Aanemia na infância é considerada um problema de saúde pública global com consequências importantes para a saúde humana e para o desenvolvimento social e econômico de um país 1. Na América Latina e no Caribe, estimativas da prevalência de anemia em menores de cinco anos indicam sua ocorrência em torno de 50% ou mais em várias regiões 2. A anemia na infância tem efeitos deletérios à saúde, com repercussões futuras na capacidade de aprendizagem e na menor produtividade quando adultos, impactando diretamente no desenvolvimento do capital humano de um país 3-6. Por isso, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que os países com prevalências de anemia superiores a 20% adotem medidas para prevenção e controler desse agravo 7.
A fortificação da alimentação complementar com múltiplos micronutrientes em pó (MNP) tem sido recomendada pela OMS como estratégia adicional para prevenção e controle da anemia. Há evidências que essa estratégia contribui com a redução da prevalência de anemia em 31% e da deficiência de ferro em 51% 8. Apesar disso, percepções e adesão ao uso do sachê têm sido pouco investigadas e parece variar em função do local em que a intervenção foi desenvolvida 9-12.
Alguns estudos que avaliaram a adesão e a aceitabilidade de mães e responsáveis a essa nova estratégia apontam resultados distintos. A adesão ao uso dos sachês prescritos variou de 50 a 96% em estudos realizados anteriormente 9-12, com maior adesão ao consumo dos sachês em regime flexível quando comparado ao uso diário 13-14. Quanto à aceitabilidade, pode-se inferir que o produto é bem aceito pelos cuidadores e crianças, mas há escassez de avaliações tanto quantitativa como qualitativa 14. O ferro do sachê MNP apresenta-se encapsulado com uma camada de lipídio para evitar alterações na comida ou textura dos alimentos. Mesmo assim, recomenda-se que os micronutrientes em pó sejam adicionados às refeições após o cozimento e o conteúdo do sachê deve ser acrescentado em pequena porção, de forma a ser consumida em até uma hora. Apesar disso, alguns estudos citaram a possibilidade de alterações na cor ou sabor da comida, no entanto, os autores não evidenciaram se os sachês também foram consumidos com líquidos ao invés de alimentos pastosos conforme a recomendação de uso do produto 15-17.
A condução de estudos qualitativos para avaliação da adesão e aceitabilidade de novas intervenções nas diversas realidades brasileiras é importante uma vez que essas são fortemente influenciadas pelo contexto social e cultural locais. Para possibilitar o planejamento de ações e programas com fortificação da alimentação complementar com MNP como estratégia do Sistema Único de Saúde brasileiro, o presente estudo verificou as percepções de mães sobre a nova estratégia de prevenção da anemia em crianças, em quatro regiões do Brasil.
MATERIAIS E MÉTODOS
Este estudo, com abordagem qualitativa, faz parte de pesquisa multicêntrica, intitulada: "Estudo Nacional de Fortificação da Alimentação Complementar" (ENFAC) com o objetivo de avaliar a efetividade da fortificação caseira com vitaminas e minerais em pó na prevenção de anemia em crianças de um ano de idade assistidas em unidades básicas de saúde (UBS). Trata-se de um ensaio pragmático controlado realizado em UBS de 4 municípios brasileiros situados nas regiões Centro-Oeste: Goiânia (GO), Sul: Porto Alegre (RS), Nordeste: Olinda (PE) e Norte: Rio Branco (AC), conforme descrição em publicação anterior 18. Todas as mães assinaram o Termo de Consentimento e a pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, sob o protocolo 2291/2013.
No presente estudo, o objetivo foi verificar a percepção e vivência das mães sobre o uso de MNP na prevenção da anemia na infância. A técnica utilizada para avaliação do discurso das mães foi a de Grupos Focais (GF), incluindo um moderador e facilitador para a condução dos GF, um roteiro com questões semiestruturadas, anotações e gravação das discussões.
