria do Tokenismo, devido à existência de variável com efeito fixo no tempo (SETOR). A Tabela 6 apresenta os resultados.
De acordo com as informações da Tabela 6, todos os modelos de regressão apresentaram significância estatística a 1%. Além disso, observou-se que o poder explicativo dos dados nos modelos 1, 2, 3 e 4, apresentaram os percentuais de 10,44%, 7,29%, 8,94% e 9,43%, respectivamente. Ao analisar os modelos que apresentam como variável dependente a divulgação de RSC relacionada ao gênero, observou-se que todos os grupos propostos pela Teoria do Tokenismo demonstraram significância estatística a 1%. Contudo, os grupos "uniforme" e "enviesado" demonstraram influência negativa, enquanto os grupos "inclinado" e "equilibrado" influenciaram positivamente. Dessa forma, confirma-se a Hipótese 1.
Variáveis | Divulgação de gênero | |||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
(1) | (2) | (3) | (4) | |||||
Intercepto | 4,5582 | *** | 4,3857 | *** | 4,315 | *** | 4,3322 | *** |
(0,2034) | (0,2069) | (0,2048) | (0,2043) | |||||
GRUPO UNIFORME | -0,4789 | *** | ||||||
(0,0143) | ||||||||
GRUPO ENVIESADO | -0,2207 | *** | ||||||
(0,0135) | ||||||||
GRUPO INCLINADO | 0,3187 | *** | ||||||
(0,0119) | ||||||||
GRUPO EQUILIBRADO | 0,6383 | *** | ||||||
(0,0219) | ||||||||
TAM_CADM | -0,0158 | *** | -0,0062 | *** | -0,0094 | *** | -0,0079 | *** |
(0,0018) | (0,0019) | (0,0018) | (0,0018) | |||||
TAM | 0,1610 | *** | 0,1618 | *** | 0,1569 | *** | 0,1622 | *** |
(0,0047) | (0,0048) | (0,0047) | (0,0047) | |||||
ROA | -0,0825 | 0,1873 | -0,0277 | 0,2365 | ||||
(0,1635) | (0,1661) | (0,1648) | (0,1642) | |||||
SETOR | SIM | SIM | SIM | SIM | ||||
Obs. | 24.219 | 24.219 | 24.219 | 24.219 | ||||
N° de empresas | 1.863 | 1.863 | 1.863 | 1.863 | ||||
F | 201,468 | 135,920 | 169,826 | 179,924 | ||||
valor p | 0,0000 | 0,0000 | 0,0000 | 0,0000 | ||||
R2 | 0,1044 | 0,0729 | 0,0894 | 0,0943 |
Nota. O símbolo de * indica que a variável é significante a 10%; ** a 5% e *** a 1%. Todas as demais variáveis não apresentaram impacto estatístico significante.Os erros padrão estão entre parênteses.
Fonte: elaboração própria.
Assim, quando as empresas classificam-se nos grupos em que há um percentual inferior de mulheres-como o grupo "uniforme" (0% de mulheres no conselho) e "enviesado" (de 0,01% até 15% de mulheres no conselho)- esta situação influenciará de maneira negativa o grau de divulgação de práticas de RSC relativas às ações que revelam o comprometimento das organizações no tocante às questões de gênero. De maneira oposta, a existência de mulheres em percentual suficiente para classificar as organizações em grupos inclinados (de 15,01% até 40% de mulheres no conselho) e equilibrados (de 40,01% até 50% de mulheres no conselho) influencia positivamente o nível de divulgação de informações acerca de RSC relativa ao gênero.
Quanto ao tamanho do conselho (TAM_CADM) e o tamanho da empresa (TAM), evidenciou-se significância estatística a um nível de 1% em todos os modelos analisados. A relação encontrada foi negativa para o tamanho do conselho e positiva para o tamanho da empresa. Com base nos resultados, verificou-se que empresas de maior porte e com conselhos menores apresentam uma maior evidenciação de iniciativas de RSC voltadas ao gênero. No entanto, em relação ao retorno sobre o ativo (ROA), não se observou significância estatística. Assim, não há evidência de que o nível de divulgação de informações de RSC relacionadas ao gênero seja afetado pela rentabilidade da organização.
