Nos últimos anos, o Brasil tem conseguido reduzir a incidência da Tuberculose (TB). Em 2016 foram registrados 66 mil casos novos no país, equivalente a uma incidência de 32,4 casos para cada 100 mil habitantes. Entretanto, a TB ainda persiste como problema de saúde pública, por ser uma doença que pode ser tratada e curada, mas que mundialmente, tem causado mais óbitos do que a infecção pelo HIV e a malária 1,2.
Diante dos esforços realizados e da persistência do quadro epidemiológico da TB, importantes ações em âmbito nacional e internacional tentam impulsionar os governantes e a sociedade civil para ampliar as ações de controle da doença, principalmente nos países em desenvolvimento 3.
Neste sentido, a Organização Mundial da Saúde (OMS) lançou a agenda The End TB pós-2015, com estratégias de combate à doença. Através do lema "Um mundo livre da tuberculose: zero morte, adoecimento e sofrimento causados pela doença", esta agenda estabelece metas para 2035, que consistem em reduzir 95% das mortes por TB, restringir a incidência para menos de 10 casos de TB por 100.000 habitantes e extinguir os custos catastróficos, relacionados aos prejuízos financeiros do paciente e família para ter acesso a diagnóstico, tratamento e demais cuidados relacionados a doença 2,3.
Com base nesta agenda, o Ministério da Saúde desenvolveu o Plano Nacional pelo Fim da Tuberculose, o qual define os indicadores de monitoramento das ações de controle da doença, com o objetivo de eliminar a TB como problema de saúde pública no Brasil até o ano de 2035. Esse Plano é baseado em três dimensões: 1) Prevenção e cuidado integrado centrados no paciente; 2) Políticas arrojadas e sistemas de apoio e 3) Intensificação das pesquisas e inovação. Além disso, estão entre os objetivos específicos: diagnosticar precocemente todas formas de TB e tratar de forma oportuna todos os casos diagnosticados, visando a integralidade do cuidado 1.
O diagnóstico precoce e o tratamento adequado são fundamentais para combater a TB, uma vez que ao bloquear a cadeia de transmissão do Mycobacterium tuberculosis nas formas pulmonar ou laríngea, é possível interromper o aparecimento de novos casos 4. Entretanto, ao considerar a TB como um problema de saúde pública, o qual necessita de ações intersetoriais para ser solucionado, tanto o diagnóstico, quanto o tratamento exigem uma compreensão multidimensional que envolve aspectos de ordem individual, social e programática, que estão vinculados à determinação social do processo saúde-doença 5,6.
Dantas e colaboradores7 afirmam que o diagnóstico da TB sofre influência de fatores intrínsecos e extrínsecos, que estão relacionados ao contato prévio com a doença, a atenção das pessoas sobre o que seria a enfermidade e ao acesso aos serviços de saúde, antes mesmo do adoecimento. Além disso, reforçam a persistência da prática cultural do modelo curativista e hospitalocêntrico, no qual a procura pelos serviços de saúde só existe após o início dos sintomas ou até mesmo com o agravamento da doença.
Assim como o diagnóstico, o tratamento da TB está associado à determinação social do processo saúde-doença, e exige uma abrangência conceitual que ultrapassa o entendimento terapêutico enquanto a distribuição dos medicamentos e a realização de exames e consultas nos serviços públicos de saúde. A garantia do sucesso terapêutico depende de uma série de dimensões que envolvem aspectos individuais, sociais, da organização dos processos de trabalho em saúde e da acessibilidade a bens essenciais que garantam a conformidade do seguimento da vida 8.
Nesse contexto, a avaliação de serviços de atenção à TB torna-se essencial para o desenvolvimento de estratégias que contribuam para a redução do sofrimento humano causado pela enfermidade, uma vez que possibilita identificar as potencialidades e limitações do processo de trabalho em saúde. Portanto, este estudo teve como objetivo avaliar ações de controle da tuberculose no diagnóstico e tratamento em um município brasileiro de grande porte.
MÉTODOS
Estudo transversal analítico, de avaliação de serviços de saúde e com abordagem quantitativa. O marco teórico-metodológico utilizado como linha de sustentação compreendeu as categorias básicas da Avaliação Normativa da Qualidade de Serviços de Saúde: Estrutura-Processo-Resultado, definidas por Hartz 9, com ênfase no eixo Processo.
A pesquisa foi realizada em Campina Grande, município do Estado da Paraíba, situado no Compartimento da Borborema, e considerado a segunda maior cidade do estado. A rede municipal de serviços de saúde está distribuída em seis Distritos Sanitários, com uma área de abrangência de 594,182 km2 e uma população de 385.213 habitantes. Em relação ao controle da TB, é um município prioritário do Programa de Controle da Tuberculose (PCT) na esfera estadual, com ações de saúde desenvolvidas através de 105 Equipes de Saúde da Família (distribuídas em 74 Unidades Básicas de Saúde da Família), 01 Ambulatório de Referência em TB e 06 Centros de Saúde 10.
