Segundo a European Pressure Ulcer Advisory Panel/National Pressure Ulcer Advisory Panel (EPUAP/NPUAP) 1, as Úlceras de Pressão (UP) são definidas como lesões cutâneas e/oudos tecidos subjacentes, que se localizam, usualmente, sobre uma proeminência óssea,como resultado da pressão ou de uma combinação entre esta e forças de torção.
Causadas por fatores intrínsecos ou extrínsecos ao indivíduoas UP são um problema de saúde pública a nível nacional/ internacional. De facto, as UP têm vindo a merecer crescentes preocupações financeiras e políticas, devido aos seus encargos económicos e ao défice de qualidade de vida por elas criado, quer para o indivíduo portador de UP, quer para a própria família. São uma realidade nos hospitais, bem como noutros serviços de saúde, e sempre foram um problema não só para os enfermeiros, mas também para toda a equipa multidisciplinar. Constituem uma área de interesse para a investigação em enfermagem, uma vez que pela incidência/prevalência e particularidades de tratamento, prolongam o tempo de internamento e aumentam o sofrimento e a morbilidade dos indivíduos. Esta problemática afeta essencialmente indivíduos idosos e/ou com problemas de mobilidade associados às suas comorbilidades.
Vários estudos apontam também como população em risco os indivíduos com alterações do estado de consciência, défices nutricionais, indivíduos em estado crítico, submetidos a cirurgias longas e em fase terminal 2-6. É provável que, com uma população idosa e com o aumento da longevidade, o número de indivíduos com UP ou em risco de desenvolver úlceras de pressão continue a aumentar, representando um enorme esforço para os recursos limitados da saúde e das próprias famílias.
Cada vez mais é exigido aos profissionais de saúde e consequentemente às instituições que demonstrem a qualidade dos cuidados prestados aos indivíduos, definida a partir de indicadores diversos. Pelo impacto das UP no indivíduo, família e instituição, bem como pelos fatores associados ao seu desenvolvimento, torna-se evidente a razão pela qual a prevenção eficaz das UP é considerada um indicador de qualidade de cuidados prestados e deve ser regularmente avaliado nos serviços de saúde.
A obtenção de bons resultados para este indicador provém da melhoria da qualidade dos cuidados, que se baseia na criação de um sistema que aposte na formação dos profissionais, na inovação tecnológica, na melhoria dos procedimentos e na disponibilização de meios, não esquecendo, contudo, a monitorização frequente da sua efetividade 7. De salientar que, embora o aparecimento de uma UP possa dever-se a cuidados insuficientes ou inapropriados, se a UP se desenvolver apesar da aplicação consistente de intervenções de eficácia comprovada, poderá não refletir a qualidade de cuidados.
É, portanto, essencial que se efectue a identificação dos indivíduos vulneráveis ao aparecimento das UP e que se identifiquem criteriosamente os fatores de risco para se poderem adotar medidas de prevenção, contribuindo, desta forma, para a melhoria da qualidade dos cuidados e, consequentemente, da qualidade de vida do indivíduo/família. As ações preventivas são fundamentais e, para sua materialização, é indispensável que todos os profissionais de saúde estejam despertos para esta problemática e saibam atuar em conformidade com as boas práticas, sustentando as suas escolhas/decisões na evidência científica. Assim, embora este estudo não tenha como objetivo o cálculo dos custos das UP para as instituições de saúde, permitirá obter maior conhecimento sobre a interferência de alguns fatores de risco no seu desenvolvimento. Temos consciência, por isso, de que o estudo contribuirá para o enriquecimento do conhecimento científico nesta área, especificamente para a população portuguesa.
Considerando-se a evidente dimensão do problema das úlceras de pressão, vivida pelo doente, família e instituições de saúde, consideramos relevante o estudo que se realiza e definimos a questão de investigação: “Qual a influência dos determinantes sócio-demográficos, clínicos e terapêuticos no risco de formação de UP, dos indivíduos portadores de UP, internados num Hospital Central Português?” De modo a obtermos respostas científicas e válidas à questão de investigação anterior, apresenta-se como objetivo geral: identificar e caracterizar os fatores de risco das úlceras de pressão (UP) em doentes portadores de UP, internados no Hospital Garcia da Orta (HGO).
MÉTODO
O Hospital Garcia da Orta, é um hospital central, que realiza procedimentos de alta complexidade a uma população estimada de cerca de 350 mil habitantes dos concelhos de Almada e Seixal (Região de Lisboa e Vale do Tejo -Portugal), sendo que em algumas valências a sua zona de influência extravasa largamente estes dois concelhos, estendendo-se a toda a Península de Setúbal.
