Asociedade tem buscado diferentes formas de mudanças para se adaptar as novas configurações de trabalho que são exigidas nos contratos. Com isso, as tarefas laborais são executadas de maneira forçada e sobrecarregada, favorecendo ao aumento no número de registros de acidentes nos ambientes laborais. No Brasil, em 2010 ocorreram 709 974 acidentes de trabalho, já em 2013 este número aumentou para 717911 registros. No entanto, em 2015 houve uma ínfima redução desses acidentes, com 612632 registros, demonstrando o quanto ainda é alto o número de acidentes de trabalho por ano no país, considerando este, um problema de saúde pública 1-2.
Para prevenir os acidentes nos ambientes laborais, a biossegurança no trabalho tem atuado constantemente para prevenir, controlar ou eliminar os riscos advindos de atividades que possam comprometer a saúde humana, animal e o meio ambiente 3. Assim, é indiscutível a necessidade de conhecimento das normas de biossegurança pelos trabalhadores que atuam em serviços de saúde, porém, restringir o ensino em biossegurança apenas no âmbito da prática assistencial de trabalho parece ser insuficiente 4.
Os trabalhadores da área da saúde estão, frequentemente, expostos a fatores de riscos ocupacionais. Nos ambientes laborais que eles atuam, é frequente a ocorrência de acidentes ocupacionais advindos da manipulação constante de seringas, agulhas e secreções corporais, por parte dos trabalhadores. Tal fato propicia a exposição do trabalhador a material biológico, o que representa um risco para a transmissão de patologias, sendo mais comumente envolvidos o Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV), hepatite B e C 5.
A preocupação quanto ao risco de transmissão de doenças frente à exposição ocupacional a materiais biológicos, iniciou-se com o avanço da epidemia da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS) no início da década de 80. Com isso, começou a implantação de condutas pré e pós acidentes no intuito de prevenir o risco de exposição aos patógenos de transmissão sanguínea como o vírus do HIV, hepatite B e C 6.
As recomendações feitas pelo Ministério da Saúde Brasileiro, por meio do protocolo de atendimento às vítimas de acidentes com materiais biológicos, envolvem todos trabalhadores que atuam em atividades onde existe risco de exposição a materiais biológicos. Isto, no intuito de minimizar possíveis impactos causados por tais exposições para a saúde do trabalhador 7.
As causas dos acidentes com materiais biológicos sofridos por trabalhadores que atuam em instituições de saúde representam um problema frequente ainda nos dias atuais, apesar da existência de instrumentos que visem a prevenção dessas ocorrências 6. Nesse sentido, é possível observar nas unidades de saúde, uma baixa adesão às medidas de prevenção de acidentes por parte dos trabalhadores, como também, uma baixa oferta de insumos que favoreçam a prevenção desses acidentes, que pode favorecer a reincidência dos acidentes.
Frente ao exposto e, devido a limitação de estudos nesta temática, justifica-se a realização deste estudo, cujo intuito foi responder a seguinte indagação: quais são as características dos acidentes de trabalho incidentes e reincidentes e sua relação com o conhecimento sobre normas de precaução padrão entre os trabalhadores de instituições de saúde? Com isso, espera-se com este estudo, viabilizar a discussão sobre novas estratégias de conduta e formas de adesão, que possibilitem maior segurança aos profissionais que atuam em instituições de saúde, o que poderá favorecer na diminuição desses eventos. Além disso, promover conhecimentos científicos acerca desta temática, de forma a favorecer os trabalhadores da área da saúde, a ciência e a sociedade em geral.
O presente estudo objetivou verificar as características, incidência e reincidência de acidentes de trabalho com material biológico e sua relação com o conhecimento sobre normas de precaução padrão.
MÉTODO
Estudo descritivo-analítico, transversal, de abordagem quantitativa, desenvolvido na unidade do Serviço de Assistência Especializada (SAE), de um município do Sudoeste do Estado de Goiás, Brasil, que é responsável pelo atendimento em toda região Sudoeste I, composta por 18 municípios circunvizinhos.