Para a condução dos GF foram realizados treinamentos teórico-práticos pela equipe de coordenação em cada município do estudo. Nesse treinamento, foram incluídos os coordenadores locais, profissionais de saúde que participaram do planejamento da execução local da pesquisa e estudantes universitários. Para formação dos grupos focais de mães, buscou-se convidar aquelas que ofereceram o sachê para as crianças por até três meses. Foram denominadas mães aderentes mães cujas crianças consumiram entre trinta e sessenta sachês. Foram denominadas mães não aderentes aquelas cujos filhos não consumiram ou consumiram parcialmente os sachês (menos de trinta sachês). Para a condução dos GF foi preparado um ambiente apropriado e livre de ruídos durante a gravação, para uma melhor apreensão do material discursivo. Foi adaptada uma brinquedoteca, para que as crianças que viessem acompanhadas com as respectivas mães, pudessem se divertir durante o período da realização do GF. Estudantes de cursos da área da saúde ficavam responsáveis por acolher e acompanhar essas crianças, durante a realização dos GF. Essa estratégia facilitou que as mães comparecessem ao GF e ficassem mais tranquilas durante a condução do mesmo.
Anteriormente à realização dos grupos focais, informações foram solicitadas sobre as características sociais das mulheres, contendo a identificação do número de filhos, idade, estado civil e anos de estudo. Antes do início do Grupo Focal, mostrou-se uma caixa com os sachês contendo micronutrientes, para estimular a lembrança do produto. Após a realização dos grupos focais, foi realizada a transcrição na íntegra dos discursos da população estudada. A análise do material empírico produzido adotou o referencial da análise de conteúdo, utilizando-se a codificação e posterior definição das temáticas centrais. Entre as técnicas de análise de conteúdo, optou-se pela análise temática - "contagem de um ou vários temas ou itens de significação numa unidade de codificação previamente determinada", segundo três etapas: pré-análise, exploração do material empírico, e tratamento dos resultados obtidos e interpretação 19.
RESULTADOS
No total, 79 mulheres (42 mães aderentes e 37 mães não aderentes) participaram dos treze grupos focais realizados (Tabela 1). A média de idade das mães foi de 27 anos (variando entre 17 a 56 anos), 57% eram casadas, 68% tinham completado 8 anos de estudo e tinham em média 2 filhos. Essas características das mães participantes do estudo qualitativo foram semelhantes ao perfil das mães participantes no estudo principal.
Local do estudo | N° de grupos focais | N° de entrevistas | Participantes | N° de participantes |
---|---|---|---|---|
Goiânia | 5 | - | Mães1 | 20 |
1 | - | Agente Comunitário de Saúde | 4 | |
2 | - | Profissionais de saúde2 | 15 | |
Porto Alegre | 2 | 1 | Mães | 17 |
1 | 1 | Profissionais de saúde | 4 | |
Olinda | 3 | 4 | Mães | 17 |
2 | - | Agente Comunitário de Saúde | 22 | |
Rio Branco | 2 | - | Mães | 25 |
1 | - | Agente Comunitário de Saúde | 10 | |
1 | - | Profissionais de saúde2 | 10 | |
Total | 20 | 6 | - | 144 |
1 Os grupos com mães foram divididos em mães que aderiram ao sachê e mães que não aderiram ao sachê.
2 Profissionais de saúde: pediatra, enfermeira, auxiliares de enfermagem, supervisor administrativo e farmacêuticos.
Adesão e aceitabilidade do MNP na alimentação complementar
Na percepção das mães entrevistadas, os profissionais de saúde passaram informações adequadas, reforçando a forma de utilização do produto na alimentação (onde e como utilizar) e os benefícios para a criança após o seu uso (relacionadas às propriedades do produto), conforme percebemos: "Ela explicou tudo direitinho, até deram um livrinho que explicava. Disse como fazia para dar e que era para dar na papinha".