A população do estudo correspondeu à 137 casos de TB, notificados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) sob todas as formas clínicas (pulmonar, extrapulmonar, pulmonar + extrapulmonar), no período de setembro de 2014 a julho de 2015. Após aplicar os critérios de inclusão (doentes maiores de 18 anos, residentes no local de estudo, em tratamento da TB e com capacidade de comunicação verbal e compreensão preservada) e de exclusão (doentes que no período da coleta de dados encontravam-se privados de liberdade, hospitalizados e/ou notificados com óbito no Sinan) a amostra do estudo totalizou 75 casos.
As variáveis utilizadas foram extraídas a partir de um instrumento semiestruturado, desenvolvido para a execução do estudo multicêntrico intitulado como "Avaliação da efetividade de medidas de proteção social na adesão ao tratamento da tuberculose e controle da doença, em algumas regiões do Brasil", e compreenderam "o tipo de unidade de saúde responsável pelo diagnóstico da TB" (Unidade Básica de Saúde da Família, Unidade de Pronto Atendimento, Ambulatório de Referência em Tuberculose, Consultório privado, Hospital público e Hospital privado), "o tempo gasto para receber o diagnóstico da TB, após o início dos sintomas" (menos de 30 dias, de 31 a 60 dias e mais de 60 dias), "o tipo de tratamento da TB" (Tratamento Diretamente Observado ou Autoadministrado) e "o tipo de unidade de saúde responsável pelo tratamento da TB" (Unidade Básica de Saúde da Família ou Ambulatório de Referência em TB).
A coleta de dados ocorreu entre os meses de março e julho de 2015, sendo realizada de acordo com a disponibilidade dos doentes, através de visitas domiciliares, nos locais de trabalho ou agendada nas unidades de serviço da rede municipal de saúde. Os dados foram armazenados em uma planilha eletrônica do Microsoft Office Excel 2010, utilizando a técnica de dupla averiguação para evitar possíveis erros durante a digitação. Posteriormente, foram transferidos para a tabela de entrada de dados do Software R i386 versão 3.3.1.
A análise quantitativa compreendeu os resultados descritivos, considerando os valores das distribuições de frequências absolutas e relativas e a aplicação do teste Qui Quadrado de Pearson (χ2 de Pearson), baseado na hipótese de que não havia discrepância entre as frequências observadas e as frequências esperadas, representada através do gráfico de contingência. A partir da função assoc() do pacote vcd em R obteve-se a representação gráfica da associação do teste χ2 de Pearson a partir de uma tabela de contingência 11, em que as colunas indicam se a categoria está abaixo ou acima da média, a qual é representada por linhas descontínuas. O valor de Pearson sombreou as categorias com diferenças estatisticamente significantes. Em todas as decisões, o nível de significância foi de 0,05.
O projeto desta pesquisa multicêntrica, realizada em diferentes municípios de duas regiões geográficas do Brasil, foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo EE/USP, com protocolo CAAE 37254714.0.1001.5392, e obedeceu aos requisitos éticos da Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde - Ministério da Saúde do Brasil.
RESULTADOS
Dos 75 entrevistados, 50,6% (n=38) receberam o diagnóstico da TB no Ambulatório de Referência em TB, 22,7% (n=17) em hospitais públicos, 14,7% (n=11) em consultórios ou hospitais privados, 8,0% (n=6) em Unidades Básicas de Saúde da Família (UBSF'S), e 4,0% (n=3) em Unidades de Pronto Atendimento (UPA'S).
Em relação ao tempo gasto para obtenção do diagnóstico após os sinais e sintomas da TB, 42,0% (n=31) dos entrevistados alegaram que receberam o diagnóstico em menos de 30 dias, 16,0% (n=13) entre 30 e 60 dias e 42,0% (n=31) em um período superior a 60 dias.
A figura 1 apresenta a associação das variáveis "tipo de unidade de saúde responsável pelo diagnóstico da tuberculose" e "tempo gasto para obtenção do diagnóstico da tuberculose após o início dos sinais e sintomas", foi elaborado através da análise de contingência, após a aplicação do Teste Qui Quadrado de Pearson. Nele, as barras indicam a relação das variáveis, através das médias (linhas descontínuas) de diagnósticos realizados por cada unidade de saúde e do tempo (em dias) gasto na obtenção do diagnóstico.