A população do estudo foi composta por trabalhadores que atuavam nas diversas áreas de saúde (Unidade Básica de Saúde (UBS), Programa Saúde da Família (PSF), clínicas odontológicas, maternidades e hospitais), composta por profissionais de saúde (enfermeiros, técnicos de enfermagem, médicos, fisioterapeutas, nutricionistas, psicólogos, odontologistas), técnicos administrativos, equipe de limpeza e serviços gerais. Foram considerados para o estudo, trabalhadores que sofreram um acidente (para verificar a chance de sofrer reincidência) ou mais acidentes com materiais biológicos nos serviços de saúde.
Neste estudo foram adotados os seguintes critérios de inclusão: trabalhadores que se envolveram em acidente uma ou mais vez com algum material biológico entre julho e dezembro de 2016, que foram atendidos no SAE e que concordaram em participar do estudo. Foram excluídos os trabalhadores que se acidentaram com material biológico e não procuraram atendimento no SAE (24) e os que não haviam sofrido acidentes. Assim, a amostra final resultou em 73 participantes, que foram selecionados. Não foi necessário realizar teste amostral, pois todos foram selecionados para participar da pesquisa.
A coleta de dados foi realizada por meio de um questionário semiestruturado com perguntas sobre as diversas características relacionadas ao trabalhador, ao campo de trabalho, à ocorrência de acidentes anteriores, condutas pós acidentes, ocorrências e conhecimentos sobre as medidas preventivas, elaborado pelos pesquisadores com base na literatura, e refinado por doutores e especialistas da área. Os questionários foram respondidos pelo participante na presença do pesquisador e recolhidos ao término do preenchimento. Os questionários foram aplicados em local privativo, onde os pesquisadores informaram sobre os objetivos, finalidade e procedimentos da pesquisa, mediante a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Os dados coletados foram digitados em uma planilha do Excel, versão 2010, para elaboração do banco de dados, posteriormente, foi feita dupla digitação para evitar erros de transcrição. Para análise estatística descritiva e inferencial foi utilizado o software Statistical Package for the Social Science (SPSS 20.0).
A verificação da normalidade das variáveis quantitativas foi realizada utilizando o teste de Kolmogorov-Sminorv com correção de Lilliefors. As variáveis quantitativas foram apresentadas como média e desvio-padrão (DP) e as qualitativas como frequência absoluta e relativa.
Inicialmente, foi realizada análise bivariada. Os testes t de student para amostras independentes foram utilizados para verificar as diferenças nas médias entre os grupos e os testes de qui-quadrado de Pearson ou exato de Fisher diferença entre as proporções. As variáveis com valor de p<0,10 na análise bivariada e a variável sexo como potencial variável de confusão, foram incluídas em um modelo de regressão de Poisson com variância robusta. Valores de p<0,05 foram considerados estatisticamente significantes.
O projeto atendeu as recomendações para pesquisas com seres humanos, conforme preconizado pela resolução 466/2012 e obteve aprovação do comitê de ética em pesquisa da Universidade Federal de Goiás com parecer N° 1.566.617.
RESULTADOS
Participaram do estudo 73 trabalhadores que atuam em instituições de saúde que compõe a região Sudoeste I do Estado de Goiás, Brasil.
A Tabela 1 apresenta as características relacionadas ao envolvimento em acidentes ocorridos com os participantes na região Sudoeste I de Goiás.
Variáveis | N | (%) |
---|---|---|
Idade (anos) | 37,0 (±10,6)c | |
Sexo | ||
Feminino | 66 | 90,4 |
Masculino | 7 | 9,6 |
Categoria profissional | ||
Outros profissionais de saúdea | 14 | 19,2 |
Equipe de enfermagem | 49 | 67,1 |
Equipe de limpeza, serviços gerais | 10 | 13,7 |
Envolvimento em acidente anterior b | ||
Não | 49 | 67,1 |
Sim | 24 | 32,9 |
Quantas vezes (n=24) | ||
1 | 14 | 58,3 |
2 | 6 | 25,0 |
3 | 4 | 16,7 |
Tomou alguma conduta (n=24) | ||
Não | 5 | 20,8 |
Sim | 19 | 79,2 |
Qual conduta (n=24)b | ||
Notificação SINAN | 11 | 45,8 |
Serviço de referência | 18 | 75,8 |
Indicado terapia antirretroviral (n=24) | ||
Sim | 2 | 8,3 |
Não | 22 | 91,7 |
Seguimento ocorreu até 28 dias (n=2) | ||
Não | 0 | 0 |
Sim | 2 | 100,0 |
Indicado profilaxia para hepatite B (n=24) | ||
Não | 24 | 100,0 |
Sim | 0 | 0 |
Seguimento laboratorial até o 6 mês (n=24) | ||
Não | 10 | 41,7 |
Sim | 14 | 58,3 |
a. Outros profissionais da saúde incluem: médicos, fisioterapeutas; nutricionistas, psicólogos, dentistas e técnicos administrativos; b. Variável de múltipla escolha; c. variável quantitativa apresentada como média e desvio-padrão.