5. Discussão
Uma pesquisa realizada no final dos anos 90, indicava que as mulheres levariam de 20 a 30 anos para alcançar igualdade de status nos cargos de alta administração (Crampton & Mishra, 1999). Esse cenário persiste atualmente como evidenciado na Tabela 2, que mostra os baixos percentuais de mulheres nos Conselhos de Administração. Mesmo após duas décadas, a desigualdade de gênero nos cargos de liderança continua sendo uma realidade global. Embora alguns países tenham registrado melhorias, esses avanços não são consistentes em todo lugar.
Quando se analisa a diferença nas médias de divulgação de RSC relacionada ao gênero entre os grupos da Teoria do Tokenismo, percebe-se que as organizações classificadas como pertencentes aos grupos equilibrados em termos de presença feminina nos conselhos, apresentam uma divulgação mais elevada. Os achados mostram-se coerentes com a literatura, dado que as mulheres são mais direcionadas às questões sociais, conforme estudos anteriores de Bear et al. (2010), Hafsi e Turgut (2013), Jizi (2017) e Post et al. (2011). Evidencia-se que a participação feminina nos Conselhos de Administração pode proporcionar à alta administração uma maior sensibilidade para demandas das mulheres no contexto organizacional (Konrad et al., 2008).
Conforme a Teoria do Tokenismo, ambientes em que a representação feminina é considerada enviesada, onde sua presença é inferior a 15%, estes indivíduos são considerados tokens, e evitam abordar sobre os interesses do próprio grupo minoritário, acabando por serem marginalizados pelos legisladores pertencentes ao grupo dominante (Bratton, 2005). Essa situação vai além do cenário político, sendo também aplicado ao ambiente organizacional.
Conforme os grupos minoritários vão se alterando, ultrapassando os percentuais de um grupo "enviesado" para um grupo "inclinado", observam-se modificações nas práticas do grupo. Minimiza-se a visibilidade da minoriade uma maneira que estes sujeitos ficam menos desconfortáveis no grupo e se sentem mais aceitos e integrados, estabelecendo uma cultura de aceitação (Kanter, 1977b, 1977a; Lewis & Simpson, 2012). Assim, indivíduos que anteriormente eram vistos como "simbólicos", passam a ter mais influência e a interferir nas atividades do grupo.
Leis em diversos países têm sido promulgadas para enfrentar a sub-representação feminina em cargos de liderança corporativa (Aguir, Boubakri, Marra, & Zhu, 2023). Em 2022, o Parlamento Europeu estabeleceu que empresas da União Europeia listadas em bolsas de valores da União Europeia (eu) devem ter, até 2026, 40% de mulheres como membros não-executivos do Conselho de Administração, ou 33% de mulheres entre todos os membros do conselho (Aguir et al., 2023; Lefley, Vychová, & Trnková, 2024). Além disso, algumas nações implementaram leis de cotas visando elevar a presença de mulheres nos Conselhos de Administração corporativos (Aguir et al., 2023; Nguyen et al., 2021).
Essas medidas podem reduzir a ocorrência do tokenismo nos Conselhos de Administração das organizações. No entanto, em alguns casos, as empresas podem nomear mulheres para cargos administrativos de forma relutante, visando evitar penalidades financeiras, ao invés de reconhecerem os benefícios existentes da ampliação da diversidade de gênero nesses conselhos (Nguyen et al., 2021).
A interpretação de igualdade no contexto da diversidade de gênero nos conselhos de administração empresarial é equívoca, com metas de cotas variando de menos de 20% a 40% (Lefley et al., 2024). No entanto, a verdadeira igualdade implica em assegurar uma representação feminina equitativa nos Conselhos de Administração (Lefley & Janecek, 2023), promovendo, assim, a inclusão e a participação efetiva das mulheres nas decisões estratégicas da empresa.
Dessa forma, para impulsionar a diversidade de gênero na alta administração, é essencial que as organizações criem um ambiente inclusivo e de apoio às mulheres em cargos de liderança, afastando-se de aspectos relacionados ao tokenismo. Isso pode ser alcançado por meio da implementação de políticas que garantam a equidade na distribuição de oportunidades e recursos entre líderes masculinos e femininos; e da promoção de uma cultura organizacional que valorize a equidade e a inclusão. Essas medidas têm o potencial de mitigar preconceitos e discriminações tanto dentro como fora da organização (Aguir et al., 2023).
6. Considerações Finais
Em relação à classificação das organizações nos grupos minoritários, observou-se que as empresas dos grupos "inclinados" e "equilibrados", que apresentam o maior quantitativo de mulheres nos Conselhos de Administração, influenciam positivamente e demonstram maior divulgação de Responsabilidade Social Corporativa relacionada ao gênero, confirmando a Hipótese 1.
