Ocarcinoma de células escamosas (CCE) oral é uma neoplasia maligna mais comum em indivíduos entre a quinta e a sexta década da vida, geralmente expostos aos principais fatores de risco, como consumo de tabaco e bebidas alcoólicas 1-3. Segundo alguns autores, a incidência em adultos jovens pode variar entre 0,4% a 3,6% de todos os casos, podendo atingir 6,7% a depender da idade de corte dos estudos 4. Além disso, outros estudos têm reportado uma incidência variando de 0,07 a 4,3 novos casos por 100.00 habitantes por ano, a depender da localização anatómica e corte de idade 5.
A etiologia e os fatores de risco associados ao CCE em jovens ainda permanece pouco esclarecida, visto que muitos destes indivíduos não foram expostos aos principais fatores de risco para a doença 6,7. Além disso, alguns autores sugerem que estes fatores de risco talvez não sejam tão relevantes, uma vez que tempo de exposição é pequeno para o processo transformação maligna das lesões, indicando, desta forma, que a doença neste grupo etário possa apresentar um perfil distinto 8.
Todavia, ainda não há um consenso na literatura acerca do curso clínico, prognóstico e sobrevida destes pacientes. Embora muitos estudos relatem semelhanças quanto aos aspectos clínicos do CCE em jovens e idosos, existem controvérsias sobre a etiologia, o comportamento biológico, o prognóstico e a sobrevida nestes pacientes 9. Além disso, diferenças em relação ao critério de definição de idade de um paciente jovem e diferentes metodologias de análise de dados nos estudos geram dificuldades para uma melhor compreensão desses fatores e a sobrevida da doença neste grupo etário 10,11.
Os estudos de análise de sobrevida podem contribuir na descrição do perfil e comportamento da doença e dos fatores prognósticos. Adicionalmente, contribuem no processo de avaliação da eficiência do sistema de saúde, a qualidade do cuidado, a acessibilidade aos serviços de saúde e, consequentemente, à possibilidade de um diagnóstico e tratamento precoce.
Neste sentido, o objetivo deste estudo é analisar o perfil e a sobrevida global de pacientes jovens diagnosticados com carcinoma de células escamosas oral entre 2010 a 2016 na Unidade de Alta Complexidade em Oncologia de Feira de Santana, Brasil.
MÉTODOS
Trata-se de um estudo observacional, longitudinal, desenvolvido a partir de uma coorte retrospectiva de base hospitalar com portadores de CCE oral. O estudo foi realizado no município de Feira de Santana, Bahia/Brasil. A população do estudo foi composta por adultos jovens, com idade menor ou igual a 45 anos com diagnóstico histopatológico de carcinoma de células escamosas atendidos na Unidade de Alta Complexidade em Oncologia (UNACON) no período de 2010 a 2016.
Foram incluídos no estudo os pacientes com o diagnóstico histopatológico de carcinoma de células escamosas de acordo com a classificação da Organização da Organização Mundial de Saúde. Os sítios anatômicos foram classificados nas categorias C00 a C09, da Classificação Internacional de Doenças (cID-10), (C00 lábio, C01 base da língua, C02 outras partes não específicas da língua, C03 gengiva, C04 assoalho da boca, C05 palato, C06 outras partes não específicas da boca, C07 glândula parótida, C08 outras glândulas salivares maiores e C09 amígdala) 12. Foram excluídos pacientes que apresentaram qualquer outro tipo de câncer, lesões ou desordens potencialmente malignas, doença metastática para a cavidade oral ou tumores de questionável potencial maligno.
Os dados foram obtidos através da revisão de prontuários clínicos dos indivíduos incluídos na pesquisa. O instrumento utilizado foi um formulário específico, pré-testado em um estudo piloto e as variáveis do estudo foram sociodemográficas (idade e sexo), hábitos de vida (consumo de tabaco e bebidas alcoólicas e tempo de exposição), dados da lesão (clínicos, histológicos e de estadiamento), do tratamento (cirurgia, radioterapia, quimioterapia ou associação de modalidades), tempo de sobrevida (meses) e status de sobrevida (remissão completa, remissão parcial, doença estável, doença em progressão, fora de possibilidade terapêutica ou óbito) dos indivíduos estudados.
O tempo de sobrevida, em meses, foi definido como o período entre entrada do indivíduo no estudo (data do diagnóstico) até a ocorrência do evento de interesse (óbito) - falha ou da última consulta - censura.