A média da idade dos participantes foi de 37 (± 10,6) anos, sendo que a maioria das pessoas era do sexo feminino (90,4%) e trabalhadores da enfermagem (67,1%), distribuídos nas funções de técnicos e enfermeiros, com apenas 1 reincidência de acidente (58,3%). Dentre os trabalhadores que tiveram reincidência em acidente com algum material biológico, 79,2% adotaram alguma conduta após o acidente, sendo que deste, 45,8% realizaram a Notificação no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) e maioria procurou o serviço de referência (75,8%), conforme Tabela 1.
Questionados sobre a indicação de uso da quimioprofilaxia para HIV através da terapia antirretroviral (TARV) após a ocorrência de acidente anterior, apenas 8,3% dos participantes afirmaram a indicação de tal medicação e que fizeram uso por 28 dias após o acidente. Sobre a indicação da profilaxia para hepatite B, todos os trabalhadores (100,0%) afirmaram a não indicação do uso da imunoglobulina para a prevenção da doença. Entretanto, apenas 58,3% afirmaram ter tido acompanhamento laboratorial até o 6° mês após a ocorrência do acidente, conforme descrito na Tabela 1.
A Tabela 2 apresenta o conhecimento, as opiniões e atitudes dos trabalhadores que se envolveram em acidente com material biológico quanto às medidas preventivas desses acidentes.
Variáveis | N | (%) |
---|---|---|
Instituição oferece EPI | ||
Sempre | 68 | 93,2 |
Nunca as vezes | 5 | 6,8 |
Existência de protocolo de AMB na instituição | ||
Sim | 66 | 90,4 |
Não | 7 | 9,6 |
Conhece medidas após AMB | ||
Sim | 38 | 52,1 |
Não | 35 | 47,9 |
Sabe da obrigatoriedade da notificação no SINAN | ||
Sim | 30 | 41,1 |
Não | 43 | 58,9 |
Conhece o motivo da notificação obrigatória no SINAN (n=30) | ||
Sim | 16 | 53,3 |
Não | 14 | 46,7 |
A equipe conhece as medidas após AMB | ||
Sim | 39 | 53,4 |
Não | 34 | 46,6 |
Recebeu orientações sobre AMB e medidas preventivas | ||
Sim | 30 | 42,5 |
Não | 43 | 57,5 |
Existência de normas de prevenção de AMB na instituição | ||
Sim | 48 | 65,8 |
Não | 25 | 34,2 |
Conhece o motivo de ter sido encaminhado ao SAE | ||
Sim | 49 | 67,1 |
Não | 24 | 32,9 |
A maioria dos trabalhadores recebiam EPI das instituições (93,2%), tinham conhecimento quanto a existência do protocolo de AMB (90,4%) e sobre as medidas pertinentes após a ocorrência de acidente com material biológico (52,1%). No entanto, 58,9% dos trabalhadores desconheciam a obrigatoriedade da notificação ao SINAN, sendo que 53,4% deles conheciam as medidas que devem ser adotadas após acidentes com materiais biológicos.
Embora 65,8% dos participantes tenham afirmado que existiam normas de prevenção de acidentes com material biológico, 57,5% deles não tinham recebido orientações sobre medidas preventivas sobre acidentes com material biológico na instituição.
A Tabela 3 apresenta a análise bivariada dos potenciais fatores associados à incidência/reincidência de acidente com material biológico.