A partir do relato das mães, há indícios que alguns profissionais de saúde orientaram o uso do sachê de MNP no suco e em sopas, orientação que não corresponde ao uso correto do sachê. Verificou-se a necessidade de melhorar a capacitação dos profissionais de saúde, diante da indicação de quais os alimentos devem ou não ser utilizados para adição do MNP, conforme as seguintes falas: "[...] eles disseram que seria benéfico para a criança, que seria pra evitar a anemia. Como ela falou, que tipo de alimento você pode colocar. Aí depois que eu fui lá aí o rapaz disse: "Olha não é só na sopa, você pode colocar também em suco". "Eu recebi, ela me explicou que eu não colocasse na comida quente né e que poderia colocar no feijão, no iogurte".
As orientações recebidas pelas mães, a partir do contato inicial com os profissionais de saúde, foi um fator significativo para a adesão e aceitabilidade. O acesso facilitado para a ida às Unidades de Saúde, sempre que tivessem dúvidas, foi aspecto motivador para a adesão ao sachê de MNP: "[...] mas pessoas que trabalham lá no posto que é do Programa SUS, o Sistema Único de Saúde, elas sempre me davam assim a orientação para continuar. Qualquer dúvida que eu tivesse eu procurasse também elas que elas estariam também lá no Posto".
Para melhor aproveitamento do MNP torna-se necessário que haja um bom acondicionamento e utilização em alimentos que não propiciem perda do seu valor nutritivo. Pode-se perceber que muitas mães armazenaram o sachê próximo a locais ou objetos que facilitavam a lembrança do seu uso. Ressalta-se, a partir do discurso das mulheres entrevistadas, que a escolha do alimento foi baseada no desejo e melhor receptividade definidos pela criança. Sopas de legumes, sucos, iogurtes e frutas, foram alguns dos alimentos ingeridos pelas crianças, juntamente com o sachê: "Eu fazia a sopinha, machucava a batatinha e num cantinho assim eu misturava e dava pra ela". "[...] ela usou no iogurte porque era o que ela disse que tinha; que devia comer o alimento todo, para ingerir o sachê todo, aí a única coisa que ela comia todo era o iogurte; aí eu coloquei no iogurte".
O uso de sulfato ferroso na forma de xarope vem sendo prescrito rotineiramente às crianças assistidas na rede pública para tratamento e prevenção da anemia. Por ser essa utilização assimilada ao sabor amargo e de difícil ingestão pelas crianças, as mães relataram que o sachê era uma boa alternativa, favorecendo a aceitação da criança: "Porque o sulfato ferroso o gosto é ruim (...) O meu filho, o sulfato ferroso ele não tomava de jeito nenhum. Ele tomava e cuspia fora".
Pode-se constatar que algumas mães, antes de oferecer o MNP às crianças, testaram o sabor. Para essas mães, o sachê não tinha sabor. Essa forma imperceptível do sabor do MNP foi compreendida pelas mães como um aspecto positivo por não interferir na aceitação da comida, facilitando a adesão pela criança: "Conheço (o sulfato ferroso), mas com certeza o sachê é bem melhor. O sachê eu não percebo nada de gosto". "Colocava um pouquinho [...], eu experimentei [... ] então eu coloco na quantidade que eu sei mais ou menos que dá pra ela (criança), porque eu sei o tanto que ela come [...]".
Com relação à preferência pelo sachê de MNP, as mães deste estudo apontaram alguns benefícios que traduzem essa escolha. Enfatizaram os efeitos adversos observados em experiências anteriores com uso do sulfato ferroso, tais como diarreia, alteração na cor dos dentes e vômitos. Esses fatores foram relatados com recorrência pelas mães entrevistadas: "[...] o sulfato ferroso além dele acabar com os dentes, ele pra crianças que tem o intestino fraco [...]. Ele já é um ácido [... ] o sulfato ferroso pra minha filha já era forte. Aí ele dava diarreia, às vezes ela comia, mas vomitava [...]".