Grupos com a participação escassa de conselheiras mulheres podem ter suas lideranças deslegitimadas e participações consideradas simbólicas nos Conselhos de Administração. Ressalta-se que apenas as organizações pertencentes à Noruega estão englobadas no grupo "equilibrado", com um percentual de mulheres entre 40,01% e 50% nos Conselhos de Administração. Além disso, as empresas do grupo "uniforme", com ausência de mulheres nos conselhos, têm divulgação inferior de gênero nas empresas inseridas em quaisquer outros grupos determinados pela Teoria do Tokenismo, sejam grupos "enviesados", "inclinados" ou "equilibrados". É o grupo "equilibrado" o que apresenta maior percentual de minorias, nesse caso, as mulheres; além de apresentar, em todos os comparativos, melhor nível de divulgação de informações de Responsabilidade Social Corporativa relacionada ao gênero.
Por fim, a presença feminina em percentual satisfatório para categorizar as empresas em grupos "inclinados" (de 15,01% até 40% de mulheres no conselho) e "equilibrados" (de 40,01% até 50% de mulheres no conselho) afeta positivamente o nível de divulgação de Responsabilidade Social Corporativa relativa ao gênero. Enquanto que, os grupos com baixo percentual de mulheres -ocasiões em que se percebe o tokenismo-, resulta em um menor nível de adoção e divulgação de práticas de Responsabilidade Social Corporativa relacionadas a equidade de gênero.
Dessa forma, para fortalecer a participação feminina na alta gestão das organizações, é crucial que as entidades políticas busquem abordagens mais abrangentes do que simplesmente impor cotas de gênero nos Conselhos de Administração. Deve-se avançar para além da presença meramente simbólica, na qual as mulheres são incluídas nos Conselhos de Administração apenas para cumprir metas numéricas. Em vez disso, é fundamental promover políticas que garantam um envolvimento significativo e diversificado das mulheres nas decisões estratégicas da empresa, especialmente no que diz respeito às iniciativas de equidade de gênero.
O estudo contribui academicamente com a ampliação da discussão sobre a Responsabilidade Social Corporativa relacionada ao gênero em diferentes contextos organizacionais. Apoiando-se na Teoria do Tokenismo, o estudo confirma a importância dos grupos minoritários para a divulgação da Responsabilidade Social Corporativa relacionada a gênero. Outra contribuição está no estudo da mulher como um grupo minoritário. A partir da perspectiva da Teoria do Tokenismo, foi possível observar o impacto ocasionado pelas mulheres no Conselho de Administração, em diferentes níveis de proporção, sobre a divulgação de Responsabilidade Social Corporativa voltada a gênero. A pesquisa também contribui ao incluir o estudo da Teoria do Tokenismo no contexto organizacional, uma vez que estudos anteriores trabalhavam, com maior frequência, a Teoria, , na perspectiva política.
A pesquisa contribui, ainda, para os governos, por possibilitar a determinação do contexto que os países se encontram no que concerne à diversidade de gênero nas empresas. Auxiliando, assim, os gestores públicos no encaminhamento de políticas públicas que envolvam efetivas melhorias para as mulheres que constituem a força de trabalho nas empresas das nações averiguadas no estudo. Além de práticas e condutas que busquem a representação igualitária das mulheres nos Conselhos de Administração das organizações.
Como limitações da pesquisa destaca-se que, pela natureza das variáveis dependentes, a utilização de uma análise multinível modificaria os panoramas encontrados no estudo. Apesar das limitações serem reconhecidas o trabalho contribui pertinentemente para o estudo do relacionamento da composição do Conselho de Administração com a divulgação de Responsabilidade Social Corporativa voltada ao gênero. Para investigações futuras, sugere-se explorar o impacto da nova lei da União Europeia sobre o equilíbrio de gênero nos Conselhos de Administração das empresas, particularmente focando no cenário europeu pós-2026, buscando identificar se essas políticas promovem não apenas a representatividade feminina, mas também a igualdade de oportunidades. Além disso, sugerem-se estudos que relacionem a Teoria do Tokenismo com a inclusão de diversidade LGBTQIA+ no alto escalão, para um maior conhecimento da importância do grupo de minorias na divulgação da Responsabilidade Social Corporativa voltada ao gênero.