Variáveis | Incidência/reincidência de acidentes | ||||
---|---|---|---|---|---|
Não | (%) | Sim | (%) | P | |
Idade (anos) | 35,0 | (10,4) | 41,0 | (10,3) | 0,025a |
Sexo | |||||
Feminino | 44 | 66,7 | 22 | 33,3 | 1,000b |
Masculino | 5 | 71,4 | 2 | 28,6 | |
Tipo de material do acidente | |||||
Agulhas | 38 | 67,9 | 18 | 32,1 | |
Outros | 11 | 64,7 | 6 | 35,3 | 0,809c |
Tipo de exposição | |||||
Percutânea | 44 | 66,7 | 22 | 33,3 | 1,000b |
Mucosa | 5 | 71,4 | 2 | 28,6 | |
Material orgânico envolvido | |||||
Sangue | 28 | 66,7 | 19 | 33,3 | 0,876b |
Fluidos com sangue | 6 | 60,0 | 4 | 40,0 | |
Outros | 2 | 66,7 | 1 | 33,3 | |
Uso de EPI no momento do acidente | |||||
Todos | 3 | 75,0 | 1 | 25,0 | 0,176b |
Mínimo 1 | 34 | 72,3 | 13 | 27,7 | |
Nenhum | 12 | 54,5 | 10 | 45,5 | |
Condutas | |||||
Lavagem com água e sabão | 45 | 65,2 | 24 | 34,8 | 0,296b |
Antisséptico | 35 | 66,0 | 18 | 34,0 | 0,748c |
Soro fisiológico | 3 | 100,0 | - | - | 0,546b |
Pressão local | 24 | 64,9 | 13 | 35,1 | 0,677c |
Notificação da equipe | |||||
Não | 1 | 50,0 | 1 | 50,0 | 0,601b |
Sim | 48 | 67,6 | 23 | 32,4 | |
Paciente fonte conhecido | |||||
Não | 15 | 75,0 | 5 | 25,0 | 0,379c |
Sim | 24 | 64,2 | 19 | 35,8 |
a. Teste t de studentpara amostras independentes; b. Teste exato de Fisher; c. Teste de qui-quadrado de Pearson; d. Laminas, bisturi, tesouras.
Nesta análise somente a variável "idade" apresentou significancia estatística com à incidência/reincidência de acidentes (p<0,05), assim, constatou-se que os trabalhadores com maiores idades possuem mais chances de reincidência em acidentes com materiais biológicos.
Observou-se que, apesar dos 34,8% dos trabalhadores apresentarem recorrência em acidentes com material biológico terem feito a lavagem do local afetado com água e sabão, 34% também fizeram o uso de antissépticos e 35,1% pressionou o local afetado.
A Tabela 4 apresenta a análise bivariada dos potenciais fatores relacionados ao conhecimento sobre normas de biossegurança associados ao envolvimento em acidentes.
Variáveis | Incidência/Reincidência de acidentes | ||||
---|---|---|---|---|---|
Não | (%) | Sim | (%) | p | |
Existência de protocolo de AMB na instituição | |||||
Sim | 42 | 63,6 | 24 | 36,4 | 0,088a |
Não | 7 | 100,0 | - | - | |
Conhece medidas após AMB | |||||
Sim | 19 | 50,0 | 19 | 50,0 | 0,001b |
Não | 30 | 85,7 | 5 | 14,3 | |
Sabe da obrigatoriedade da notificação no SINAN | |||||
Sim | 17 | 56,7 | 13 | 43,3 | 0,112b |
Não | 32 | 74,4 | 11 | 25,6 | |
A equipe conhece as medidas após AMB | |||||
Sim | 23 | 59,0 | 16 | 41,0 | 0,112b |
Não | 26 | 76,5 | 8 | 23,5 | |
Recebeu orientações sobre AMB e medidas preventivas | |||||
Sim | 23 | 74,2 | 8 | 25,8 | 0,269b |
Não | 26 | 61,9 | 16 | 38,1 | |
Existência de normas de prevenção de AMB na instituição | |||||
Sim | 32 | 66,7 | 16 | 33,3 | 0,908b |
Não | 17 | 68,0 | 8 | 32,0 | |
Conhece o motivo de ter sido encaminhado ao SAE | |||||
Sim | 30 | 61,2 | 19 | 38,8 | 0,125b |
Não | 19 | 79,2 | 5 | 20,8 |
a. Teste t de student para amostras independentes; b. Teste exato de Fisher; c. Teste de qui-quadrado de Pearson.