Foram incluídos neste estudo todos os doentes que estavam internados nos serviços de Medicina (75 camas), Cirurgia (48 camas), Cuidados Intensivos (8 camas), Traumatologia/ Ortopedia (26 camas) e Otorrinolaringologia/Cirurgia Plástica Reconstrutiva (24 camas) do HGO no período de 1 a 30 de Junho de 2011 e que eram portadores de UP. A amostra alvo, do tipo não-probabilística por conveniência, ficou constituída por 34 indivíduos adultos, portadores de UP em qualquer categoria, internados no HGO. Segundo orientação estatística, a amostra deste estudo deveria conter no mínimo 30 indivíduos 8. Considerando o número de camas dos serviços, um mês foi considerado suficiente para avaliar 30 doentes com UP.
Durante o período de colheita de dados, foram avaliados todos os doentes previamente indicados pelos enfermeiros responsáveis das referidas unidades de internamento como portadores de UP. A colheita de dados foi realizada utilizando um instrumento para conhecimento das características do portador de UP. Este foi aplicado por um único investigador (SL) e contém dados demográficos, clínicos, e terapêuticos, categorização das UP e aplicação da Escala de Braden.
Foi aplicado o teste do qui quadrado de Pearson para verificar a relação de dependência entre duas variáveis dicotómicas, seguindo o princípio da comparação entre frequências observadas na amostra e frequências esperadas. Foi considerado significante um p≤ a 5 %.
O estudo foi aprovado pelo Comité de Ética do Hospital Garcia de Orta, sendo considerada uma pesquisa sem riscos para os participantes do projeto. Cada indivíduo foi convidado e recebeu orientações sobre o estudo. Aqueles que concordaram em participar, assinaram o Consentimento Informado. Quando o indivíduo não apresentava condições cognitivas e físicas para tal, as orientações e a solicitação do consentimento foram feitas aos seus familiares ou aos responsáveis dos serviços.
RESULTADOS
No período de 30 dias, foram avaliados 34 doentes portadores de UP. Na análise estatística, não foi obtido nenhum resultado significativo, sendo apresentados os dados de forma descritiva.
Do total da amostra, o grupo etário mais representativo é 80-89 com 38,2 %, sendo o menos representativo o grupo de indivíduos com idade superior a 89 anos, com 2,9 %. A maioria dos indivíduos é do género masculino com 70,6 %. A raça caucasiana prevalece com 97,1 %.
Analisando o tempo de internamento, verificamos que a maioria apresenta um tempo de internamento de 6 dias a 1 mês (44,1 %), sendo o período de internamento superior a 1 mês, o menos representativo (20,6 %).
Os indivíduos provêm, maioritariamente, das próprias residências, sendo um elemento da família o principal prestador de cuidados (58,8 %). Aqueles que se encontram institucionalizados em lares surgem como os segundos mais representativos da amostra, com 29,4 %, sendo as transferências hospitalares as menos observadas (11,8 %).
Os indivíduos em cuidados agudos surgem em maior percentagem, com 67,6 %, em relação aos indivíduos internados em cuidados intensivos com 32,4 %. Nos resultados da avaliação da Escala Performance Status da OMS, a incapacidade máxima prevalece com 64,7 %, seguida da incapacidade severa com 26,5 %.
Relativamente à presença de UP, na admissão verifica-se que 64,7% dos indivíduos já tinham UP à entrada no serviço, sendo que os restantes 35,3 % a desenvolveram já durante o internamento. As UP foram adquiridas em maior percentagem na residência própria dos indivíduos (23,5 %) nos Lares e no Serviço de Urgência, ambas com 14,7 %. Os indivíduos provenientes de transferência hospitalar, já com UP, surgem em menor percentagem com 11,7 %.
Quanto à incontinência, verifica-se que esta estava presente em 82,4 %, sendo que apenas 2,9 % (N=1) apresentavam incontinência urinária, 73,5 % incontinência urinária e fecal e 47,1 % encontravam-se algaliados. Em relação à observação geral da pele, 70,6 % apresentavam pele seca, 26,5 % hidratada e 2,9 % húmida.