Inicialmente foi realizada uma análise descritiva de todas as covariáveis. Posteriormente, uma análise bivariada entre as variáveis categóricas utilizando o teste exato de Fisher. Para estimar as probabilidades de sobrevida a cada tempo foi utilizado o estimador de Kaplan-Meier, sem e com estratificação, além do teste log rank para avaliar significância estatística, considerando p<0,05.
Todas as análises foram realizadas com o programa estatístico SPSS, versão 22.0 (SPSS Inc., ChiCad. Estados Unidos) e Stata 14.0 para Windows (Statsoft Inc.; http://www.statsoft.com).
Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos (CEP) da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) sob Parecer n° 2.399.237, CAAE 76778417.4.0000.0053.
RESULTADOS
No período de 2010 a 2016 foram atendidos na Unidade de Alta Complexidade em Oncologia de Feira de Santana, 35 casos de CCE Orais em pacientes jovens. A idade dos pacientes variou de 17 a 45 anos (média ± desvio padrão de 39,9 ± 6 anos) e o tempo de acompanhamento dos pacientes variou de 0 a 61 meses.
A maioria dos pacientes era do sexo masculino (88,6%), com uma relação masculino:feminino de 7,8:1 e eram tabagistas e etilistas (Tabela 1). Além disso, o uso de tabaco e álcool foi em sua maioria por tempo igual ou maior a 25 anos, com 66,7% e 77,8%, respectivamente.
Frequência absoluta (n) | Frequência relativa (%) | |
---|---|---|
Sexo | ||
Masculino | 31 | 88,6 |
Feminino | 04 | 11,4 |
Idade | ||
< 25anos | 01 | 02,9 |
26>45anos | 34 | 97,1 |
Tabacoa | ||
Sim | 22 | 73,3 |
Não | 08 | 26,7 |
Bebidas alcoólicasb Sim | 18 | 62,1 |
Não | 11 | 37,9 |
a= 5 casos perdidos, b= 6 casos perdidos.
Em relação às variáveis clínicas, a maior parte dos tumores foi diagnosticada em língua (51,5%) e foram classificados como bem diferenciados (41,4%). A maioria dos pacientes foi diagnosticada em estádios avançados (93,8%) da doença. O envolvimento regional dos linfonodos esteve presente em 25 casos (71,4%), dos quais, 19 (76%) apresentaram envolvimento nodal avançado. Metástases a distância não foram observadas neste estudo. Os pacientes foram tratados principalmente com cirurgia associada a radioterapia e quimioterapia (33,3%).
Os pacientes diagnosticados em estágios menos avançados (Estádios I e Ii) foram tratados exclusivamente com tratamento cirúrgico, enquanto os pacientes diagnosticados tardiamente (Estádios III e iv) tiveram, em sua maioria, a terapia combinada como escolha terapêutica, esta associação foi estatisticamente significante (p= 0,00) (Tabela 3).
Frequência absoluta (n) | Frequência relativa (%) | ||
---|---|---|---|
Localização primária | |||
Lábio | 03 | 08,6 | |
Língua | 18 | 51,4 | |
Assoalho | 04 | 11,4 | |
Outras partes | 10 | 28,6 | |
Diferenciação do tumora | |||
Bem diferenciado | 12 | 41,4 | |
Moderadamente diferenciado | 10 | 34,5 | |
Pouco diferenciado | 07 | 24,1 | |
Estadiamentob | |||
I e II | 02 | 06,2 | |
III e IV | 30 | 93,8 | |
Tratamento0 | |||
Cirurgia | 04 | 12,1 | |
Quimioterapia | 02 | 06,1 | |
Cirurgia, Quimioterapia e Radioterapia | 11 | 33,3 | |
Cirurgia e Quimioterapia | 01 | 03,0 | |
Quimioterapia e Radioterapia | 10 | 30,3 | |
Recusa de tratamento | 05 | 15,2 |
a= 6casos perdidos, b=3 casos perdidos, c=2 casos perdidos.
Tratamento | |||||
---|---|---|---|---|---|
Estadiamento | Cirurgia | Quimioterapia | Terapia combinada | Recusa de tratamento | p valor |
I e II | 02 | 00 | 00 | 00 | 0,004* |
III e IV | 00 | 02 | 22 | 05 | |
Total | 02 | 02 | 22 | 05 |
*teste exato de Fisher.
Considerando a relação das variáveis preditoras com o óbito causado pela doença, nenhuma variável apresentou significância estatística (p<0,05). Com relação ao tempo de sobrevida, a mediana sobrevida foi de 31 meses e dos 35 pacientes, 8 foram a óbito (Figura 1).