As mães entrevistadas relataram que, após a utilização do sachê de MNP na alimentação de seus filhos, houve melhorias em seu perfil de saúde. Mencionaram aumento de apetite, a melhora na motilidade do trato digestório, diminuição dos episódios de gripe, como relatado pelas mães:"O meu não comia nada não, ele só mamava. Depois que eu comecei a dar o sachê para ele misturado com a sopinha e a fruta, aí foi que abriu mais o apetite dele. Ele tinha até uma dificuldade pra fezes, era diferente e melhorou também. Tá melhor, graças a Deus. Tudo através do sachê". "[...] por ela estar muito magrinha eu achei que ajudou ela a recuperar o pesinho dela né e foi bom também porque depois eu fiz um exame de sangue e ela não tava com anemia. Deu uma melhorada significativa que eu acho que não teria acontecido se eu não tivesse dado o sachezinho pra ela".
Fatores facilitadores e limitantes para a utilização do MNP
Ao abordar a interação e a participação dos familiares no acolhimento ao uso de MNP, percebeu-se a influência das avós, incentivando e lembrando as mães para não esquecer de colocá-lo no alimento da criança. Esse suporte e participação das avós e familiares mais próximos mostrou-se um importante para a adesão ou não de novas práticas no cuidado das crianças, conforme descrevem as mulheres participantes dos grupos focais: "[... ] no início assim, a minha mãe estava me acompanhando e ela me cobrava muito quando eu esquecia um sachezinho, ela me cobrava". "A minha mãe também ela me lembrava porque às vezes eu esqueço, como eu estudava na época, então ela fazia a sopinha da Mariana, então ela mesma já colocava". "O meu esposo disse é bom porque ela fica forte, ele falou assim, é bom que ela fica forte e agora, vê se não esquece visse, vê se não esquece de dar a menina".
Muito embora na temática central analisada sobre a aceitação da fortificação caseira, as mães aderentes tenham relatado que o sabor do sachê não prejudicaria a utilização do mesmo na alimentação da criança, algumas mães relataram que não concluíram a suplementação, pois observaram que, durante o uso do sachê de MNP na alimentação da criança, algumas passaram a não aceitar os alimentos. Dessa forma, as mães não aderentes relataram que as crianças sentiram a diferença no sabor da alimentação, sendo observado que, ao suspender o uso do sachê, a criança retornou a aceitar o alimento. Observou-se, no entanto, que a adição do sachê nesses casos era realizada em alimentos não recomendados, podendo ser motivo da recusa da criança: "Aí eu fui tentar dar o mingau sem o sachê e ela comeu. Ela não gostou do gosto na comidinha dela". "Não comia. Não comia. Eu dava o caldo de feijão e ela comia normal, mas quando eu colocava [o sachê] ela não comia não".
A despeito da maternidade, as mães, em diversas situações, deixaram seus filhos sob a guarda de terceiros para dar continuidade as suas atividades do cotidiano.
Um dos limites da não utilização do sachê pela criança foi relacionado ao cuidado disponibilizado pelas babás, ou seja, a mãe deixou os sachês com as cuidadoras e não foi ofertado, como relatado abaixo:"No meu caso, na verdade quem dá o sachê não sou eu, é porque o meu filho ele passa o dia com a babá dele, eu deixo de manhã e só pego à noite. E na verdade eu vim saber que ela tinha parado de dar no dia em que a moça foi lá marcar a reunião, porque eu fui perguntar a ela, e ela falou que tinha parado"."Eu colocava na bolsa e levava para babá e sempre voltava. Eu perguntava e ela dizia: "Ah eu esqueci".
Adotar estratégias para que as mães não se esqueçam de utilizar o sachê é um aspecto importante para a adesão ao sachê e, ao mesmo tempo, um desafio para os serviços de saúde. Muitas mães iniciaram o uso, mas não continuaram por esquecimento no uso diário. O fato das mães terem recebido a orientação do uso diário e de não poder interromper fez com que muitas mães ficassem inseguras, adotassem medidas incorretas e buscassem orientações junto aos profissionais, conforme descrito abaixo:"Ele tomava, eu que fui a irresponsável. Uma parte ele tomou né, todinha, já a segunda já foi enrolada porque eu fui lá pra minha mãe, aí eu esqueci [...]".