No que diz respeito à UP mais grave, 44,1 % das UP são de categoria 4, seguindo-se as de categoria 2 com 32,4%, as de categoria 1 com 20,6 % e, finalmente, as de categoria 3, com 2,9 %. Encontram-se localizadas a maioria, na região sagrada 32,4 % e nos calcâneos 29,4 %.Outras localizações são referidas para UP mais graves tais como as costas, nádegas, tornozelo e nariz.
Os principais antecedentes clínicos dos indivíduos hospitalizados são a hipertensão arterial (52,9 %), doenças respiratórias (21,2 %) e Diabetes mellitus (32,4 %). De entre a medicação utilizada por estes indivíduos, destacam-se os sedativos com 55,9 %. Em menor percentagem, surgem os psicofármacos com 20,6 %.
De acordo com a Escala de Braden, os itens atividade e fricção, apresentaram escore 1 em mais da metade dos pacientes. O escore 3 esteve presente na maioria dos itens nutrição 55,9 % 19 e exposição à humidade 50 % 17. Não houve nenhum indivíduo com escore 4 no item atividade e apenas 2,9 % 1 no item mobilidade (Tabela 1). Cerca de 97,1 % dos doentes internados possuía alto risco (score≤16) para formação de UP, enquanto 2,9 % apresentaram baixo risco (score>17).
DISCUSSÃO
Os resultados deste estudo apontam para uma população predominantemente idosa, como consequência, com maior susceptibilidade para o desenvolvimento de lesões da pele, devido às características causadas pelo envelhecimento da mesma. De acordo com os estudos desenvolvidos por vários investigadores 2,3,9-11, a idade é um fator crucial no desenvolvimento de UP, embora neste estudo não se tenham obtido resultados estatisticamente significativos.
Relativamente ao ordenamento da amostra em função do género, constatamos que 70,6 % dos indivíduos com UP são homens e 29,4 % mulheres. Não foram encontrados dados na literatura que relacionassem a presença de UP com o género.
De entre os indivíduos estudados, 67,6 % já tinha UP à entrada no serviço onde estavam hospitalizados. Estes provinham maioritariamente da sua residência (própria ou de familiares), cujos prestadores de cuidados eram familiares próximos (58,8 %), o que nos evidencia um despreparo familiar no cuidado profilático destas lesões, em indivíduos dependentes. Este resultado pode estar relacionado com múltiplos fatores, entre os quais a quantidade e qualidade dos ensinos feitos pelos profissionais de saúde, principalmente pelo enfermeiro, mas também se pode dever à existência insuficiente de materiais e dispositivos de prevenção disponíveis no domicílio. Contudo, é importante referir que a capacidade de percepção do recetor dos ensinos também pode condicionar a qualidade dos cuidados por ele prestados. Em número considerável surgem, também, os indivíduos residentes em Lares (29,4 %), o que nos parece consensual, uma vez que a literatura nos revela existir uma incidência elevada de UP em Lares ou outras instituições 12.
Os resultados obtidos mostram que não existe efeito estatisticamente significativo entre a raça e o risco de formação de UP. No entanto, no estudo realizado por Fogerty et al3, concluiu-se que a raça negróide constitui um fator de risco para o desenvolvimento de UP. Não existe, porém, consenso no que respeita à relação entre estas duas variáveis, uma vez que outros estudos indicam ser a pele negra a mais resistente à agressão externa causada pela humidade e fricção 13. Contudo, sabe-se que nos indivíduos de pele negra é mais difícil identificar as úlceras de categoria 1.
Os resultados obtidos indicam-nos que, quanto mais longo for o tempo de internamento, mais elevado é o número de UPs que se desenvolvem nos indivíduos hospitalizados. Este facto pode significar que as estratégias de prevenção adotadas não são as mais eficazes e que será necessário rever as políticas de prevenção utilizadas. Também podemos inferir que o desenvolvimento de novas UP durante o internamento hospitalar causa um aumento do tempo de internamento, e consequentemente dos custos associados. Estes resultados assemelham-se ao estudo realizado por Graves et al14, que constataram que a presença ou aparecimento de UP provoca, em média, o prolongamento do internamento em 4,31 dias (intervalo de confiança de 95%, 1,85 a 6.78). De salientar que as consequências destes resultados se revelam, para além do aumento nos custos da hospitalização, numa maior dificuldade na recuperação do indivíduo, aumentando o risco para o desenvolvimento de outras complicações.