Nota-se que as UBSF'S realizaram o diagnóstico da TB abaixo da média, tanto na categoria menos de 30 dias, quanto na categoria de 31 a 60 dias; e que acima de 60 dias após o início dos sintomas, os diagnósticos realizados superaram a média. Em relação às UPA'S, a quantidade de diagnósticos superou a média no intervalo de 31 a 60 dias após o início dos sintomas da TB, mas que mesmo abaixo da média, houveram diagnósticos em um período superior a 60 dias.
Percebe-se ainda na Figura 1 que o Ambulatório de Referência em Tuberculose (AmbRef-TB) realizou uma quantidade de diagnósticos superior à média em menos de 30 dias após o início dos sintomas da TB, e que a quantidade de diagnósticos inferior à média, tem relação com o maior espaço de tempo. Nos hospitais públicos, a quantidade de diagnósticos manteve-se na média durante o intervalo 0 a 30 dias, superior entre 31 e 60 dias e inferior no período acima de 60 dias, diferente do observado no hospital privado e no consultório médico privado, com diagnósticos acima da média no período superior a 60 dias após o início dos sintomas.
Ao considerar o valor de Pearson, nota-se que o tempo gasto para a obtenção dos diagnósticos procedentes dos hospitais privados possuem uma diferença estatisticamente diferente e superior em relação às demais unidades de saúde, visto que a variável ficou mais sombreada (Figura 1).
Em relação ao tratamento da TB, 60% (n=45) dos entrevistados realizavam o Tratamento Diretamente Observado (TDO) e 40% (n=30) o Tratamento Autoadmi-nistrado (TAA), conforme exposto na Figura 2. Dos que realizavam o TDO, 56% (n=25) eram acompanhados pelas UBSF'S e 44% (n=20) pelo AmbRef - TB. Já em relação aos que realizavam o taa, 53% (n=16) dos entrevistados eram acompanhados pelas UBSF'S e 47% (n=14) pelo AmbRef-TB.
A associação entre as variáveis "tipo de tratamento da tuberculose" e "unidade de saúde responsável pelo tratamento" (Figura 3) também foi realizada através da análise de contingência, após a aplicação do Teste χ2 de Pearson, em que as colunas indicam se a categoria está abaixo ou acima da média.
Observa-se na Figura 3 que a quantidade de TAA acompanhados pelo AmbRef é levemente inferior em relação ao número de TAA acompanhados pelas UBSF/PACS/ UBS. Apesar da distribuição heterogênea em relação aos valores médios, o χ2 de Pearson(0,84979) não demonstra diferença estatística significativa entre as categorias.
DISCUSSÃO
Com a descentralização dos serviços atenção à TB em 2004, a Atenção Primária à Saúde (APS) tornou-se condição sensível e apta a realizar os diagnósticos e o tratamento da TB, a fim de garantir maior acessibilidade aos usuários dos serviços de saúde e a efetividade das estratégias de combate e controle da doença 12,13.
A quantidade de diagnósticos realizados e o tempo gasto pelas UBSF'S indicam que os serviços de saúde que compõem a rede da APS não estão suficientemente preparados para a adequada detecção de casos de TB. As dificuldades em realizar a busca ativa de sintomáticos respiratórios, de desenvolver atividades de educação em saúde que permitam os usuários conhecer a doença e até mesmo o despreparo dos profissionais de saúde, em relação ao conhecimento das ações de controle da TB, são fatores evidenciados em outros estudos 13,14,15, os quais possivelmente podem influenciar na baixa detecção e/ou no diagnóstico tardio da doença, no nível da APS.
Este estudo revelou maior concentração dos diagnósticos no Ambulatório de Referência em Tuberculose e nos hospitais públicos; o que corrobora com resultados de outros estudos publicados recentemente, como o de Dantas et al. 7 e o de Ponce et al. 14, realizado no município de São José do Rio Preto, interior do estado de São Paulo - Brasil, o qual identificou que os serviços de saúde especializados têm apresentado melhor desempenho, no que se refere ao diagnóstico da doença, por possuírem equipes preparadas e agilidade na oferta de testes de apoio diagnóstico.
A concentração significante de diagnósticos realizados acima de 60 dias após o início dos sintomas da TB também foi evidenciada. Além de interferir no prognóstico do doente, o diagnóstico tardio da TB pode favorecer a disseminação da doença na comunidade, visto que quando se percebe os sintomas, o doente já se encontra em estágio mais avançado da doença e com potencial elevado de transmissão para outras pessoas 6,16.
O diagnóstico precoce e o início imediato do tratamento da TB são apontados como fatores essenciais para o controle da doença, visto que o bloqueio da cadeia de transmissão depende, quase que diretamente, do tratamento adequado dos indivíduos doentes 17.