Convém destacar que algumas crianças, após o uso do sachê, apresentaram alguns sintomas referidos pelas mães como efeitos adversos, verificados somente após o inicio do uso do MNP, tais como: vômitos, falta de apetite, mudança na coloração e consistência das fezes e surgimento de pequenas lesões na pele:"O meu eu parei porque toda vez que eu dava ele vomitava. Toda vez, [...]. Passei uns três dias dando e toda vez ele vomitava e aí parou de tomar o mingau e aí não queria mais nada. Aí eu parei [...]". "No começo deu diarreia [... ] foi só uns dois, três dias".
Material de divulgação do MNP
Para facilitar o entendimento da mãe sobre a forma de uso do MNP, a equipe de pesquisa do ENFAC elaborou um folheto educativo e ilustrativo que foi distribuído pelos profissionais de saúde na entrega dos sachês durante o período de realização do estudo. A despeito disto, a falta de uma bula com informação correta, clara e objetiva foi apontada pelas mães como um fator limitante para a adesão. "Eu parei porque [...], ela (agende de saúde) falou pra mim que era pra dar só em sopinha, que não podia dar em mingau, em suco. [... ] Aí eu peguei, ele parou de tomar, porque ele pegou uma diarreia e eu não dei mais sopinha pra ele, aí ele só tomava mingau, aí eu parei de dar por causa disso, porque eu achava que não podia dar no mingau [...]". "A informação é só um sachê que tu colocas na comida. Não tem nada aqui, uma bula [...]".
Indagadas acerca das informações existentes no material de divulgação do MNP, as mães relataram estar satisfeitas com as informações contidas no mesmo. Observaram que as informações precisavam ser mais acessíveis e orientadas por um profissional que possa partilhar com a mãe essas informações, relatando que o material distribuído ajudou no esclarecimento de algumas dúvidas sobre uso do MNP: "As informações de como usar o sachê também, o que é que não devia. Algumas orientações da alimentação do bebê e para que é que realmente o sachê servia". "Para mim foi bom porque no caso me ajudou a esclarecer o pouco de dúvida que eu tinha, então ele vem explicando aqui o que eu acho que a gente precisa saber a respeito numa linguagem bem clara". "Na verdade, eu sempre lia quando eu ficava em dúvida".
Sugestões maternas para melhorar uso do MNP
As sugestões apontadas pelas mães são úteis por proporcionar uma dimensão mais ampliada de como perceberam e utilizaram na prática o sachê de MNP. Entretanto, nem todas as sugestões podem ser consideradas como regras a serem adotadas, pois não são compatíveis com a eficácia do produto, nem com a forma correta de sua utilização. Além disso, reforça a necessidade de intensificar a orientação por parte dos profissionais de saúde sobre a alimentação complementar saudável.
Muito embora as mães tenham relatado o uso do sachê em alimentos sugeridos e orientados pelos profissionais da saúde, elas sugerem e questionam a possibilidade de colocar o produto em outros tipos de alimentos, utilizados com mais frequência na alimentação da criança, como por exemplo, o suco e o mingau: "[...] mudar o jeito de como tomar. Botar nos alimentos. No suco, mingau assim, poder botar em qualquer tipo de alimento, não só em suco".
Além disso, o fato de não haver uma divulgação na mídia com destaque para a televisão, fez com que algumas mães temessem o real valor e indicação para o uso do sachê, conforme relataram: "Eu acho que seria melhor eles (o profissional da saúde) anotar num papelzinho pra gente assim. Um papelzinho desse anotado dizendo onde tem que usar e onde não tem. Seria melhor pra gente. Se tivesse dado assim para gente eu acho que a gente teria usado tudinho. Porque eu fiquei com dúvida". "Na mídia mesmo, televisão mesmo porque todo mundo que você fala ninguém sabe, ninguém tem conhecimento".