Nesta análise, somente a variável "conhecimento de medidas após acidente com material biológico" demonstrou associação significativa com a incidência/reincidência de acidentes com material biológico (p<0,05). Assim, constatou-se que os trabalhadores que conhecem as medidas após a ocorrência de acidentes com material biológico possuem mais chances para a reincidência dessas ocorrências.
Vale ressaltar que, a variável "Existência de protocolo de AMB na instituição" apresentou uma tendência de associação (p=0,08), uma vez que 63,6% dos profissionais que possuem ao protocolo na instituição, não sofreram acidentes anteriores.
A Tabela 5 apresenta os resultados do modelo de regressão de Poisson dos fatores associados à ocorrência de acidentes.
Variáveis | RPa ajustada (IC 95%)b | Pc |
---|---|---|
Idade (anos), por ano | 1,04 (1,00-1,07) | 0,023 |
Sexo | ||
Feminino | 1,00 | |
Masculino | 1,63 (0,61-4,38) | 0,325 |
Conhece medidas após AMB | ||
Não | 1,00 | |
Sim | 3,77 (1,66-8,59) | 0,002 |
p=0,023) e conhecimento de medidas preventivas após ocorrência de AMB (RP: 3,77; p=0,002).
Observou-se associação positiva entre reincidência de acidente com material biológico e idade (RP: 1,04; p=0,023) e conhecimento de medidas preventivas após ocorrência de AMB (RP: 3,77; p=0,002).
DISCUSSÃO
Os acidentes com materiais biológicos ocorrem, predominantemente, entre trabalhadores do sexo feminino, da categoria de enfermagem e auxiliares de serviços gerais. Os trabalhadores que tiveram reincidência em acidentes desta natureza, possuem idade superior a 41 anos e conhecimento sobre exposição a materiais biológicos e medidas preventivas.
Observou-se ainda que, a oferta de educação permanente é insuficiente ou até mesmo inexistente, o que pode favorecer a recorrência das exposições. Dessa forma, foi possível observar que a reincidência de acidentes com material biológico foi referida por parte dos trabalhadores, e em alguns casos, o envolvimento em dois ou até três acidentes anteriores. No entanto, em sua maioria, houve ocorrência de apenas um acidente.
As atividades de trabalho por parte da equipe de enfermagem podem estar relacionadas às principais causas de acidentes. No entanto, em alguns casos, foi observado que o envolvimento no AMB promoveu o aumento da atenção e cuidado durante a execução de procedimentos e manejo de materiais perfurocortantes, bem como a valorização ao uso do EPI 8.
Um dos fatores positivos encontrados neste estudo é que todos os participantes que tiveram indicação de uso de quimioprofilaxia afirmaram seguimento da terapia com antirretrovirais, assim como fora prescrita. Tal fato reflete a construção de um pensamento mais consciente por parte dos trabalhadores, seja por meio de orientações feitas pela equipe do serviço de referência, seja pela equipe da própria instituição de saúde.
Em todos os casos de exposição, com risco significativo de contaminação, pelo vírus HIV exige-se a avaliação do risco dessa exposição e recomenda-se o uso da quimioprofilaxia. Já em outros casos, o risco de contaminação pelo HIV é insignificante e nos quais o risco de toxicidade dos medicamentos supere o seu benefício, o uso está contraindicado 9.
Além do risco de contaminação ocupacional pelo vírus HIV, é necessário considerar a possibilidade de contaminação, também, pelo vírus da hepatite B, que em determinadas circunstâncias, possui risco de transmissão aumentado.
No presente estudo não houve nenhum relato em que foi indicado o uso da imunoglobulina após o acidente. Entretanto, é de fundamental importância a confirmação sorológica da imunização contra a hepatite B. Visto que, este fator está intimamente relacionado à segurança na ocorrência do acidentado, e em alguns casos, não é possível o alcance de anticorpos necessários para a imunização, ademais, é imprescindível um segundo esquema vacinal e até mesmo a indicação da imunoprofilaxia pós-exposição 10.