Outro fator que na literatura se encontra relacionado com o risco formação de UP é a exposição da pele à humidade excessiva e a sua associação com a atividade enzimática e bacteriana, provocada pela incontinência urinária e/ou fecal. No entanto, observou-se que 47,1 % estavam algaliados, reduzindo a possibilidade de os indivíduos apresentarem humidade excessiva da pele, evitando os efeitos nefastos que causaria, principalmente, na pele da região perineal. Estes resultados assemelham-se aos de Duque et al.15, que confirmam a existência de uma grande percentagem de indivíduos incontinentes com UP.
A literatura revela-nos que uma pele excessivamente húmida ou seca pode potenciar o desenvolvimento de UP em indivíduos que se encontrem limitados à cama ou cadeira 16. É consensual a utilização de cremes hidratantes que previnam a secura da pele e a mantenham hidratada. O suporte oral ou endovenoso (quando necessário) de líquidos também deve ser valorizado. Só assim se conseguem melhores resultados.
Quanto à localização da UP mais grave, houve predomínio na região sagrada (32,4 %) e calcâneos (29,4 %), sendo locais de apoio quando o indivíduo assume decúbito dorsal, lateral ou posição de sentado. Estes resultados vão ao encontro dos estudos de vários autores (2,16-20).
As doenças preexistentes predominantes, nos indivíduos com UP, foram a hipertensão (52,9 %), as doenças respiratórias (41,2 %) e a Diabetes mellitus (32,4 %). Resultados semelhantes foram encontrados por Blanes 13, que na sua amostra, encontrou maioritariamente as doenças respiratórias. Por outro lado, Capon et al.9, concluíram que as doenças neurológicas, acidente vascular cerebral prévio, e traumas aumentam o risco de desenvolvimento de UP.
A literatura revela-nos que a aplicação de drogas, com efeito sedativo, aumenta o risco de desenvolver UP 4. De facto, os indivíduos em estudo, todos portadores de UP, apresentam uma percentagem considerável na utilização de sedativos (55,9 %). Esta medicação prejudica a mobilidade, tornando o indivíduo, em algumas situações, e dependendo do fármaco e da dose utilizada, totalmente dependente para a mobilização.
Como principais limitações de referir que os indivíduos estudados já tinham UP; aqueles que não tinham, mas se encontravam em risco para a desenvolver, não foram estudados, o que nos permitiria estabelecer outro tipo de comparações. Além disso, a investigação da condição psicossocial dos sujeitos em risco de UP merece atenção, a fim de verificar a sua relação com as condições orgânicas e o desenvolvimento de UP.
Achamos, também, que o facto de existirem poucos estudos semelhantes em Portugal, nos impossibilita de estabelecer comparações e não nos permitiu realizar outras reflexões que, certamente, nos ajudariam a compreender melhora problemática em análise. Todavia, e após aprofundada reflexão sobre os dados obtidos pretendeu-se contribuir para a melhoria dos índices de qualidade de incidência/prevalência das UP, bem como concorrer para a melhoria de campanhas de prevenção de UP. Este tipo de campanhas deverá ser dirigido a toda a equipa multidisciplinar que constitui cada serviço, dando especial atenção às atitudes preventivas que deverão ser adoptadas pela equipa de enfermagem. Isto porque, frequentemente, são atribuídas aos enfermeiros as maiores responsabilidades no reconhecimento dos indivíduos em risco.
Para a redução dos índices de UP e respetivas consequências é necessário o desenvolvimento de protocolos de cuidados que visem a melhoria da qualidade da assistência prestada. Para atingir este propósito, é imprescindível: a) a adoção de medidas adequadas de suporte/cuidado ao indivíduo; b) educação e empowerment da equipa multiprofissional, família e doente, bem como participação da instituição na promoção de condições que propiciem uma assistência de qualidade, através de adequados métodos de ensino; e finalmente c) a diminuição da sobrecarga de trabalho, fomentada pelos elevados níveis de dependência funcional dos doentes, através do aumento do número de enfermeiros prestadores de cuidados.
De referir que é importante sistematizar orientações aos familiares na alta hospitalar e no acompanhamento ambulatório, contribuindo assim, para a diminuição das taxas de prevalência/incidência de UP no domicílio, Lares e outras instituições. Os profissionais de saúde devem conciliar a informação sobre a avaliação do indivíduo portador de UP com os conhecimentos existentes sobre população de alto risco e fatores de risco. É importante que a população se mantenha o mais saudável possível, devendo ser reunidos esforços no sentido de detetar os fatores de risco que poderão pôr em causa o seu estado de saúde/qualidade de vida *