DISCUSSÃO
Neste estudo, é o pioneiro no Brasil utilizando mulheres que adotaram o uso da fortificação de micronutrientes em forma de pó para seus filhos de seis a doze meses de idade. Esta investigação ilustra tanto a vivência das mulheres em relação ao uso diário da fortificação com MNP (adesão ou não), como as suas percepções acerca do produto que passou a ser utilizado em larga escala em todas as regiões do país. Os achados deste estudo apontam para a importância do envolvimento dos profissionais e agentes comunitários de saúde junto às famílias e à comunidade para promoção e apoio ao uso do MNP na alimentação complementar.
Pesquisas realizadas em diversos países apontaram que o uso do sachê com MNP é uma intervenção eficaz para reduzir a anemia e deficiência de ferro em crianças de seis meses a 23 meses de idade 8,20. O uso desses sachês é bem aceito, mas sua adesão é variável e, em alguns casos, comparável ao obtido em lactentes e crianças que receberam suplementos de ferro padrão como gotas ou xaropes 11,21. No presente estudo, poucas mães apresentaram resistência ao uso do MNP relacionado ao fato do produto ser em pó, o que foi considerado como um fator positivo.
Estudos anteriores que avaliaram a adesão de medicamentos para crianças identificaram que para que ocorra um envolvimento entre os cuidadores e o processo de adesão, deve-se atentar para alguns fatores chaves, tais como: dificuldades associadas à implementação (ex: os efeitos colaterais do tratamento), resistência da criança e a ameaça que esses fatores adversos representam para a vida familiar 11,21. Os profissionais de saúde têm um papel chave no suporte para a adesão à suplementação e fortificação em diferentes condições, sendo necessários envolvê-los desde o treinamento inicial, enfocando conceitos adequados sobre a alimentação complementar saudável, a forma correta do uso do produto e orientações quando as mães não usarem de forma contínua a fortificação caseira.
Observamos neste estudo que algumas cuidadoras, mesmo tendo recebido orientações pelos profissionais de saúde e ACS sobre quais alimentos devem adicionar o MNP, ainda assim adicionavam o sachê em alimentos não recomendados. Algumas mães ainda adotavam o aleitamento materno quase exclusivo e tinham dúvidas sobre como usar o sachê, além da grande frequência de cuidadoras que utilizavam mingau na dieta da criança. Esse fato nos leva a refletir sobre as práticas da alimentação complementar infantil, sendo, mais uma vez, necessária a intervenção sistemática dos profissionais de saúde para orientá-las sobre a alimentação saudável para introdução de alimentos após os seis meses de idade, além do leite materno 22.
O papel da mídia vem sendo apontado como importante durante a implementação de programas que visam adotar um novo modelo de cuidado às crianças, pois há necessidade de téncicas motivacionais e de convencimento, para que as famílias compreendam o real valor do produto no contexto do seu crescimento e desenvolvimento saudável 9.
Como limitação do presente estudo podemos indicar que os resultados são relativos às usuárias das UBS participantes deste estudo nas quatro cidades estudadas e a interpretação desses achados para outros cenários exige cautela. Não utilizamos a observação direta do uso do MNP pelas mães (durante a refeição), apreendendo apenas o discurso verbalizado por elas. Estudos etnográficos poderão ser úteis em outras pesquisas, assim como a possível observação das crianças para maior conhecimento sobre sua percepção no uso da fortificação caseira com MNP.
A partir da presente análise, reforçamos a necessidade de um treinamento intensivo envolvendo toda a equipe de saúde e educadores. O uso da mídia falada e escrita é essencial para que a maioria da população conheça o produto. Propagandas em massa são necessárias como elementos facilitadores na disseminação do MNP, planejadas de forma clara, objetiva e bastante ilustrativa. Dessa forma, busca-se obter maior taxa de adesão a essa intervenção visando à prevenção da anemia e deficiência de micronutrientes e, ao mesmo tempo, promovendo a alimentação a ser adotada na transição do aleitamento materno para a alimentação complementar saudável ♦