Nesta pesquisa, parte dos entrevistados referiu o abandono do acompanhamento médico e sorológico em acidentes anteriores, ou seja, o monitoramento do profissional acidentado no serviço de referência não ocorreu até o sexto mês após o acidente, conforme recomendado pelo Ministério da Saúde. O elevado índice de abandono do acompanhamento médico e sorológico pelos profissionais acidentados com material biológico, gera a impossibilidade de determinar se sorologias positivas para HIV hepatite B e C foram advindas de acidentes anteriores e/ ou ocorridas com material biológico 11.
Neste sentido, mesmo diante de sorologias negativas para HIV, hepatite B e C, existe o risco de transmissão caso o paciente fonte esteja no período de janela imunológica, por isso a importância de se considerar as características do acidente e o seguimento clínico até a alta médica 12.
Outro fator que se mostra intimamente relacionado à ocorrência de acidentes com material biológico é o hábito de muitos trabalhadores da saúde não usarem os EPIS durante a execução de atividades. Apesar da maioria dos trabalhadores afirmar que a instituição oferece EPI, foi encontrada, ainda que em baixo percentual, a não oferta ou a esporádica oferta de EPI. A recomendação feita pelo Ministério do Trabalho e Emprego por meio da NR-6, portaria 3.214/78, é de que as unidades de saúde têm a responsabilidade de ofertar EPI em condições adequadas e em quantidades suficientes para todos os colaboradores da instituição 13.
Outro dado pesquisado, que se mostrou de fundamental importância, foi a existência de um protocolo de exposição a materiais biológicos nas unidades de saúde. O Ministério da Saúde elaborou em 2006, o protocolo de exposição a materiais biológicos, para instruir o atendimento aos profissionais envolvidos em acidentes com material biológico com o risco de soroconversão para HIV, HBV e HCV. O documento estabelece, ainda, condutas de atendimento inicial, orientação e seguimento do acompanhamento dos casos 7.
Sobre esse aspecto, um estudo com profissionais da enfermagem em um hospital do interior do estado de São Paulo, verificou que o estabelecimento de protocolos institucionais sobre condutas após exposições ocupacionais a material biológico viabilizou o fluxo das informações, além de orientar e favorecer a segurança dos colaboradores 14.
Cabe mencionar que, após o acidente, o trabalhador pode se sentir culpado, ter medo ou desespero, devido a possibilidade de infecção pelos vírus HBV, HCV e HIV. Por isso, é importante a implementação de estratégias para aumentar a adesão ao acompanhamento e tratamento, principalmente dos fatores relacionados a conscientização e a sensibilização após o momento do acidente 15.
No que tange às recomendações propostas pelo protocolo de atenção às vítimas de acidentes com material biológico, os serviços de saúde devem promover ações a fim de conscientizar seus profissionais sobre a importância da adesão. A subestimação do risco é um fator que contribui para a não procura pelo atendimento clínico especializado 16. Visto que, quando orientado, o trabalhador adquire meios para evitar situações de risco, enquanto as instituições de saúde podem adaptar medidas preventivas para a realidade de seus profissionais 17.
Com relação ao conhecimento dos acidentados sobre as medidas tomadas após a ocorrência de acidente com materiais biológicos, observou-se que parte dos trabalhadores entrevistados afirmaram conhecer as medidas, ao passo que outra parte respondeu desconhecer tais medidas. Independentemente da área de atuação e categoria profissional, é evidente a importância de todos os profissionais de saúde serem preparados para a condução adequada dos casos envolvendo acidentes com materiais biológicos. Tal medida incorre na minimização dos impactos causados por esse tipo de evento.
Em uma pesquisa realizada com profissionais da saúde, do estado do Rio de Janeiro, constatou que dentre os principais cuidados, após exposição a material biológico, poucos profissionais (27%) apontaram a realização de exames sorológicos. A procura pelo atendimento médico ocorreu em 11,7% dos casos e apenas 9,4% fizeram a notificação do acidente 18.
Acredita-se que o conhecimento sobre e a interpretação do nível de gravidade dos acidentes, bem como os procedimentos realizados, após a sua ocorrência, contribui para que as vítimas tinham mais segurança, autonomia e responsabilidade quanto ao seguimento do acompanhamento médico e sorológico.