As variáveis que apresentaram significância estatística com relação ao tempo de sobrevida, através do teste log rank, foram a localização primária do tumor e o tipo de tratamento realizado.
DISCUSSÃO
O CCE oral é considerado um grave problema de saúde pública, especialmente em países em desenvolvimento 13. No Brasil, o câncer de cavidade oral é considerado o quinto mais frequente em homens e o décimo terceiro mais frequente em mulheres 14.
A maior incidência ocorre em indivíduos de meia idade a idosos, com baixa prevalência na população jovem 15. Entretanto, alguns autores têm reportado um aumento da incidência de casos da doença neste grupo etário 16. Uma revisão sistemática realizada por Hussein et al (2017) mostrou uma tendência de aumento no número dos casos de CCE em pacientes jovens em todo o mundo, revelando uma heterogeneidade significativa em todos os estudos (p<0,0001) 17. Além disso, tem sido sugerido por alguns autores um pior prognóstico nestes pacientes 18 .
De uma forma geral, observaram-se semelhanças entre as características sociodemográficas e clínicas apresentadas pelos indivíduos investigados do nosso estudo e aquelas descritas por outros autores. A maioria dos casos ocorreu em indivíduos do sexo masculino, estando estes achados de acordo com os estudos de Iype et al. (2004) 19 . Entretanto, Patel et al. (2011) observaram um aumento da taxa de incidência em adultos jovens principalmente entre mulheres brancas 20. As lesões estavam predominantemente localizadas em língua (51,5%) e foram diagnosticadas em estágios mais avançados da doença (93,8%), estando estes achados de acordo com um outro estudo 21.
O CCE oral é uma doença multifatorial, envolvendo fatores ambientais, genéticos e relacionados ao estilo de vida, destacando-se como principais fatores de risco o uso do tabaco nas suas variadas formas, o consumo excessivo de bebidas alcoólicas, exposição à radiação ultravioleta (considerando-se o câncer de lábio), radiação ionizante e vírus oncogênicos 22.
Para alguns autores, o consumo de tabaco e bebidas alcoólicas talvez não seja tão relevante no caso da doença em adultos jovens, uma vez que o tempo de exposição a esses fatores é muito curto para produzir transformações malignas nesse grupo 23. No presente estudo, portanto, a maioria dos pacientes consumia tabaco e bebidas alcoólicas por um tempo igual ou maior a 25 anos, corroborando com os achados de Lipkin e colaboradores (1985) que encontraram o predomínio de indivíduos fumantes e etilistas crónicos em adultos jovens 24. Apesar disso, outros autores observaram uma menor frequência de exposição a estes fatores de risco em indivíduos jovens 25.
Independentemente da ausência ou presença de tais fa-tores, é relevante considerar a história familiar do paciente, uma vez que, apesar da presença de fatores de risco exógenos, nos jovens estes coexistem por menos tempo, o que leva à suspeita de fatores de origem genética, viral ou de hábitos alimentares 26. O presente estudo, porém, não avaliou o histórico familiar.
Para Zheng e colaboradores (2001) os fatores relacionados a etiopatogênese do CCE oral em adultos jovens são diferentes daqueles relacionados a doença em adultos de meia idade e idosos, podendo ser considerada uma entidade diferente, envolvendo alterações genéticas específicas 27. Para Chang et al. (2013), a maioria dos jovens com a neoplasia não apresenta histórico familiar de câncer 28. Para outros autores, a infecção pelo Papiloma Vírus Humano (HPV) em adultos jovens pode ser uma possível explicação para a etiologia da doença, principalmente devido a mudanças no comportamento sexual que vem acontecendo ao longo dos últimos anos 29.
Quanto a localização, a maior parte dos casos do nosso estudo foi diagnosticada em língua, estando estes dados de acordo com outros estudos, que reportam que a maioria dos casos da neoplasia em adultos jovens apresentaram esta localização anatómica, assim como em idosos 30.
O grau de diferenciação do tumor mais frequente foi o bem diferenciado, semelhante a outro estudo 31. Segundo De Morais et al (2017) a maioria dos estudos não identifica diferenças estatisticamente significativas na gradação histológica entre adultos jovens e idosos 32.
No presente estudo, a maioria dos tumores foi diagnosticada em estágio avançado da doença (estádios III e IV). Estes resultados corroboram com os achados de Pytynia et al. (2004) que compararam CCE oral em jovens e idosos verificou que em ambos os grupos a maior parte dos participantes possuíam estadiamento avançado (III ou IV) 33.