O Plano Nacional pelo Fim da Tuberculose como problema de saúde pública no Brasil aponta o diagnóstico precoce de todas as formas de tb como uma das ações de controle, através da oferta universal de cultura e teste de sensibilidade, incluindo o uso de testes rápidos 1. Entretanto, a detecção eficaz de casos de tb pode estar mais relacionada à forma de como os serviços de saúde se organizam para diagnosticar e tratar os casos, do que propriamente aos meios de diagnósticos em si, o que remete a necessidade de investimentos da gestão no componente Processo, estimando o reconhecimento do problema por mediação da suspeita de tb, através da busca ativa de sintomáticos respiratórios e da avaliação de contatos 5,9,14.
A associação entre o tempo utilizado e o número de diagnósticos realizados em hospitais privados, sugere que a procura dos doentes pelos serviços privados de saúde pode ser consequência da demora na resolubilidade do problema durante a busca de solução nos serviços públicos de saúde, uma vez que a significância estatística foi evidenciada no período superior a 60 dias após o início dos sintomas da TB.
Em relação ao tipo de tratamento, houve predominância do TDO, o qual é considerado como estratégia de controle da doença, uma vez que possibilita o vínculo do usuário com o serviço de saúde e favorece a adesão, ao permitir que os profissionais conheçam e acompanhem a realidade de cada doente, e consequentemente contribuam no processo terapêutico, desde diagnóstico até a obtenção da cura 4,5.
Em 2011, ao realizar um estudo com 79 doentes em tratamento da tb, Figueiredo e colaboradores 5 indicaram que o TDO não era uma realidade frequente no município de Campina Grande - pb. Além disso, evidenciaram a quantidade de tratamentos sob responsabilidade do Ambulatório de Referência em tb, característica que permanece, visto que este estudo também aponta um número significativo de tratamentos acompanhados pelo AmbRef - TB.
Neste sentido, nota-se que a aps enquanto nível de atenção apto a realizar ações de controle da TB, tem demonstrado fragilidades para realizar o acompanhamento dos casos 5,12, e que os serviços dos demais níveis de atenção à saúde, ao realizarem os diagnósticos e tratamentos, tem contribuído nas ações de controle da doença no local do estudo.
No entanto, ao acompanhar os casos de tb e executar TDO, as UBSF'S podem beneficiar a promoção do vínculo entre os trabalhadores da saúde e os usuários, e desta forma, favorecer o contato das famílias e sociedade com os serviços, além de possibilitar que as equipes de saúde se adaptem à realidade da população e cooperem no processo de adesão ao tratamento e favoreça a cura 5,18,19.
É importante salientar a quantidade de taa encontrados nesse estudo, principalmente os que estiveram sob responsabilidade das UBSF'S, as quais dispõem de equipes da Estratégia de Saúde da Família (ESF) e do Programa Nacional de Agentes Comunitários de Saúde (PACS), e consequentemente, de dispositivos que permitem executar o TDO, visando a integralidade do doente, assim como é recomendado pelo MS 1,4.
As fragilidades encontradas no processo de trabalho em saúde reforçam a necessidade de fortalecer a atuação da aps na execução das ações de controle da TB, uma vez que mesmo com a política de descentralização dos serviços de atenção à doença estabelecida em 2004, tanto o diagnóstico quanto o tratamento permanecem centralizados nos serviços especializados, o que pode dificultar o diagnóstico precoce e o tratamento adequado da doença.
Nesse contexto, faz-se necessário desenvolver ações intersetoriais de controle da TB, por meio da integração entre a vigilância epidemiológica, os serviços de atenção básica à saúde e a rede de laboratórios de saúde pública, de modo a garantir o acesso ao diagnóstico precoce, gratuito e descentralizado, através da intensificação da busca ativa de sintomáticos respiratórios e da avaliação de contatos; assim como o fortalecimento de estratégias capazes de reduzir desfechos desfavoráveis, a exemplo do TDO.
Ao reconhecer a persistência das dificuldades em diagnosticar precocemente e tratar adequadamente a TB, recomenda-se o desenvolvimento de estudos que busquem identificar a (S) raiz (es) dessas dificuldades, as quais certamente ultrapassam os limites operacionais e do trabalho em saúde, e que supostamente estão relacionadas à determinação social do processo saúde-doença.
Contudo, espera-se que os resultados encontrados possam contribuir com o aprimoramento das estratégias do Plano Nacional pelo Fim da Tuberculose e direcione olhares para a dimensão organizacional das ações de vigilância em saúde, de modo que amenize as dificuldades vivenciadas no processo de trabalho, a fim de atingir as metas operacionais estabelecidas na pactuação entre a OMS e o MS, assim como fortalecer os serviços públicos de saúde ♣