Quanto a obrigatoriedade da notificação no SINAN, a maioria dos entrevistados afirmou desconhecer essa informação e muitos responderam não saber o seu real motivo. Isso reflete o desconhecimento, de grande parte dos trabalhadores da área da saúde da região estudada, sobre o sistema de informações do Ministério da Saúde, que serve de ferramenta norteadora para ações preventivas dispensadas a este grupo especificamente.
A notificação e o acompanhamento sorológico são indispensáveis para a avaliação da gravidade e as consequências dos acidentes, assim como as possibilidades de intervenção 19. O desconhecimento e a banalização quanto à notificação dos acidentes envolvendo materiais biológicos refletem a desinformação e o desinteresse dos profissionais de saúde aos aspectos epidemiológicos e legais que permeiam esse tipo de ocorrência 20.
Quanto ao fato de a maioria dos trabalhadores afirmar o não recebimento de orientações sobre acidentes com materiais biológicos e medidas preventivas pela instituição onde trabalha, demonstra a banalização por parte dos gestores das instituições de saúde pesquisadas, quanto aos procedimentos técnicos seguros para prevenção de acidentes envolvendo materiais biológicos.
Em se tratando, especificamente, da área da enfermagem, estudos realizados entre 2011 e 2012, em um hospital de alta complexidade do interior de São Paulo, evidenciaram a importância e a necessidade da educação continuada com abordagem de temas referentes ao planejamento e execução de procedimentos técnicos, visando o reconhecimento e a não banalização dos riscos ocupacionais existentes no ambiente hospitalar 21-23.
Sobre a existência de normas de prevenção de acidentes com material biológico, parte dos trabalhadores respondeu que a instituição de atuação possui normas de prevenção de acidentes, o que comprova ser esta, uma estratégia eficaz na tentativa de estimular práticas seguras de atuação entre os diversos profissionais.
Em um estudo realizado com trabalhadores da enfermagem do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto (SP), foi constatado que quanto maior o número de treinamentos recebidos pelo profissional, menor foi o número de exposições a esses eventos 24. Deste modo, pode se afirmar que, são necessários mais investimentos em educação e treinamento para equipe, bem como modificações no sistema organizacional da instituição 25, de forma a promover maiores conhecimentos, melhores condições de trabalho e menos exposição a riscos de acidentes com materiais biológicos.
Apesar da ideia de que o conhecimento sobre acidentes com material biológico e medidas preventivas possam contribuir para a segurança durante a execução das atividades diárias de trabalho e, consequente, diminuição dos riscos de acidentes ocupacionais com exposição a material biológico, tais afirmativas ainda são questionáveis, como no caso do presente estudo.
Os resultados do presente estudo permitem concluir que, os acidentes com exposição a material biológico entre trabalhadores de instituições de saúde da região Sudoeste I do estado de Goiás, Brasil, ocorrem, predominantemente, entre trabalhadoras do sexo feminino, pertencentes às categorias de enfermagem e limpeza com idade superior a 41 anos. Dos participantes, parcela significativa (1/3) já teve envolvimento anterior em acidentes desta natureza.
Apesar de o estudo apontar que a maior parte desses trabalhadores possui conhecimento sobre acidentes com materiais biológicos e medidas preventivas, observou-se, também, que a reincidência de acidente com materiais biológicos pode estar relacionada a maior faixa etária dos trabalhadores e ao conhecimento quanto às medidas preventivas após tais ocorrências. Nota-se, portanto, que o conhecimento não é suficiente para promover mudança de atitude durante a atuação profissional.
Assim, faz-se necessária a reflexão sobre os riscos de ocorrência de acidentes com materiais biológicos a que os trabalhadores inseridos na área da saúde estão expostos e que a aplicação do conhecimento recebido sobre medidas preventivas mostra-se a maneira mais eficaz de se alcançar a segurança durante a execução das atividades diárias de trabalho.
Este estudo possui limitações que impediram uma visão mais real dos acidentes, devido ao fato de muitos trabalhadores novos não comparecerem às consultas médicas no Serviço de Assistência Especializada ♠