O tipo de tratamento mais frequente no nosso estudo foi a terapia combinada, com cirurgia associada a radioterapia e quimioterapia (31,3%) e quimioterapia e radioterapia (28,1%). Estudos que avaliaram a doença em pacientes jovens mostraram que em grande parte, a ressecção cirúrgica do tumor é o tratamento de eleição, isolado ou combinado a radioterapia e/ou quimioterapia, semelhante aos resultados dos estudos em pacientes idosos 34.
Em relação a associação entre óbito e as variáveis pre-ditoras, observa-se que nenhuma variável apresentou significância estatística, provavelmente pelo pequeno número de indivíduos estudados.
Apesar de alguns estudos indicarem que o CCE escamosas oral é mais agressivo em adultos jovens quando comparado aos idosos, apresentando uma maior frequência de metástases linfonodais, maior taxa de recidiva, menor sobrevida e pior prognóstico, ainda não existe na literatura um consenso acerca do prognóstico nos diferentes grupos 35. No nosso estudo, o tempo mediano de sobrevida dos pacientes foi de 31 meses e 22,8% dos pacientes foram a óbito. De forma geral, o diagnóstico realizado tardiamente dificulta o prognóstico e o tempo de sobrevida dos pacientes. Para Pinheiro, Cardoso e Prado (2010) o estadiamento avançado pode ser explicado pela demora na procura de tratamento, desconhecimento da doença, e dificuldades socioeconômicas 36. Além disso, destaca-se a associação entre os determinantes sociais em saúde e a ocorrência da doença, uma vez que pacientes menos privilegiados socialmente tendem a ter dificuldade de acesso aos serviços de saúde 37.
Alguns autores reportam fatores preditivos de prognóstico e sobrevida, como a idade, recorrência, tratamento da doença, o sistema de estadiamento clínico TNM, a gradação histológica de malignidade e a localização primária do tumor, podendo estes influenciar no tempo de sobrevida dos casos de CCE oral 38. No presente estudo, as variáveis que apresentaram significância estatística através do teste log rank foram a localização primária do tumor e o tipo de tratamento realizado.
Com relação a localização primária do tumor, esta é considerada um bom indicador de prognóstico e sua influência com o tempo de sobrevida tem sido relacionada com a presença de metástase regional, onde uma diminuição gradual no tempo de sobrevida tem sido observada em pacientes diagnosticados com CCE localizados em região de língua, região retromolar e orofaringe 39.
Segundo alguns estudos, adultos jovens possuem altas taxas de recorrência da doença, tais taxas podem ser explicadas devido à falta de tratamento adequado ou ao comportamento biológico diferente dos tumores envolvendo este grupo de indivíduos. Devido às abordagens de tratamento semelhantes utilizadas em pacientes jovens e idosos, é possível que os tumores em jovens apresentem um comportamento biológico diferenciado que pode estar influenciando o prognóstico nestes indivíduos 40.
Os resultados do nosso estudo devem ser observados levando em consideração suas limitações, já que contou com um número pequeno de indivíduos no estudo e formado por apenas adultos jovens. Além do curto período de acompanhamento dos pacientes devido ao pouco tempo de implantação da Unidade de Alta Complexidade em Oncologia. Dessa maneira, é recomendável a realização de novos estudos, envolvendo um número maior de pacientes e um maior tempo de acompanhamento dos casos, para um melhor esclarecimento dos fatores preditivos relacionados a sobrevida em adultos jovens com CCE oral.
Neste estudo foram encontrados 35 casos da neoplasia em jovens com idade igual ou inferior a 45 anos, atendidos na Unidade de Alta Complexidade em Oncologia no período de 2010 a 2016. A maioria dos pacientes foi de homens, tabagistas e etilistas crônicos. Os tumores estavam localizados predominantemente em língua e diagnosticados em estágios avançados, eram principalmente bem diferenciados e tratados por cirurgia associada a radioterapia e quimioterapia. O tempo de sobrevida dos pacientes foi de 31 meses e 22,8% destes foram a óbito. O baixo tempo de sobrevida e o grande percentual indivíduos diagnosticados tardiamente refletem a necessidade de uma maior atenção voltada para esta neoplasia, nesta população, além de estratégias para redução de fatores de risco e diagnóstico precoce.
Desta forma, os resultados deste estudo contribuem para uma compreensão mais ampliada no âmbito da atenção à saúde, permitindo ao Serviço de Saúde um melhor entendimento do comportamento da doença, buscando desta forma melhorar a qualidade do serviço prestado ao paciente oncológico ♠